Do pré-conceito ao preconceito: quando a necessidade de significar aprisiona a capacidade de entender.

É da natureza humana a necessidade de conhecimento. O homem é o único ser que precisa identificar coisas e situações, acomodando tudo nos arquivos de sua mente e possibilitando melhores reações ao deparar-se com aquela mesma realidade. Essa programação neurolingüística gerada pela experiência é o que impulsiona o homem para novas descobertas. Nunca se parte do nada, há sempre um paradigma. Porém, o primeiro encontro com o desconhecido é sempre desastroso.

Todos nós temos medo daquilo que não conhecemos, pois não programamos uma reação específica para um encontro com o desconhecido. Daí nasce o pré-conceito, da necessidade de conceituar algo que não conhecemos. Trata-se de uma identificação prévia e irreal, cujo objetivo é unicamente o de suprir a necessidade imanente ao ser humano de conhecer todas as coisas. O pré-conceito, ou conceito anterior, nada mais é do que um protótipo de um conhecimento. É o ponto de partida para uma investigação séria e sutentável.

Assim como no mundo científico, a vida humana é movida por descobertas que, partindo de fantasias, chega-se a uma sólida realidade. Imaginar a proveniência dos seres, a sua finalidade e até mesmo os aspectos de sua constituição é uma rotina na vida das crianças. Mas, o processo formativo a que são submetidas, aos poucos vai deslindando as fábulas e os sonhos. A realidade vai se consolidando e o conceito se perfazendo.

O que se pretende demonstrar é que o pré-conceito é um processo natural no ser humano. É o instrumento do instinto pelo conhecimento. Primeiro imaginamos o que pode ser, depois descobrimos o que realmente é.

O grande problema que precisa ser superado, é estabelecido no percurso entre imaginar e conhecer. Isto porque nem todos possuem uma formação sólida o suficiente para chegarem ao conhecimento. Muitos às vezes se rendem ao “conceito” imaginado como se aquele fosse a realidade buscada. Assim, acreditando cegamente que o pré-conceito é de fato o conhecimento almejado, começa-se a se programar uma reação mental para se manifestar quando em contato com a coisa ou situação imaginada. Essa reação pode ser boa ou ruim, dependendo da natureza da criação mental que foi formada naquele individuo. Porém, em qualquer caso, será sempre uma reação injusta e equivocada, pois não se a teria se de fato conhecesse tal objeto. Assim, resta formado o preconceito.

Quando se fala que é preciso formação para se chegar ao conhecimento, diz-se que não basta informação, é imprescindível que se tenha capacidade e discernimento para filtrar as informações recebidas, separando, aquilo que realmente contribuirá para a construção de um conhecimento, daquilo que apenas traz especulações imaginativas, tão primárias quanto a primeira imprenssão daquele que desconhece.

Logo, aquele que não é capaz de discernir essas informações, é aliciado por doutrinas e teorias absurdas que criam preconceitos e difundem idéias erradas sobre realidades que não toleram. A intolerância é um tipo de reação programada pela mente com fundamento em um conceito imaginativo, ou seja, em um preconceito.

O que se verificou é que o pré-conceito pode ser um sentimento natural quando criado pela natureza humana imaginativa na tentativa de atingir algum conhecimento. Mas pode se transforma em arma mortal, quando utilizada como instrumento de manipulação, para promover a intolerância e aprisionar pessoas às margens do conhecimento. É uma arma poderosa na mão de demagogos, extremistas ou fanáticos religiosos.

Dessa forma, pode-se dizer que, a despeito de ser da natureza humana a busca pelo conhecimento, nem todos conseguem atingi-lo verdadeiramente. Princípios científicos podem ser facilmente aderidos ao cotidiano de qualquer pessoa como suporte de filtro de informações. O primeiro deles é o da especificidade e competência da fonte. É inadmissível, por exemplo, que religião fale sobre questões referentes a comportamento( área da psicologia) ou ciência e vice-versa. A habilitação daquele que informa também é fundamental. Também, é muito importante que a informação seja prestada sem segundas intenções, ou seja, que não sirva de pretexto para transações comerciais ou aliciamento religioso.

Em fim, somos seres científicos por natureza. Não deixemos que mentes perturbadas e mal intencionadas agridam nossa inteligência com falácias e sofismas. Não deixemos que uma imagem mal explicada se torne uma barreira definitiva que nos separa do conhecimento e das melhores e infindáveis possibilidades.
por Raphael Ramires

A trajetória e o horror do crack

Archimedes Marques


Os fatos criminosos, as conseqüências horripilantes na área social e familiar e o sortilégio causado ao usuário do crack, comprovam que essa droga, sem sombras de dúvidas, é mais perigosa do que todas as outras juntas.
De poder avassalador e sobrenatural, o crack sempre vicia o usuário quando do seu primeiro experimento e o que vem depois é a tragédia certa. Crack e desgraça são indissociáveis e quase palavras sinônimas. O crack é a verdadeira degradação humana.
Há alguns anos atrás, quando o crack foi introduzido no Brasil, em especial em São Paulo, seu uso estava praticamente restrito a classe paupérrima da nossa sociedade devido ao seu baixo custo de venda, começando assim a sua trajetória com os moradores de rua que eram viciados em álcool, maconha ou em cheirar cola e que assim viam naquela nova e poderosa droga mais barata e acessível, a pretensa solução para resolver ou para esquecer dos seus problemas.
Na época as autoridades constituídas viviam as ilusões de que esse subproduto da cocaína não sairia do consumo dos mendigos, dos pobres, dos desafortunados e dos desgraçados, por isso pouco se importavam com a problemática, contudo, o seu consumo rompeu esse quadrilátero, conquistou as demais classes sociais, expandindo-se rapidamente, virando uma epidemia nacional e aí, diante do clamor público, o Estado passou a correr atrás do prejuízo.
A dimensão da tragédia é difundida nos diversos Estados da Nação através de reportagens jornalísticas que comprovam o retrato devastador em todos os lugares possíveis e imagináveis aonde chegou o filho mortal da cocaína. O crack invadiu grandes e pequenas cidades, periferias e lugares de baixa a alta classe social, municípios, povoados, zona rural e já chegou até às aldeias indígenas.
O fracasso da política antidrogas do governo federal é estampado nos quatro cantos do Brasil. A cada reportagem televisiva assistimos atônitos pessoas adultas, jovens, adolescentes e crianças consumindo o crack, deitados no chão das praças, das calçadas, debaixo dos viadutos, das marquises, sem se incomodarem com nada ou mesmo correndo em desespero, vivendo aquele mundo imaginário, sem perspectiva de vida alguma. Meninos e meninas na flor da idade se prostituem até por 1 real e praticam qualquer ato ou tipo de crime possível em busca do crack. Famílias inteiras se desesperam vendo os seus entes queridos buscando o fundo do poço pelo crack.
O crack trás a morte em vida do seu usuário, arruína a vida dos seus familiares e vai deixando rastros de lágrimas, sangue e crimes de toda espécie na sua trajetória maligna. Assistimos recentemente com imensa tristeza e pesar uma reportagem mostrada na TV Record em que crianças recém nascidas de mães viciadas em crack, são também barbaramente atingidas pelos efeitos nefastos da droga. Nascem como se viciadas fossem, com crises de abstinências, com compulsão à droga, tremores, calafrios e com problemas físicos diversos, principalmente com lesões no cérebro que provavelmente os levarão às demências ou a outros tipos de problemas inerentes, ou seja, uma nova geração de vítimas do crack sem sequer ter consumido a droga por vontade própria. A maioria das mães drogadas também perdem o instinto materno e terminam doando os seus filhos debilitados.
Ao contrário da maioria das drogas, o crack não tem origem ligada a fins medicinais, muito pelo contrário, ele nasceu para alterar o estado mental do usuário, para viciá-lo de maneira sobrenatural e para aniquilar todos os seus órgãos, levando-o a uma morte breve, mas sofrível para si e para todos que o cercam.
A cocaína gerou o crack para terminar de arrasar as diversas gerações que dele buscam sensações diferentes, mas que não imaginam que na verdade caminham para a desgraça absoluta. Achando pouco os efeitos insanos da droga mãe, o homem adicionou ao lixo do processo da sua fabricação, alguns produtos químicos altamente nocivos e perigosíssimos para a saúde humana para depois repassá-la ao seu semelhante como passaporte para a morte.
Absurdamente são adicionados à borra da cocaína para compor uma fórmula maligna e cruel, a amônia que é usada em produtos de limpeza, o ácido sulfúrico que é altamente corrosivo e usado em baterias automotivas, querosene, gasolina ou outro tipo de solvente que é para dar a combustão ao produto e, para render aumentando a sua lucratividade, a cal virgem, ou cal viva que também é tóxica e usada em construções ou plantações, que ao serem misturados e manipulados se transformam numa pasta endurecida de cor branca caramelizada onde se concentra mais ou menos 40% a 50% de cocaína. Assim nasceu o crack para o bem do traficante, para o mal da sociedade e para o horror da humanidade.
A fumaça altamente tóxica do crack é rapidamente absorvida pela mucosa pulmonar excitando o sistema nervoso, causando euforia e aumento de energia ao usuário, com isso advém, a diminuição do sono e do apetite com a conseqüente perda de peso bastante expressiva. Logo o usuário sente a aceleração ou diminuição do ritmo cardíaco, dilação da pupila e a elevação ou diminuição da pressão sanguínea, ou seja, uma transformação total da sua normalidade física.
Com o tempo o crack causa destruição de neurônios e provoca ao seu usuário a degeneração dos músculos do seu corpo, conhecida na medicina como rabdomiólise, o que dá aquela aparência esquelética ao indivíduo, ou seja, ossos da face salientes, pernas e braços finos e costelas aparentes.
O usuário do crack pode ter convulsão e como conseqüência desse fato, pode levá-lo a uma parada respiratória, coma ou parada cardíaca e enfim, a morte. Além disso, para o debilitado e esquelético sobrevivente seu declínio físico é assolador, como infarto, dano cerebral, doença hepática e pulmonar, hipertensão, acidente vascular cerebral (AVC), câncer de garganta e traquéia, além da perda dos seus dentes, pois o ácido sulfúrico que faz parte da composição química do crack assim trata de furar, corroer e destruir a sua dentição.
O crack vai destruindo o seu usuário em vida ao ponto dele perder o contato com o mundo externo, se tornando uma espécie de zumbi, ou morto-vivo, movido pela compulsão à droga que é intensa e intermitente. Como os efeitos alucinógenos têm curta duração, o usuário dela faz uso com muita freqüência e a sua vida passa a ser somente em função da droga.
Ainda não existem estatísticas oficiais nos Estados brasileiros que venham a comprovar o rastro da devassidão e desgraça causada pelo crack, entretanto já se comentam que as vítimas fatais mensais superam em dobro as vítimas de acidentes de trânsito, e em assim sendo, considerando que o Brasil sempre está nas primeiras colocações em mortes de transito no contexto mundial, conclui-se, portanto, que estamos caminhando para o caos absoluto por conta dessa droga.
Pelas matérias jornalísticas observa-se que o Estado do Rio Grande do Sul é o mais atingido pela tragédia do crack. Segundo o Jornal Zero Hora, há cinco usuários de crack para cada grupo de mil gaúchos, enquanto que é previsto para até o final do ano de 2012, apesar da grande taxa de mortalidade, que essa população de zumbis alcance o número de 300 mil componentes.
Já aqui no nordeste, mais de perto em Salvador, capital da Bahia, é fato em notícia que 80% das pessoas com idade entre 12 a 25 anos que vem a óbito são egressos do crack e morrem do crack ou pelo crack.
A dificuldade que o dependente do crack tem ao querer deixar o seu consumo também é imensa e requer uma força de vontade fora do comum, diferente do que acontece com os usuários das outras drogas.
A Universidade Federal de São Paulo atestou uma pesquisa que acompanhou a trajetória de 131 usuários de crack após 12 anos da saída dos mesmos de um hospital de tratamento, chegando a seguinte conclusão: Apenas 33% se recuperaram e venceram a droga, enquanto que 67% foram derrotados, e desse número, 17% continuavam dependentes, 20% desapareceram, 10% estavam presos e 20% foram mortos em decorrência do mal da droga ou assassinados por conta dela.
Conclui-se assim que estamos caminhando para uma espécie de genocídio, ou seja, morte em massa decorrente de ações de uma causa só, conforme previu o traficante colombiano Carlos Lehder Rivas, preso e condenado nos Estados Unidos da América em 1985, ao afirmar naquela data que o crack seria a terceira bomba atômica a ser lançada contra a humanidade e que iriam morrer mais pessoas do que todas as guerras mundiais juntas.
Correndo contra o tempo o Ministério da Saúde lançou um Programa emergencial em junho de 2009 que prevê investimentos na ordem de 118 milhões de reais até o fim de 2010, com proposta de aumentar o número de leitos e de profissionais dedicados à saúde mental, assim como, de instalações de novos núcleos de apoio à saúde da família e centros de atenção psicossocial, entretanto, essa verba, mostra-se pequena para a extensão da gravidade do problema.
Enquanto isso, milhares de pessoas no Brasil ingressam na Justiça com ações contra o Estado pleiteando direito à indenização ou ao tratamento adequado em clínicas particulares para os seus familiares viciados que estão vivendo o drama do crack. Nesse sentido o Estado de Sergipe é exemplo nacional através do Juiz de Direito da Comarca de São Cristóvão, Manoel Costa Neto, que além de desenvolver um trabalho de conscientização contra os riscos do uso dessa droga, vem decidindo em sentenças justas e humanitárias, através das ações individuais apoiadas pelo Ministério Público e posteriormente por conta de uma Ação Civil Pública ingressada pela Defensoria Pública, que todo aquele dependente químico, principalmente do crack, que reside dentro da circunscrição daquele município, já pode ter do Governo a compensação no seu tratamento, ou seja, o Estado está sendo obrigado a arcar com as despesas dos drogados em clínicas particulares.
O crime organizado continua investindo pesado do tráfico de drogas. Muita cumplicidade perversa promove e mantém o crack no seio da nossa sociedade. Tudo prolifera e floresce com muito arranjo sinistro. A política de repressão ao tráfico não esta sendo suficiente para conter o avanço do crack. A Polícia, apesar de todos os esforços empreendidos, com prisões e apreensões diariamente de muitos traficantes e de grandes quantidades de crack, não é forte o bastante para vencer essa batalha.
Assistimos também desolados, jovens e crianças abandonando as escolas e recrutados pelo tráfico em troca do crack e algumas migalhas em dinheiro. O documentário apresentado pela Rede Globo no programa Fantástico no ano de 2006 denominado “Falcão - meninos de tráfico” comprovou essa triste realidade brasileira. Durante as gravações, 16 dos 17 meninos “falcões” entrevistados morreram, sendo 14 em apenas três meses, vítimas da violência na qual estavam inseridos.
Por sua vez, apesar de tudo isso, apesar dessa realidade brutal e com perspectivas de piorar ainda mais a sua problemática, sentimos o poder público ainda meio tímido, sem verdadeira vontade política para debelar tal situação.
O Estado tem a obrigação de investir em massa não só na área curativa do mal, mas também na repressão e principalmente na prevenção que é a raiz da problemática, elaborando projetos que efetivamente influenciem os nossos jovens a nunca experimentar droga alguma, em especial o crack, ou então teremos taxas de mortalidade inaceitáveis com o suposto genocídio em ação, tragédias familiares e sociais no extremo, além do aumento geométrico da criminalidade, destarte para os crimes de furto, roubo, homicídio e latrocínio por conta dessa droga avassaladora.
Aliados a tais medidas governamentais é preciso também da conscientização popular principalmente na área da educação. Dentre as formas de prevenir está a questão de se oferecer atividades escolares extracurriculares que despertem mais atenção dos estudantes, além de um convívio mais profundo e dialogado entre alunos com professores, psicólogos e especialistas, assim como, entre pais e filhos, para enfim, lutarmos com todas as forças possíveis contra essa epidemia. Não podemos achar que a polícia e a medicina resolverão os problemas, que, muitas vezes, se iniciam nos lares, escolas, festas, shopings center e outros lugares de convivência social, principalmente dos jovens, mais expostos, por vários motivos, à atração do mundo das drogas.

