Apanha por causa de churrasco


Músico, que é deficiente físico e visual, foi espancadado e teve o maxilar e a clavícula quebrados, por sete homens em um bar
Publicado no Super Notícia em 30/11/2010


FOTO: THIAGO LEMOS
PRECONCEITO -Hudson Carlos de Oliveira está internado no Pronto-Socorro do Hospital João XXIII. A Polícia Civil aguarda comunicado da gravidade das lesões. Caso sejam consideradas graves, os suspeitos da agressão, poderão responder por lesão corporal. Ami
THIAGO LEMOS
PRECONCEITO -Hudson Carlos de Oliveira está internado no Pronto-Socorro do Hospital João XXIII. A Polícia Civil aguarda comunicado da gravidade das lesões. Caso sejam consideradas graves, os suspeitos da agressão, poderão responder por lesão corporal. Ami

Uma discussão iniciada por causa de um pedaço de carne em um churrasco terminou em pancadaria, anteontem à noite, em um bar no bairro Santa Efigênia, região Leste de Belo Horizonte. O músico Hudson Carlos de Oliveira, de 40 anos, que é deficiente visual e físico, foi espancado por sete homens que o acusaram de comer carne, sem autorização, durante o churrasco que eles promoviam. O músico, que teve o maxilar e a clavícula quebrados, disse que foi vítima de preconceito racial. Dois suspeitos das agressões foram detidos, mas foram liberados pela polícia.


De acordo com o diretor de teatro Lelo Silva, amigo da vítima que presenciou a confusão, ele, o músico e vários amigos estavam bebendo no bar, que fica na avenida Brasil. No mesmo local estava um outro grupo de pessoas que comemoravam o aniversário do jornalista Júlio César de Oliveira Anunciação, de 30 anos. Os dois grupos estavam em mesas na calçada em frente ao estabelecimento. Hudson conversava com o garçom que tomava conta da churrasqueira, quando o aniversariante se aproximou discutindo por achar que ele estava comendo sua carne.

Conforme o garçom, Charle Lúcio de Almeida, a vítima e ele conversavam quando aconteceu a discussão. "O dono da festa achou que ele estava pedindo comida e isso foi o que começou a confusão". O diretor de teatro completou dizendo que o amigo pensou que a reclamação fosse uma brincadeira e perguntou para o jornalista se ele iria mesmo me negar um pedaço de carne. "O jornalista, de forma grosseira, disse que sim", explicou Silva.


Revoltado com a afronta, Hudson insistiu em saber se aquilo era sério e perguntou novamente se o aniversariante estava "tirando ele". Como a resposta foi positiva, Hudson pegou uma garrafa de cerveja para se defender, mas na confusão ela caiu e quebrou próximo do aniversariante. Os dois passaram a se agredir até que aproximadamente seis amigos do jornalista começaram a pancadaria. Tudo aconteceu a menos de 50 m do 1º batalhão da Polícia Militar.


Ferido, Hudson aproveitou que outros clientes do bar seguraram os agressores e conseguiu chegar ao batalhão, onde acionou os militares. Os amigos do músico ainda reclamaram que ele foi vítima de discriminação por parte dos militares. "Quando o Hudson chegou ao batalhão foi agredido com uma gravata pelo militar que estava na portaria. Depois, quando retornou ao bar, acabou sendo mais uma vez tratado como criminoso pelos outros militares que estavam no local", disse o diretor de teatro Lelo Silva.

Moradores fazem protesto contra violência policial em Salvador


Os moradores do bairro Nordeste de Amaralina (Salvador, BA) realizam, neste domingo (28), a partir das 19h, caminhada pelas ruas do bairro, para exigir justiça e a punição dos envolvidos
na morte do garoto Joel, assassinado com um tiro na cabeça na noite do último domingo, dia 21.

Reprodução

Joel morreu vítima de um tiro quando estava em seu quarto, no bairro Nordeste de Amaralina (Salvador, BA).

A vereadora Olívia Santana (PCdoB) se solidariza com a família e vai participar do ato, pensado inicialmente para celebrar o mês da Consciência Negra. "Não podemos admitir que mais crianças tenham as suas vidas ceifadas. Joel foi vítima de uma sociedade racista, que vê em todo negro um marginal em potencial. Não vamos sossegar até que os culpados sejam punidos com severidade", destaca a parlamentar.

Entenda o caso

Joel foi baleado na cabeça, por volta das 22h, do último domingo (21), quando se preparava para dormir. A criança estava dentro do seu quarto, no bairro Nordeste de Amaralina, em Salvador. Uma equipe da 40ª CIPM (Nordeste) fazia uma operação na região quando começou um tiroteio. O menino estava próximo à janela quando foi baleado. Joel foi levado para o Hospital Geral do Estado (HGE), mas não resistiu aos ferimentos e morreu. Filho de um mestre de capoeira, Joel acreditava que seguiria os mesmos passos do pai.

O secretário de Segurança Pública, César Nunes, visitou os pais do garoto no final da manhã de quarta-feira (24). “Quando ele colocou o dedo no buraco feito pela bala, começou a chorar”, contou a mãe de Joel, Mirian Moreno da Conceição Castro, 36 anos.

O Secretário de Segurança se emocionou e disse que também tem um filho, por isso entende a dor da família.
Nós viemos justamente para demonstrar o apoio da secretaria à investigação desse homicídio”, disse, emocionado. Sobre versões apresentadas, pela PM - de que o menino foi morto por traficantes - e pelos moradores - de que o tiro foi disparado pela polícia, o secretário disse que somente se pronunciará após o resultado da perícia. “Temos que ver a conclusão dos laudos para confrontarmos com as provas testemunhais”, declarou. O menino, em 2009, foi personagem de vídeo institucional do governo da Bahia.

Ela contou ainda que, enquanto conversavam no quarto onde o filho foi morto, o secretário chegou a perguntar se ela achava que houve ou não troca de tiros. “Eu disse para ele que não teve troca de tiros e que os PMs forjaram”. O secretário se comprometeu com a família a apurar o caso e encontrar o culpado, independente de ser um membro da corporação policial ou não. Ele afirmou ainda que o governador Jacques Wagner vai se reunir com a família da vítima, mas não precisou a data.

Protesto

Durante a visita do secretário, vizinhos fizeram manifestação e pedidos de justiça. O major da PM Josemar Pereira, responsável pelo inquérito administrativo, foi questionado sobre os nomes dos nove PMs envolvidos na operação. Ele disse que não serão divulgados por uma “decisão da instituição”.

Os moradores se queixam da forma de abordagem da polícia no Nordeste de Amaralina. “O que me dói é que não foi uma troca de tiros ou uma fatalidade, foi um assassinato. Como é que uma bala perdida veio na direção de meu filho?”, questionou indignada a mãe de Joel.

Depois do caso de Joel, a comunidade do Nordeste ficou ainda com mais receio das abordagens da PM. Os moradores se sentem acuados. “Eles já entram batendo. Não quer saber se é marginal ou pai de família”, relatou um mestre de capoeira que mora no bairro.

Menino de 15 anos relata agressões cometidas por policiais no bairro
Intimidação

No mesmo dia em que Joel foi morto, PMs da 40ª CIPM retornaram ao local e ainda ameaçaram um estudante de 15 anos que mora na região. É o próprio quem relata o fato. “Eles me mandaram ficar no chão, botaram o pé na minha cabeça e disseram que iriam me matar”, contou o menino, estudante da 8ª série. A ação só foi interrompida quando um vizinho saiu de casa e reconheceu o garoto.

“Ele é meu sobrinho”, mentiu para que os policiais parassem. O avô do estudante se emociona ao relembrar de quando a PM entrou na sua residência há quatro meses. “Estou com 79 anos. Nunca vi uma coisa igual”, disse chorando. As crianças estão traumatizadas. “Quando meu neto vê a viatura, fica com medo”, revelou, referindo-se a outro neto de 7 anos que presenciou os PMs revistarem a casa e ainda agredirem um tio. “A polícia aqui é pior que o vagabundo”, reforçou um morador.

A Polícia Militar não respondeu às denúncias feitas por moradores do Nordeste sobre a violência nas abordagem de policiais. Nesta quinta-feira (25), o major Josemar Pereira Pinto, comandante da 58ª Companhia, na Vila Laura, esteve na casa dos pais do menino Joel para visitar a família e notificá-los para depor na sexta-feira (26). Ele preside as investigações da Corregedoria da PM. A titular da 28ª Delegacia, no Nordeste, Jussara Souza, ouviu mais três testemunhas ontem. Elas confirmaram a versão de que os policiais chegaram ao local atirando.

