VIOLÊNCIA URBANA BANALIZADA


Quando até as mãos dos nossos jovens universitários, das classes abastadas, estão repletas de sangue é preciso que a nação reaja. Mataram um índio, espancaram um professor de matemática até quebrar-lhe o braço, bateram numa doméstica, quebraram os dentes de um vigia com chutes. Dois outros assassinaram os próprios pais. Todos esses casos foram manchetes nacionais. Estamos assistindo ainda a ação dos bandidos que arrastaram uma criança pelas ruas e mais outras centenas de atrocidades.
É preciso que a Nação se indigne e promova uma profunda mudança.
Não podemos mais aceitar esse Código de Processo Penal que só faz procrastinar os julgamentos e assegurar a impunidade para os criminosos. Não se pode mais aceitar uma Lei de Execuções Penais tão benevolente com os apenados. É preciso alterar a Constituição Federal para que a violência tenha punição exemplar.

Violência urbana no Brasil

É inegável que vivemos dias difíceis, a violência em toda sua plenitude tem envolvido grande parte da sociedade mundial. No Brasil, a violência tem feito milhares de vítimas, em alguns casos esse ato é praticado pela própria família, além de inúmeros outros ocorridos nas ruas.

Ao observarmos o quadro atual da violência urbana, muitas vezes não nos atentamos para os fatores que conduziram a tal situação, no entanto, podemos exemplificar o crescimento urbano desordenado. Em razão do acelerado processo de êxodo rural, as grandes cidades brasileiras absorveram um número de pessoas elevado, que não foi acompanhado pela infraestrutura urbana (emprego, moradia, saúde, educação, qualificação, entre outros); fato que desencadeou uma série de problemas sociais graves.

POLÍCIA E PRECONCEITO RACIAL


Author: Gidasio Silva.
“Quando a Polícia cai em cima de mim, até parece que eu sou fera…” Edson Gomes
“Todo camburão tem um pouco de navio negreiro…” Marcelo Yuka – O Rappa
O Brasil tem uma dívida incalculável com a questão histórica do preconceito racial e, embora haja algumas ações afirmativas das várias instâncias governamentais, tudo ainda é muito tímido no sentido de reparar uma ferida que permanece aberta, sendo magoada constantemente pelos contornos sociais estigmatizantes.
É certo que os navios negreiros não singram mais os mares, porém, os negros continua sendo tratados como escravos, alijados dos processos sociais, amontoados nos guetos onde o poder público não chega, onde o amparo à saúde é quase nulo e onde cultura, educação e lazer, são artigos de luxo, nem sonhados por aquela parte da população.
Há uma frase do poeta Carlos Drummond de Andrade, a qual tomo emprestada para o meu raciocínio: “As flores não nascem da lei”. Creio que mais do que leis que promovam cotas para os negros nas Universidades, que estabelecem ações afirmativas, precisamos de uma mudança íntima na nossa forma de pensar e agir. O preconceito, não apenas o racial, mas em seus vários prismas, nasce do entendimento deturpado de que “fulano” é superior a “beltrano” por conta de sua cor, de sua opção sexual, de seu status social, e tantos outros parâmetros usados para medir e justificar a opressão e a dor imposta ao outro, ao diferente.
Olhando agora para a instituição Policia Militar, é preciso se perceber que as ações individuais de seus membros, ainda que recorrentes, não são institucionalizadas, ou seja, não são passadas nos cursos de formação, nas regras de conduta interna. Muito pelo contrário, baseado na Constituição Cidadã, os regramentos internos das Policias, estabelecem que todo policial deve “tratar a todos com urbanidade, independente do credo, da cor, da opção sexual…” Então, por que as cenas de violência contra negros praticadas por policiais? Por que esse sentimento de repulsa à Polícia cantada em versos e prosas? Creio que pela natureza cerceadora da atividade policial, ela, a Instituição, acaba sendo identificada como “algoz que domina a chibata”. Esse sentimento histórico é ampliado pelas ações desastrosas e eivadas de preconceitos de alguns de seus integrantes, que, desmerecendo a Corporação e o juramento que realizaram, no qual prometeram “proteger a sociedade (sem discriminações), mesmo com o risco da própria vida…” , maculam o nobre papel de protetora e guardiã da comunidade.
O policial que age com truculência ou leniência diante de um fato, motivado pela cor da pessoa envolvida, não aprendeu essa atitude na Corporação. Ele já alimentava esses sentimentos e, usando uma farda da polícia, encontrou lugar para ampliar, injustificadamente os seus sentimentos e atitudes.
Por isso, creio que não podemos falar de preconceito racial praticado pela Instituição Policial, e sim, por alguns de seus membros, isoladamente. O preconceito racial, assim como um câncer, é um mal que acaba eclodindo em todos os sistemas e instituições da sociedade. Ele ganha lugar no coração e na mente do homem. Como as instituições são formadas por pessoas, são elas as responsáveis por propagar ou debelar os preconceitos de todos os matizes.
Assim, talvez de uma maneira romântica e utópica, creio que o grande desafio da sociedade, no sentido de desarraigar o preconceito racial, é o estabelecimento de um pacto que envolva o processo educativo, cultural, social e econômico, tendo como alvo, o lugar onde nasce o preconceito: o coração e a mente de cada homem e mulher. Em arremate, este é um desafio para a Polícia, a Universidade, a Escola, a Família, a Igreja, em suma, para aqueles que não perderam a capacidade de ouvir os ecos do passado e se aventuram na construção de um mundo novo, a começar pelo seu mundo interior.
- José Carlos Vaz Souza Miranda

Na Paraíba morrem 1.083% mais negros do que brancos, diz Mapa da Violência


O Mapa da Violência divulgou nesta quinta-feira (24) dados estarrecedores sobre número de mortes de negros e brancos no Brasil. Nos números ficou constatado que no Brasil, em cada três assassinatos, dois são de negros.
Em 2008, morreram 103% mais negros que brancos. Dez anos antes, essa diferença já existia, mas era de 20%. Esses números estão no Mapa da Violência 2011, um estudo nacional que será apresentado hoje pelo pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz.
Os números mostram que, enquanto os assassinatos de brancos vêm caindo, os de negros continuam a subir. De 2005 para 2008, houve uma queda de 22,7% nos homicídios de pessoas brancas; entre os negros, as taxas subiram 12,1%.

Treze brasilienses vão contar, como é ser negro e morar na capital do país


Nem todos nascem sabendo que são negros. No país que até hoje renega ou disfarça o preconceito racial, os de pele parda ou preta têm de aprender que pertencem a uma matriz comum, que são herdeiros de 380 anos de escravidão e de mestiçagem com o português e com o índio. Na capital dos brasileiros, os afro-descendentes são tratados de um modo singular e ao mesmo tempo perverso. A segregação é espacial. Enquanto o Plano Piloto é 70% branco, o Itapoã é 79% negro (preto + pardo) ou 64% pardo.
No ano em que se comemora o centenário de nascimento do abolicionista Joaquim Nabuco, o Correio Braziliense vai contar a história de negros brasilienses, homens e mulheres, adolescentes e adultos, moradores de áreas nobres e de cidades-satélites. Relatos em primeira pessoa de quem experimenta o preconceito, as dúvidas, as angústias, os medos, a raiva, as conquistas, a dor e a delícia de ter a identidade negra.

Desigualdade racial no mercado de trabalho diminui pouco no Brasil

Desigualdade racial no mercado de trabalho diminui pouco no Brasil

  A desigualdade racial no mercado de trabalho no Brasil diminuiu, mas os negros continuam recebendo salários menores e as mulheres negras são maioria entre trabalhadores sem carteira e empregados domésticos. ne algumas partes do Brasil os negros recebem metade que os brancos recebem, um preconceito absurdo, só pela cor de sua pele eles são considerados diferentes e mesmo quando tem nível superior o negro tem mais dificuldade em conseguir um emprego. Em Porto Alegre, a taxa de desemprego entre os negros com ensino superior é 2,5 pontos percentuais maior do que entre os brancos.

Movimento Negro e a relação Classe/Raça



Neste início de século, parece não haver dúvidas sobre a consolidação do movimento negro no cenário das lutas sociais do Brasil. Seu combate contra o racismo, chega ao século XXI de modo bastante forte e atuante. Numa demonstração de importância em relação ao conjunto dos movimentos sociais. Graças a isso, a discriminação racial, que é um dos principais problemas estruturais da nação brasileira, ganhou uma ampla visibilidade social. O que, de certa forma, forçou mais uma vez o debate sobre a questão racial no Brasil e a situação subalterna dos negros.

Entretanto, esse avanço não se deu de modo harmônico e consensual internamente. Em muitos momentos o próprio movimento negro demonstra fragilidades em relação à sua unidade. Principalmente sobre a questão que envolve a relação classe/raça. De um lado, existem setores defensores de uma luta anti-racismo desvinculada com a questão de classe, já que para eles, no Brasil o elemento determinante para a situação social de um indivíduo é muito mais racial do que classista. De outro, argumentam que no Brasil, assim como em qualquer outro país capitalista, a situação de classe interfere diretamente nas questões raciais. E neste sentido, a luta anti-racismo deve ser vinculada à luta de classes.