(Delegado de Policia. Pós-Graduado em Gestão Estratégica de Segurança Publica pela Universidade Federal de Sergipe) archimedes-marques@bol.com.br

Como se ouve música hoje

Maioria dos brasileiros não quer saber de download pago, insiste no CD, gosta de vinil e escuta tudo ao mesmo tempo

Marco Tomazzoni

É difícil não se sentir desnorteado com música hoje em dia. A quantidade e possibilidades de acesso são tão exorbitantes que nunca se dá conta de conhecer, muito menos escutar, tudo que se queria. É verdade que a miniatuarização constante da tecnologia e a capacidade de levar a última novidade na palma da mão, plugada nos ouvidos, já amenizariam essa demanda, mas o que chama atenção atualmente é a convergência das diferentes mídias para um mesmo lugar, vide o frisson que o lançamento do iPad causou ao redor do mundo – livros, vídeos e canções, conectados à web, em um aparelho com pouco mais de um centímetro de espessura. Mas o que isso acrescenta à atividade de se ouvir música?
Pouca coisa, na verdade, já que apenas confirma o caminho sem volta que a indústria fonográfica – tão desnorteada quanto os ouvintes – tem seguido em direção à plataforma digital. Prova disso é que no ano passado, pela primeira vez, a venda de música digital superou a de CDs no Reino Unido. O Brasil trilha essa mesma trajetória, pelo menos pelo que dizem os números. De acordo com a Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD), o mercado de música digital cresceu 159% em 2009, combinando vendas em internet e celular, e a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), em seu relatório anual, ressalta que o Brasil é o principal mercado da América Latina quando se trata de comércio digital.

Foto: Acervo pessoal Ampliar

Léo Soares, de Belo Horizonte, cliente do iTunes: "Praticamente parei de comprar CDs"

Em relação ao faturamento total do setor, a música digital ainda engatinha, com apenas 11,9%, mas esse avanço significativo aponta que uma parcela do público está despertando para o comércio legal na web. É o caso de Léo Soares, 36 anos. Sócio de duas casas noturnas em Belo Horizonte e ex-diretor artístico da Oi FM, sempre foi viciado em música e costumava gastar por volta de R$ 300 ao mês com CDs, sem contar vinis importados. Há dois anos, fez uma conta no iTunes americano, com cartões pré-pagos (os famosos gift cards), e a partir daí seu consumo mudou.

“Praticamente parei de comprar CDs e passei a gastar 100 dólares por mês no iTunes. Compro apenas as músicas que me interessam, não tem mais aquela coisa de comprar um disco por causa de uma ou duas faixas”, afirma. Outros serviços estrangeiros – e só estrangeiros – também aparecem na lista de compras de Léo, mas não por preconceito. “Compraria em sites brasileiros numa boa, só ainda não encontrei um que me atenda. Detalhe: compro música brasileira direto no iTunes norte-americano. Não tive paciência de esperar sair no Brasil os novos discos do Otto e da Céu, por exemplo.”

Léo segue o perfil do consumidor europeu e norte-americano, mas, como as próprias estatísticas apontam, é uma minoria no universo brasileiro. Outros aficionados como ele têm rejeição pela estrutura do comércio de música digital no país e, embora os downloads façam parte de seu dia-a-dia, quando gastam dinheiro é para comprar CDs. O músico Elson Barbosa, 35 anos, disse que até experimentou o comércio digital, mas não foi muito feliz. “Há uns cinco anos apareceu uma loja de mp3 em um grande portal, e resolvi comprar para ver como é. O site não facilitava – além das faixas serem caras (e comprando o disco inteiro saía mais caro do que comprar o CD físico), a loja vendia um valor mínimo e ainda ficava com uma porcentagem desse valor. Não achei viável e nunca mais tentei”, explica.

Para ele, o formato só teria sucesso caso unisse preço, rapidez e qualidade, características que o download ilegal nem sempre oferece – a não ser, claro, o preço (no caso, a ausência de um). “Eu compraria música digital se fosse um serviço de streaming completo, atualizado, e mais fácil de usar do que ter que baixar um arquivo compactado em um site não muito confiável, com uma qualidade também não confiável, e esperar pelo download. No momento em que tivermos um sistema de streaming no qual o ‘vazamento’ do disco me linkasse direto para o botão de play, eu pagaria”, garante Elson. O streaming, aliás, é visto eventualmente como um bom meio de divulgação. This Is Happening, o esperado terceiro álbum do projeto norte-americano LCD Soundsystem, apareceu na internet semanas antes do lançamento. Conformada, a DFA Records resolveu colocar o disco para tocar na íntegra no site oficial, inclusive oferecendo ao internauta a possibilidade de colocar um player em seu blog.

Contato com os artistas

Os mais jovens não têm uma opinião muito diferente de Elson, e são até mais radicais. Estudante de nutrição, Gabriela Chrusciel, 17 anos, faz download pela web e não tem a menor preocupação em pagar por isso. “Acho que as gravadoras e os artistas já ganham bastante dinheiro. E o artista deveria ficar feliz mesmo com as pessoas procurando CD pirata, pois pelo menos é sinal de que ele tem fãs – não muito fiéis, mas que gostam do som dele.”

Alex Corrêa também tem 17 anos, mas possui uma relação bem mais próxima com música. Ele é um dos autores do blog “Move That Jukebox”, que rapidamente virou referência entre os sites de música independente no país. Alex diz que nunca pensou em comprar música digital, não sabe se vai comprar e segue o mesmo raciocínio de Gabriela em relação ao download ilegal. “As bandas acabam se beneficiando de qualquer forma, certo? Se um determinado disco é baixado aos montes de forma ilegal, o resultado vai ser um maior número de fãs. Com isso, mais shows são agendados, e é com shows que as bandas ganham dinheiro.”