Abordagem muda em cada bairro, diz PM

O presidente da Associação de Praças da Polícia Militar do Estado da Bahia, sargento Agnaldo Pinto, ao tentar negar a violência das abordagens policiais, admitiu a diferença das abordagens a depender do bairro. “Não existe isso. Trabalhei na rua e sei. Agora, a abordagem é uma coisa chata, antipática, ninguém gosta de ser revistado”, argumentou. Pinto, entretanto, admitiu que o alto índice de criminalidade do bairro exige mais energia da PM. “As pessoas têm que entender que a energia que a gente vai empreender numa abordagem no Nordeste não é a mesma do Caminho das Árvores, que é um bairro sem essa violência”, disse.

Para tentar justificar a violência com a população, o sargento chegou a acusar os moradores de colaboração como o crime organizado. Ele afirmou que as denúncias são uma forma de agradar traficantes. “Às vezes há uma cumplicidade com bandidos. No Nordeste, há grande quantidade de marginais. É melhor falar mal da polícia do que de bandido, senão morre”.

Polícia acha projétil 3 dias após crime

Ontem, três dias após o assassinato de Joel, agentes da 28ª Delegacia, no Nordeste de Amaralina, e do Departamento da Polícia Técnica encontraram um projétil na parede dos fundos da casa do garoto. A bala não foi vista na primeira perícia após o crime, no domingo.

“Estamos dirimindo dúvidas”, explicou a delegada da 28ª DP, Jussara Souza, que investiga o caso. A delegada disse que o procedimento não foi feito no dia em que ocorreu o crime porque “tinha muita movimentação”.

Da redação, Luana Bonone, com informações do Correio da Bahia

Batalha Internacional de B-Boys terá a participação de dois brasileiros


Neguim e Kapu representam o país em Tóquio neste sábado, 27

Redação - Ragga
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Dean Treml/ Red Bull Photofiles
O estreante Kapu treina seus passos em Tóquio


Os 16 melhores b-boys do planeta se reunirão neste sábado, 27, em Tóquio no Japão, para a Batalha Internacional de B-Boys. O Brasil está representado na disputa pelos b-boys Neguin - que impressionou o júri na competição de 2009 e Kapu, que participa pela primeira vez do evento.

Os 16 competidores foram escolhidos por um júri especializado, que avalia os candidatos por sua habilidade, personalidade e estilo. Estes quesitos também são determinantes durante a competição.

Em sua segunda participação, Neguin já figura entre os principais nomes do break dance internacional e vive na ponte aérea Nova York-Londres. Já o paraense Kapu, que ganha a vida com sua própria arte, afirmou que participar da competição é a realização de seus sonhos.

A Batalha Internacional de B-Boys é realizada desde 2004, sempre em uma cidade diferente do planeta. A edição deste ano será transmitida ao vivo, a partir das 8h da manhã (horário de Brasília), no site redbull.com.br.

Mulher: o ser e o poder

É hora de projetar o direito de igualdade de condições na liberdade de produzir o que nos interessa como mulheres da classe trabalhadora


Roberta Traspadini

A campanha eleitoral de 2010 foi um bom retrato do que o capital projeta sobre as mulheres da classe trabalhadora: um tipo particular de escravidão econômica e de dominação política institucional. Uma aposta na posição periférica da mulher, na disputa e na execução do poder.

Analisemos três discursos públicos levantados a partir da construção de uma imagem sobre a mulher. O que nos interessa aqui é o papel colocado pelo capital para este sujeito, a partir da construção política de certas imagens.

1º. slogan: Dilma é guerrilheira

O tema da guerrilha nos exige fazer uma profunda e necessária discussão sobre o processo histórico da luta de classes no Brasil e na América Latina. Exige que revelemos com base no momento particular de nossa história, o processo da ditadura militar sustentada no Estado de exceção, que fomentava a disputa via luta armada.

Mas este fato deslocado do seu contexto ganha uma dimensão de loucura, perigo, temor quando deveria evidenciar a tomada de posição na guerra aberta entre capital e trabalho, dentro do território brasileiro.

2º. slogan: Dilma é homossexual

Esta frase tomou a forma de descaracterização do sujeito a partir de uma opção cuja orientação traz amarras com a ética e a moral religiosa tradicionalista.

Na verdade, a orientação sexual dos sujeitos não tem implicação direta na política pública, ainda que seja uma atitude política.

Uma vez mais, esta produção de valor moral, não revelou o perverso conteúdo de classe, cuja intenção é a de diminuir o sujeito a partir da manifestação preconceituosa de certas opções.

É mais uma forma encontrada pelo poder burguês para realçar o ponto de vista masculino dos produtores de imagem a partir da construção da idéia de que as qualificações técnicas passavam por esta escolha, baseada em um desvio de conduta.

Uma discriminação aberta que precisa negar o sujeito feminino, ao mesmo tempo em que o coloca em uma posição diminuída frente ao sujeito masculino.

3º. slogan: Dilma é favorável ao aborto

Este foi o mais ressaltado de todos os temas, em especial pela abertura política de visibilidade do poder das religiões de formarem juízos de valores sobre certos assuntos.

Em nenhum momento as posições de evangélicos e católicos foram acirradas para questionar o peso de uma decisão política baseada na tomada de partido nesta seara.

Aproveitou-se o tema para produzir um juízo de valor que reduz o debate à capacidade da mulher de ser capaz de decidir pela vida do outro ser, incluindo a opção de matá-lo.

O debate passou longe de dar visibilidade às reais condições concretas de sobrevivência das mulheres e do atual caráter de criminalização das mulheres.

Estas ausências explicitam o quanto este debate é bem mais profundo. Requer disputar politicamente o papel do Estado e das políticas públicas, em um momento histórico em que o número de mortes entre mulheres é muito alto, caracterizando um importante fato social.

Juntos, estes slogans revelam ao menos três violentas expressões do poder burguês.

1. A personificação do debate político

Infelizmente 2010 não será a última campanha eleitoral, em que presenciamos o tom pessoal e preconceituoso na disputa do poder institucional.

Uma das características da construção da disputa da direita é o de apelar para a conquista do apoio do outro a partir da ajuda, da caridade, no sentido dado ao voto.

Isto em lugar de se discutir projetos e a consolidação de programas cuja afirmação é a dos interesses da classe.

2. A construção de um ser mulher na ocupação do poder

Nas eleições de 2010 vivenciamos as históricas amarras sobre a função da mulher na sociedade, cujo papel é relegado, pelos mandatários, a um ser de bastidores.

Isto em meio às mudanças vividas cotidianamente por nós mulheres a partir de nossa inserção, sem volta, no mercado de trabalho e nos espaços políticos de representação e decisão.

Mudanças que provocaram uma intensificação de atividades em um tempo encurtado para dar conta de todas as demais tarefas historicamente relegadas a nós.

Vivemos uma explícita contradição entre o discurso masculino do poder e a prática múltipla das relações de gênero nas relações sociais.

3. A construção do juízo de valor ético e moral sobre o bem-mal, o certo-errado

Estes slogans estão ancorados em uma ética cuja moral é a de produzir um jeito único de se comportar frente aos múltiplos processos vividos em sociedade.

É fundamental para a ordem capitalista dominante que não seja permitido ao outro, liberdade no pensar e no agir.

A moral burguesa exige para o funcionamento em ordem do progresso que a ética manifeste a indução do livre arbítrio. Isto é uma produção política da ação dos sujeitos como espectadores em seu protagonismo restringido ao voto caridoso.

O que está por trás destas formas de construção?

Estes discursos não revelam a materialização do conteúdo de poder burguês, enquanto relação social dirigida pela classe dominante. Ocultam a necessidade de padronização das condutas que criam uma forma comum e específica de ser para a mulher, cujo conteúdo não pode ser politicamente distinto do que lhe foi concedido como destino pelos donos do poder.

O centro do debate é a relação de opressão e exploração de um sexo sobre o outro que reforça o domínio de uma classe sobre a outra e culmina na criminalização da mulher.

Estas formas evidenciam o processo de formação da consciência da classe dominante, em que o objetivo é padronizar para manter sua hegemonia no poder.

O voto faz saltar aos olhos que a voz do popular está muito distante de ser escutada e que dita indução do pensar, cria fetiches sobre o ser no poder.

Passado o plano eleitoral, é hora da reconstrução da classe, a partir da compreensão das particulares opressões de gênero e de raça-etnia.

É hora de projetar o direito de igualdade de condições na liberdade de produzir o que nos interessa como mulheres da classe trabalhadora. É hora de nos refazermos enquanto mulheres da classe.

É hora de exercermos o direito de disputar, construir e lutar pelo poder popular. Um novo poder que ao socializar os fatores e meios de produção garante para toda a classe o real sentido democrático da fraterna liberdade.

Roberta Traspadini é economista, educadora popular e integrante da Consulta Popular/ES.

