O enfrentamento diário ao trabalho infantil tem obstáculos bastante desafiadores, especialmente em países da América Latina como o Brasil. Apesar dos reconhecidos avanços em termos gerais, ainda há certas práticas muito enraizadas em nossa cultura. “Elas remontam ao Brasil Colônia, atravessaram o Brasil Império, ingressaram no período republicano e persistem até nossos dias. É uma das heranças mais trágicas e vergonhosas da escravidão, porque impede que a criança tenha o direito de ser criança (estudar e brincar) e que os adolescentes tenham o direito de olhar sem medo para o futuro”, afirma o pedagogo Antônio Carlos Gomes da Costa.
O procurador federal aposentado Edson Sêda explica tratar-se de uma questão de entendimento. “A partir do século XX, a invisibilidade da criança passou a ser um problema no mundo da cidadania. O pior cenário internacional percebido por quem pensa, quer e age segundo os princípios da Convenção [de 1989] tem sido o de que as pessoas olham para crianças e ainda as percebem "menores". Crianças ainda não são percebidas em suas potenciais capacidades de seres humanos. Permitir que crianças trabalhem como burros de carga é uma conseqüência dessa má percepção”, analisa.
Ambos os especialistas participaram da comissão redatora do ECA e reconhecem a importância da mobilização da sociedade civil para o enfrentamento do problema. “O Dia Nacional Contra o Trabalho Infantil, no doze de junho, é um período de forte mobilização ética e política para instalar o repúdio a essa prática na consciência nacional do povo brasileiro”, completa Antônio Carlos. Sêda acrescenta que iniciativas comuns mais efetivas podem decorrer se mudanças de atitude bastante simples. “Os países ricos e pobres passam a se integrar a essa iniciativa de enfrentamento na medida em que não aceitam financiar, comercializar e consumir produtos em que haja qualquer parcela de exploração infantil”, destaca o procurador.
“É preciso disseminar ao máximo a consciência de que quando uma criança trabalha, ou seja, tem sua mão-de-obra explorada, na verdade ela está sendo tratada como um adulto. E quando um adulto não consegue estudar, nem se profissionalizar, está tendo o seu direito de ser um cidadão brasileiro com um mínimo de dignidade caçado” opina o pedagogo. Sêda destaca ainda que é preciso despertar cada vez mais a consciência para o problema. “Há que se repetir: A exploração do trabalho infantil é conseqüência da "invisibilidade" cidadã. É essa insensibilidade que não permite a todos ver que os direitos humanos começam com a inclusão da criança no mundo da dignidade, do respeito humano e da cidadania”, ressalta o procurador.
No entanto, segundo Antônio Carlos, um dos principais desafios do combate ao trabalho infantil está mais relacionado mesmo com o próprio Estado. “As políticas públicas dessa área são muito frágeis, tanto em termos materiais como em recursos humanos. Esses obstáculos estão muito relacionados com o nível de desenvolvimento socioeconômico, político e institucional de cada país”. O procurador segue a mesma linha, ao defender que “ou o século XXI é a era da introdução da ética no ato de governar ou continuaremos a vitimizar as crianças para servir à esperteza, à pirataria, à corrupção e à exploração humana dos seres humanos”, conclui Sêda.
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