Foto: Acervo pessoal Ampliar

Alex Côrrea, 17 anos: "Fãs de música precisam de um contato mais próximo com os artistas"

Esse cenário não deixa muita margem de lucro para as gravadoras, e por isso mesmo alguns contratos hoje entre artistas e selos já prevêem o repasse de uma parcela da renda das turnês e, em alguns casos, como da gigante Live Nation, de U2 e Madonna, a própria gravadora gerencia tudo, os discos e shows. No entanto, apesar do ranço com a indústria, Alex não abre mão de adquirir CDs e DVDs: para ele, o custo-benefício de ter o produto em mãos, admirar a arte da capa e encarte, é infinitamente maior do que a praticidade de música digital, e a ressurreição do vinil também passa por esses sentimentos.

“Acho que boa parte dos fãs de música precisam e sempre precisaram de um contato mais próximo com os artistas – e, de certa forma, comprar material físico é um bom começo”, defende. “O avanço da internet, ao mesmo tempo em que facilita o acesso à música, acaba gerando uma banalização da cultura. Álbuns, filmes e vídeos nunca foram tão descartáveis. E, bem ou mal, acredito que a compra de discos seja uma forma das pessoas diferenciarem (até pra si mesmas) um disco ruim de um disco bom: o bom fica ali guardado na estante, e o ruim no HD, até o espaço acabar e ele ir parar na lixeira. Nada melhor que um vinil para estabelecer essa diferença.”

Mesmo Léo, o consumidor de música digital, percebe essa relação amorosa com os produtos e admite comprar um vinil de vez em quando. “Entendo o CD ou o vinil como um objeto a ser apreciado. Com a música digital, isso perdeu o valor para muita gente, mas nem por isso deve morrer. O fato das pessoas quererem ter um objeto que significa algo para elas não morre nunca. Entendo a volta do vinil muito em cima disso também, tanto que quando acho um disco que gosto muito, procuro a versão em vinil.”

Empresas de obras para a Copa vão ter que contratar presos e egressos prisionais

As empresas que quiserem participar da execução de obras e serviços durante a Copa das Confederações em 2013 e a Copa do Mundo em 2014 vão ter que disponibilizar um percentual mínimo de vagas de emprego a presos e egressos do sistema prisional. A exigência faz parte do Projeto Começar de Novo que visa também a reinserção social de cumpridores de penas e medidas alternativas, bem como de adolescentes em conflito com a lei.

Para viabilizar a implantação do projeto, o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) firmaram nesta terça-feira (20) acordo de cooperação técnica que objetiva a criação de vagas e cursos de capacitação profissional para promover a redução da reincidência.

Integração – Na mesma ocasião, também foi assinado o acordo de cooperação técnica entre o MPT, o Conselho Superior de Justiça (CSJ), o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST). O acordo visa assegurar a operação integrada entre os sistemas de tecnologia da informação da Procuradoria Geral do Trabalho e demais órgãos do Judiciário.

O procurador geral do Trabalho, Otavio Brito, o presidente do CNJ, Gilmar Mendes, e o presidente do TST e do CSJT, Milton Moura França, participaram da assinatura dos acordos durante cerimônia realizada no plenário do CNJ, no Supremo Tribunal Federal. Entre as autoridades presentes à solenidade estava o vice-procurador geral do Trabalho Jeferson Luiz Pereira Coelho.

Fonte: Ministério Público do Trabalho

Brasil: automenosprezo e racismo

Luís Carlos Lopes

O racismo brasileiro fundamentou, e ainda fundamenta, o automenosprezo de segmentos da população, que imaginam o país como inferior e sem solução.

As elites adoram e disseminam este sentimento, que é fortemente conservador e útil aos propósitos dos mais ricos e poderosos.

Ao contrário de vários povos, o brasileiro tem a mania de se automenosprezar, de se achar menor e de assumir culpas de fatos e problemas que não são seus. Se há corrupção, é que todos seriam corruptos. Facilmente, deslizes pequenos cometidos pelos pobres são comparados aos atos deliberados agentes de Estado e de ladrões engravatados (empresários) que enriquecem com o dinheiro público. Segundo este vício terrível, os brasileiros seriam menores por terem origem nos negros africanos, nos índios das Américas e nos portugueses, vindos para cá para roubar. O caráter nacional da população desse país teria nascido torto e sem solução. Por compensação, os habitantes do Brasil teriam uma natureza geográfica exuberante e, Deus, de fato, seria nascido aqui.

Estas afirmações não são tão difíceis de serem compreendidas. Observe-se que nelas há uma tentativa de ocultar o que é possível ver a olho nu. A autofagia brasílica tem origem colonial, foi refundada no Império e reafirmada na República. Nela, se misturam o olhar do colonizador e criador dos fundamentos culturais dominantes do país com o dos colonizados que se miraram no espelho dos que vieram para cá e se apossaram deste pedaço das Américas. Nesta visão, tudo de bom era o que vinha de fora, aqui era o lugar para acumular riquezas de modo fácil e usar dos lucros para comprar as mercadorias do além-mar.

Os racismos antinegros e anti-ameríndios têm a idade do início da colonização, logo, cinco séculos. A inferiorização das maiorias foi estendida aos seus descendentes, gerando um sentimento de menoridade e incapacidade até mesmo nas elites mestiças. Este modo de ver o mundo deixou raízes profundas e se escamoteou em vários modos de dizer que os brasileiros eram um povo de segunda classe. Jamais isto foi inteiramente superado, persistindo de algum modo até o século XXI. O modo de falar isto já não é o mesmo do passado. Mas, o racismo continua presente em fontes insuspeitas, por exemplo, nas emissões da tv aberta. Nelas, os índios praticamente não existem e os negros, apesar de serem a maioria dos habitantes do Brasil, têm apenas uma cota informal, conseguida com bastante dificuldade e muito recentemente.

O pano de fundo de tudo isto foi os quatro séculos de escravidão dos afrodescendentes que embutiram os esquecidos dois séculos de cativeiro dos nativos. Mesmo com a escravidão em crise na segunda metade do XIX, quem eram os que não eram escravos? Os imigrantes europeus que aportaram no Brasil, aqui encontraram condições de vida bem próximas as da escravidão. Como nos EUA coloniais, usou-se, com eles, o sistema de servidão por contrato. Neste, os que vinham estavam sempre devendo aos fazendeiros e as empresas que os traziam. Os escravos alforriados na mesma época, deviam quase sempre obrigações aos seus ex-senhores. Não eram mais escravos de direito, mas continuavam próximos à situação de escravos de fato. A abolição legal da escravidão (1888) representou uma importante mudança. Entretanto, os estoques de populações originárias do passado escravista continuaram a ser discriminados, até mesmo pelos imigrantes brancos que vieram substituí-los, progressivamente, desde o governo do Pedro II.

O racismo brasileiro fundamentou, e ainda fundamenta, o automenosprezo de segmentos da população, que imaginam o país como inferior e sem solução. As elites adoram e disseminam este sentimento, que é fortemente conservador e útil aos propósitos dos mais ricos e poderosos. Felizmente, desde há muito, há quem não concorde com nada disto e lute para dizer o óbvio. O Brasil é um país como outro qualquer. Do ponto de vista moral, não é menor e nem maior. Seu povo tem qualidades e defeitos, como qualquer outro. O que existe aqui pode ser modificado para melhor ou para pior, dependendo de quem estiver no poder e do comportamento dos governados.

Oficialmente, o país não é mais racista. Desde a era Vargas, o Estado foi abandonando pouco a pouco uma postura discriminadora. Trocou o racismo escancarado do Império e da República Velha pelo mito questionável e problemático da democracia racial. O fazer político precisava de se organizar, isto é, os governantes necessitavam inventar um povo de governados. Precisava se dirigir diretamente à maioria da população, tal como Vargas o fazia: “Trabalhadores do Brasil...”. A mestiçagem foi considerada um bálsamo, sem que o velho racismo desaparecesse por completo. Afastado de uma militância estatal ostensiva, ele se refugiou nas estruturas sociais, dando um jeito de se manter. Memoráveis lutas antiracistas fizeram o combate a esta ideologia, nos últimos cinqüenta anos. Entretanto, apesar de cada vez mais acuado, denunciado e criminalizado, o racismo continua presente no cotidiano brasileiro.

Ninguém mais tem a coragem de dizer publicamente que os negros, os índios e os mestiços são povos inferiores. Mas, eles continuam tendo níveis de segregação facilmente constatáveis nos dados que indicam que eles são os que: são mais pobres; mais estão presentes nos presídios; são os maiores números de desempregados; enfrentam piores condições de vida; têm suas histórias sonegadas no ensino de qualquer nível; menos aparecem nas grandes mídias.

Há exceções importantes. No futebol, a negritude e a mestiçagem brasileiras são celebradas como gênios da raça. No carnaval, como diz o poeta, “napoleões retintos”, desfilam para os brancos do Brasil e do mundo, encantando as audiências e escondendo uma dura realidade. Nos últimos anos, foram possíveis o aparecimento e desenvolvimento de classes médias negras, ávidas para consumir e se diferenciar. O que continua como dantes é a ignorância sobre as histórias dos povos de origem africana que aqui aportaram e, ainda mais forte, o silêncio sobre a história das populações indígenas encontradas pelos portugueses no século XVI. Os jovens sabem bastante sobre as últimas novidades de consumo midiático e tecnológico. Nada, ou quase nada, conseguem alcançar sobre suas origens. Mesmo que na Internet exista bastante informação sobre estas coisas. O problema é que elas são raramente acessadas e são rarefeitas e pulverizadas no universo comunicacional caótico do tempo presente.

Luís Carlos Lopes é professor e autor do livro "Tv, poder e substância: a espiral da intriga", dentre outros

O Hip Hop brasileiro, para além do Capital


Hertz 'Libriano Loko'

O Hip Hop e minha história de vida sem confundem, não pelo fato de ter sido eu um dos fundadores de uma das mais antigas e importantes organizações do Hip Hop militante do nordeste, o Quilombo Urbano, mas por que de fato o Hip Hop mudou completamente minha visão social sobre o mundo e sobre mim mesmo.

Eu lembro, como se estivesse folheando um álbum de fotografia em preto e branco, da época em que comecei a dançar break, entre 1983 e 1984. Lembro das saudosas rodas de break da velha Praça Deodoro no centro comercial de São Luís, do Cassino Maranhense, da Safári, do Foot Loose entre outras dezenas. Nesses espaços me sentia dominado por um certo sentimento de liberdade em meio à agonizante e agonizadora ditadura militar. A 'liberdade' momentânea que o Hip Hop me proporcionava, e eram tantos os momentos, contribuiu para que eu, por volta de 1989, abandonasse a escola que era, e ainda é, impregnada por um racismo viril. Eu 'fugia' da escola como os comunistas tentavam fugir da 'Operação Condor' ou como muitos dos meus antepassados fugiam das senzalas. Mas, assim como os comunistas e os aquilombados, eu retornaria aos cativeiros para tentar miná-lo por dentro, hoje sou educador. Veja só que coincidência, enquanto eu era afastado do ambiente escolar pelo racismo 'oculto' de nossa educação formal, enquanto o muro de Berlim vinha abaixo e a União Soviética se abria como uma flor ao capital, além da inesquecível derrota de Lula para Collor de Mello também em 1989, ali nascia o Quilombo Urbano, ali eu nascia enquanto afro-descendente, ali era plantada uma semente comunista num solo fertilizado pelo Hip Hop. Nascíamos dos escombros do 'socialismo real' e dos olhos úmidos da classe trabalhadora e da juventude pobre brasileira derrotada pela direta e pelo imperialismo.