A consciência negra


O Brasil celebra, comemora, protesta e entra definitivamente na sua conscientização negroide

Alexandre Braga

O Brasil celebra, comemora, protesta e entra definitivamente na sua conscientização negroide. Esse fato venceu as teses morenistas, que pregavam que seríamos uma nação atrasada por causa da nossa herança africana ou porque uma possível ascendência negra iria nos envergonhar. Todo esse repertório falacioso perdeu força e caiu no desgosto da população, apesar de se passarem tantos anos de exclusão étnica. Hoje, a consciência negra, que virou uma agenda pública mensal, significa o reconhecimento dessa importante herança negra para o sucesso societário brasileiro. As ações afirmativas, dela oriundas, são a aplicação prática dos preceitos que estão na Constituição Federal, na ideologia e no ethos do nosso povo. Mesmo que com um reconhecido atraso na disponibilização de ferramentas para superar as diferenças entre brancos e negros ( incluindo os próprios “morenos”, os pretos e os pardos), o Brasil está na rota certa para avançar na construção da democracia racial, que pode tornar-se realmente um fato. Somente na educação há em torno de 90 das melhores universidades que usam os mecanismos especiais de inclusão educativa para beneficiar os estudantes de camadas pobres, aplicando também o recorte étnico-racial. Na saúde, cultura, empregabilidade, também há ações voltadas para a inclusão de negros e seus descendentes.

Na literatura, teremos muito trabalho para revisar os livros didáticos usados por nossos pupilos nas escolas, como recomenda a Lei nº 11.645 – sobre o ensino da cultura afroindígena nos colégios brasileiros. Por exemplo, somente o IBGE calcula que precisaremos de pelo menos 20 anos de políticas voltadas para as ações afirmativas para colocar brancos e negros em níveis mínimos de igualdade. Portanto, a lembrança de datas como essas, do mês da consciência negra, têm um viés político muito forte: a resistência venceu a escravidão. Por isso, suas atividades vêm carregadas de tempero emocional. Dessa forma, o Dia da Consciência Negra traz consigo tantas e variadas atividades, como as marchas para aumentar a consciência do pertencimento étnico, os protestos mais raivosos e justos, e as homenagens aos homens e mulheres negros ( Zumbi e Dandara, líderes da República de Palmares; Osvaldão, líder da Guerrilha do Araguaia; Machado de Assis, escritor; André Rebouças, engenheiro especialista em engenharia hidráulica-ferroviária e de portos; Chiquinha Gonzaga, compositora, pianista e primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil, João Cândido, líder da Revolta da Chibata; entre outros), que, de alguma forma, ajudaram na construção da riqueza da nação mais negra fora do continente africano. E o maior significado desse dia é que, longe do ranço contra quem quer que seja, hoje a população negra, ou os 49,8% do povo brasileiro, luta pelo cumprimento do plano de ação assumido na Conferência da ONU contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata ,em 2001, e pelas propostas da Conferência Nacional de Promoção de Igualdade Racial, organizada em 2005 pelo governo brasileiro.

Além disso, o Movimento Negro quer justiça social aos próprios negros, aos povos de tradição indígena e aos demais grupos que durante a construção dessa nação-continente tiveram seus direitos humanos violados. Ou seja, no século XXI o debate sobre as alternativas para o desenvolvimento sustentável, as soluções para superação dos conflitos étnicos e o combate ao preconceito e às desigualdades sócio-raciais se dão entrelaçadas pelo culto à capacidade de resistência dos povos e pelo clamor por equidade. É inegável a herança africana na culinária, na dança, no ethos do nosso povo, mas é inegável também o atraso com que o Estado brasileiro trata essas questões. Às vezes, quando as assumem, o faz lentamente e de forma mais para negro ver do que para negro ter justiça e respeito de fato.

Alexandre Braga é Coordenador de Comunicação da UNEGRO-União de Negros Pela Igualdade, Tesoureiro do FOMENE – Fórum Mineiro de Entidades Negras, africanista e articulista de jornais no Brasil e África. Seu e-mail é bragafilosofia@yahoo.com.br.

Desconstruir o preconceito contra o nordestino



Casos de intolerância contra nordestinos mostram como setores da sociedade agem para proteger a estrutura social da qual fazem parte

Eduardo Sales de Lima

da Redação

A estudante de direito Mayara Petruso clamou, por meio de uma rede social na internet, por um assassinato em massa. “Nordestino não é gente, faça um favor a São Paulo, mate um nordestino afogado!”. A moça proferiu isso por conta da vitória de Dilma Rousseff (PT) nas eleições presidenciais, atribuindo sua vitória ao voto dos nordestinos.

A atitude dela, entretanto, apenas traça uma caricatura histórica de alguns setores da sociedade brasileira, especialmente o sulista. É de muito que a infelicidade do preconceito encontra eco nas classes médias e elites do país.

Um exemplo disso. Diogo Mainardi, no artigo “Com Dilma, o PT chega em quinto”, escrito para a revista Veja, esbaldou-se da visão racista do jornalista carioca Euclides da Cunha (autor de Os Sertões, morto em 1909) para criticar o povo brasileiro e nordestino.

Diz o texto de Mainardi: “analisando a campanha de Canudos, Euclides da Cunha delineou perfeitamente o caráter nacional”. O articulista de extrema-direita, ao criticar a vitória de Dilma Rousseff e a continuidade do governo petista, capitaneado com relativo sucesso por um pernambucano, afirma que Euclides da Cunha compreende a mente e o comportamento dos brasileiros quando assemelha os seguidores de Antônio Conselheiro a “retardatários”, dotados de uma “moralidade rudimentar” e com uma série de “atributos que impediam a vida num meio mais adiantado e complexo”.

Construção

Como testemunha viva da história recente brasileira, o sociólogo pernambucano e professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP) Chico de Oliveira, que trabalhou na Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) ao lado do economista Celso Furtado, cita um exemplo e elucida ainda mais o papel de figuras da elite brasileira e paulista na construção do preconceito em relação aos nordestinos.

Eu ouvi de Júlio de Mesquita Filho, na minha cara e na cara de Celso Furtado, há quarenta anos, num seminário promovido aqui em São Paulo, dizer que os esforços para desenvolver e industrializar o Nordeste eram em vão, porque o nordestino não tinha mentalidade para a indústria”, conta. Tratava-se, segundo Chico, de uma afirmação, antes de tudo, racial. “Era um líder do jornal Estado de S. Paulo, e o pior é que o Estadão fez a cabeça de metade dos paulistas”, diz.

De fato, anos após a infeliz manifestação de Júlio de Mesquita Filho, ou das ponderações de Euclides da Cunha em Os Sertões, o preconceito contra o nordestino arraigou-se não apenas na elite, segundo comprova a recepcionista baiana Juciara Nascimento da Silva, de 25 anos, que vive no bairro do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, há seis anos.

Logo que chegou a São Paulo (SP), Juciara cursou o primeiro ano do ensino médio no Colégio Davi Aguiar Dias, no bairro onde mora. Ela revela que o fato de ser baiana e negra foi primordial para ser um dos alvos principais de gozação da turma. “Me chamavam de 'nega preta' e 'nega encardida'; eu queria voltar para minha casa, na Bahia, e não ir mais para a escola”, conta.

Como o preconceito é, sobretudo, ideológico, segundo nos afirma a ex-prefeita de São Paulo e atual deputada federal reeleita pelo PSB (SP), Luiza Erundina, nem sempre ele aparece de forma explícita. “As próprias piadas e certas reações jocosas, aparentemente inofensivas, são expressão desse preconceito arraigado e incorporado em nosso comportamento”, salienta Erundina. Segundo ela, que é paraibana, ninguém está isento disso: “até mesmo nós, eventualmente vítimas desse tipo de comportamento, nos pegamos tendo reações que o reafirma”, pontua.

Desconstrução

Luiza Erundina pondera que os últimos atos de agressividade empenhados contra nordestinos – surgidos, sobretudo, no estado de São Paulo –, como o da estudante de direito, ocorrem em momentos mais “agudos” da história, de mudança. Ela lembra que o Brasil foi governado por oito anos por Lula, e, agora, terá como presidente uma mulher. Para a deputada, acontecimentos que fogem dos padrões provocam manifestações ideológicas, de intolerância contra o diferente – “do ponto de vista de raça, de gênero, de origem, de classe social” – que “ousa ocupar espaços historicamente ocupados por determinados segmentos da sociedade”.

Veio, então, uma sacada, com o fim de reforçar a desconstrução do preconceito contra o nordestino. Segundo conta Erundina, ela nunca se sentiu diminuída ou humilhada por sofrer preconceito. Ao contrário. “Fiz dessas questões das quais eu era vítima um pretexto para reforçar minha participação na luta contra o preconceito e a discriminação”, salienta.

