Rap perde espaço na TV com saída de Rappin Hood da Cultura


Músico não aceitou mudanças propostas nem atendeu ao pedido de exibir plateia "mais bonita"

Janaína Cunha Melo - EM Cultura
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Netun Lima/divulgação

O nosso povo nunca estará na TV enquanto não tivermos poder, autonomia e liberdade para mostrar a nossa cara do nosso jeito.” Esse é o recado do rapper Rappin Hood para quem ficou insatisfeito com a sua saída do programa Manos e minas, da TV Cultura paulista. Depois de longo período planejando a atração em reuniões com a equipe da emissora pública – e de ficar um ano no ar –, o músico deixou o posto de apresentador e a empresa. Motivo: discordou das novas propostas feitas pela direção para a continuidade de sua única atração voltada para o talento dos artistas da periferia.

Com a saída de Rappin Hood, a juventude negra e favelada perdeu um de seus mais atuantes e propositivos representantes. O veterano do hip hop brasileiro estará hoje em BH, convidado pelo Fest’Afro Brasil. No show desta noite, no Parque Municipal, ele apresentará sucessos de carreira e antecipará novas canções, presentes no DVD com lançamento previsto para este ano e no último CD da série Sujeito homem, confirmado para 2011.

Os desacertos de Rappin Hood com a TV Cultura começaram depois de três anos de relacionamento – dois dedicados ao programa Metrópolis. Ele também participou de Manos e minas, em formato de auditório. O rapper não esconde o desconforto: “Nossos convidados eram jovens envolvidos com organizações não governamentais, escolas, associações e times de futebol. Em determinado momento, me perguntaram se não poderia levar plateia mais bonita. Esse foi um dos problemas que me levaram a pedir para sair”.

A decisão teve o intuito de preservar princípios que ele defende desde o início de sua trajetória. “Não posso trair as ideias em que acredito. Sou a favor do hip hop na TV, abri as portas para isso. Mas tem de ser de forma íntegra, sem a obrigação de moldar o movimento a partir de critérios de diretores que não conhecem essa verdade”, afirma. Para Rappin Hood, o bonito está em se fazer representar com a própria identidade, sem maquiagem ou censura.

Sem acompanhar os desdobramentos do programa – que foi assumido pelo rapper Thaíde, saiu da grade de programação recentemente e agora, de acordo com a emissora, será reestruturado –, Rapin Hood tem apenas uma expectativa: “Espero que se lembrem de que esse espaço foi galgado pelo povo da periferia como uma conquista de suas expressões culturais. No mais, está tudo bem. O pai nunca quer que o filho morra. Ao contrário, espera que ele possa lhe dar alegrias”.

Com vários projetos em andamento, Rappin Hood está concentrado na finalização do DVD que mostrará o resumo de sua trajetória como rapper e militante. Ele quer fazer surpresa sobre a compilação, mas adianta que o trabalho será lançado por seu próprio selo, Raízes Discos. Traz os melhores momentos de quatro shows em São Paulo, além de convidados e videoclipes.

Já o CD Sujeito homem 3 – Samba rap do bom reunirá inéditas produzidas por Rildo Hora, conhecido por ter dado tratamento de luxo ao samba tradicional e por seu trabalho com estrelas do gênero, como Zeca Pagodinho. Há 13 anos em atividade, o selo também vai apresentar artistas incentivados por Rappin Hood. Entre eles estão Jonny MC e Leu M.R. Vice-presidente da Escola de Samba Imperador do Ipiranga, o rapper cuida dos eventos sociais do grupo e se prepara para pôr nas ruas o carnaval de sua comunidade, ano que vem.

Atento à nova geração do rap brasileiro e às mudanças no movimento hip hop, ele diz não se sentir à vontade para avaliar a cena. “Sou péssimo juiz. Não gosto de analisar, pois o que não me agrada pode ser importante para os outros. Não penso que o meu jeito é o melhor, é apenas a minha maneira de me expressar”, explica. Rappin Hood admite que o movimento tem divergências e avança sem sentido de unidade. Acredita que o compromisso social, bandeira de quase 30 anos, talvez já não seja o mais relevante para a maioria. “Tudo é fruto de um crescimento que lutei para que ocorresse. Antes, era o tempo das reuniões; agora tem mais holofotes. Mesmo assim, não há razão para dizer que o conteúdo se esvaziou, porque há muita gente empenhada”, pondera. Para o veterano, a definição mais apropriada é que o hip hop “ficou adulto”.

“Estamos num momento de livre-arbítrio. Cada um faz o que quer, não há controle. A melhor contribuição que posso dar é preservar meus ideais e fazer o meu trabalho benfeito, colaborando com as propostas em que acredito”, conclui.

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