Que ninguém esqueça, que ninguém duvide que é das entranhas do capital que nasce os germes de sua própria destruição. Nós, juventude hiphopiana da década de 1990, somos frutos dessa contradição. Enquanto os intelectóides do capital alarmavam prazerosamente que a história havia chegado ao fim da linha e que as classes sociais deixavam de existir, uma nova espécie humana emergia dos subúrbios, das favelas, dos becos, dos barracos de madeiras, das ruas sem esgoto ou com esgoto a céu aberto, sim, era isso mesmo, um novo homem, para falar com Gramsci, 'irresponsavelmente' endiabrados com os 'playboy's', com os 'gambés', com os 'guvernos', com a GlOBO, em fim com o 'sistema'. E os intelectuais do capital' A grande mídia' Os capitalistas' Fingiam que não existíamos, fingiam, é claro, pois seu 'braço de ferro' não tinha 'colete de chumbo' nos ouvidos, 'NÃO CONFIO NA POLÍCIA RAÇA DO CARALHO' dizia o Racionais... e como era forte a ressonância dessas frases em nossas periferias. A resposta não poderia ser diferente, rapper's presos ou espancados, grupos e artistas processados, clipes censurados, e a nova espécie humana se proliferando feito praga nas fronteiras dos jardins de pétalas de ouro da burguesia.

No entanto, sem grande alarde, a velha espécie humana do capital, que há mais de 500 anos se alimenta de sangue africano, reunia-se em seus laboratórios ideológicos para minar com a praga expansiva ou, para pelo menos, transformar essa nova espécie de seres mutantes em homens 'civilizados', 'comportados', 'comprometidos' e com 'responsabilidade social'. Era necessário fazer a ponte entre o capital e a favela ou entre a favela e o Estado.

Semana passada vi duas fotos que muito me emocionou. Uma do encarte de um CD do G.O.G. em que o mesmo está dançando break ainda muito novo. Essa aí me lembrou dos momentos relatados acima. Vi ali o G.O.G. como se fosse um jovem mutante contorcendo o corpo embalado pela indústria cultural norte-americana. Ironia do destino, mais tarde esse mesmo G.O.G se transformaria num dos seus maiores opositores dessa industria cultural no universo da cultura Hip Hop brasileira. A outra foto é a do Mano Brown com apenas 18 anos de idade escrevendo uma canção sentado em uma simples cama de seu humilde barraco, essa foto está na entrevista que ele concedeu a revista 'Rolling Stone' do Brasil, aliás, a foto me comoveu mais do que a entrevista em seu conjunto, e vou dizer por que.

Naquele mesmo período eu escrevia também uma canção chamada Menor Abandonado, nada comparada com as que o Brown escrevia, é claro, mas que virou hit em São Luís até a primeira metade da década de 1990. No entanto pensei, caralho!, quantos de nós pelo Brasil afora não estava fazendo o mesmo naquele mesmo período e em condições similares. Era conspiração pura mesmo, era a nova espécie de homens com caneta e papel na mão, uma idéia na cabeça e uma imensidão de problemas revoltantes ao redor de seus barracos como fonte de inspiração.

Tente fazer a ponte no contexto: os ideólogos do capital escrevendo e publicando o 'atestado de obtido' da luta entre as classes e da história, enquanto nos barracos esquecidos pelo IBGE, jovens favelados, sem ao menos saber o que era luta de classes, fotografando fielmente em seus versos a 'guerra interna' da periferia ou da periferia contra os boys e vice-versa. Eis ai a contradição fundamental; enquanto Fukuyama escrevia o 'Fim da História' nos gabinetes militares do Tio Sam, nossos guerrilheiros se inspiravam na agonia cotidiana da periferia. Na situação limite da favela o ato limite seria inevitável e viria em forma de poesia musicalizada, visual e corporal.

Algumas pessoas tem me perguntado sobre o que achei da recente entrevista do Brown a revista Rolling Stones, isso em função do artigo que eu escrevia em 2008 sobre a provável parceria do Racionais com a Nike. Quem leu esse artigo sabe que ali eu não estou necessariamente dialogando com o Racionais, minha tentativa de dialogo é com a juventude de periferia, é com a juventude do Hip Hop de um modo geral. Era de tentar levantar alguns questionamentos do por que o capital, a grande mídia e os governos estão com os olhos tão esbugalhados no Hip Hop brasileiro. (In) felizmente o Racionais é o grupo mais importante do Hip Hop nacional e eles próprios combatem esse racionaiscentrismo, dizem constantemente que não querem ser referências para ninguém a não ser para os parceiros e para aqueles que estão próximos deles, ainda que suas músicas estejam latejando nas cabeças de milhões de jovens brasileiros, até então sem referência alguma de classe e de raça. Ora, enquanto o capital não for destruído ele seguirá expropriando as riquezas materiais que produzimos coletivamente, tal como nossas referências políticas, a exemplo do PT e do próprio Lula e tantos outros exemplos que poderíamos citar. À medida que a crise do capital se acentuar o canto da sereia soará mais forte ainda nos tímpanos dos favelados que são referencia política de peso e, infelizmente, muitos se transformarão em sereias também. Agora, o germe de sua destruição o capital não poderá eliminar jamais. Eu não tenho dúvida de que as periferias criarão novas referências, como estão criando de fato. Em todas as províncias do Brasil colonial em que existiam senzalas, também existiam fugas, revoltas, quilombolos, etc. A história segue assim, a favela precisa sobreviver politicamente.

Na virada de 2009 para 2010 um ex-aluno meu assassinou a tiros o irmão de um amigo nosso e militante do Quilombo Urbano. Nessa mesma 'borroca' mais dois conhecidos foram mortos e alguns baleados, tudo isso no bairro da Liberdade, meu bairro adotivo. Isso me deixou anestesiado, impotente e sem saber o que fazer, mas o rap foi à saída. Desabafei escrevendo a música 'Coração de Mãe'. Duas semanas depois o Quilombo Urbano lançava uma coletânea e em uma das canções do grupo Dialeto Preto tá lá a voz do parceiro que perdeu o irmão e a canção que escrevi. Uma semana depois em visita a meu irmão na casa de detenção 'Pedrinhas', percebo que por lá já estava 'bombando' a coletânea do Quilombo Urbano, especialmente a canção 'TV Vendida' que denuncia a atuação hipócrita dos programas policiais de São Luís. Na seqüência fiquei sabendo que 'Coração de Mãe' está virando hit nas comunidades do bairro Liberdade que se envolveram nos crimes da virada do ano.

É assim, penso eu, que o Hip Hop se movimenta, não pelas ondas sonoras das grandes emissoras de rádio ou pelas telas do 'plim plim', mas pelas veias pulsantes da favela. A favela é o oxigênio do Hip Hop e o Hip Hop é câmara de oxigeno dos favelados, é ele quem mantém a sobrevida dos sonhos de muitos de seus moradores.

Enquanto aqueles indivíduos que se encontram na linha frente do Hip Hop não compreenderem esse movimento como um movimento cultural atípico, completamente diferente dos demais até então existente, nossa tendência será tentar fazer do Hip Hop um movimento igual aos outros que a indústria cultural abocanhou. E essa ficção ideológica é ruim inclusive para a auto-estima da juventude hiphopiana. Muitos chegam a afirmar, irresponsavelmente, que nós não estamos bem financeiramente por que somos péssimos músicos, péssimos letristas, não sabemos rimar, somos amadores, sectários etc, etc, etc. Até parece que os músicos de sucesso da grande mídia são bons músicos, bons letristas, bons profissionais. Sim, mas bom para quem' Sem nunca ter freqüentado escola de música, de dança, de arte, de poesia, muitos de nós são grandes artistas e se estão fora dos espaços convencionais é por que nossa cultura tem conteúdo de classe. A mídia não nos quer, do mesmo modo que não quer o MST, mas quer os ruralistas, não quer a CONLUTAS, mas quer a FIESP, não quer os movimentos sociais combativos, mas quer as ONG's.

Muitas águas hão de rolar nos próximos anos nesse nosso apaixonado movimento Hip Hop, muitos abandonarão a barca, muitos virarão garotos propaganda do imperialismo cultural, mas enquanto não cessar a guerra do capital contra o trabalho não cessará também a cadeia produtiva de kamikazes periféricos, e essa é uma contradição que só cessará com a destruição do capitalismo



Hertz é militante do Movimento Hip Hop do Maranhão 'Quilombo Urbano', do Movimento Hip Hop Militante 'Quilombo Brasil' e vocalista do grupo de rap Gíria Vermelha.

Mais de 820 milhões de pessoas moram em favelas no mundo

Enquanto em 1950, 30% da população mundial viviam em áreas urbanas, hoje a proporção já atingiu 50%, ou seja, 3,5 bilhões de pessoas.



Estima-se que em 2030 a maioria dos humanos morará numa cidade, e, segundo as projeções do Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-HABITAT), em 2050, será o caso de virtualmente todos os habitantes da terra.



“Daqui a vinte anos, o homo sapiens deverá ser chamado o homo sapiens urbanus”, afirma o novo relatório sobre o Estado das Cidades do Mundo 2010/2011, apresentado ontem (19) no Rio de Janeiro. O documento antecipa o 5º Fórum Urbano Mundial, que começa segunda-feira na capital fluminense.

O subtítulo do relatório, “Unindo o urbano dividido”, é publicado a cada dois anos e resume a principal preocupação do ONU-HABITAT: se teoricamente morar em uma cidade significa melhor qualidade de vida e mais acesso aos serviços públicos, como saneamento, água potável, educação e saúde, em diversas cidades, especialmente nos países em desenvolvimento, urbanização rima com exclusão e marginalização.

Fome nas cidades

“Hoje, é mais frequente uma pessoa passar fome em uma cidade do que na área rural”, afirmou o coordenador da pesquisa, Eduardo López Moreno, durante a apresentação do relatório. Ele apontou as desigualdades em relação à saúde, – a quantidade de doenças é três vezes maiores nas favelas que no resto da cidade – na educação e na cultura. “A exclusão das pessoas morando nas favelas não é apenas econômica, também é social, cultural, e política”, afirmou Moreno.

ONU-HABITAT destaca que 227 milhões de pessoas no mundo deixaram de viver em favelas entre 2000 e 2010 e passaram a fazer parte da cidade formal. Isto significa que a porcentagem de pessoas morando em assentamentos precários passou de 39% para 32% nos últimos dez anos.

Em aparência, é um ótimo resultado, que significa que, coletivamente, os governos do mundo alcançaram uma das metas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM): melhorar em 2,2 vezes a vida de pelo menos 100 milhões de habitantes de favelas até 2020.

“No entanto, não é um número suficiente para ser celebrado”, insistiu a diretora executiva de ONU-HABITAT, a tanzaniana Anna Tibaijuka, durante a apresentação do relatório no Rio de Janeiro. “A meta dos ODM em relação à moradia é muito baixa, não faz sentido. Atingi-la não significa uma melhoria substancial da vida das pessoas”, completou.
Tibaijuka lembrou que o “número absoluto” de moradores de favelas cresceu de 776,7 milhões em 2000, para 827,6 milhões em 2010. Isso significa que 55 milhões de novos moradores de favelas foram agregados à população urbana global desde 2000.