Para ela, “se ficarmos recolhidos, vitimizados ou diminuídos, estaremos contribuindo para a reprodução dessa cultura que precisa ser mudada. E cultura não se muda nem por lei, nem por vontade de um e de outro, mas é uma mudança de mentalidade de uma maioria de determinada sociedade”, explica a paraibana.

A baiana Juciara engrossa o coro com a ex-prefeita e atesta que, quando retornar à sala de aula para completar o segundo e o terceiro anos do ensino médio, nenhum tipo de ato preconceituoso vai incomodá-la.

O conselho da paraibana à baiana e a todos os brasileiros afeitos à tolerância é: “temos que ter paciência histórica, como dizia Paulo Freire, e não nos sentir diminuídos; temos que travar essa luta”.

Portas abertas para artistas em vários projetos de BH



Thaís Pacheco - Estado de Minas
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Euler Junior/EM/D.A Press
Brenda Mars, Gustavo Bueno, Patrícia Mara, Ícaro Moreno Ramos, Geraldo Rodrigues e Leone Soares, que estão na mostra Fotografe jazz, no Café com Letras
Atenção trabalhadores da cultura: há vagas. Vários projetos em BH estão de braços abertos para receber novos artistas e ajudá-los a começar a mostrar a cara e o talento. As iniciativas partem de ações privadas ou de equipamentos dos governos municipal e estadual. “Gente que teve por onde não precisa de mim”, brinca Bruno Golgher, proprietário do Café com Letras, ao ser perguntado se quem o procura são artistas talentosos que não tiveram onde mostrar o trabalho.

Conhecido agitador cultural da cidade, o Café com Letras, localizado no coração da Savassi, promove diversos eventos protagonizados por artistas que ainda circulam longe dos holofotes. No espaço há apresentações de bandas de jazz e DJs, exposições de fotógrafos, individuais ou coletivas, concurso de design, além dos constantes lançamentos de livros, “principalmente de autores independentes”, como garante Bruno.

Outro projeto é fazer com que a arte vire renda para seus produtores. O Café criou uma parceria com o instituto Cidades Criativas (do qual Bruno é presidente) e está se tornando uma editora que já tem oito livros lançados. Em breve eles vão produzir e lançar discos. Na exposição em cartaz no espaço, Fotografe jazz, as imagens vão virar cartões-postais e, se vendidas, o valor arrecadado será dividido com o artista. A atual exibição mistura fotógrafos amadores e profissionais, escolhidos por concurso aberto e democrático.

Para fazer a curadoria, Bruno conta com o apoio de amigos especialistas, que formam bancas. As razões que o levam a manter as iniciativas culturais desde 1996 são, para ele, naturais: “Faço porque é legal. Parece-me a coisa certa a ser feita”. Ele garante que a ação é boa para o estabelecimento e acredita que seja interessante também para os artistas.

Cor local Do outro lado da cidade, no Centro de Cultura Lagoa do Nado, a chefe do departamento, Elke Houghton, garante que, como equipamento municipal, abrir esse espaço é função primordial. “Os centros de cultura seguem a política cultural de cidade de democratização do acesso aos bens culturais. Hoje, temos cerca de 17 centros culturais, sem contar os museus”, contabiliza. “Por estar próximos à população, os centros têm algumas especificidades. Além de trazer atividades, têm necessidade de abrir o espaço para a população. A função não é apenas participar dos eventos culturais, mas mostrar os talentos locais”.

O Centro Lagoa do Nado completa 18 anos em 23 de dezembro e recebe, em média, 70 mil pessoas por ano, que consomem cerca de 500 atividades no período. Entre elas, exposições, mostras de filmes, shows, peças de teatro, performances e até atividade ligada à gastronomia mineira. Há projetos voltados para a memória e patrimônio cultural e uma biblioteca com 7 mil títulos.

Além disso, o centro fica dentro de um parque. “Queremos unir os dois conceitos de diversidade: cultural e ambiental. Nos editais há dois documentos básicos, a Agenda 21 ambiental e a Agenda 21 da cultura”, conta Elke. Os editais para apresentação no Centro da Lagoa do Nado são abertos a todos e para todas as apresentações. “Em todos os editais é o mesmo valor. Cada projeto aprovado recebe R$ 800 como premiação. A gente acha que o valor ainda não é o ideal, mas é dentro dos nossos recursos”, explica a diretora.

Atualmente, o Centro de Cultura Lagoa do Nado está com as portas abertas para seleção de exposições, espetáculos de artes cênicas e apresentações musicais. As regras estão em www.pbh.gov.br/cultura – no link Licitações e Editais.

Poesia livre No Centro da cidade, nos jardins do Palácio das Artes, o governo estadual abriu as portas para o poeta Wilmar Silva. Em parceria com a Fundação Clóvis Salgado, ele realiza o projeto Terças poéticas. Para Wilmar, abrir portas é condição primária do evento. “Acho que abrir espaço é condição de qualquer projeto, seja de poesia ou outra manifestação artística, e não ficar repetindo a mesma coisa, por mais genial que seja. Não há como pensar, por exemplo, as diferenças entre gerações quando não reconhecemos que há diferenças”, define.

No Terças poéticas também há curadoria. Isso é necessário porque o fato de o poeta ser novo ou desconhecido não tem ligação com a qualidade do trabalho. “Se entrasse qualquer coisa, cairia no discurso de que tudo é arte. Tudo pode? Sim, mas nem tudo é arte. Aqui, o que determina uma obra de arte é a linguagem. Há de ter um relativo rigor estético, de linguagem”, justifica Wilmar.

No Terças poéticas, o trabalho também pode ser oferecido e vendido ao público, além de gerar visibilidade. “O poeta vai participar de um projeto que tem solidez, que ocorre dentro do Palácio das Artes, que ganha espaço na mídia e com público formado e assíduo”, garante o organizador. Também há pagamento para custear despesas. Os valores variam de acordo com a localização do poeta convidado, se é da capital ou se vem de outro município ou estado. Os valores variam entre R$ 178 e R$ 534. “No caso de poesia, se considerarmos o histórico, qualquer valor é uma remuneração”, conta Wilmar.

Também no Palácio das Artes, a primeira apresentação deste ano da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais cedeu o lugar mais importante para um estreante. Em março, o solista da apresentação foi o violoncelista Lucas Barros. O detalhe é que Lucas tem 13 anos. Foi convocado depois de vencer o 1º Concurso Jovens Solistas da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, na categoria cordas. O concurso foi público e aberto. A preocupação em abrir espaço para grandes musicistas é defendida pelo maestro Roberto Tibiriçá, que reconhece a falta de espaço para esses talentos, especialmente os mais jovens.

O que o artista precisa – além de um bom trabalho – é disposição de procurar as possibilidades e nenhuma timidez para entregar uma amostra do que produz a quem aponta com essa possibilidade. Seja entregando um CD na mão do dono do Café com Letras, enviando um e-mail para o Wilmar Silva (wilmarsilva@wilmarsilva.com.br) ou se inscrevendo em um dos vários editais disponíveis. Não há mágica. Além de inspiração, é preciso um pouco de transpiração.

A valorização e o dia da Consciência Negra em Brasília

22 de novembro de 2010


Eu já estava acostumado a ser feriado no dia 20 de novembro, dia da Consciência Negra, em São Paulo. Mas Brasília, assim como a maioria das cidades e/ ou unidades da federação, ainda não transformou esse dia em feriado. Sinto falta não só porque é um feriado, eba, piscina, mas também porque vi que, pelo menos, as pessoas param para saber do que se trata.
Tenho percebido e valorizado a importância da sensibilização, ou seja, das pessoas pelo menos saberem que aquilo se trata de uma pauta. Muitas vezes, os setores especializados, por exemplo, em Direitos Humanos, têm debates super qualificados e avançados. Mas aquilo não é uma pauta da sociedade, não ganhou corpo. Daí a importância da sensibilização, daquilo que o terceiro setor, com sua mania de produzir um jargão próprio, chama de awareness.
Eu percebia, em São Paulo, que seja pela piada (aê, feriado, viva os negão), seja pela curiosidade, haver um evento chamado de Consciência Negra, isso, de alguma forma, ainda insipiente, ainda inicial demais, chegava na cabeça das pessoas. Aqui, não teve feriado, foi só mais um dia. Em Brasília, capital federal, o dia da Consciência Negra, com o perdão do trocadilho, passou em branco.

Sô negão
Pensei nisso hoje. O presidente Lula falou do dia da Consciência Negra hoje, no seu programa semanal, dizendo que a desigualdade ainda está longe de acabar no Brasil etc. Publiquei uma matéria sobre isso (sou editor de política de um jornal diário, gratuito, distribuído majoritariamente para as classes C, D e E), com uma foto da Agência Brasil, de uma moça negra com um cartaz. Na mesma página, eu havia colocado uma matéria sobre o Senado. O diagramador, que é negro e tem o apelido nada original de “Negão”, colocou a foto do Senado como sendo a da matéria do Lula.

