África do Sul esconde excluídos


As vésperas do Mundial, governo sul-africano faz de tudo para evitar a presença de mendigos e prostitutas nas ruas

Renato Alves


Cidade do Cabo (África do Sul) — Como costuma ocorrer no Brasil às vésperas de um grande evento internacional, o governo sul-africano tem sido acusado de promover uma espécie de limpeza social, retirando mendigos e prostitutas do centro e dos pontos de visitação das sedes da Copa do Mundo. Somente na Cidade do Cabo, que receberá oito partidas do torneio e é o principal destino turístico do país, quase mil sem-tetos foram removidos para as áreas mais afastadas nos últimos cinco meses.

Na última semana, em apenas um dia, policiais retiraram 41 moradores de rua da região do estádio Green Point, da Grand Parade — onde será realizada a fan park —, de estações de trem e da Long Street (avenida com grande concentração de bares, restaurantes, boates e pousadas para jovens viajantes).

As autoridades dizem se tratar de uma operação normal para evitar crimes. A polícia alega estar atrás de infratores reincidentes e ainda garante ajudá-los a reencontrar os familiares. No entanto, o porta-voz da polícia da Cidade de Cabo, capitão Ezra October, reconheceu ser incomum a quantidade de pessoas recolhidas em somente um dia, como na semana passada. “Mas os suspeitos serão levados ao tribunal, pois são acusados de roubar pessoas e veículos”, declarou October.

No caso da Cidade do Cabo, a operação para remover mendigos, flanelinhas e outras pessoas potencialmente ofensivas, segundo a polícia, já custou 500 mil randes (cerca de R$ 125 mil) — dinheiro pago pela prefeitura. O orçamento de 2010 para esse tipo de ação aumentou 65% em relação ao ano passado. Além das remoções forçadas, policiais e assistentes sociais tentam convencer os moradores de rua a procurarem seus familiares espontaneamente.

No começo de maio, a prefeitura lançou um programa visando o inverno, período da Copa, quando a temperatura ficará abaixo dos 10ºC. Mas os moradores de ruas não demonstraram entusiasmo. Temem ser jogados nas mais distantes townships, onde não terão qualquer chance de conseguir uma boa esmola, pois nesses lugares moram apenas pessoas miseráveis, que também passam fome e frio. Ano passado, cerca de 80 famílias que viviam nas ruas de Sea Point, área perto do centro financeiro, foram levadas para arredores de Delft, favela a quase 35km da cidade.


Até cegos sumiram

Em outra cidade-sede da Copa do Mundo, Durban, no sudeste do país, até os moradores têm estranhado a calmaria na zona costeira e creditam a anormalidade às recentes operações contra mendicância e trombadinhas (menores infratores). Segundo as ONGs com escritórios no município, cerca de 400 meninos e meninas que viviam nas ruas acabaram levados para um abrigo da periferia. Já em Johannesburgo, local da abertura e da final da Copa, os cegos imigrantes do Zimbábue e as mulheres com filhos no colo que pediam esmolas não estão mais nos principais cruzamentos de ruas e avenidas.

Para as entidades de defesa dos direitos humanos que atuam no país, não há dúvida da relação entre o Mundial de futebol e a campanha de remoção promovida pelas prefeituras. “O país comete violações dos Direitos Humanos para se preparar para a Copa do Mundo”, acusa Warren Whitfield, diretor da uma associação chamada Campanha de Ação dos Dependentes Químicos. Ele diz que as pessoas consideradas “indesejáveis” são levadas a abrigos comparados por ele com “campos de concentração”.

Integrante do comitê de desenvolvimento social da Cidade do Cabo, Grant Pascoe rebate as acusações. Diz que 1,6 mil pessoas ganharam abrigo e comida no ano passado com os projetos para moradores de ruas. “Não há nada desumano no que a cidade está fazendo. Apenas reforçamos nosso plano este ano. Não há projeto para arrebanhar pessoas desabrigadas e despejá-las depois. É simplesmente mentira”, garantiu.


Saiba mais

Cerca de 5,7 milhões sul-africanos são portadores do vírus da Aids, de acordo com dados do governo. Cerca de 45% das prostitutas têm HIV. Acreditando que a repressão não evitará o aumento da prostituição durante a Copa, ONGs querem realizar campanhas de orientação e prevenção. Pretendem distribuir preservativos e lubrificantes nos bares onde serão exibidos jogos do Mundial.


Esmola é crime

A porta-voz da polícia de Johannesburgo, Edna Mamonyane, lembrou que pedir esmolas nas ruas viola as leis municipais. “Na maioria dos casos, essas mulheres (com as crianças de colo) e os deficientes (cegos do Zimbábue) foram levados aos centros sociais. Só as prostitutas nos dão mais trabalho”, afirmou.
Prostituição é crime na África do Sul. Por razões de saúde pública, vários grupos pressionam o governo para legalizar a atividade pelo menos durante a Copa do Mundo. Mas a forte oposição de associações de defesa da família e da religião levou o governo a aumentar a repressão.

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