Metade deste crescimento veio de pessoas que já viviam em favelas, um quarto são aqueles que migraram do campo para áreas urbanas e outro quarto é representado pelos que viviam em áreas rurais nas bordas das cidades e que tiveram suas residências engolidas pelo crescimento urbano. De acordo com cálculos do programa ONU-HABITAT, a população mundial que vive em favelas deveria aumentar seis milhões por ano até 2020 para chegar a marca dos 889 milhões, quase atingida ainda em 2010.

Urbanização prematura

A diretora executiva do projeto lamentou que os progressos acontecessem de forma desigual ao redor do mundo. “Enquanto conseguimos ter melhorias em países como a Índia, a China, a Indonésia, o Marrocos e a Tunísia, na África Subsaariana e na Ásia Ocidental a história é diferente. Nesses lugares, a maioria das pessoas continua vivendo em favelas, sem água, sem saneamento e sem habitações decentes”, disse.

Qualificando a situação na África Subsaariana de “dramática”, ela lembrou que a região concentrava a maior população em favelas: 199,5 milhões o que representa 61,7% da população urbana. “África Subsaariana está vivendo um fenômeno de urbanização prematura: as pessoas deixam as áreas rurais sem nenhuma preparação. São camponeses que fugiram de guerras ou que se deslocaram para área urbana impossibilitados de trabalhar na terra”, explica Tibaijuka, citando o exemplo da Angola, onde 80% das terras agrícolas ainda estão minadas.

A região que mais evoluiu é a Ásia, onde 172 milhões de pessoas deixaram as favelas entre 2000 e 2010. O esforço foi concentrado na China e na Índia, que somam 125 milhões desses novos cidadãos “incluídos” na cidade. Segundo o relatório, os dois países deram “passos gigantes".

Reduzir a idade penal é entregar o adolescente mais cedo ao crime


Na semana passada, após anúncio feito pelo deputado Eliseu Padilha (PMDB-RS), presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados em Brasília...

...de que encaminharia 21 projetos que tratam da redução da maioridade penal para votação no Congresso, as entidades que atuam na defesa dos direitos de crianças e adolescentes, se manifestaram e pressionaram os parlamentares para que retirassem da pauta a votação de tais propostas.

Segundo Mário Volpi, oficial de projetos do Fundo das Nações Unidas para a Infância, Unicef, a manifestação foi bem sucedida, já que conseguiram "que o assunto fosse retirado da pauta neste ano". Ele disse que, com isso, conseguiram mais tempo para trabalhar essa questão junto à sociedade brasileira.

Isso porque, muitos acreditam que reduzir a idade penal seria a solução para a redução da violência. "O que nós temos trabalhado é a ideia de que o tema da idade penal é revertido por um conjunto de mitos. Um deles é que o aumento da pena reduziria o delito", declarou. "A redução da idade não muda a situação do delito", afirmou.

Ele disse que os vários projetos que propõem a redução da maioridade penal "não reconhecem a adolescência como uma fase especial da vida". "Baixar a idade penal implica em entregar o adolescente mais cedo ao sistema penal e ao mundo do crime", alertou. Mário ressalta que, antes de tudo, é preciso investir em políticas públicas que beneficiem adolescentes e jovens nas áreas da educação, trabalho e saúde.

Outro ponto importante seria investir em segurança pública. A ideia é evitar que esses adolescentes em situação de vulnerabilidade social cometam infrações e delitos, entrando para o mundo do crime. Em último caso, se investiria em medidas socioeducativas, aplicadas após o ato infracional.

Segundo ele, as medidas socioeducativas apresentam resultados bastante positivos, sobretudo, se aplicadas na comunidade de origem do infrator.

"Queremos uma medida nacional socioeducativa", informou. Uma das alternativas é evitar que adolescentes ingressem em sistemas prisionais de adultos.

Ele criticou duramente o modelo brasileiro dizendo que "parece que o país não aprende com essas experiências e pega o exemplo dos Estados Unidos, que tem um sistema prisional altamente punitivo, mas, apresenta três vezes mais delitos".

Em carta enviada aos parlamentares, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), disse que "a redução da idade penal não representa o fim da violência". De acordo com estudos do Fundo das Nações Unidas para a Infância, o Unicef, a juventude "é mais vítima do que agente da violência".

O Conselho Federal de Psicologia lista uma série de motivos pelos quais não se deve reduzir a idade penal. Entre as justificativas estão a necessidade de garantir educação de qualidade e efetivar a responsabilização dos atos infracionais cometidos por adolescentes através de medidas socioeducativas.

Além disso, a entidade defende que punir sem se preocupar com o motivo que leva o indivíduo a realizar uma infração, tem como efeito o aumento da violência. A ideia seria buscar o motivo que leva o jovem ou adolescente à cometer tais atos e aplicar tratamento específico.

Cotas raciais: uma política de afirmação dos trabalhadores

Jeansley Lim

O debate em torno da política de ação afirmativa para os negros nas universidades públicas retoma contradições e tensões da sociedade brasileira, contrapondo as postulações teóricas acerca da cidadania e suas práticas sociais atualmente.


As distorções sociais são resultado do acesso desigual às riquezas socialmente produzidas, cuja prevalência de interesses e privilégios de um grupo social sobre outros se mantém, seja pela supressão de classe, de gênero ou étnico-racial.

Vale ressaltar que a política de cotas se insere numa estrutura sócio-jurídica capitalista, com vistas a integrar socialmente grupos sociais neste sistema. Portanto, o que se discute é a efetivação de incentivos para a consolidação de direitos sociais para os negros no contexto de uma ordem legal restrita. Assim os pressupostos teóricos por ora analisados buscam contraporem os argumentos contrários a efetivação das cotas como uma política de ajuste e integração social.

O argumento histórico nesta disputa pela efetivação das cotas possui um caráter paradoxal e controverso. Ora para legitimar a reparação em favor dos negros, ora para sustentar a idéia de que inexiste um abismo racial no Brasil, enfatizando que o problema é estritamente social. Nesse sentido, o presente texto busca refletir a coexistência entre as desigualdades sociais e raciais, cuja superação depende de políticas específicas para suprimir os mecanismos sociais que as reproduzem, e a necessidade dos movimentos sociais e entidades que representam os interesses dos trabalhadores de defenderem o apoio às cotas como uma política social de classe.

O legado histórico

O primeiro aspecto a ser refletido são os significados da concentração de terras e a escravização dos negros como elementos análogos da formação e sustentação da sociedade brasileira. Afinal, estamos falando de um país cuja população negra é a segunda maior do planeta e que detém o primeiro lugar em concentração de terras.

A apropriação do trabalho do negro pelo escravismo instituiu as bases das relações sociais, impregnadas pelo paternalismo, que se caracteriza pela difusão da ética do trabalho degradado e de uma imagem depreciativa de povo. Já a grande propriedade e o modelo agroexportador lançaram as arestas de um sistema econômico restrito e desigual.

Enquanto a elite nacional colonialista se manteve indiferente às necessidades da maioria da população.

Por conseguinte, a grande propriedade rural se constituiu um dos maiores obstáculos para a cidadania no Brasil no seu processo de formação. A concentração fundiária é uma herança colonial, antecede a escravidão, embora tenha se consolidado a partir desta. Desde as capitanias hereditárias a concessão de terras foi o único meio para a obtenção da propriedade, até meados do século XIX. Isso gerou um processo irreversível na trajetória política brasileira, o qual o poder político se constituiu atrelado à concentração do poder econômico. A elite política imperial representava o poder dos grandes proprietários rurais e o aparato estatal executava os interesses dessa classe, mantendo a população distante dos processos decisórios e tendo na propriedade do escravo o instrumento de coerção e controle social.

O iminente fim da escravidão após a proibição do tráfico negreiro pressionou a aprovação da Lei de Terras, de 1850, que tinha como intenção a garantia da ordem vigente ao impedir o acesso à terra de grande parte da população, em sua maioria trabalhadores negros livres, ao definir critérios rígidos para obtenção da propriedade. Desse modo, se institucionalizou uma prática social permissiva, em que os proprietários rurais se colocavam acima da lei e mantinham um controle austero sobre os trabalhadores.

A escravidão, por sua vez, se tornou um lastro social difícil de ser superado pelas sucessivas gerações. A lei distinguiu brancos e negros, cidadãos e não cidadãos. Corroborou para a existência de conflitos étnicos e raciais no processo de transição para o trabalho livre, em que o trabalhador negro teve que conviver com o estigma do trabalho degenerado, amoral, restrito aos afazeres braçais, propenso ao crime e à vadiagem.

Embora a resistência e a luta antiescravista pusessem fim ao sistema escravocrata, não foi capaz de democratizar o acesso a terra e perpetuou a discriminação racial. A existência de preceitos morais, sociais e políticos sustentados pela velha ordem patriarcal e colonialista não permitiu que se firmassem os direitos sociais dos ex-escravos. Ademais, as disputas políticas e sociais no decorrer do processo de transição do trabalho escravizado para o livre foi marcado pela relutância em libertar os escravos, que demonstra uma tentativa de preservação da propriedade, ora perpetuada pela concentração de terras e a expropriação dos trabalhadores livres em obtê-las.

Portanto, a grande propriedade é o símbolo da concentração econômica e das disparidades sociais, que teve na escravização da mão de obra o seu meio de perpetuação e após o término do escravismo não modificou a sua estrutura rígida e limitada. Enquanto a escravidão mitigou o acesso dos trabalhadores escravizados e livres a propriedade, restringindo a participação política a grupos sociais privilegiados, mantendo-se os traços estruturais do passado escravista no processo de construção da sociabilidade capitalista no Brasil. Já o trabalhador negro livre se viu segregado em virtude da sua ex-condição sócio-jurídica e da sua aparência (cor). Tendo a política de imigração européia o traço institucional da negação do negro como elemento nacional, cujos significados serão discutidos a seguir.

Raça: um conceito social

As teses do darwinismo social tiveram origem na segunda metade do século XIX, período o qual foi cunhado o termo raça, que concebia a divisão dos seres humanos em grupos sociais distintos, a partir de uma debilidade natural das suas variadas espécies. O principal objetivo desta perspectiva teórica era justificar a seleção natural como meio de explicar o imperialismo e o domínio de um povo sobre outro.

Segundo esta abordagem teórica a miscigenação brasileira legou ao seu povo a degeneração racial e, por conseguinte, o servilismo político perante outras nações. Enquanto os negros estavam condenados, naturalmente, à decadência e à corrupção, por estarem num estágio inferior na evolução da espécie humana. Essa postura discriminatória foi difundida e aceita pela elite política brasileira. Visava não somente atribuir à inferioridade racial dos africanos a causa de todos os males que atingiam o país, mas como uma tentativa de reproduzir os hábitos europeus, tidos como civilizados, na sua integralidade.