Pauta secundária
Isso me fez pensar, também, como há pautas que são consideradas “secundárias”, da extrema esquerda à extrema direita. A questão das mulheres e de gênero, a questão racial, a questão da infância e adolescência, a dos direitos humanos – são todas secundarizadas em detrimento do “que importa mesmo”, ou seja, a produção, o dinheiro, o poder. Vã inocência. Quem perceber que isso tudo está ligado ganha um prêmio.

Atraso
Mesmo dentro da esquerda, muitas vezes, há dificuldade em pautar essas coisas. Certas correntes de pensamento ainda, até hoje, acham que essas pautas “menores” distraem os militantes de esquerda da “real” luta, que é pelo poder.

Atraso ainda maior
Na chamada direita, então, nem se fala. Muitas vezes esse é o setor da sociedade mais atrelado a ideologias antigas, que, na minha modestíssima opinião, precisam ser desconstruídas, pois ainda fazem parte, muito fortemente, do senso comum, médio, da população.

Exemplos
Imediatamente me vêm à mente o juiz, suspenso recentemente pelo Conselho Nacional de Justiça, que não deu seguimento a um processo com base na Lei Maria da Penha por justificativas religiosas, dizendo que o mundo é masculino, que essa é a ordem divina, como está escrito na Bíblia, e que essa lei era demoníaca. Ou do deputado federal do Rio de Janeiro, reeleito mais uma vez pela orgulhosa família militar fluminense, que falou, em canal público, que está tudo bem bater em filho que está ficando “meio gay”, e que um monte de gente, hoje, agradece aos pais por terem tomando uns safanões.

Os outros e nós
Voltando à foto da moça negra que eu usei na matéria de hoje, sinto que há uma percepção generalizada, que tem a ver com tudo isso que eu escrevi da “secundarização” de determinados assuntos, de que esses temas, justamente, são secundarizados não só por quem está envolvido na política, mas pelo público em geral. O fato de, só porque a matéria falava do Lula, se colocar uma foto do Senado, porque é “dessas coisas de política”, e não da moça negra, mostra isso para mim. O que uma moça negra estaria fazendo em meio a um monte de gente “séria”, homens sisudos, de bigode, terno e gravata?

Ideologia média

Claro que, em nenhum momento, condenei o diagramador. Ele não tem obrigação nenhuma de ler a matéria, e eu que deveria ter indicado, com mais clareza, qual foto ia aonde. O erro foi meu. Só usei-o como exemplo, pois foi isso que me fez parar para pensar. Sem nenhuma intenção de expôr ninguém.

Rodrigo Mendes de Almeida, jornalista, colunista do NR é editor do Jornal da Comunidade em BSB.

A história que o país ignora


Revolta da Chibata completa um século como uma página em branco no meio acadêmico. Marco da insurreição dos negros, fato é desconhecido dos alunos e a data esquecida nas escolas

JULIANA ABADE
jgomes@jornaldacomunidade.com.br
Redação Jornal da Comunidade

Jacira da Silva, do MNU, diz que a participação do negro na construção da história do país é desvalorizadaFoto: Dênio SimõesJacira da Silva, do MNU, diz que a participação do negro na construção da história do país é desvalorizada
Nos livros de história do Brasil podemos conhecer importantes personagens do nosso passado, como o marinheiro João Cândido, herói da Revolta da Chibata. João Cândido liderou, há exatos 100 anos, o motim no qual dois mil marujos negros obrigaram a Marinha a extinguir punições desumanas praticadas contra eles. Os combatentes conseguiram seu objetivo, mas uns foram expulsos dos quadros da corporação; outros, presos ou mortos. Recentemente, João Cândido saiu da condição de personagem esquecido da história. Em 2008, uma lei concedeu anistia póstuma a ele e a outros marinheiros envolvidos no motim.


Porém, no ano do centenário da Revolta da Chibata, João Cândido e os demais revoltosos continuam esquecidos no meio acadêmico. No dia 22 de novembro a Revolta da Chibata completou um século e nada se ouve falar sobre a data nas escolas. Pelo contrário, o que se vê é a ignorância dos alunos, que desconhecem a história desse embate e de seu líder, que ficou conhecido como o Almirante Negro. Discriminado, perseguido, este herói brasileiro morreu de câncer sem ter seu feito reconhecido. Em 2005 seu nome foi escrito no Livro de Heróis da Pátria no Panteão, na Praça dos Três Poderes, em Brasília.


Jacira da Silva, coordenadora do Movimento Negro Unificado do Distrito Federal (MNU-DF), diz que existe uma desvalorização da participação do negro na construção da história do país. “Isso acontece desde o passado, desde o sistema escravocrata. Falta a participação do negro na mídia e nos postos de destaque das empresas”, reclama.


O MNU é uma entidade nacional que surgiu em 1978, após a ditadura militar. Em Brasília, o movimento surgiu em 1981 com o objetivo de combater o racismo, lutar pela superação das desigualdades que atingem os afro-descendentes, agindo de forma propositiva nos debates com variados setores da sociedade. “Estamos indignados com as instituições que esqueceram o centenário dessa luta contra o racismo que aconteceu na Marinha brasileira”, diz Jacira da Silva.


Jacira acha que a Revolta da Chibata somente começou a ser evidenciada no governo Lula. “Foi nesse governo que começou o processo de anistia. No ano passado a família de João Cândido esteve em Brasília e recebeu uma medalha do ministro da Educação. A anistia foi assinada. Os valores ainda não condizem com a luta de João Cândido, mas acredito que chegará o dia em que todo o esforço daquele homem será reconhecido”.


Episódio manchou uma República que mal começava

Em quase todo o mundo a Marinha jogou pesado com a marujadaEm quase todo o mundo a Marinha jogou pesado com a marujada

A Revolta da Chibata foi um motim importante do ponto de vista da luta contra a segregação racial, ocorrido no início do século XX na cidade do Rio de Janeiro, então capital da República. Começou no dia 22 de novembro de 1910.


Naquele período, a Marinha estava dividida: os oficiais eram brancos e a marujada formada por negros e mulatos, aos quais eram infligidos castigos físicos. As faltas graves eram punidas com chibatadas. Uma situação insuportável, tendo em vista que a escravidão havia sido abolida.
A chibata era um instrumento de tortura que consistia em um chicote com uma bola cheia de pregos em uma ponta. Aquela situação gerou uma intensa revolta entre os marinheiros. O estopim ocorreu quando o marinheiro Marcelino Rodrigues foi castigado com 250 chibatadas por ter ferido um colega da Marinha, dentro do encouraçado Minas Gerais.


O navio de guerra dirigia-se para o Rio de Janeiro e a punição, aplicada na presença dos outros marinheiros, desencadeou a revolta. O motim se agravou e os revoltosos chegaram a matar o comandante do navio e mais três oficiais. Já na Baía da Guanabara, os revoltosos conseguiram o apoio dos marinheiros do encouraçado São Paulo. O clima ficou tenso e perigoso. O líder da revolta, João Cândido, que ficaria conhecido como “Almirante Negro”, redigiu uma carta reivindicando os termos da rendição: fim dos castigos físicos, melhorias na alimentação para os marujos e anistia para todos que participaram da revolta. Caso não fossem cumpridas as reivindicações, os revoltosos ameaçavam bombardear a então capital da República.


Diante da grave situação, o presidente Hermes da Fonseca “aceitou” o ultimato dos revoltosos. Porém, após os marinheiros terem entregue as armas e embarcações, o presidente providenciou a expulsão de alguns revoltosos. Outros foram presos e enviados para a Amazônia, onde deveriam prestar trabalhos forçados na produção de borracha. Mas muitos foram assassinados no caminho. O líder da revolta, João Cândido, expulso da Marinha, acabou internado como louco no Hospital de Alienados. No ano de 1912 foi absolvido das acusações junto com outros marinheiros que participaram da revolta e morreu pobre, vendendo peixe na Praça XV, centro da cidade.


Estudantes revelam desconhecimento

Muitos estudantes não conhecem, ou esqueceram, a história da Revolta da Chibata. O aluno de ciência da computação na UnB Wesley Vágner, 20 anos, comprova isso. “Se não me engano a Revolta da Chibata ocorreu no Sul. Havia marinheiros que apanhavam, por isso aconteceu a revolta”, diz. A estudante de jornalismo Taise Côrte também admite que esqueceu a data. “A única coisa que ainda lembro sobre isso é que foi um movimento comandado por militares da Marinha e que o responsável foi o João Cândido Felisberto”.