Claro que essas duas posições, que permeiam muitos dos debates internos do movimento negro, não parecem ser simples de solução. Tanto uma quanto a outra, apresentam boas argumentações, com diversos exemplos coerentes e legítimos. Todavia, ao invés de caminharem para uma posição consensual, elas assumem, quase sempre, a forma da polarização-oposição. Demonstrando que classe e raça não são elementos fáceis de conciliação. A pergunta que se pode fazer é: quais são os motivos para a existência dessa polarização interna no movimento negro?

Florestan Fernandes foi um dos principais autores brasileiros a se defrontar com essa questão. Sendo que para ele a união desses dois elementos era fundamental para uma luta eficaz do movimento negro.

Encarregado de fazer um estudo sobre os negros no Brasil para a UNESCO, Florestan, em 1951, passou a pesquisar a relação raça e classe em São Paulo. Nesta ocasião, lançou-se ao confronto da idéia de que no Brasil existia uma “democracia racial”, fundamentada por Gilberto Freire. Para o escritor baiano, a harmonia racial seria a contribuição brasileira para as relações sociais de outros povos.

Por um lado, esse conflito poderia até ser justificado caso os negros da sociedade brasileira estivessem inseridos nas diversas classes sociais de modo equilibrado, sem grandes assimetrias. Pois assim, não haveria como argumentar que o racismo é praticado independentemente da classe social. Isso poderia até acontecer, quer dizer, haver práticas racistas independente da condição de classe dos negros. Talvez, os Estados Unidos seja um bom exemplo disso. Mesmo que a eliminação do fator classe, ainda sim, seja arriscada. Todavia, essa não é a realidade do Brasil. A grande maioria dos negros brasileiros está inserida nas classes subalternas. E isso não é, de maneira alguma, uma novidade. Portanto, como não envolver a classe social na questão do racismo?

Por outro lado, a situação do negro brasileiro foi, por um bom tempo, desmerecida pelo movimento comunista. O próprio Partido Comunista Brasileiro, defendia a tese de que a questão do racismo era uma questão puramente de classe. Tal postura, certamente, acabou distanciando o movimento negro das lutas de cunho classista. Mesmo que em muitos casos essa grande parte da população estivesse inserida na estrutura da classe operária, ela não se sentia representada pelos órgãos comunistas na luta anti-racismo. As privações que o negro sofria eram vistas apenas sob o angulo do interior da fábrica, desconsiderando todo o aspecto repressivo lançado pela cultural racista da sociedade.

De certa maneira, o que acontece nos dias atuais referente à recusa de parte do movimento negro em considerar a questão de classe, assemelha-se ao que o movimento comunista fez tempos antes com a luta do negro. Partindo das reflexões de Florestan, ambos, estiveram ou estão em direções equivocadas.

Para ele, no Brasil classe e raça são dois elementos explosivos e revolucionários e que por isso devem ser unidos. Simbolicamente o 1º de maio dia do trabalho e 20 de novembro dedicado a Zumbi, representam os laços econômicos, morais e políticos que prendem os oprimidos entre si e subordinam todas as suas causas a uma mesma bandeira revolucionária. Assim, os comunistas devem saber que o “preconceito e a discriminação raciais estão presos a uma rede da exploração do homem pelo homem e que o bombardeio da identidade racial é prelúdio ou o requisito da formação de uma população excedente destinada, em massa, ao trabalho sujo e mal pago...” (Florestan, 1989, p.28)

A questão exposta pelo autor, está centrada na idéia de que o operário negro necessita superar dois tipos de ideologias que as classes dominantes do capitalismo criaram. A primeira corresponde à idéia de que o pobre não se torna rico devido tanto à sua vida mundana, quanto à falta de parcimônia com relação aos seus ganhos. A segunda relaciona-se à idéia de que os negros fazem parte de uma raça inferior, não dotada de razão e civilidade, em relação aos brancos. Então o negro operário dos dias atuais carrega nas costas o peso de duas fortes ideologias, produzidas pelo capital, a de que ele é “mundano” e “inferior”.

Assim, os negros possuem uma tarefa dupla, a de desvendar os motivos pelos quais são operários e também pelos quais são submetidos ao racismo pelas elites em geral, mas fundamentalmente a branca. Tais reivindicações fazem parte de um profundo e amplo projeto de nação realmente revolucionário, pois tem como objetivo desmistificar a realidade criada pelas elites do Brasil. Portanto, os negros têm como tarefa “limpar” da nação brasileira parte significativa das formas estranhadas de entender a sua sociabilidade. E neste sentido, um dos primeiros obstáculos a ser superado corresponde à teoria da existência de uma “democracia racial”.

Para Florestan, a desmistificação dessa idéia de convivência pacífica entre as raças no Brasil, deveria ser um dos primeiros passos que o movimento negro deveria dar como forma de fortalecimento. Em seguida, ele deveria construir um movimento de oposição à ideologia dominante, criando assim suas bases político-culturais de combate não apenas ao racismo, mas também ao capitalismo. Na verdade, sua luta deve ser canalizada para a conquista de uma “Segunda Abolição” que parta de baixo para cima, ao contrário da Primeira. Combatendo além da elite branca, também a pequena camada privilegiada negra. Esse pequeno grupo de negros que passou a integrar as camadas médias, que segundo Florestan são os “novos negros”, devem ser combatidos uma vez que, alcançado o conforto da vida burguesa, eles passaram a rejeitar e satanizar o movimento negro perante a sociedade. Tal processo de ida de alguns negros para as classes privilegiadas teve início na década de 1940, aprofundando-se posteriormente. O “novo negro”, na verdade, buscava a igualdade social por meio de um processo pacífico e gradual. Voltando-se para os interesses pequeno-burgueses e prontos a excluir de suas relações os “negros inferiores”. Assim, a luta contra a subordinação do movimento passou a ficar em mãos exclusivas da grande maioria oprimida.

Aqui fica evidente que a chamada “democracia racial” não teve como alvo apenas as classe dominantes, em sua maioria branca, seus propósitos ideológicos também penetraram de modo devastador entre os negros. Em conseqüência, percebe-se o aprisionamento de parte desses indivíduos em certos paradoxos que conduzem à negação de si próprio. Não conseguindo se ver como de fato são vistos pelos brancos.

De modo breve, essas são algumas questões postas por Florestan Fernandes que podem ajudar sobre a questão aqui posta, que é o de ressaltar algumas determinações da relação raça/classe no interior do movimento negro. Mesmo que Florestan tenha feito essas análises no final da década de 1980, suas idéias permanecem instigando e contribuindo para se pensar novas táticas teórico-políticas. De certa forma, suas idéias ainda podem ajudar a entender o papel social e histórico que o movimento negro tem numa sociedade capitalista como a brasileira. Também fornecem elementos que desmistificam a polarização-oposição estrutural entre classe operária/movimentos sociais, deixando clara a existência de equívocos de ambos os lados. Em outras palavras, para o autor, a estrutura da classe operária brasileira é composta não somente pela questão social, mas também pela questão racial, o que concretiza a particularidade da luta de classes no Brasil. E neste sentido, tenta traduzir suas especificidades nacionais em luta radical, buscando a particularidade do processo de inovação social em âmbitos brasileiros.
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Mesmo que o crescimento do movimento negro esteja assentado, fundamentalmente, sobre lutas raciais específicas – ou seja, em equívocos anteriores e bastante caros a ele, graças ao isolamento social provocado – estruturalmente raça e classe no Brasil estão intimamente ligadas.

E as sugestões dadas por Florestan contribuem para se entender os motivos nos quais repousam essa polarização-oposição entre classe/raça presente no interior desse movimento. Primeiro pela recusa dos comunistas em tratarem a questão racial em suas verdadeiras dimensões. Segundo pela “cooptação” de certa parte dos negros ao universo ideológico das elites. Ao que parece, a junção desses dois fatores criaram o que hoje é facilmente percebível nos debates do movimento negro sobre a relação classe/raça.

Portanto, as tarefas desse movimento parecem ser muito mais complexas do que se possa imaginar, à medida que trava uma batalha tanto externa contra as desigualdades sociais e raciais, quanto interna para buscar uma unidade de grupo realmente definido e coeso perante a sociedade. Ao que tudo indica, o solução de uma está intimamente ligada ao caráter da outra. Neste sentido, as formas assumidas pela luta política-ideológica estão ligadas aos rumos teóricos pelos quais a relação raça/classe se desenvolveram.


Por CLAUDIO REIS

Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da FFC/Unesp, campus de Marília. Membro do Grupo de Pesquisa Cultura e Política do Mundo do Trabalho

Bibliografia:

FERNANDES, F. Significado do protesto negro . São Paulo, Cortez, 1989.
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Racismo e Preconceito na Sociedade de Classes: Contraposições, iniciativas e quebra da reprodução de conceitos racistas



Existe uma prática cotidiana de taxar o negro de racista às avessas, quando reproduz algum tipo de preconceito a outro segmento racial. Acreditamos que para este debate é fundamental entender dois conceitos. Primeiro, o conceito de racismo. Alguns intelectuais erram quando restringem o racismo ao ódio entre as raças. O segundo ponto é a concepção de preconceito.