Esse tipo de análise reproduz, em parte, aspectos centrais do pensamento social e científico que se difundiu no Brasil após a década de 1870. Criou-se a idéia da raça com base nas distinções físicas e biológicas entre grupos humanos e as ciências sociais apropriaram do conceito para explicar as diferenças e valores culturais. Com isso, a indicação das posições sociais e acesso aos bens materiais foram atribuídos às desigualdades naturais, da raça, tentando-se justificar por meio da natureza os problemas estritamente relacionados ao social.

Tais teorias raciais só foram superadas a partir da década de 1930, com a tese da democracia racial, capitaneada por Gilberto Freyre, cuja miscigenação trouxe benefícios sociais importantes na formação social brasileira, em que as raças conviviam pacificamente, atenuando os conflitos e as tensões raciais, tendo na simbiose do branco, do negro e do índio um protótipo ideal de povo. Assim o estágio seguinte ao período das teorias raciais tentou suavizar as relações raciais no Brasil, negando a existência do racismo e protelando instituir meios para a sua superação.

No entanto, o conceito de raça passa a ser incorporado socialmente. Deixa de ser uma abstração teórica e se institucionaliza nos aparelhos ideológicos e de coerção do Estado. Desta feita o racismo brasileiro desenvolve uma característica peculiar: se oculta por trás de uma suposta garantia da universalidade e da igualdade das leis, que do ponto de vista material não atendem às expectativas/necessidades prementes dos negros.

Igualdade e equidade racial

O Supremo Tribunal Federal - STF julgará duas ações a respeito do mérito constitucional das cotas. A primeira impetrada pelo DEM, ex-PFL, contra a reserva de 20% da vagas para negros na Universidade de Brasília - UNB. A segunda pelo estudante Giovane Pasqualito Fialho, por não ter sido aprovado no vestibular da UFGRS mesmo obtendo nota superior a de estudantes cotistas. Ambas as ações alegam que este procedimento fere o princípio da igualdade, previsto constitucionalmente, posto que esta prerrogativa privilegia um grupo social em detrimento de outro.

Esta interpretação da lei assume um caráter estritamente instrumental, em que a igualdade é tida como supostamente uma garantia material. Ignora o contexto social e a singularidade dos sujeitos a que se aplica a norma, destituindo os processos sociais como construções baseadas nas experiências de grupos sociais distintos. Busca equalizar aquilo que é notoriamente avesso na esfera social.

O princípio da igualdade equiparou no âmbito jurídico nobres e plebeus a categoria de cidadãos, pondo fim à sociedade estamental (feudal) e instituindo a sociedade de classes (capitalista). Com isso, o estatuto jurídico se compôs de diversas leituras e ambigüidades, sendo a ideologia o alicerce da sua interpretação. Logo, a legislação não deve ser entendida apenas como um instrumento jurídico de dominação, mas um espaço de disputa e conflito.

Assim a lei assume uma função classista, em que se contrapõem o Direito Positivo - associado à idéia da ideologia vigente, e em que as normas são instrumentos usados pela classe dominante como forma de opressão - e o Direito Subjetivo - reivindicado pelas classes espoliadas, em que se centra a dimensão libertadora do Direito, para qual a retórica da lei adquire uma identidade distinta, oferecendo proteção aos destituídos de poder.

Desta forma, o que se defende com a implementação do sistema de cotas é a superação do conceito de igualdade como uma premissa formal, ou seja, para além do seu cunho contratual. Sua finalidade é denunciar o caráter não-universal e desigual da lei positiva, para que se possa atingir a equidade, ou seja, a reparação das injustiças sociais. Por isso, é importante entender o debate das cotas dentro de um processo de luta histórico de afirmação e inserção do negro na sociedade.

Cotas: uma perspectiva de classe

A proposta de tencionar a política de cotas para o âmbito social e não racial é uma estratégia dissimulada, como se os militantes em favor das cotas fossem contrários aos investimentos para a valorização da escola pública. O que se pretende é impedir a efetivação de um atalho que torne a universidade plural e diversificada. Logo, a ofensiva midiática e as sucessivas manifestações do meio acadêmico e jurídico para impedirem o avanço de importantes e bem sucedidas experiências de cotas nas universidades federais e estaduais em curso no Brasil representa o temor que esta política se institucionalize.

Por isso é importante reiterarmos que vivemos numa sociedade de classes e a defesa de uma política racial como mecanismo de ascensão e mobilidade social do negro deve ser tomada pelo conjunto da classe trabalhadora. O debate da questão racial ingressa no século XXI com a mesma necessidade de superar os limites da intolerância religiosa, os desafios do meio ambiente, as tensões das hierarquias masculino-feminino e da luta de classes.

Os movimentos sociais e entidades representativas dos interesses dos trabalhadores devem assumir a política de cotas como defesa intransigente dos seus interesses. Afinal, são as experiências comuns, herdadas ou partilhadas pelos excluídos que articula a sua identidade de seus interesses entre si contra outras classes, cujos propósitos se diferem e se opõem aos seus. Neste caso, as cotas beneficiarão o acesso e a democratização da universidade, já que para a maioria da população não seria possível sem a implementação desta política social.

Embora as cotas se enquadrem dentro de uma proposta reformista no interior da ordem liberal, sua efetivação contribuiu para repensar o atual estágio da pesquisa científica e do ensino superior, ao incluir um grupo social historicamente excluído. Caso o STF reconheça a emergência e a necessidade das cotas, esta decisão abrirá margem para que tais benefícios se estendam para outras áreas de atuação, conforme prevê o Estatuto da Igualdade Racial. Caso contrário, se tornará uma grande derrota para as aspirações daqueles que lutam por justiça social no Brasil.

*Jeansley Lima é mestre em História Social pela UNB

Quem tem medo de raça? A paranóia branca e as ações afirmativas no Brasil

PDF



110410_anti_racismo.jpgIrohin [Jaime Amparo-Alves] - Nada de original. Em Fora da Lei(1), Demétrio Magnoli reproduz com um atraso de dez anos a crítica feita por Pierre Bourdieu e Loïc Wacquant sobre uma suposta importação do modelo de relações raciais estadunidenses pelo movimento negro brasileiro e seus intelectuais.

"Não caçamos pretos, no meio da rua, a pauladas,
como nos Estados Unidos. Mas fazemos o que
talvez seja pior. A vida do preto brasileiro é toda
tecida de humilhações. Nós os tratamos com uma
cordialidade que é o disfarce pusilânime de um
desprezo que fermenta em nós, dia e noite"

Nada de original. Em Fora da Lei(1), Demétrio Magnoli reproduz com um atraso de dez anos a crítica feita por Pierre Bourdieu e Loïc Wacquant sobre uma suposta importação do modelo de relações raciais estadunidenses pelo movimento negro brasileiro e seus intelectuais. Em Sobre as artimanhas da razão imperialista(2) os autores acusavam os intelectuais negros estadunidenses de imperialistas culturais - a crítica é direcionada principalmente, embora não exclusiva, ao livro de Michael Hanchard ‘Orfeu e o poder’ (2001)(3) - e a emergente academia negra norte-americana de impor uma falsa universalização do racismo aos países do chamado terceiro mundo. Haveria um certo excepcionalismo brasileiro no campo das relações raciais que faria o Brasil ser diferente. Ainda, os autores rotulavam o intercambio - cada vez mais crescente - entre intelectuais negros dos dois países de tática estratégica para a imposição de um modelo bi-polar de relações raciais só presente na America do Norte. As agencias de financiamento como a Fundação Ford aparecem na critica como o exemplo mais concreto do imperialismo cultural disfarçado de intercambio acadêmico. O debate que se seguiu à crítica de Bourdieu e Wacquant já é conhecido. John French, Edward Telles, Jocélio Telles, Michael Hanchard, entre outros, responderam dando o merecido crédito à autonomia intelectual negra no Brasil e mostrando que a tão propalada excepcionalidade brasileira não se sustenta quando contrastada com as condições de vida dos brasileiros negros.

A volta ao debate nos dá a oportunidade de reenfatizar um aspecto central da experiência negra nas Américas: em todos os países negras e negros ocupam índices cruéis na hierarquia social. Não há nada de excepcional no quadro de relações raciais do Brasil e a similaridade nas ‘condições materiais de existência’ - em que pese suas especificidades - ajudam a tecer uma comunidade política imaginada e concreta, a Diáspora Africana. O que há em comum na experiência d os jovens negros das favelas cariocas e os jovens negros dos guetos de Chicago ou Nova York? O que une o viver urbano de negras e negros do Haiti, da Colômbia, de Cuba, dos EUA, do Brasil, dos países africanos? Quais as especificidades e as semelhanças na representação midiática de negras e negros nas Américas e nas Áfricas? Portanto, para desconstruir o mito da suposta importação acrítica do padrão de relações raciais dos EUA, teríamos que perguntar aos neofreirianos do momento por que a fobia com a crescente conscientização política transnacional negra e por que os negros brasileiros aparecem em seus textos como incapazes de possuírem uma autonomia intelectual própria.

Tal fobia está presente nos textos de Demétrio Magnoli. Em Fora da Lei, o autor repete as táticas já conhecidas nos seus textos anteriores. Trata-se do recurso lingüístico de imputar a outrem afirmações que ninguém fez. Quem no movimento negro teria se oposto à defesa da qualidade do sistema público de ensino? Quem teria afirmado a existência biológica de raça? Haveria uma incompatibilidade na luta pela democratização do acesso à universidade pública e a defesa da escola pública?

De um lugar social racialmente privilegiado, os neofreirianos ambiguamente reconhecem a existência do racismo, mas não admitem a luta política contra suas manifestações cotidianas. É como se raça fosse uma construção social sem impactos reais diferenciados nas chances de vida de brancos e negros(4). Esse social construtivismo na verdade esconde uma paranóia contra qualquer forma de organização política que questione a supremacia branca. Ao contrário do que se quer fazer crer, o que orienta tais posicionamentos políticos não é a preocupação com o renascimento do ‘estado racial’ ou a suposta defesa da igualdade entre todos. Os terrenos estão bem demarcados e não há ingenuidade no debate: a organização política dos negros e negras representa uma ameaça real ao poder político-econômico de uma elite branca que tem na academia e na mídia seus principais instrumentos ideológicos. Faz sentido, portanto, que intelectuais reconhecidamente competentes no repertório acadêmico como Ivone Maggie, Peter Fry, Márcia Green, e agora Demétrio Magnoli se prestem ao papel de arquitetos do caos e invistam suas carreiras acadêmicas na construção do ‘apocalipse racial’.

O mundo não vai acabar com as cotas nas universidades públicas, como mostra o exemplo positivo da Universidade de Brasília - a primeira instituição federal de ensino superior a aprovar cotas para negros - e das quase cem instituições públicas que adotam algum programa de ações afirmativas. Estas instituições estão recuperando o sentido republicano da universidade pública(5). Quem tiver curiosidade de estudar os números da inclusão verá que as cotas raciais começam ajudar o Brasil na longa marcha em busca do reencontro consigo mesmo. As ‘divisões perigosas’ que historicamente têm colocado em lugares sociais distintos negros e brancos - os primeiros nas favelas, nas prisões, na pobreza, nas estatísticas insidiosas da violência policial, no chão das fábricas e os segundos nas melhores universidades públicas, nos condomínios fechados, na direção dos conglomerados empresariais - são a verdadeira ameaça à efetivação da igualdade substantiva entre todos os brasileiros. A luta dos negros e negras por igualdade de direitos vai ajudar a consolidar a cidadania e transformar a democracia racial em uma realidade concreta. Só a luta organizada por igualdade racial de fato poderá desbancar o mito da harmonia racial.