Os estudantes afirmam que a história do negro não é ensinada nas escolas. “Sinceramente, na rede pública de ensino são poucos os professores que realmente ensinam história e não apenas mandam os alunos lerem o conteúdo do livro. Acredito que para ensinar história é necessário questionamentos e debates, principalmente quando se fala em história de toda as raças”, declara Wesley Vágner. Taise Côrte também critica a maneira de se ensinar história nas escolas. “É muito superficial, porque o negro sempre é relatado como escravo. Acho que é isso que sustenta o preconceito no Brasil”.

Em busca de uma Polícia verdadeiramente cidadã


*Archimedes Marques

Vários fatores contribuem para o aumento desenfreado da violência e criminalidade no nosso país que traduz a crescente sensação de insegurança existente, contudo, o ponto nefrálgico de cobrança do povo em geral, é sempre a Polícia.

Realmente parece ser a Polícia a única responsável pela segurança da população, mas não é. Em verdade, apenas tem a instituição policial a função mais árdua de todas, porque atua na prevenção e na repressão ao crime, na garimpagem de criminosos e na execução da lei penal, a fim de torná-la efetiva ao exigir o seu cumprimento objetivando auxiliar a Justiça penal a solucionar os diversos conflitos inerentes.

A nossa Carta Magna vigente estabelece que a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, assim, como pode ser percebido, a chamada Constituição cidadã, alicerçada no binômio direito e responsabilidade, embora imputando ao Estado o encargo principal, chama a população à co-participação para tão importante situação.

Atualmente, porém, é lugar comum a atribuição de culpa exclusiva ao Estado, mais de perto à Polícia, pela situação vexatória na qual nos encontramos. Fala-se sempre no direito à segurança, o que é correto, mas nunca na responsabilidade de todos no que tange ao tema. Aqui, mais uma vez, o pensamento liberal parece ser reinante, pois o direito é alardeado, enquanto a responsabilidade, esquecida.

Além da responsabilidade esquecida, para complicar ainda mais a situação, o povo generaliza que a Polícia é ineficiente, corrupta e corruptível, que todo policial é ignorante, arbitrário e irresponsável, quando na verdade, de uma maneira geral, tais entendimentos não passam de pensamentos ilógicos e insensatos, pois a Polícia também evoluiu com o tempo, não estagnou como continuam em teimar com tais concepções retrógradas.

A questão da violência policial de outrora que ultrapassaram todos os limites dos direitos do cidadão quando da ditadura militar que assolou o país por muito tempo, trouxe pechas marcantes e desagradáveis para a Polícia atual, pois daí nasceu o estigma da expressão polícia-repressão que foi passando de geração até os nossos dias. Repressão esta que não era em sentido de reprimir o crime e sim como sinônimo das atrocidades que ocorriam nos porões dos departamentos policiais, através das práticas de tortura e até desaparecimento de opositores ao regime do governo ditatorial. Pessoas não criminosas, e sim revoltosas, quedaram violentadas nos seus direitos fundamentais nas mãos da polícia ditatorial, da polícia-repressora, que ao invés de ser o órgão de conservação e garantidor da paz e da tranqüilidade pública, na verdade era o braço humano utilizado pelo governo nessas práticas covardes.

Esta espécie de tatuagem ideológica ainda não fora removida da mentalidade do nosso povo. Diminuída, humilhada, submetida, à polícia só restaram as críticas, as denúncias, as desconfianças, os despojos, o lixo proveniente das duas décadas do golpe militar.

O conjunto das regras que garante a segurança e a ordem que rege os atributos da Polícia se confundem com esses problemas citados e cria os preceitos verdadeiros de que vivemos uma atividade desprezada, uma função incompreendida, uma trajetória ilógica, uma vida atropelada dentro de uma classe tão humilhada.

Repensar esses conceitos irracionais é resgatar o próprio bem estar da coletividade. É lutar para que haja uma maior união e interatividade entre o povo e a sua Polícia. É sonhar que um dia haja a confiança do cidadão nas ações da sua Polícia. É ter esperança que em breve a sociedade possa ter a Polícia como sua amiga, como sua aliada no combate ao crime e no cumprimento das leis.

A Polícia cidadã, acima de tudo, é a guardiã da sociedade e da cidadania. No seu cotidiano o policial investiga, protege o bem, combate o mal, gerencia crises, aconselha, dirime conflitos, evita o crime, faz a paz e regula as relações sociais. O policial é também o sustentáculo das leis penais e deve seguir sempre o princípio primordial de jamais colocar as conveniências da sua carreira acima da sua trajetória moral.

Entendemos então que a Polícia cidadã que nasceu com a atual Constituição e ainda não se firmou apesar de mais de duas décadas de existência e tentativa, é o elo de boas ações que estabelece um sincronismo entre o seu labor direcionado verdadeiramente a serviço da comunidade.

Concluímos assim, que remediando esses males elencados, com a ajuda e a conscientização de todos os segmentos possíveis, teremos então uma Polícia verdadeiramente cidadã saída da teoria para a prática, que por certo alcançará os seus objetivos com mais presença para oferecer uma conseqüente melhor segurança pública para a sociedade.

*Delegado de Polícia no Estado de Sergipe, Pós-Graduado em Gestão Estratégica de Segurança Pública pela UFS. archimedes-marques@bol.com.br

Tapetes para além das grades

Patrícia Scofield

Foto: Arquivo Pessoal

A arte delicada de tecer tapetes passou a fazer diferença no cotidiano de detentos da Penitenciária de Segurança Máxima Nelson Hungria, em Contagem, Região Metropolitana de Belo Horizonte. A ideia partiu do artista plástico Ivã Volpi, que ao criar a técnica de tramar tapetes sem fazer o nó, imaginou que a tarefa “demorada” poderia transformar o ambiente “frio” de uma prisão. “Percebi o quanto o meu trabalho seria importante ali dentro, pois quando você tece, relaxa, fica em contato consigo mesmo, reflete e se entusiasma ao criar uma peça”, destaca. A autorização para concretizar esse sonho veio em 1999, quando Ivã ficou conhecido em Contagem pela oficinas de tapetes com sacos de aniagem - linho cru - ministradas por ele nesse município.


Na penitenciária, Ivã passou a ensinar para turmas de oito detentos, uma vez por semana. Já nas primeiras aulas, ele substituiu a aniagem por telas furadas, chamadas talagarças, e ensinou aos novos artistas a técnica de criar tapetes. Da segunda aula em diante, eles trabalhavam na produção das peças, montando desenhos na tela com retalhos doados por fabricantes de confecções da região. Com os produtos prontos, Ivã organizou a Mostra de Tapetes Estive Preso e Viestes me Visitar. “O pessoal fez um trabalho tão bacana, e tão rápido”, afirma, orgulhoso.

Confira a galeria de imagens


Mineiro de Papagaios, cidade a 144km da capital, o artista plástico alia suas criações à reciclagem de materiais não aproveitados por indústrias, além de preocupar-se em desenvolvê-los junto à comunidades. Ele se diz incomodado com o desperdício, e acredita que como artista, tem uma função social: “Eu não queria ficar com essa arte para mim. Queria ensinar pessoas e vi uma possibilidade para dar certo. Se tem material de sobra e mão-de-obra, por que não criar?”, ressalta Ivã. Nas cidades de Capim Branco, Matozinhos, Sete Lagoas, Nova Lima e Mateus Leme, Ivã também desenvolveu, desde os anos 1980, outras oficinas de tapetes ou de bandeiras com a população local, por meio da cooperativa Mão Poderosa, criada por ele.


Atualmente, o artista plástico está em Palmas, no estado do Tocantins, pesquisando, há um mês, a viabilidade de trabalhar com o buriti - espécie de palmeira -, em oficinas para comunidades locais. Ele conta que vê possibiliaddes para ajudar os artesãos de lá a aprimorarem suas técnicas, para refinar as peças fabricadas. No que depender de Ivã, disposição não vai faltar: “Aqui é um lugar novo para mim, tenho um material novo, novas pessoas, então vamos lá, não é?”, diverte-se.

Há cem anos, marinheiros pediram fim da chibatada na Marinha




Há cem anos, em 22 de novembro de 1910, quatro navios encouraçados apontaram seus canhões para o Rio.
Por:DIOGO BERCITO
DE SÃO PAULO

Marco Morel: Mestre-Sala dos Mares


Nos idos de 1957, o jornalista Edmar Morel (1912-89) foi até o cais da Praça 15, no Rio de Janeiro, onde lhe garantiram que acharia o ex-marujo João Cândido Felisberto (1880-1969), que, em 1910, ficara conhecido como "Almirante Negro" ao liderar a rebelião contra os castigos corporais na Marinha.