"A arma mais poderosa nas mãos do opressor é a mente do oprimido"

(Steve Biko)


O racismo é o preconceito contra um grupo racial distinto, fazendo com que o grupo opressor construa mecanismos de distanciamento e de controle sobre outro grupo racial. O racismo cria mitos, padrões, formatos, critérios, etc. Esses elementos juntos conformam-se em valores morais e estéticos, formalizando o que é certo e o que não é, o que é bonito e o que é feio, o que deve ser aceito e o que deve ser repudiado. Não é necessário entrar no debate já superado sobre o conceito de raça biológica. Todos sabemos que, do ponto de vista biológico, as raças não existem. Reivindicamos a raça negra sob critério político, de um segmento étnico no Brasil, em sua maioria afrodescendentes que sofreram e sofrem preconceito e discriminação.



O racismo constrói leis, regras e mecanismos para manter o poder político e econômico, em detrimento da raça oprimida. Conforme Lênin, “o Estado é a organização especial de um poder: é a organização da violência”. A Universidade, na qual entram os filhos das elites, que são os das melhores escolas particulares, que por uma naturalização perversa são os filhos dos não-negros. A televisão, que prefere “gente bonita” que obedece a um padrão de beleza europeu, que é necessário para aparecer na mídia; logo, o padrão negado – o negro, no caso do Brasil -, não estará na televisão. Obviamente existem exceções, existe um ou outro negro que se adapta ou adéqua ao padrões para adquirir aceitação. Enfim, o racismo é um mecanismo perverso de manutenção de hegemonia, para exercê-lo é fundamental conseguir preponderância, coisa que hoje a população negra não possui. Não existem leis, regras, universidades, política, normas que fortaleçam uma dominação negra contra um segmento dominado.



O preconceito, por sua vez, é um juízo preestabelecido, manifestado geralmente na forma de uma atitude discriminatória perante pessoas, lugares ou culturas consideradas diferentes. O ser humano tenta de forma equivocada estabelecer conceitos sobre coisas das quais desconhece, ou conhece superficialmente. Reproduzir o preconceito é um equívoco irrefletido.



As opressões sempre são geradas a partir de um movimento em cadeia, responsável por sua perpetuação. Três atores são fundamentais na constituição da opressão racial: o ser hegemônico, que organiza a opressão; o emissor da opressão; e o receptor oprimido. Dois dos maiores emissores do racismo, Demétrio Magnoli e o deputado federal Jair Bolsonaro, repetem que todos os avanços das políticas afirmativas criam uma sociedade divida em raças. É bastante cômico, pois não fomos nós quem criamos a sociedade racializada, ela foi construída com tijolos sólidos pelos não-negros. Existindo esta sociedade racializada, utilizamos o conceito político de raça para exigir reparação. No final, percebemos que não debater a divisão racial da economia é manter as estruturas como estão, o que não é nada ruim para a elite hegemônica, que no Brasil é formada por não-negros.



Nesse sentido, a ministra Matilde Ribeiro ousou ao afirmar que “não é racismo quando um negro se insurge contra um branco”. E disse ainda: “A reação de um negro de não querer conviver com um branco, eu acho uma reação natural. Quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou”. Entendemos que a declaração da ministra aponta na direção de desconstruir a ideia de um racismo às avessas, uma vez que a prática racista apóia-se em um tripé político-econômico-étnico, inacessível ao trabalhador negro. O racismo é uma prática eminentemente política, interessante a uma elite branca que oprime política e economicamente. É importante ressaltar essas dimensões política e econômica do ato racista, pois existem os milhões de brancos brasileiros descendentes de imigrantes europeus pobres que vieram trabalhar na lavoura do café no fim do século XIX, após a abolição da escravatura, e que mais tarde, no veloz processo de urbanização e industrialização do país no século XX, com o declínio da economia cafeeira, migraram para as grandes cidades e transformaram-se nos operários oprimidos pela mesma hegemonia racista, que de tão abrangente afeta também o branco pobre. Portanto, é preciso revelar a luta de classes, em que há uma elite branca opressora e uma imensa massa oprimida, em grande maioria negra, mas que também incorpora os não-negros que historicamente sofreram o êxodo rural e os descendentes dos povos indígenas, que tiveram suas terras violentamente roubadas. O brasileiro trabalhador que discrimina seu companheiro negro reproduz irracionalmente o discurso do ser hegemônico, que organiza, legitima e dissemina a opressão racial e a falsa inferioridade do povo negro.



Ainda abordando o “racismo às avessas”, podemos citar o caso do bloco afro ilê aiyê, que sofreu muitas acusações de promover essa atitude. O bloco surgiu em 1974, e desde aqueles dias até hoje tem provocado muita polêmica. Quando surgiu, o jornal “A Tarde” publicou: "Bloco Racista, Nota Destoante", declarando que “não temos, felizmente, problema racial. Esta é uma das grandes felicidades do povo brasileiro”. Naquela época, os blocos de Salvador faziam um criterioso pente-fino com foto, endereço e faixa salarial para acessar ou não um bloco de carnaval pago. De lá para cá algumas coisas mudaram. O Bloco ganhou notoriedade, organizou movimentos, afirmou um povo e propõe a igualdade, a seu modo, empurrando o dedo na ferida. Mesmo com fama e prestígio, o Ilê Aiyê representa as cotas no Carnaval, na festa onde os trabalhadores negros trabalham para os brancos beijarem-se e divertirem-se. Para acessar o Ilê o critério não é meramente econômico, até porque se fosse assim excluiria a população negra. O critério para acessar o ilê aiyê é racial, é político, utiliza um mecanismo de combate ao racismo que se chama “discriminação positiva”: discriminar para dar entrada aos excluídos. O seu principal objetivo é fazer luta. Com certeza, um dia o Ilê se abrirá, mas quando houver igualdade.



O sentido de políticas afirmativas, como a do Ilê, é corrigir as desigualdades historicamente construídas, não criar um novo apartheid. O povo negro não deseja incitar o ódio ou a segregação, como afirmam os servos midiáticos da elite, mas protagonizar o processo de libertação dos trabalhadores oprimidos. “A grande tarefa humanística e histórica dos oprimidos é libertar-se a si e aos opressores,” como anunciou Paulo Freire. Isso só se torna possível quando os oprimidos lutam para libertar-se da situação de opressão em que vivem e modificar as estruturas do sistema opressor, que permite a violência do dominador, para que ninguém mais seja oprimido. Até porque, caso contrário, a luta não teria sentido, pois seria apenas uma troca de elites.



O problema da ação do capital no Brasil se dá principalmente em detrimento da população negra. Para Marx, “a história da sociedade até os nossos dias é a história da luta de classes”. A luta de classes no Brasil está intrinsecamente ligada à luta anti-racista. É necessário organizar uma contra-ofensiva, não orientada pelo ódio – inútil à revolução - , mas norteada pela consciência da luta de classes e pela revolta contra esse modo indigno, desumano e injusto de organização social, promovido pela elite branca contra o trabalhador, especialmente o trabalhador negro. Não perdemos de vista que “o verdadeiro revolucionário é guiado por grandes sentimentos de amor”, como afirmou Che.



A tarefa é árdua, mas a vitória virá! Evidentemente, nós, negros e negras organizados, devemos dialogar nossas pautas cotidianamente com os setores que fazem a luta. Existem muitos aliados não-negros, por isso militantes da esquerda, movimentos sociais, dos direitos sexuais e das mulheres devem permanecer unidos.



Tendo em vista os aspectos observados, percebemos que os negros muitas vezes até reproduzem o preconceito que eles sofrem, mas isso não pode ser chamado de racismo. Mesmo assim, qualquer tipo de preconceito é nocivo, perverso e deve ser extirpado das relações humanas. O preconceito racial deve ser denunciado e excluído de toda forma de ação do Estado ou política pública. Para tal, nos organizemos duramente contra esse mal! Recordando o grande Luther King, “devemos aceitar a decepção finita, mas nunca perder a esperança infinita.”



Herlom Miguel é Militante do Coletivo Nacional Enegrecer



Diego Lustosa e Estudante História da Universidade Católica de Salvador, Militante da Kizomba e aliado da Luta Anti-racista
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É preciso enegrecer



A herança cultural racista permanece forte e se renovando. O racismo segue sua rota numa estrutura mais suave e amena, através de piadas e expressões que remetem à negação. Essas negações se utilizam de variadas linhas, desde simbólicas, subjetivas, até as mais objetivas e nítidas possíveis. Contudo, nossa capacidade de indignação é que não pode se adequar aos novos fluxos das expressões e linguagens racistas.


"Ser negro no Brasil é, com freqüência, ser objeto de um olhar enviesado. A chamada boa sociedade parece considerar que há um lugar predeterminado, lá em baixo, para os negros". (Milton Santos)



A luta contra-hegemônica da esquerda deve combinar muitas táticas. A tática que citaremos trata da necessidade de lutar contra as ações do capitalismo que atacam a autoestima e afirmação da classe trabalhadora que, no caso do Brasil, possui um percentual maior de negras e negros. Labutadores que, por causa da lógica construída pelas elites, perseguem os símbolos, fetiches e formas eurocêntricos.
As crianças aprendem a dizer que o cabelo crespo é “ruim”. Sendo assim, o cabelo liso é o “bom”. Mas será que não seria o contrário, já que algumas pessoas acham que os cabelos crespos são até mais fortes? As bonecas brancas, loiras e ruivas invadem nossas casas, obviamente, seguindo o padrão racista dos “bebês bonitos”.