As ações afirmativas não farão surgir um tribunal racial nem criarão uma ‘rotulação estatal dos cidadãos segundo o critério abominável da raça’. De fato, ‘raça’- como empregada por Demétrio Magnoli - é um critério abominável, como o é sua má-fé e o seu cinismo de colocar na mesma cesta a luta do movimento negro pela igualdade racial e o estado nazista alemão. Ao reivindicar a categoria raça como identidade política, negras e negros o fazem a partir de uma perspectiva crítica e o fazem porque os brancos não deixaram outra escolha no campo das disputas políticas(6). Racialmente interpelados(7) como ‘negros’ - com toda significação histórica que a palavra carrega - no contexto de desigualdades racialmente estruturadas negras e negros re-significam a categoria ‘raça’ e tecem uma nova identidade política. Fazem sentido da vida e dos seus encontros cotidianos racializados a partir da identificação com um grupo social.

Se no embate político por direitos de cidadania novos brasileiros se reencontram com seu passado e quebram o paradigma da linha cromática sempre em direção ao branco, ainda melhor. O reconhecimento da negritude está em sintonia com a celebração da diversidade étnico-racial tão forte entre nós. Mas é hora de celebrar a diversidade brasileira não apenas no futebol ou no botequim, como certa antropologia da cordialidade sugere. É hora de miscigenar os espaços de poder.

O movimento negro está abrindo, no grito e na raça, uma porta ha tempos fechada. A intelectualidade negra cresce e com ela um novo paradigma na produção de conhecimento sobre as relações raciais no Brasil e nas Américas. Não seria a resistência às ações afirmativas um sintoma da impossibilidade cognitiva dos brancos em reconhecer seu privilegio e o lugar de onde falam?

Massacre de Eldorado dos Carajás: triunfo da impunidade

Por Natasha Pitts e Karol Assunção

O Massacre de Eldorado dos Carajás deixou muitas marcas da injustiça social. A mais evidente delas é a impunidade. Até o momento, não há registro de que algum dos cerca de 150 policiais envolvidos tenha sido punido. Da mesma forma, o coronel, o capitão e o major que comandavam a tropa também não sofreram penalizações. Amanhã (17), quando se completam 14 anos do ocorrido, a data seguirá sob o peso da injustiça.


Josimar Pereira de Freitas, um dos trabalhadores que conseguiu sobreviver à chacina, descreve bem o sentimento que carrega até hoje quando do julgamento dos acusados. "O julgamento dos acusados foi constrangedor, pois todos foram absolvidos. Algum tempo depois, eles receberam indenização por danos morais e praticamente todos já subiram de patente. O major e o coronel envolvidos foram condenados, mas estão soltos e podem não estar trabalhando, mas, na certa, estão recebendo. Estamos preocupados e revoltados e tem horas que pensamos estar num beco sem saída. No Brasil, não tem justiça para pobre", lamenta.

Durante a semana que antecede o 17 de abril, batizado como Dia Mundial da Luta pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, serão realizadas diversas manifestações para que o Massacre de Eldorados dos Carajás não seja esquecido. No Pará, amanhã, trabalhadores acampados e assentados farão uma grande marcha até a ‘Curva do S’, local onde aconteceu o Massacre de Eldorado dos Carajás.

"Nós pedimos justiça, mas se não há, pedimos que pelo menos não aconteçam no Brasil nem no mundo tragédias como a que aconteceu no nosso Pará", apela Josimar.

O advogado da Comissão Pastoral da Terra, João Batista Afonso, que atua no Pará e acompanha os casos de conflito na região, é enfático: "o massacre de Eldorado dos Carajás é o triunfo da impunidade", uma vez que após 14 anos do episódio, os responsáveis continuam soltos".

De acordo com ele, nenhum dos responsáveis pelas 19 mortes e centenas de feridos foi punido. Afonso explica que dois dos acusados foram condenados, mas até hoje não foram presos porque os recursos da sentença ainda estão sendo analisados."A impunidade no caso é de 100%", aponta, comentando que "dificilmente [os condenados] cumprirão a pena imposta".

Com informações de Adital

Uma vida nada cor-de-rosa para as meninas em medida socioeducativa

Quem são as meninas que cumprem medidas socioeducativas no País, números e na vida

do Portal Pró-Menino
Cristina Uchôa e Murillo Magalhães

Meninas submetidas a alguma medida socioeducativa são uma pequena minoria no universo brasileiro de adolescentes em conflito com a lei. No ano de 2006, esse número era de pouco mais de 3 mil garotas, num universo de mais de 40 mil adolescentes, de acordo com pesquisa feita pelo Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção e Tratamento do Delinqüente (Ilanud). Dados mais recentes dão conta apenas das adolescentes em medidas privativas de liberdade: em 2008, elas não chegavam a mil cumprindo medida em meio fechado, num total de mais de 16 mil, segundo relatório da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República.

Em números, as meninas que cometem atos infracionais em geral incidem em condenações mais brandas que as dos meninos: mais de 80% delas cumpria, em 2006, medidas de Liberdade Assistida (LA) e/ou Prestação de Serviços à Comunidade (PSC), e menos de 8% estavam em medida de Internação, a mais grave entre as medidas socioeducativas. Para os meninos, esse índice é o dobro: mais de 16%, na mesma época, cumpriam medida de Internação.

Como os meninos, elas também praticam mais atos contra o patrimônio (46% delas), como roubo e furto. Para os meninos, a proporção é de 64%. Em segundo lugar, no entanto, elas se envolvem mais com delitos relacionados a agressão a pessoa e os costumes (agressão física e crimes relacionados à intimidade). São 24,7% delas, contra 12,6% deles. Proporcionalmente, elas também se envolvem mais que eles com atos ligados a tráficos de entorpecentes. Mais de 16% do total das meninas em MSE são sentenciadas por esse tipo de atividade, enquanto entre os meninos a porcentagem está abaixo dos 13%.

Além dos números
Mas quem são essas poucas meninas que se envolveram com atos infracionais? Em Várzea Paulista, por exemplo, as únicas quatro meninas do total de 40 adolescentes atendidos em programas de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade são casos tratados com muita especificidade pela Secretaria de Assistência Social, que coordena projetos de proteção especial a adolescentes em conflito com a lei no município.

Cássia Poltronieri, que coordena a proteção especial na Secretaria, conta que, na cidade, quando acontece das meninas se envolverem em atos infracionais, em geral são ações ligadas ao narcotráfico. Na maioria dos casos ali elas não são de famílias de perfil socioeconômico carente, mas de famílias com renda acima dos dois salários mínimos. O acompanhamento dado a elas tem que ser diferenciado, primeiro porque meninas e meninos já têm características diferentes por sua natureza, mas também porque os desafios são diferenciados.

“Quando uma menina chega a infracionar, isso significa que vai ser mais difícil lidar com ela. Para chegar a cometer um ato desses, ela tem que romper com diversos paradigmas que são muito fortes para a mulher: ela tem que contornar questões que não são ligadas à feminilidade, como a exposição, a violência verbal e a própria violência física”, analisa Cássia.

Para ela, é um desafio lidar com esse fenômeno. “Nós inserimos as participantes em programas de acompanhamento na escola, em cursos profissionalizantes e promovemos sua inserção na rede, mas envolvê-las e criar vínculo, fazer com que criem confiança no educador, é outro desafio. Elas são mais arredias”, afirma.

Em Guarulhos, município que tem alto índice de ocorrência de atos infracionais no Estado de São Paulo, o Projeto Gaia é a entidade responsável pela aplicação das medidas de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade. Dos mais de 200 adolescentes que hoje são acompanhados nessas medidas, apenas nove são meninas.

No ano passado houve uma fase em que o grupo passou de 10 garotas, o que demandou a criação de um grupo só de meninas, como conta Vanessa Vieira de Moraes, assistente de coordenação do Gaia. “Tínhamos 13 garotas, então montamos um grupo específico de acompanhamento para elas, com atividades de temática própria, como a sexualidade da mulher e a gravidez na adolescência, que são temas muito próximos à realidade delas”, conta.

Feminilidade e sexualidade são pontos muito sensíveis para a adolescente, que não raramente tem que lidar com a questão da maternidade. “Já tivemos e temos atualmente adolescente grávida em cumprimento de medida. Cada uma tem uma decisão específica por parte da Justiça sobre o que fazer, se interrompe a medida, se suspende, se tem que terminar de cumprir depois que se afasta para fazer o parto. É caso a caso”, conta Vanessa.

Não é só o poder judiciário que tem que analisar caso a caso. Em Guarulhos, em Várzea Paulista ou em cada unidade que executa medida socioeducativa no País, lidar com cada uma das meninas parece um universo à parte.

Relatório mostra que 70% dos pobres do planeta são mulheres

Por Karol Assunção

A Anistia Internacional do Uruguai aproveita o mês dedicado às lutas das mulheres de todo o mundo para apresentar, nesta quinta-feira (11) na Biblioteca Nacional, em Montevideu, o relatório "A
armadilha do gênero - Mulheres, violência e pobreza". Na
oportunidade, foram discutidas as atividades realizadas nos seis anos da
campanha "Não mais violência contra as mulheres" e divulgada a nova
ação: "Exige Dignidade".

Segundo informações do relatório "A armadilha do gênero", dados da Organização das Nações Unidas (ONU)
revelam que mais de 70% das pessoas que vivem em situação de pobreza são
mulheres. "Por que mais de dois terços das pessoas pobres do mundo são
mulheres, se estas constituem somente a metade da população mundial?",
questiona.

A resposta é encontrada no próprio relatório: discriminação. Segundo a Anistia, este é um dos principais fatores que
explicam a pobreza feminina. "Em alguns países, a discriminação contra
as mulheres impregna na legislação e, em outros, esta discriminação
persiste apesar da adoção de leis de igualdade", afirma.

Isso pode ser constatado com uma simples comparação entre os benefícios que
os homens e as mulheres recebem. De acordo com o estudo da Anistia, o
acesso a recursos e meios de produção como terra, crédito e herança, por
exemplo, não é igual para os dois sexos.
Da mesma forma, em média, as mulheres recebem salários mais baixos e, muitas vezes, o trabalho
nem sequer é remunerado. "As mulheres, com frequencia, trabalham em
atividades informais, sem segurança de emprego nem proteção social. Ao
mesmo tempo, seguem responsabilizando-as do cuidado da família e do
lar", lembra.

Vale ressaltar que as mulheres não sofrem apenas com pobreza e discriminação. Segundo o documento da Anistia, elas ainda
são as mais afetadas pela violência, pela degradação do meio ambiente,
pelas enfermidades e até mesmo pelos conflitos armados.