Por Marco Morel*

O encontro modificou a vida de ambos e gerou a escrita de um capítulo então obscuro da história do Brasil: a Revolta da Chibata, título que Morel criou para seu livro (no qual teve a colaboração do personagem principal) e que batizaria, a partir dali, o movimento.

João Cândido carregava cestos de peixe na beira da baía de Guanabara, palco da inédita rebelião na qual ele comandara, entre 22 e 27/11/1910, poderosa esquadra de guerra: vivia em situação de pobreza e dificuldades, nas periferias. Edmar, repórter e escritor, tinha o nome nas manchetes dos principais jornais desde os anos 1940, em matérias combativas e denúncias de grande repercussão. Nacionalista de esquerda e democrata, era "companheiro de viagem" do Partido Comunista do Brasil (PCB).

Surgiu entre o marinheiro e o jornalista cumplicidade, logo transformada em amizade. João Cândido considerou "A Revolta da Chibata" (lançado em 1959, já está na quinta edição, pela Paz e Terra), o livro, como "minha história" e literalmente assinou embaixo, participando de sessões de autógrafos. A convivência de ambos teve episódios sugestivos.

No lançamento da 2ª edição, em 1963, autor e personagem compartilharam estande no Festival do Escritor (antecessor da Bienal do Livro). O velho marujo, calejado de perseguições e da luta contra o açoite, foi cumprimentado por Jorge Amado, Rubem Braga, Clarice Lispector, Vinicius de Moraes, Manuel Bandeira e outros. Ao fim da sessão, não havia mais transporte para a Baixada Fluminense, onde morava o "Almirante Negro", numa rua sem calçamento, esgoto e luz elétrica.

Morel foi hospedá-lo num hotel no centro. Tentarem 12 estabelecimentos; os recepcionistas de plantão, após olharem a figura simples e altaneira de João Cândido, repetiam: "Não há vagas". Racismo aberto e não declarado. Finalmente, conseguiu abrigo no Hotel Globo, na rua do Riachuelo, na Lapa.

Nos dias do golpe civil-militar de 1964, ao saber que Morel tivera os direitos políticos cassados, João Cândido, preocupado, foi até sua casa: "Teria sido por causa do livro?". O jornalista brincou: "Um a mais não faz diferença. Vamos tomar um uísque?". E o marujo retrucou: "Não posso, o fígado não deixa. Tem suco de maracujá?".

Quando João Cândido faleceu, eu tinha 9 anos. Meu avô Edmar contou que me levara duas vezes à casa dele, mas não me lembro. Pelo que li e ouvi de meu avô, pelo que converso com Adalberto Cândido, Candinho, filho caçula, hoje com 72 anos, formei uma imagem do comandante escolhido pelos 2.300 marinheiros rebeldes no episódio ocorrido 22 anos após a Abolição oficial da escravidão.

João Cândido possuía aparência modesta, mas altiva. Alto, esguio, enérgico -vestia-se de maneira aprumada e sóbria. Em casa, ficava de tamancos e roupas confortáveis. Era um herói da plebe e vivia entre os pobres, sem intimidar-se diante dos poderosos ou dos letrados. O hábito de leitura impregnava seu cotidiano. Polido, reservado, recolhia-se quando não conhecia ou confiava no interlocutor. Mas, se o verbo fluía, a memória transbordava em detalhes precisos.

Sisudo, há poucas fotos suas sorrindo, mas era bem-humorado: às vezes, escapava um sorriso discreto do rosto vincado de anos e sofrimentos. Não expressava ódio ou ressentimento, compreensíveis num guerreiro com suas experiências. A face angulosa, nitidamente esculpida, apresentava um toque cândido. Tinha a dignidade de um mestre-sala dos mares.

*Marco Morel é doutor em história pela Universidade de Paris I, jornalista, professor do Departamento de História da Uerj e neto de Edmar Morel.

Fonte: Folha de S. Paulo

Congadeiros prestam homenagens a Nossa Senhora do Rosário Imortalidade de Zumbi dos Palmares



Flávia Ayer


No mês da consciência negra, evento reafirma cultura dos escravos (Cristina Horta/EM/D.A Press)
No mês da consciência negra, evento reafirma cultura dos escravos

Com a espada da guarda, o capitão Damião dos Reis, de 43 anos, puxa o cortejo. É o apito que rege o canto de uma multidão, embalada pelos tambores, pandeiros, chocalhos e, principalmente, pela fé. Em honra à Nossa Senhora do Rosário, padroeira dos negros, o coro forte atravessa o Parque Roberto Burle Marx, no Bairro Barreiro de Cima, no Barreiro, e emociona mesmo quem não é devoto da santa. E, no mês da consciência negra, a passagem das guardas de congado, neste domingo, ganhou mais responsabilidades: reafirmar uma cultura criada pelos escravos e fortalecer a luta contra o preconceito racial.

Era dessa forma que ele recebia cada uma das dezenas de guardas que entravam na área verde. Depois do cortejo, que seguiu da Paróquia Cristo Redentor até o parque, houve levantamento de mastros, missa conga, dança do pau-de-fita e espetáculos teatrais, além do almoço típico das comemorações do congado. Uma festa recheada de um significado político. “Estamos comemorando também a imortalidade de Zumbi dos Palmares e trabalhando para reparar 500 anos dessa história de preconceito”, ressalta a gerente de programas sociais da regional Barreiro, Silvânia Cecília da Silva.

O 5º Encontro de Congadeiros reuniu cerca de 1,5 mil pessoas em uma das mais belas áreas verdes da cidade. Estavam presentes guardas de congo e moçambique, caboclos, marujadas e outros grupos que cultivam o louvor à Nossa Senhora do Rosário em Minas Gerais. Cada uma faz referência a um momento da aparição da santa. A presença dos filhos de Gandhi, bloco de afoxé da Bahia, marcou a interação entre as diversas vertentes da cultura afro. “Pregamos a paz e pedimos a aproximação de boas vibrações”, explica o coordenador do evento e filho de Gandhi, Jordano Acácio, com queimador de incenso em mãos na porta do parque.

João Cândido, O Almirante Negro da Esquadra Revoltosa



100 anos da Revolta da Chibata - João Cândido, o almirante negro da esquadra revoltosa


Luiz Carcerelli
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Após a decretação da Lei de Terras, em 1850, ficou determinado que a terra só poderia ser adquirida pela compra e os ex-escravos ficaram impossibilitados de ter acesso à terra. Com a publicação da "Lei Áurea" em 1888, uma alternativa para os negros passou a ser o trabalho, como marujo, na Marinha de Guerra do Brasil. Nos navios, no entanto, as humilhações, exploração e brutalidade do tempo da escravidão não haviam findado, eram permitidos os castigos físicos contra os marinheiros que infringissem as regras draconianas. Obviamente, para o oficialato as regras eram outras. Tal fato diminuía o número de voluntários, que eram supridos com o recrutamento forçado, feito pela polícia. Tais castigos foram abolidos quando da Proclamação da República e restabelecidos um ano depois. Estavam previstas as seguintes penalidades:

"Para as faltas leves, prisão a ferro na solitária, por um a cinco dias, a pão e água; faltas leves repetidas, idem, por seis dias, no mínimo; faltas graves, vinte e cinco chibatadas, no mínimo."

As melhores influências

Em 15 anos de carreira militar, João Cândido fez várias viagens pelo Brasil e por vários países, mas a que maior influência teve sobre ele foi para a Grã Bretanha em 1909, para acompanhar o final da construção de navios de guerra encomendados pelo governo brasileiro. Lá, além de vivenciar a diferença com a qual eram tratados os marujos britânicos e os brasileiros, tomou consciência da revolta do navio russo Encouraçado Potenkin, em 1905.

Ainda na Inglaterra, João Cândido montou clandestinamente um Comitê Geral para preparar a revolta. Esse comitê se ramificou em vários comitês revolucionários em diferentes navios. Em 1910, no Rio de Janeiro, se junta ao comitê Francisco Dias Martins, o Mão Negra, que havia ficado conhecido pela carta que escreveu sob este pseudônimo, denunciando a chibata.

Na noite de 22 de novembro de 1910, amotinou-se a tripulação do Encouraçado Minas Gerais. Quando o comandante retornou de um jantar em navio francês, tentou resistir e foi morto a tiros e coronhadas. Além deles, outros cinco oficiais foram executados. Alertados por um tenente ferido, os oficiais do Encouraçado São Paulo debandaram para terra e essa unidade da Armada também aderiu ao levante. O mesmo aconteceu com o Deodoro e com o Cruzador Bahia, além de embarcações menores, fundeadas na Baía de Guanabara.