Essa é uma agressão sem tamanho, meninas são educadas para a maternidade e para desejar filhos com essa aparência.
Na religião, não é diferente. O candomblé não é respeitado como capital cultural popular. Não existem grandes produções cinematográficas que abordem e propaguem os deuses negros, nem como seres mitológicos. Voltando ao tema desta contribuição e associando-o à religião, vimos como são naturalizadas as expressões negativas que remetem aos negros. Ninguém é xingado assim: "Seu espírita!", "Seu evangélico!", "Seu mulçumano!", nunca. Mas quem nunca ouviu alguém chamar outro, de forma pejorativa, de “macumbeiro”?


A ridicularização racial é vista como brincadeira, até quando citam algumas profissões. Pense, quando alguém chama outro de “lixeiro” ou brinca dizendo “você é minha empregada”, essas são ocupações de enorme predominância da população negra e há sempre execração quando se remetem a elas. Culturalmente, nos espaços onde há hegemonia da cultura negra, as maledicências sempre se reforçam.


Já as profissões tidas como de alto prestígio são aquelas onde há quase totalidade da população branca e onde há reforço da idéia de que são profissões melhores. Ficaríamos aqui durante muitas páginas citando as expressões racistas. Só para tentar fazer uma avaliação resumida, lembremo-nos de alguns fatos corriqueiros. Expressões do tipo "nuvens negras", que remetem a tempo ruim, "ovelhas negras", que são aquelas pessoas da família que, com certeza, não são as melhores.


Uma expressão clássica e muito usada no sudeste é “neguinho adora fazer isto ou aquilo ”. Este "neguinho" da frase sempre está ligado a fazer algo errado, conseguir vantagem de forma desonesta ou algo negativo. Nunca se ouve "neguinho adora estudar", "neguinho adora ajudar as pessoas". É nessa perspectiva que a linguagem racista cumpre um papel fundamental para o capitalismo. Seguimos dizendo que este movimento tem um motivo.


O povo que se afirma, que constroi autoestima e preserva sua identidade, com certeza, se organizará . A partir do momento no qual a população negra se coloque na condição de explorada e agredida, obviamente construirá revolta suficiente para lutar contra o sistema. Temos que renovar nossa opinião sobre a linguagem utilizada. Foi por isso também que criamos o Coletivo Nacional Enegrecer, no dia 15 de abril de 2007.


Chega de coisas “esclarecidas”, queremos usar a cultura, inteligência, força e heranças negras para enegrecer o Brasil e nossa linguagem. Enegrecer é transformar em negra, idéias, mentes, esperanças e lutas. E o que é negro ou negra não é ruim. Foi o sangue e o suor deste povo que construiu o Brasil. *Miguel Carvalho integra o Coletivo Nacional Enegrecer
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OS NEGROS E A SUA INFLUÊNCIA POLÍTICA E SOCIAL NO BRASIL





Segundo Moura (1989a), que a história do negro no Brasil se mescla quase que por completo na própria formação da nação brasileira, através de sua evolução histórica e social. Considerado um objeto e não raro como uma força animal de trabalho, o negro contribuiu decisivamente para o desenvolvimento da economia em desenvolvimento, que entretanto, foram excluídos da divisão das riquezas acumuladas.
O negro além de povoar, desenvolver a economia riqueza nacional, e disseminar a sua cultura, também, atuou políticamente. Por inúmeros movimentos sócio-políticos despontados ao trajetória social e histórica brasileira, ocorreu a participação do negro escravo ou livre. Sem mencionar aos Quilombos, vistos como movimentos políticos independentes dos escravos, sendo que em quase todas as lutas ocorridas ou planejadas os negros estiveram presentes, desde o século XVI até a atualidade. (MOURA, 1989a).

Nas lutas pela expulsão dos holandeses, nas lutas pela Independência e a sua consolidação, na Revolução Farroupilha, nos movimentos radicais da plebe rebelde, como a Cabanagem, no Pará, no Movimento Cabano, em Alagoas, ele esteve presente. Também na Inconfidência Mineira, na Inconfidência Baiana, para lembrarmos mais alguns, a sua presença é incontestável como elemento majoritário ou como participante menor. Após o fim da escravidão e do Império, o negro se incorporará aos movimentos da plebe, como em Canudos, na comunidade do Beato Lourenço e, mais destacadadamente, na Revolta de João Cândido. (MOURA, 1989, p.39).

Através da participação nestas lutas sociais no Brasil, o negro conseguiu ampliá-las e transformá-las em lutas sócio-radicais, impondo um componente novo, representado por sua participação e reivindicações, pois a etnia negra, mais que explorada era discriminada racialmente (MOURA, 1989a).
A história do negro e dos afrodescendentes, se inicia com a chegada das primeiras levas de escravos vindos da África, desembarcadas a partir de 1549 na Capitania de São Vicente. A Corte portuguesa autorizou que os colonos importassem até 120 africanos para as suas propriedades. Contudo, vários historiadores consideram que antes dessa data já haviam entrado negros no Brasil, pois na nau Bretoa, enviada em 1511 por Fernando de Noronha, haviam negros no seu bordo, presença esta que se consolidaria nos séculos seguintes.
Com o processo de desenvolvimento e consolidação da economia colonial o tráfico de africanos para o Brasil se intensificou substancialmente, notadamente para o o Nordeste, onde se desenvolveu a agroindústria baseada no cultivo da cana-de-açúcar.
De acordo com Moura (1983, p.28):

Mantido o sistema escravista, o escravo passou a ser visto como semovente e o seu interior, a sua humanidade foi esvaziada pelo senhor até que ele ficasse sem verticalidade; a sua remuneração só era encontrada e conseguida na e pela rebeldia, na sua negação como escravo. Por outro lado, o branco senhor de escravos era o homem sem devir porque não desejava a mudança em nenhum dos níveis da sociedade. Completamente obturado pelo sistema fechado, o senhor de escravos é um exemplo típico do homem alienado.

O elemento negro se tornou o grande povoador, ocupando os vastos espaços geográficos vazios. Por outro lado, enquanto os colonizadores européus, notadamente portugueses, se dirigiram a Colônia visando um rápido enriquecimento e regresso, enquanto que para o negro africano seu retorno desta nova terra era praticamente impossível e sua vida presa a ela em definitivo (MOURA, 1989a).

Autora: Maria Salete
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Gravidez na adolescência afasta jovens das salas de aula




Beto Novaes/Estado de Minas09/05/06






Brasília - Nem a metade dos adolescentes de 15 a 17 anos está matriculada no ensino médio, etapa escolar indicada para essa faixa etária, e 18% estão fora da escola. O quadro pode ser ainda mais pessimista para as jovens. Quando cadernos e livros dão lugar às fraldas e mamadeira, boa parte das mães adolescentes acaba desistindo da escola.

Segundo informações do Ministério da Educação, um terço das jovens nessa faixa etária que estão fora da escola já são mães.

Aos 19 anos, Juliana Rocha da Silva, é mãe de duas crianças. Ela parou de estudar aos 15 anos, quando ficou grávida pela primeira vez. Casou-se, mas acabou perdendo o bebê. Aos 16 anos, engravidou novamente, e nasceu Hugo. Logo depois, veio Danielle, hoje com um ano. De lá para cá, Juliana já tentou voltar a estudar quatro vezes, mas acabou desistindo.

“Quando engravidei, eu enjoava. Depois, a barriga começou a aumentar e a ficar pesada e, para mim, era muito difícil ir à escola. Hoje quando eu penso em voltar, vêm outras dificuldades, porque não tem quem fique com as crianças”, conta Juliana.

Desde 1999, um projeto do Hospital Universitário de Brasília (HUB) oferece acompanhamento especial às adolescentes que já são mães. A coordenadora do programa, professora Marilúcia Picanço, que já atendeu mais de 800 meninas, destaca a vergonha e o cansaço como principais motivos apontados pelas jovens para abandonar a escola. Segundo a professora, 30% das adolescentes já estavam fora da escola antes de engravidar.

“Das que ainda estudavam, um percentual de 30% a 50% abandona os estudos. Elas dizem que sentem vergonha e cansaço. Algumas continuam a estudar, mas, quando chega mais perto do nascimento do bebê, param de ir à escola”, afirma a pesquisadora. E, quando já são mães, os cuidados com o bebê dificultam seu retorno à sala de aula.

De acordo com Marilúcia, as mães que conseguem retomar os estudos são aquelas que recebem apoio da família. Mas um colégio que se adeque às necessidades da aluna também é importante para garantir o sucesso escolar.

“Eu já sinto que as escolas estão mudando, apoiando mais e discriminando menos, mas a família é essencial. Se a menina mora perto da escola, a mãe ou a sogra levam o bebê para ela amamentar. Mas, se estuda longe de casa, não tem como ficar com a criança dentro da sala de aula por quatro ou seis horas”, compara.