De acordo com a organização, apesar de algumas conquistas e avanços nas
garantias de direitos das mulheres - por exemplo, o reconhecimento de
que os direitos delas são direitos humanos -, ainda há muito que ser
feito. Para Anistia, o reconhecimento dos direitos das mulheres apenas
melhorou a vida de algumas. Por conta disso, considera que os Estados e
as instituições internacionais devem ter mais vontade política para
garantir tais direitos e para assegurar a igualdade.

Além disso, a organização acredita que as demandas das mulheres precisam ser
ouvidas e respeitadas. "A voz das mulheres deve ser escutada. Suas
contribuições devem ser reconhecidas e alentadas. A participação ativa
das pessoas que se veem afetadas é um elemento essencial de qualquer
estratégia de luta contra a pobreza", afirma.

Prêmio Hip Hop – edição PRETO GHÓEZ

Foi lançado no dia 29 de janeiro o 1º Edital do Prêmio Cultura Hip Hop 2010 – Edição Preto Ghóez. O lançamento ocorreu durante a realização do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre.

O Edital homenageará o rapper, compositor e escritor e um dos principais líderes do movimento no Brasil, Preto Ghóez que faleceu em 2004. O ministro Juca Ferreira disse que o rapper conhecia, profundamente, a dimensão cultural do país: – “O Prêmio foi construído em parceria com os integrantes do movimento Hip Hop e o Preto Ghóez foi o primeiro a nos procurar para construirmos essa parceria”.

O Prêmio Hip Hop – Edição Preto Ghóez – conta com R$ 1,7 milhão, distribuídos entre cinco categorias e premiará 135 iniciativas culturais do segmento e será realizado pelo Ministério da Cultura (via Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural) em parceria com a Ação Educativa e o Instituto Empreender (DF).

As inscrições começam no dia 6 de abril.

“O Hip Hop é uma das principais manifestações culturais do Brasil”, afirmou o ministro. Segundo ele, com o edital, que será realizado pela Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural, o Ministério da Cultura reconhece a importância da produção cultural da juventude brasileira, principalmente, daquela que está na periferia. “Na realidade, o Hip Hop está em todo o Brasil, até na Amazônia e nas aldeias indígenas”, disse Ferreira.

Confira as categorias do prêmio:

Reconhecimento: Personalidades ou entidades importantes para o desenvolvimento da cultura Hip Hop;
Sócio-Educativa – Escola de Rua: Iniciativas que já existem e que visem a utilização dos elementos do hip hop em ações sócio-educativas, através de oficinas e arte-educadores.
Geração de Renda: Iniciativas que visem a soluções que gerem renda. Por exemplo, distribuição de Cds e Dvds, oficina de moda, oficina de serigrafia, etc.
Difusão/Conhecimento (5° Elemento): Iniciativas que visem a realização de encontros, seminários ou painéis que reúnam atores do hip hop, ou à projetos que visem a produção de mídias para a difusão do hip hop. Por exemplo: jornais, fanzines, programas de rádios comunitárias, documentários, sítios de internet, etc.
Difusão Menções Honrosas: Valorizar as iniciativas que incorporem, associem, incentive o intercâmbio com outras formas artísticas à cultura hip hop, em particular das expressões culturais afrodescendentes.
Menção Honrosa – Inovação: Iniciativas socio-educativos que incorporam novos elementos à cultura de rua, além dos 4 elementos.
Menção Honrosa – Diáspora: Prêmio concebido a iniciativas que contribuam ativamente para a difusão/compreensão do significado da diáspora, por meio da difusão de informação ou a incorporação de outras formas artísticas negras à cultura hip hop.

Insensibilidade e descaso até na morte dos nossos policiais


Archimedes Marques

A árdua missão policial fielmente desempenhada e tão cobrada pela sociedade brasileira continua sendo incompreendida por muitos. Os caminhos tortuosos e espinhosos seguidos pelas policias parecem ser intransponíveis e intermináveis.

Infelizmente há ainda uma tradição arraigada no âmago do povo em generalizar que a Polícia é ineficiente e corrupta, que os nossos policiais são ignorantes, irresponsáveis, arbitrários e criminosos, por isso muitos até torcem pelo nosso fracasso.

Para boa parte da população policial é sinônimo de bandido, de algo imprestável, um reles ser do submundo da sociedade e pouco se importam com os seus problemas, ou seja, são tais pessoas insensíveis na vida e até na morte dos nossos policiais.

Quando morre um policial na maioria dos países desenvolvidos ocorre um verdadeiro desfile de despedida pelas principais avenidas da cidade em agradecimento aos seus relevantes serviços prestados à sociedade, com o seu caixão exposto em caminhão do Corpo dos Bombeiros, sirenes e batedores dos carros policiais ligados, seus colegas trajando farda de gala, com a presença dos chefes de Polícia, Prefeito, Governador e demais autoridades, além da cobertura da imprensa local. A população pára tudo o que está fazendo e aplaude homenageando a passagem do féretro do herói morto com muita comoção.

A viúva e seus filhos nunca são desamparados pelo Estado, muito pelo contrário, além da pensão justa relativa ao próprio digno salário do morto, ainda recebem bons seguros de vida que obrigatoriamente são feitos pelo poder público e, quando morrem em serviço defendendo o povo, aí é que esses valores duplicam.

Entretanto, quando morre um policial aqui no nosso País, mesmo em serviço, defendendo a sociedade dos criminosos não aparece autoridade alguma, somente a presença dos seus familiares, amigos ou colegas de profissão e, em ocasiões especiais os chefes de Polícia. Imprensa só de quando em vez faz a cobertura do evento fúnebre.

Até o próprio povo se impacienta e se chateia quando os colegas do policial morto querem lhes prestar uma condigna última homenagem, como foi um caso recente ocorrido aqui na nossa região em que um policial civil ao interferir num assalto fora abatido pelos marginais e, no seu cortejo fúnebre bem organizado com a Polícia Militar parando o trânsito até o cemitério, escutei perfeitamente de um motorista apressado que estava numa rua paralela sem poder passar por alguns instantes e que falou em alto e bom som: QUANTA PALHAÇADA. ATÉ NA MORTE ELES ATRAPALHAM O TRÂNSITO!... Outros motoristas, motociclistas ou transeuntes apenas assistiam com semblante alheio, raivoso, indiferente ou insensível o cortejo passar “atrapalhando o trânsito” e atrapalhando os seus preciosos tempos...

Nossos policiais e seus familiares não são apenas abandonados, desprezados e renegados por grande parte da sociedade, são de igual modo, tratados em descaso pelo Poder público. Em vida são humilhados e desvalorizados profissionalmente com salários não condizentes com a importância do cargo. Na morte, além dos desprezos citados, os herdeiros que possuem direitos aos seus baixos salários transformados em pensões são até diminuídos com a perda de certas gratificações, fato que também ocorre quando os policiais são feridos em batalha contra o crime e ficam inválidos para o resto das suas vidas. De pronto perdem logo o adicional noturno e a gratificação de periculosidade, quando o certo, por uma questão de gratidão e justiça era incorporar tais gratificações nas suas pensões.

O policial vê mais sofrimento, sangue, problemas e alvoradas do que qualquer outra pessoa. Trabalha independente das condições de tempo ou de lugar, mas a sua maneira de ver a vida em proteção da sociedade continua a mesma apesar dos percalços na sua caminhada. Na maioria das vezes é entristecido por conta das desilusões encontradas, mas no fundo é um forte, sempre esperando por um mundo melhor.

A sociedade brasileira precisa confiar mais na sua Polícia. Tem que ver e sentir a Polícia à luz do valor da amizade, pois os nossos policiais lutam o morrem por ela em busca paz social, enquanto que, por sua vez, o poder público deve ver a Polícia como valorosa instituição pagando salários dignos aos seus membros, como já ocorre em raros Estados da Nação, assim valorizando e respeitando-os na vida e na morte.

Autor: Archimedes Marques (delegado de Policia no Estado de Sergipe. Pós-Graduado em Gestão Estratégica de Segurança Pública pela UFS) - archimedes-marques@bol.com.br -

Risco de jovem negro ser morto é 130% maior do que jovem branco, diz ONG







300310_criancas.jpgR7 - Estudo aponta que desigualdade, que já era expressiva, aumentou muito em cinco anos.

O risco de um jovem negro ser vítima de homicídio no País é 130% maior que o de um jovem branco, segundo o Mapa da Violência - Anatomia dos Homicídios no Brasil, estudo que compreende o período de 1997 a 2007 e que está sendo divulgado nesta terça-feira (30) em São Paulo pelo Instituto Sangari, com base nos dados do Subsistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde.

A desigualdade entre as duas populações, que já era expressiva, aumentou de forma assustadora em cinco anos. Em 2002, morria 1,7 negro entre 15 a 24 anos para cada jovem branco da mesma faixa etária. Em 2007, essa proporção saltou para 2,6 para 1.

O abismo entre os índices de homicídio é resultado de duas tendências opostas. Nos últimos cinco anos, o número de mortes por assassinato entre a população jovem branca apresentou uma redução significativa: 31,6%. Entre negros, o movimento na direção contrária, um aumento de 5,3% das mortes no período.

Para o pesquisador Julio Jacobo, autor do estudo, os brancos foram os principais beneficiados pelas ações realizadas de combate à violência.

- Temos uma grave anomalia que precisa ser reparada.

O trabalho revela que em alguns Estados as diferenças de risco entre as populações são ainda mais acentuadas. Na Paraíba, por exemplo, o número de vítimas de homicídio entre negros é 12 vezes maior do que o de brancos. Em 2007, a cada cem mil brancos, eram registrados 2,5 assassinatos. Entre a população negra, no mesmo ano, os índices foram de 31,9 homicídios para cada cem mil.

- As diferenças sempre foram históricas no Estado. Mas as mudanças nesses últimos cinco anos foram muito violentas.

A Paraíba seguiu a tendência nacional: foi registrada a redução do número de vítimas entre brancos e um aumento do número de assassinatos entre negros. Pernambuco vem em segundo lugar: ali morrem 826,4% mais negros do que brancos. Rio de Janeiro ocupa a 13ª posição, com porcentual de mortes entre negros 138,7% maior do que entre brancos. São Paulo vem em 21º lugar, onde morrem 47% mais negros do que brancos. O Paraná é o único Estado do País onde a população branca apresenta maior risco de ser vítima de homicídio - proporcionalmente morrem 36,8% mais brancos do que negros.

População masculina

A esmagadora maioria dos assassinatos no país ocorre entre a população masculina. Em 2007, 92,1% dos homicídios foram cometidos contra homens. Na população de jovens, essa proporção foi ainda maior: 93,9%. O Espírito Santo foi o Estado que apresentou maior taxa de homicídios entre mulheres: 10,3 por cem mil, seguida de Roraima, com 9,6. O Maranhão foi o Estado com o menor indicador. Foram registradas 1,9 morte a cada cem mil mulheres.

O estudo conclui ainda que não é a pobreza absoluta, mas as grandes diferenças de renda que forçam para cima os índices de homicídio no Brasil. O trabalho fez uma comparação entre índices de violência de vários países com indicadores de desenvolvimento humano e de concentração de renda.

- Claro que as dificuldades econômicas contam. Mas o principal são os contrastes, a pobreza convivendo com a riqueza.