Crack na velhice

Brasil ainda se nega a aceitar a própria velhice. Já o crack não tem preconceito de idade.
Os fornecedores da chamada pedra do mal, que custa bem menos que uma dose de cachaça (de R$ 2 a R$ 10 a unidade) e vicia mais que a bebida, já descobriram suas novas vítimas. Depois dos jovens, perdidos como mendigos nas cracolândias, começam a atrair as pessoas acima de 50 anos. Segundo os últimos dados do Centro Mineiro de Toxicomania (CMT), dos 1.217 casos de dependentes de drogas lícitas e ilícitas que buscaram a ajuda da instituição no ano passado, o número de usuários de crack (119) com mais de 50 anos superou, pela primeira vez, o universo de entrevistados de mesma faixa etária que declararam ser usuários de álcool (113).

A diferença dos viciados de cabelos brancos é que, além de terem renda garantida pelo trabalho, aposentadoria e empréstimos consignados, buscam no vício uma saída para o abandono familiar, as doenças crônicas e o isolamento social que vem com a chegada da aposentadoria. “Quando dei por mim, estava debaixo do viaduto da Avenida Silva Lobo, morando com uma noiada (apelido que se dá aos usuários do crack que vivem em paranoia)”, revela o vendedor autônomo Antônio, de 54 anos. Para financiar o vício, ele vendeu dois carros (um Palio e um Peugeot) e uma casa de campo e queimou todas as economias. Só não perdeu o apartamento no Bairro Barroca porque foi interditado pelos filhos – um dentista, de 25 anos, e um professor, de 28.
Os casos ainda são pontuais, mas servem de alerta às autoridades, segundo a gerontóloga Viviane Café Marçal, autora de Crack na terceira idade: o inimigo invisível. “Ninguém está preparado para lidar com idosos mexendo com drogas. Muitas vezes o paciente chega ao hospital depois de ter sofrido uma queda e diz ter misturado os remédios. Ninguém vai perguntar se ele usou cocaína ou crack, porque essa pergunta não existe no prontuário. E ele também não vai falar sobre isso na frente do filho”, avisa. Ela acredita que os casos são subnotificados, devido à falta de informação dos enfermeiros, policiais e familiares em relação ao tema. “É preciso acordar para a realidade atual. Caso contrário, em 10, 15 anos, o número vai ser alarmante”, completa.
Filha pede socorro
“No final do ano passado, uma filha nos procurou pedindo socorro. Ela buscava tratamento de saúde e tentava conseguir a interdição do pai, de quase 70 anos, que estava dilapidando o patrimônio da família com o uso do crack”, conta o defensor público Estêvão Machado de Assis Carvalho, da Defensoria Especializada do Idoso e da Pessoa com Deficiência, reativada há oito meses na capital. O mais comum, porém, é ocorrer o contrário, ou seja, o idoso pedindo proteção contra um filho ou neto envolvidos com drogas. Eles se tornam violentos ou usam indevidamente o benefício do INSS do pai ou avô para sustentar o vício. “O crack está se alastrando e a população de idosos está crescendo. É só uma questão de tempo para as duas pontas se encontrarem”, diz.
Por:
Sandra Kiefer
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