Juliana espera um dia conseguir terminar o ensino médio. Ela pretende voltar este ano para a escola. Como ela, 40% das jovens atendidas pelo projeto do HUB engravidam pela segunda vez nos dois anos seguinte após o parto.

“Sem estudo não dá para fazer nada na vida. Eu penso em chegar à faculdade, mas, se conseguir concluir pelo menos o ensino médio, para mim já é uma vitória”, afirma.

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Gravidez na adolescência 2

Gravidez na adolescência  
Adolescentes que se tornam pais não devem fazer disso uma tragédia


Maria Helena Vilela
Educadora sexual e diretora
do Instituto Kaplan



O número de adolescentes entre 10 e 19 anos grávidas tem caído na maioria dos estados brasileiros, mas ainda existe muito a ser feito. O que falar de uma gestante adolescente? O quanto vai custar para conseguir realizar seu sonho, seu projeto de vida? Houve uma época em que a garota ficava grávida entre os 12 e 14 anos, o que era perfeitamente admissível. Mas isso foi há muito tempo, quando a mulher era educada para ser apenas mãe e esposa. Esse era o seu projeto de vida.

Hoje, as meninas e os meninos podem ser o que quiserem. Por isso, ter um filho na adolescência, no mínimo, pode atrapalhar sua preparação para enfrentar a concorrência no vestibular, sem falar no isolamento social que a chegada de um filho pode fazer acontecer. Baladas, viagem com amigos, passeios no shopping, cinema nos fins de semana não combinam com bebê nem com as responsabilidades econômicas, sociais e educacionais que o casal precisa assumir para atender as necessidades da criança.
Uma pesquisa americana acompanhou, por 11 anos, casais de adolescentes com filho e seus colegas de turma. Os jovens pais, quando comparados aos colegas que postergaram a paternidade, tinham atingido menor nível educacional e, mais frequentemente, realizavam trabalhos de menor prestígio, esperavam ter mais filhos e seus casamentos eram menos estáveis. Conclusão: quando um casal adolescente fica grávido, toda a comunidade a que pertence é afetada por esse fato. Os amigos, os pais, os professores e a própria escola, como um todo, precisam alterar sua rotina para atender às necessidades da aluna gestante.

A adolescência apronta armadilhas difíceis de serem vencidas pelos jovens, principalmente, quando o que está em jogo é o prazer sexual. Mas, mesmo assim, é possível se proteger de uma gravidez na adolescência. Pare e experimente fazer um exercício para identificar seu sonho, a realidade que quer construir para você. Trace um plano de vida e elabore estratégias para alcançá-los e observe as consequências de uma gravidez nesses seus planos.

A falta de diálogo com os pais é um ponto forte na vulnerabilidade dos adolescentes à gravidez. Os estudos mostram que jovens que conversam com seus pais sobre sexo engravidam menos nessa fase.

No entanto, quando adolescentes se tornam pais, é importante que não se faça desse fato uma tragédia nem a desculpa para todas as dificuldades que enfrentarão. Nenhum fato tem apenas o lado ruim. A jovem gestante pode identificar os aspectos positivos dessa transição e procurar tirar proveito dessa experiência maravilhosa que é ser mãe.
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Como vivem os casais que moram nas ruas


Pensar na felicidade do outro e ter e um bom “cobertor de orelha” nas frias noites de inverno de SP ajudam a unir os apaixonados

Marcelo Duarte Jatobá, iG São Paulo 
Casados, sim. No papel? Não. Mas, e daí? O mais importante em uma união estável não são o respeito, a parceria e o amor? Neste caso, os casais moradores de rua mostram que a condição em que vivem não interfere na manutenção da relação. E conseguem ter uma vida quase normal. “À noite, a gente se cobre e faz um amor gostoso na rua. Já era”, conta o espontâneo e debochado carioca Ramon Oliveira da Silva, 23, casado com a paraguaia Liz Francieli Gonzalez, 29, que não se sente muito confortável com a situação. Mas se adapta. “É bom. Mas eu preferia que fosse em casa.”


Foto: Amana Salles/ Fotoarena Ampliar
Ramon e Liz conseguiram sair da rua, mas voltaram por causa do vício dele. Agora, ele quer melhorar de vida por ela


Os dois passam os dias (e as noites) em um pequeno espaço da Praça Dom José Gaspar. Cobertores e mantas espalhadas pelo chão marcam o território, ocupado por outros companheiros sem-teto. Silva está nas ruas de São Paulo há dois anos; Liz, há oito meses - o mesmo tempo de duração do relacionamento. O casal já até tentou viver em um apartamento. Mas não funcionou. “A gente ia noivar. Mas, enquanto eu saía para trabalhar, ele pegava as coisas de casa e vendia para comprar droga. Perdemos tudo e voltamos para a rua”, diz Liz. “Agora, estamos pensando em construir tudo de novo.


O jovem Silva confessa: “Uso de tudo.” São tantas as drogas que ele nem cita o álcool, relegado a segundo plano. Ela é mais contida. “Eu sou mais de beber. Só uso crack de vez em quando. E com ele”, diz ela, que, nos últimos oito meses, engravidou duas vezes do companheiro. “Perdi os dois”.

É a vida dos sonhos de um casal? Independentemente de conceitos e respostas prontas, amor não falta. “É amor verdadeiro”, declara, convicto, Silva. Ele fala de seus planos com Liz. “Casar, casar e casar. Ter filhos com minha mulher. E também sair da rua. Gosto da rua. Me sinto livre, sem horários para acordar ou dormir. Mas não quero mais isso para ela.” “Nos primeiros dias na rua, não me acostumava. Depois, acostumei. Mas quero sair”, sonha a paraguaia.
“Estou grávida de gêmeos”
Nem a diferença de 24 anos de idade importa para o casal Antonio Luiz de Oliveira, 26, e Elizabete Miranir de Oliveira, 50. Moram na Praça da Sé há anos. Estão juntos há apenas quatro meses. Mas garantem estar apaixonados. “Somos casados de rua”, brinca ela. “Ele é meu amor. Desde que ficamos juntos pela primeira vez, não nos separamos mais”, completa Elizabete, mineira de Guaxupé. “Ela é minha companheira. Está todo dia comigo. Ninguém mexe. Protejo e cuido dela”, detalha Oliveira, nascido em São Bernardo do Campo, no ABC paulista.


Foto: Amana Salles/Fotoarena
Antonio e Elizabete perderam a casa e a profissão por causa do alcoolismo


Elizabete mostra, com orgulho, sua barriga. “Estou grávida de gêmeos.” Ela diz estar feliz com a gestação, mas não esconde a preocupação. “Quando soube, só chorava, chorava, chorava... De vez em quando, ainda tenho crises de choro”, relata. Ele assume a responsabilidade. “Agora, eu tenho que fazer o corre. Fico pedindo ali”, disse, apontando para a calçada em frente a uma loja do comércio local. “Sou esmoleiro, pedidor”, define ele, que calcula ganhar entre R$ 20 e R$ 30 por dia. “Garanto a comida dela”, afirma.


Os dois, antes de viver nas ruas, tinham casa, família, dinheiro, profissão. O alcoolismo foi o que os levou a perder tudo. “Vim para a rua por causa da cachaça também. Não uso droga nenhuma. Só cachaça mesmo”, conta ele.

O vício tirou de Elizabete, ela diz, uma carreira em Direito. Ele, era marceneiro de “mão cheia”. “Fazia móveis projetados”, lembra Oliveira, há sete anos perambulando pelas ruas paulistanas. “Ele é novinho de rua. Eu estou há 30 anos”, compara. Para minimizar o efeito do frio nas noites de inverno, ela dá a receita. “Durmo enroscada, enrolada nele.”

Elizabete diz ser seu primeiro relacionamento sério nas ruas. Ele conta já ter sido casado. Mas a história não teve final feliz. “Minha ex-mulher morreu de overdose por causa de crack, no banheiro do Metrô.”
“Não dá para ficar longe da minha mulher”


Viver e dormir nas ruas pode ter lá seus contratempos. Mas é muito melhor enfrentar as noites ao relento junto de seu amor do que encarar um albergue. Pelo menos, é desta forma que pensam Bruna Aparecida Gomes, 21, e seu marido, Jonathan de Jesus Manta, 20. “Para dormir separado do meu marido, prefiro dormir na rua”, diz ela, categórica. “Não dá para ficar longe da minha mulher”, afirma ele, quase em uníssono. Nos albergues, homens e mulheres dormem em quartos separados.

Diferentemente da maior parte dos casais moradores de rua, eles não bebem. Também são mais privados. “Tem gente que consegue namorar na rua. Eu não consigo. Só em hotel”, garante Bruna. “A gente vai lá, faz o que tem que fazer, toma um banho e sai. Tem hotel baratinho, por R$ 5”, completa Manta.

Mesmo muito jovem, o casal tem larga experiência na rua. Ele, que nasceu na cidade de São Vicente (litoral paulista), está há 11 anos nesta situação; ela, da zona norte da Capital, há 13. O motivo, garantem, foram divergências familiares. Ela discutia muito com a mãe. Ele não gostava do padrasto. “Eu tinha amigos que já moravam na rua. Vim para conhecer e acabei ficando. Tenho família. Mas não consigo mais ficar na minha casa. Na rua não tem minha mãe para ficar falando”, relata Bruna. Já Manta resume: “Não fui com a cara dele [padrasto].”

Nem em tudo são diferentes dos outros casais, no entanto. Os planos são os mesmos dos demais apaixonados das ruas ou de qualquer lugar: casar e melhorar de vida. “Mais para frente, quero sair da rua, sim, e ter uma casa, levar uma vida normal”, planeja ele. Enquanto isso, sabe como esquentar as noites frias nas ruas da Capital. “Nessas horas, ter uma mulher é a melhor coisa. Dormir junto com alguém, ainda mais com alguém que a gente gosta, é muito bom.”
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A complexa gênese do povo judeu



Descobertas arqueológicas e etnográficas recentes revelam: a idéia de que os judeus seriam descendentes diretos de Moisés, Davi e Salomão é uma farsa ideológica. Como tantos outros povos, eles formaram-se num processo histórico rico e contraditório, que envolve múltiplas etnias e não cabe na descrição religiosa e fundamentalista que ainda prevalece

Shlomo Sand, para Le Monde Diplomatique

Qualquer israelense sabe que o povo judeu existe desde a entrega da Torá [1]no monte Sinai e se considera seu descendente direto e exclusivo. Todos estão convencidos de que os judeus saíram do Egito e fixaram-se na Terra Prometida, onde edificaram o glorioso reino de Davi e Salomão, posteriormente dividido entre Judéia e Israel. E ninguém ignora o fato de que esse povo conheceu o exílio em duas ocasiões: depois da destruição do Primeiro Templo, no século 6 a.C., e após o fim do Segundo Templo, em 70 d.C.

Foram quase 2 mil anos de errância desde então. A tribulação levou-os ao Iêmen, ao Marrocos, à Espanha, à Alemanha, à Polônia e até aos confins da Rússia. Felizmente, eles sempre conseguiram preservar os laços de sangue entre as comunidades, tão distantes umas das outras, e mantiveram sua unicidade.

As condições para o retorno à antiga pátria amadureceram apenas no final do século 19. O genocídio nazista, porém, impediu que milhões de judeus repovoassem naturalmente Eretz Israel, a terra de Israel, um sonho de quase vinte séculos.

Virgem, a Palestina esperou que seu povo original regressasse para florescer novamente. A região pertencia aos judeus, e não àquela minoria desprovida de história que chegou lá por acaso. Por isso, as guerras realizadas a partir de 1948 pelo povo errante para recuperar a posse de sua terra foram justas. A oposição da população local é que era criminosa.

De onde vem essa interpretação da história judaica, amplamente difundida e resumida acima?

Trata-se de uma obra do século 19, feita por talentosos reconstrutores do passado, cuja imaginação fértil inventou, sobre a base de pedaços da memória religiosa judaico-cristã, um encadeamento genealógico contínuo para o povo judeu. Claro, a abundante historiografia do judaísmo comporta abordagens plurais, mas as concepções essenciais elaboradas nesse período nunca foram questionadas.

Quando apareciam descobertas capazes de contradizer a imagem do passado linear, elas praticamente não tinham eco. Como um maxilar solidamente fechado, o imperativo nacional bloqueava qualquer espécie de contradição ou desvio em relação ao relato dominante. E as instâncias específicas de produção do conhecimento sobre o passado judeu contribuíram muito para essa curiosa paralisia unilateral: em Israel, os departamentos exclusivamente dedicados ao estudo da “história do povo judeu” são bastante distintos daqueles da chamada “história geral”. Nem o debate de caráter jurídico sobre “quem é judeu” preocupou esses historiadores: para eles, é judeu todo descendente do povo forçado ao exílio há 2 mil anos.

Esses pesquisadores “autorizados” tampouco participaram da controvérsia trazida pela revisão histórica do fim dos anos 1980. A maioria dos atores desse debate público veio de outras disciplinas ou de horizontes extra-universitários, inclusive de fora de Israel: foram sociólogos, orientalistas, lingüistas, geógrafos, especialistas em ciência política, pesquisadores em literatura e arqueólogos que formularam novas reflexões sobre o passado judaico e sionista. Dos “departamentos de história judaica” só surgiram rumores temerosos e conservadores, revestidos por uma retórica apologética baseada em idéias preconcebidas.

Ou seja, após 60 anos recém-completos, a historiografia de Israel amadureceu muito pouco e, aparentemente, não evoluirá em curto prazo. Porém, os fatos revelados pelas novas pesquisas colocam para todo historiador honesto questões fundamentais — ainda que surpreendentes, numa primeira abordagem.

Considerar a Bíblia um livro de história é um dos debates. Os primeiros historiadores judeus modernos, como Isaak Markus Jost e Léopold Zunz, não encaravam o texto bíblico dessa forma, no começo do século 19. A seus olhos, o Antigo Testamento era um livro de teologia constitutivo das comunidades religiosas judaicas depois da destruição do Primeiro Templo. Foi preciso esperar até 1850 para encontrar historiadores como Heinrich Graetz, que teve uma visão “nacional” da Bíblia. A partir daí, a retirada de Abraão para Canaã, a saída do Egito e até o reinado unificado de Davi e Salomão foram transformados em relatos de um passado autenticamente nacional. Desde então, os historiadores sionistas não deixaram de reiterar essas “verdades bíblicas”, que se tornaram o alimento cotidiano da educação israelense.

Mas eis que, ao longo dos anos 1980, a terra treme, abalando os mitos fundadores. Novas descobertas arqueológicas contradizem a possibilidade de um grande êxodo no século 13 antes da nossa era. Da mesma forma, Moisés não poderia ter feito os hebreus saírem do Egito, nem tê-los conduzido à “terra prometida” — pelo simples fato de que, naquela época, a região estava nas mãos dos próprios egípcios! Aliás, não existe nenhum traço de revolta de escravos no reinado dos faraós, nem de uma conquista rápida de Canaã por estrangeiros.

Tampouco há sinal ou lembrança do suntuoso reinado de Davi e Salomão. As descobertas da década passada mostram a existência de dois pequenos reinos: Israel, o mais potente; e a Judéia, cujos habitantes não sofreram exílio no século 6 a.C. Apenas as elites políticas e intelectuais tiveram de se instalar na Babilônia, e foi desse encontro decisivo com os cultos persas que nasceu o monoteísmo judaico.

E o exílio do ano 70 d.C. teria efetivamente acontecido?

Paradoxalmente, esse “evento fundador” da história dos judeus, de onde a “diáspora” tira sua origem, não rendeu sequer um trabalho de pesquisa. E por uma razão bem prosaica: os romanos nunca exilaram povo nenhum em toda a porção oriental do Mediterrâneo. Com exceção dos prisioneiros reduzidos à escravidão, os habitantes da Judéia continuaram a viver em suas terras mesmo após a destruição do Segundo Templo.

Uma parte deles se converteu ao cristianismo no século 4, enquanto a maioria aderiu ao Islã, durante a conquista árabe do século 7. E os pensadores sionistas não ignoravam isso: tanto Yitzhak ben Zvi, que seria presidente de Israel, quanto David ben Gurion, fundador do país, escreveram sobre isso até 1929, ano da grande revolta palestina.

Ambos mencionam, em várias ocasiões, o fato de que os camponeses da Palestina eram os descendentes dos habitantes da antiga Judéia [2].

Mas, na falta de um exílio a partir da Palestina romanizada, de onde vieram os judeus que povoaram o perímetro do Mediterrâneo desde a Antigüidade? Por trás da cortina da historiografia nacional, esconde-se uma surpreendente realidade histórica: do levante dos macabeus, no século 2 a.C., à revolta de Bar Kokhba, no século 2 d.C., o judaísmo foi a primeira religião prosélita. Nesse período, a dinastia dos hasmoneus converteu à força os idumeus do sul da Judéia e os itureus da Galiléia, anexando-os ao “povo de Israel”. Partindo desse reino judeu-helenista, o judaísmo se espalhou por todo o Oriente Médio e pelo perímetro mediterrâneo. No primeiro século de nossa era surgiu o reinado judeu de Adiabena, no território do atual Curdistão, e a ele seguiram-se alguns outros com as mesmas características.

Os escritos de Flávio Josefo são apenas um dos testemunhos do ardor prosélito dos judeus: de Horácio a Sêneca, de Juvenal a Tácito, vários escritores latinos expressaram seu temor sobre a prática da conversão, autorizada pela Mixná e pelo Talmude [3].

No começo do século 4, o êxito da religião de Jesus não colocou fim à expansão do judaísmo, mas empurrou seu proselitismo para as margens do mundo cultural cristão. Cem anos depois, surgiu o vigoroso reino judeu de Himiar, onde atualmente está o Iêmen. Seus descendentes mantiveram a fé judaica após a expansão do Islã e preservam-na até os dias de hoje. Da mesma forma, os cronistas árabes nos contam sobre a existência de tribos berberes judaizadas: contra a pressão árabe sobre a África do Norte, no século 7, surgiu a figura lendária da rainha judia Dihya-el-Kahina. Em seguida, esses berberes judaizados participaram da conquista da Península Ibérica e estabeleceram ali os fundamentos da simbiose particular entre judeus e muçulmanos, característica da cultura hispano-arábe.

A conversão em massa mais significativa ocorreu, no entanto, entre o mar Negro e o mar Cáspio, no imenso reino Cazar do século 8. A expansão do judaísmo do Cáucaso até as terras que hoje pertencem à Ucrânia engendrou várias comunidades que seriam expulsas para o Leste europeu pelas invasões mongóis do século 13. Lá, os judeus vindos das regiões eslavas do sul e dos atuais territórios alemães estabeleceram as bases da grande cultura ídiche [4].

Esses relatos sobre as origens plurais dos judeus figuraram, de forma mais ou menos hesitante, na historiografia sionista até o início dos anos 1960. Depois disso, foram progressivamente marginalizados e, por fim, desapareceram totalmente da memória pública israelense. Afinal, os conquistadores de Jerusalém em 1967 deveriam ser os descendentes diretos de seu reinado mítico, e não de guerreiros berberes ou cavaleiros cazares. Com isso, os judeus assumiram a figura de éthnos específico que, depois de 2 mil anos de exílio e errância, voltava para a sua capital.

E os defensores desse relato linear e indivisível não mobilizam apenas o ensino de história: eles convocam igualmente a biologia. Desde os anos 1970, uma sucessão de pesquisas “científicas” israelenses se esforça para demonstrar, por todos os meios, a proximidade genética dos judeus do mundo inteiro. A “pesquisa sobre as origens das populações” representa hoje um campo legítimo e popular da biologia molecular, e o cromossomo Y masculino ganhou um lugar de honra ao lado de uma Clio judia na busca desenfreada pela unicidade do “povo eleito”.

Essa concepção histórica constitui a base da política identitária do estado de Israel e é exatamente seu ponto fraco. Ela se presta efetivamente a uma definição essencialista e etnocentrista do judaísmo, alimentando uma segregação que mantém a distância entre judeus e não-judeus.

Israel, 60 anos depois de sua fundação, não aceita conceber-se como uma república que existe para seus cidadãos. Quase um quarto deles não é considerado judeu e, de acordo com o espírito de suas leis, esse estado não lhes pertence. Ao mesmo tempo, Israel se apresenta como o estado dos judeus do mundo todo, mesmo que não eles não sejam mais refugiados perseguidos, e sim cidadãos com plenos direitos, vivendo como iguais nos países onde residem. Em outras palavras, um etnocentrismo sem fronteiras serve de justificativa para uma severa discriminação ao invocar o mito da nação eterna, reconstituída para se reunir na “terra dos antepassados”.

Escrever uma nova história judaica, para além do prisma sionista, não é tarefa fácil. A luz que se refrata ao passar por esse prisma se transforma, insistentemente, em cores etnocêntricas. Mas, se os judeus sempre formaram comunidades religiosas em diversos lugares e elas foram, com freqüência, constituídas pela conversão, obviamente não existe um éthnos portador de uma mesma origem, de um povo errante que teria se deslocado ao longo de 20 séculos.

Sabemos que o desenvolvimento de toda historiografia — e, de maneira geral, as da modernidade — passa pela invenção do conceito de nação, que ocupou milhões de seres humanos nos séculos 19 e 20.

Recentemente, porém, esses sonhos começaram a ruir. Cada vez mais pesquisadores analisam, dissecam e desconstroem os grandes relatos nacionais e, principalmente, os mitos da origem comum, caros aos cronistas do passado. Certamente os pesadelos identitários de ontem darão espaço, amanhã, a outros sonhos de identidade. Assim como toda personalidade é feita de identidades fluidas e variadas, a história também é uma identidade em movimento.


[1] Texto fundador do judaísmo, a Torá é composta pelos cinco primeiros livros da Bíblia, ou Pentateuco: Gênese, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio.

[2] Cf. David ben Gurion e Yitzhak ben Zvi, Eretz Israel no passado e no presente (1918, em ídiche), Jerusalém, Yitzhak ben Zvi, 1980 (em hebraico), e Yitzhak ben Zvi, Nossa população no país (em hebraico), Varsóvia, O Comitê Executivo da União da Juventude e o Fundo Nacional Judeu, 1929.

[3] A Mixná, considerada como a primeira obra de literatura rabínica, foi concluída no século 2 d.C. O Talmude sintetiza o conjunto dos debates rabínicos referindo-se à lei, aos costumes e à história dos judeus. Há dois Talmudes: o da Palestina, escrito entre os séculos 3 e 5, e o da Babilônia, concluído no fim do século 5.

[4] Falado pelos judeus da Europa oriental, o ídiche é uma língua eslavo-germânica, com palavras vindas do hebraico

O Dia a Dia de Uma Família Sem Fé

Como é o dia a dia de uma família sem fé

Em um país onde a religião tem grande importância, como será a rotina de famílias que não acreditam em Deus?

Danielle Nordi, iG São Paulo 

Foto: Arquivo pessoal
Cristina prepara o filho Henrique para possíveis situações de preconceito
O Brasil é um país de população reconhecidamente religiosa. Mas não absolutamente: o grupo dos sem religião cresce cada vez mais e, de acordo com dados do IBGE, levantados pela “Folha de S. Paulo”, já chega a 12,8% da população, formando assim o segundo maior contingente de uma mesma “corrente”.


Neste grupo estão incluídos os ateus e os agnósticos. A diferença entre eles é sutil. Os ateus negam a existência de Deus. Já os agnósticos, apesar de muitos também não acreditarem, acham que a questão da existência ou não de Deus não pode ser definida. De qualquer forma, os dois grupos abrem mão do que há de mais presente na vida de uma enorme parcela de brasileiros: a religiosidade.

Mas afinal, como é a rotina de uma família que não acredita em Deus em um país onde a maioria das pessoas tem crenças em divindades? Como lidam com questões morais, sobre a morte e com a constante vigilância dos que desconfiam do caráter de alguém que não guia sua vida de acordo com doutrinas religiosas?
“Já ouvi algumas vezes uma afirmação que considero preocupante. Muitos me dizem que, porque não tenho religião, posso matar ou roubar. Fico espantada. O pensamento inverso é que, se aquela pessoa não tivesse uma religião, seria capaz destas coisas”, conta a psicóloga Iara Hunnicutt, 58, que é agnóstica. Segundo ela, muitas pessoas não conseguem distinguir caráter e religião. “Sempre respondi que qualquer um pode optar por matar ou roubar e depois arcar com as consequências. Mas eu jamais faria isso por que é simplesmente errado e condenável.”
  


A bióloga e professora universitária Cristina Bertoni, 33, também tem seus momentos de questionamentos por parte da sociedade. “Sou gaúcha e vivo na Bahia, onde a religiosidade é muito presente. Meus alunos se chocam com o fato de eu ser ateia e não entendem como posso ser uma boa pessoa. Ética e educação não têm a ver com crenças. Questões de fé me incomodam”, diz.

Filhos
Se os pais passam por situações difíceis por causa de seus posicionamentos diante do assunto religião, será os filhos também enfrentam esse problema? “Uma mãe nunca deseja que um filho sofra qualquer tipo de preconceito, mas isso acontece com frequência. Seja pela cor da pele, preferência sexual ou escolha religiosa. Temos que prepará-los para lidar com essa realidade da melhor forma possível”, explica Cristina, que tem um filho de dois anos e meio.
Iara, mãe de três filhos – de idades que vão de 33 a 37 anos – conta que sempre os ensinou a não debater preferência religiosa. “A minha filha mais velha é ateia e sofre muito mais que eu. Mas a escolha foi dela. Jamais proibi um filho de se interessar por alguma doutrina.”



A bacharel em direito Eliete de Oliveira, 41, mãe de uma garota de 18 anos e um menino de 12, afirma que o mais novo já se interessou pelo espiritismo. “Minha sogra é espírita e ele seguiu, durante um tempo, a mesma doutrina. Não me incomodei. Acho que só seria contra se fosse uma religião que limitasse a vida dele com muitas proibições. O espiritismo não é assim.”
Amigos
Convites para batizados, casamentos, missas, enterros e tantos outros eventos que demonstram a opção religiosa de quem os promove estão presentes, frequentemente, na vida de quem socializa com família e amigos.
Não é diferente com famílias ateias ou agnósticas. Iara aceita tais convites e ensina os filhos que, quando se está na casa de outra pessoa, devem respeitar seus costumes. “Se todos ficam em pé, também ficamos. Se todos sentam, sentamos. Só não rezamos porque não acreditamos naquelas palavras. Mas respeito é fundamental. Por mais que nem sempre nos respeitem”, explica.



Mas há situações delicadas. Ela conta que seus filhos, quando tinham por volta de seis anos, estavam em uma missa e viram uma fila se formar. Sem saber o que estavam fazendo, acabaram comungando. “Muitos ficaram indignados porque eles não tinham confessado. Mas são crianças. Que pecados tão graves podiam ter?”, indaga Iara.
Já Eliete é um pouco mais rigorosa. “Não vamos a eventos religiosos. Só abrimos uma exceção quando minha irmã, que é testemunha de Jeová, casou. Não gosto muito porque as pessoas ficam tentando nos converter. Preciso ficar reafirmando, a todo momento, minha escolha.”
Além de eventos realizados em igrejas, sinagogas e outros templos religiosos, não há como escapar das datas comemorativas celebradas pela população. Natal, por exemplo.
Apesar de ser um feriado com conotação religiosa, muitas famílias ateias ou agnósticas encaram como uma reunião familiar especial para encerar o ano que finda. “É muito difícil se isolar. Se você for pensar bem, muita gente nem sabe o que a data representa. Nós nos juntamos e celebramos a união da família, com uma ceia ótima, claro”, revela Eliete. A bióloga Cristina compartilha das atitudes de Eliete. “Não comemoramos o nascimento de Jesus. Na minha casa, natal é tempo de união e Papai Noel”, diz.
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A ciência do novo Planeta dos Macacos

Natasha

A princípio, parece uma história plausível: um jovem cientista busca a cura da doença de Alzheimer  usando terapia gênica, acidentalmente criando um primata de inteligência excepcional no processo. “Planeta dos Macacos – A Origem”, novo filme da famosa série de ficção científica que estreia nesta semana, se passa em São Francisco (EUA) nos dias de hoje e levanta uma série de questões éticas e científicas envelopadas em duas horas de ação com efeitos especiais.

Para avaliar o filme do ponto de vista científico, o iG convidou para uma sessão exclusiva para a imprensa Marcelo Morales, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que além de estudar terapias gênicas e com células-tronco para fibrose cística, é coordenador do Concea (Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia, que regula o uso de animais em experiências científicas no país. Junto a ele esteve a primatóloga Patrícia Izar, professora do departamento de Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo, que há 21 anos pesquisa o comportamento de macacos-prego no interior de São Paulo e no sul do Piauí.
Veja abaixo os principais pontos levantados por eles, em uma conversa após a sessão:


James Franco, no papel do cientista Will Rodman: exemplos do que NÃO fazer
“Aquele cientista tinha de ser preso”
Apesar dos dois cientistas deixarem bem claro que adoraram o filme, Will Rodman, o cientista interpretado por James Franco, foi alvo de boa parte das críticas dos dois. Todas as ações do personagem foram questionadas, desde levar um animal usado em uma experiência científica para casa, tratar o próprio pai com o remédio que pesquisa e até guardar um vírus na geladeira de casa. “Ele é completamente antiético, faz tudo que um cientista não pode fazer. Coloca em risco não só a si mesmo, quanto ao pai, a família, a vizinhança e até a humanidade”, diz Morales.

Ele explica que testes clínicos são feitos em várias etapas, primeiro com animais, depois com grupos cada vez maiores de seres humanos, até que se estabeleça com certeza a eficácia de uma terapia e seus possíveis efeitos colaterais. “Tudo ali é uma caricatura. Ele seria inclusive preso pelo que fez”. Patrícia corrobora: “É como se fosse aquela coisa dos quadrinhos de antigamente, o cientista maluco”.
Outro ponto é que tipo de animais os laboratórios na vida real usam. Cientistas caçam animais na natureza para usar em pesquisas? “Legalmente, essa prática não existe mais. Você pode até, com autorização, capturar animais selvagens para pesquisas de reprodução e conservação da espécie. Mas isso já aconteceu, sim,” diz Patrícia. “Mesmo porque o próprio estresse da retirada do animal de seu ambiente vai causar tantos transtornos fisiológicos que não vale a pena”, complementa Morales.


Atualmente, camundongos, cobaias, primatas e outros animais são criados em cativeiro, em biotérios específicos, e não podem ser “reaproveitados”, como acontece com o chimpanzé Koba no filme. “Isso é algo que está na Lei Arouca e em todas as leis que protegem animais de pesquisa: uma vez utilizado o animal para o propósito inicial, ele não pode ser mais usado. O estresse que foi causado no animal pode gerar no próximo experimento um resultado alterado”, diz Morales.
O professor da UFRJ também levantou dois pontos de ciência conceitual que considera estar errados, apesar de serem obviamente pontos importantes na trama: como César teria herdado a inteligência de sua mãe, já que a alteração cerebral foi produto de um remédio? “Duas hipóteses: ou a substância alterou seus óvulos ou ela foi tratada já esperando um filhote,” explica. A primeira é pouco provável com o que se sabe de terapia gênica, e a segunda só reforça as falhas de procedimentos científicos dos filmes.

Comportamento dos chimpanzés é humanizado, mas em partes corresponde à realidade
Macaco é mais humano do que se imagina
O quanto os chimpanzés retratados em “O Planeta dos Macacos” são fiéis a todo o conhecimento que se tem sobre primatas? Tirando a licença poética de todas as alterações causadas pela terapia gênica de Rodman, muito dali é real. E mais: parte do comportamento “humanizado” deles é, na verdade, bem animal, segundo Patrícia.
Isso não quer dizer que não existam inverdades. Um animal social como um chimpanzé, quando criado em cativeiro como o protagonista César, teria dificuldades sérias de viver no meio selvagem sem uma adaptação prévia. “Ele não teria aprendido o repertório necessário para viver nesse ambiente, não saberia reconhecer predadores, encontrar e manipular comida. Talvez ele não conseguisse nem subir em uma árvore”, diz.
A formação de grupos de diferentes espécies, como chimpanzés, orangotangos e gorilas também não é plausível, afirma Patrícia. “Somos a única espécie que adquiriu a capacidade de cooperar para além do seu grupo de parentesco”, explica. Outros primatas se focam dentro do seu grupo, defendendo seus membros contra ameaças externas, como na sequência abaixo:
Outros comportamentos, como estabelecer alianças e controlar seus acessos de violência, já estão mais próximos da realidade. Patrícia cita estudos do americano Marc Bekoff, que afirma que o comportamento brincalhão de cachorros e primatas, com suas regras implícitas de não machucar, é o precursor do comportamento moral de humanos. “Não existe violência gratuita no mundo animal. As disputas ali são legítimas: comida, fêmeas, espaço, posição social”, explica.
Os extensos estudos sobre chimpanzés mostram que eles são capazes de se comunicar em linguagem de sinais (por não possuir a estrutura anatômica que permite a fala em humanos), de discernir quem coopera e quem não coopera com eles, e de fazer alianças estratégicas em busca de poder. “Dois podem se juntar contra um terceiro para depô-lo, há traições, é uma política muito similar à humana” descreve Patrícia. “Chimpanzés são uma das poucas espécies que busca guerra. Os machos saem para brigar com outro grupo e chegam a matar. Não tem nenhuma outra espécie que se pareça tanto com o ser humano, para o bem quanto para o mal”.
A caracterização física dos macacos, feita por tecnologia de captura de movimentos semelhantes à da trilogia O Senhor dos Anéis e Avatar, foi elogiada. “Achei interessante os produtores terem respeitado características de movimento como a braquiação dos orangotangos [o transporte de um galho a outro se pendurando pelos braços], os gestos que os chimpanzés usam para pedir. Acho que foram fiéis dentro daquilo que podiam ser,” explicou a pesquisadora, que depois lembra: “Chimpanzés são muito mais fortes que seres humanos, e isso não aparece”.


Filme levanta a questão de como o ser humano trata os animais
Qual a mensagem do filme?
À primeira vista, “Planeta dos Macacos – A Origem” pode ser interpretado como um alerta aos perigos da pesquisa científica. Mas os cientistas consultados pelo iG viram na história uma outra questão: “A ciência é colocada de forma tão caricata que não é o ponto mais importante”, opina Patrícia Izar. “O ponto é o que a espécie humana faz ou pode fazer com outras espécies, principalmente as próximas ao ser humano. Nós devemos capturá-las, colocá-las em exibição num zoológico, mantê-las em casa como uma caricatura do ser humano? Isso tudo serve para refletirmos”.
“Macaco não é animal de estimação. Quem já teve a oportunidade de ver ao vivo um filhote de chimpanzé, ou qualquer macaco, sabe que é difícil não se comover, então dá para entender a vontade do cientista de levar para casa, de cuidar”, pondera Patrícia. “Mas não importa esse apelo sentimental, é uma atitude equivocada. Você salva o bicho, mas o transforma num pet”.
Patrícia diz que os homens deveriam ter um olhar mais respeitoso em relação a outros animais e seus modos de vida. Menciona, inclusive, que existe um movimento que quer dar status de pessoa a grandes símios, como gorilas, chimpanzés, bonobos e orangotangos, entre outros.
Morales concorda: “Não são só os cientistas, e sim o que nós todos fazemos com os animais. Quantos animais nós extinguimos, quantos colocamos em nossas casas, que já não têm mais seu ambiente natural. Mas o que me tocou em várias cenas é a questão do limite, até onde podemos ir com a ciência ou a medicina. Todos nós precisamos reconhecer que temos um limite. Ele deve ser respeito, inclusive pelos cientistas”.
No fim, como os dois avaliaram o filme? Marcelo coloca da seguinte maneira, e Patrícia concorda: “É um filme fantástico, como ficção científica”.

Veja abaixo algumas cenas do filme. "Planeta dos Macacos - A Origem" estreia em 26 de agosto.
Caso não consiga ver o vídeo, clique para assistir na TV iG:
Click no texto abaixo e veja cenas do filme
Cenas de ação de 'Planeta dos Macacos - A Origem'