Na manhã do dia 23, de posse dos navios e das armas, os marinheiros sublevados apresentaram ultimatum, ameaçando abrir fogo sobre a Capital Federal. João Cândido, o Almirante Negro, como ficou conhecido, liderava a revolta e a redação do documento foi de Francisco Dias Martins. Dizia a carta:

"O governo tem que acabar com os castigos corporais, melhorar nossa comida e dar anistia a todos os revoltosos. Senão, a gente bombardeia a cidade, dentro de 12 horas."

E mais abaixo:

"Não queremos a volta da chibata. Isso pedimos ao presidente da República e ao ministro da Marinha. Queremos a resposta já e já. Caso não a tenhamos, bombardearemos as cidades e os navios que não se revoltarem."

A Marinha esboçou um ataque com dois navios menores, prontamente repelidos pelos revoltosos que abriram fogo contra a Ilha das Cobras (base naval) e dispararam tiros de advertência sobre o Palácio do Catete (sede do executivo).

Surpreendido e temendo o combate, o Estado brasileiro na pessoa do marechal Hermes da Fonseca, então presidente da República, aceitou as exigências dos revoltosos. Mas a estratégia do governo ficaria clara alguns dias depois.

Hermes da Fonseca abole os castigos físicos e promete anistia para os que se entregassem. Os marinheiros depõem as armas e sucede-se o que sempre acontece quando se confia em um Estado reacionário.

A reação desencadeou feroz perseguição aos marinheiros revoltosos. Às dezenas, os marujos foram encarcerados em porões de navios ou nas masmorras da Ilha das Cobras. O barco de guerra Satélite foi palco de numerosos fuzilamentos.

Já no dia 28 de novembro, alguns marujos são expulsos da Armada por serem "inconvenientes à disciplina". No dia 4 de dezembro, quatro marinheiros foram presos acusados de conspiração. Muito desorganizados, no dia 9, os fuzileiros navais da Ilha das Cobras sublevam-se e são duramente bombardeados, mesmo tendo hasteado a bandeira branca. Dos 600, sobrevivem apenas cem. Na sequência, vários foram desterrados e condenados a trabalhos forçados nos seringais da Amazônia, sendo que sete foram assassinados no caminho.

Mas esses monstruosos crimes não foram capazes de quebrar a rebeldia dos marinheiros. Muitos participantes da rebelião de 1910 ligaram-se anos depois ao movimento revolucionário. O marinheiro Normando, comandante de um dos barcos rebelados, ingressou nas fileiras do Partido Comunista do Brasil – PCB. Em 1924, os marinheiros novamente sublevaram-se no encouraçado São Paulo. Em 1935, incorporaram-se às centenas à luta da Aliança Nacional Libertadora e mais tarde, em 1964, compuseram a linha de frente da resistência contra o gerenciamento militar-fascista.

O ódio zoológico nutrido pela oficialidade da Marinha a João Cândido manteve-se irretocado e foi renovado ano após ano. Em 6 de dezembro de 1969, o líder da rebelião da esquadra de 1910 faleceu sem receber nenhum centavo da marinha.

Ainda na década de 1970, a reação destilava seu veneno contra João Cândido e seus companheiros. A censura do gerenciamento militar mutilou a bela música de João Bosco e Aldir Blanc, O mestre sala dos mares, trocando as palavras marinheiro por feiticeiro, almirante por navegante, bloco de fragatas por alegria das regatas, e outras mais, tirando muito de sua força.

Em 22 de Novembro de 2007, quando se completaram 97 anos da Revolta, foi inaugurada uma estátua em homenagem ao "Almirante Negro" nos jardins do Museu da República, antigo Palácio do Catete. A estátua, de corpo inteiro, de João Cândido com o leme em suas mãos, foi afixada de frente para o mar.

Em 24 de julho de 2008, 39 anos depois da morte de João Cândido, publicou-se, no Diário Oficial da União, a Lei Nº 11.756 que concedeu "anistia" ao líder da Revolta da Chibata e a seus companheiros. No entanto, a lei foi vetada na parte em que determinava a reintegração de João Cândido à Marinha do Brasil o reconhecimento de sua patente e devidas promoções e o pagamento de todos os seus direitos e de seus familiares.

Em 20 de Novembro de 2008, a estátua do Almirante Negro foi retirada do Palácio Catete e colocada na Praça Quinze de Novembro, no Centro da cidade do Rio de Janeiro. Lá, às margens da Baia da Guanabara, a imponente figura de João Cândido certamente está mais à vontade, entre os populares que passam e param para lhe render homenagem, entre tantos filhos do povo como ele negros, pobres, explorados, revoltosos.

O Mestre Sala dos Mares

(João Bosco / Aldir Blanc)
Composição original


Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo marinheiro
A quem a história não esqueceu
Conhecido como o almirante negro
Tinha a dignidade de um mestre sala
E ao navegar pelo mar com seu bloco de fragatas
Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas
Rubras cascatas jorravam das costas
dos negros pelas pontas das chibatas
Inundando o coração de toda tripulação
Que a exemplo do marinheiro gritava então
Glória aos piratas, às mulatas, às sereias
Glória à farofa, à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esquecemos jamais
Salve o almirante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais
Mas faz muito tempo

Centenário da Revolta da Chibata

Em 1910 na Marinha de Guerra Brasileira, ocorreu a incorporação dos encouraçados Minas Gerais e São Paulo e o cruzador Bahia. Além dessas poderosas máquinas, o motim do dia 22 de novembro, contou também com o blindado "Deodoro". "Esperavamos data e poderes, esperando a construção dos novos navios vindos da Europa, depois de estarmos com marinheiros de outras nações". (João Candido) Além da reclamação referente ao excesso de trabalho, foi exigido a modificação do regime de punições, o fim da chibata, e melhora nos vencimentos. "Nada foi oferecido, nós impusemos, queremos isso e tem que se decidir por isso" (João Candido) Dos mais de sessenta canhões apontados para a cidade 24 eram de maior calibre existente. "Além dos conhecimentos que já tínhamos na Marinha, ganhamos mais conhecimentos durante o tempo em que estivemos lá assistindo à construção da nova esquadra. Eu, na Marinha posso dizer, a parte de governar navio não é difícil, mas é espinhosa...". (João Candido) No Brasil os modernos navios substituíram arcaicos veleiros. A chibata como sistema disciplinar, foi abolida no século XIX nos países da Europa - na Espanha em 1823, na França em 1860, na Alemanha em 1872, na Grã-Bretanha em 1881. No Brasil o preconceito existente, e a herança recente de um longo período de escravidão, faziam daquele ato covarde uma punição normal aos olhos dos oficiais, brancos, descendentes de escravocratas. "Nós, que vínhamos da Europa, em contato com outras marinhas, não podíamos admitir que na Marinha do Brasil ainda o homem tirasse a camisa para ser chibateado por outro homem". (João Candodo) A rendição do Congresso e da imprensa, foi fruto do medo. Após a falsa anistia, juntamente com a retaliação, ocorreu a expulsão de mais de mil homens da Marinha. E nas Escolas de Aprendises, ouve "maior critério de seleção".

Fonte de Pesquisa:

MOREL, Edmar. "A Revolta da Chibata". Rio de Janeiro: Graal, 1979.

Revista de História da Biblioteca Nacional - Ano 1 - Nº 9 - Abril/2006.

Museu da Imagem e do Som. Rio de Janeiro. Entrevista com João Candido. 1968. (GRYPHUS/MIS, 1999)

Revolta da Chibata


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A Revolta da Chibata foi um importante movimento social ocorrido, no início do século XX, na cidade do Rio de Janeiro. Começou no dia 22 de novembro de 1910.

Neste período, os marinheiros brasileiros eram punidos com castigos físicos. As faltas graves eram punidas com 25 chibatadas (chicotadas). Esta situação gerou uma intensa revolta entre os marinheiros.

Causas da revolta

O estopim da revolta ocorreu quando o marinheiro Marcelino Rodrigues foi castigado com 250 chibatadas, por ter ferido um colega da Marinha, dentro do encouraçado Minas Gerais. O navio de guerra estava indo para o Rio de Janeiro e a punição, que ocorreu na presença dos outros marinheiros, desencadeou a revolta.

O motim se agravou e os revoltosos chegaram a matar o comandante do navio e mais três oficiais. Já na Baia da Guanabara, os revoltosos conseguiram o apoio dos marinheiros do encouraçado São Paulo. O clima ficou tenso e perigoso.

Reivindicações

O líder da revolta, João Cândido (conhecido como o Almirante Negro), redigiu a carta reivindicando o fim dos castigos físicos, melhorias na alimentação e anistia para todos que participaram da revolta. Caso não fossem cumpridas as reivindicações, os revoltosos ameaçavam bombardear a cidade do Rio de Janeiro (então capital do Brasil).

Segunda revolta

Diante da grave situação, o presidente Hermes da Fonseca resolveu aceitar o ultimato dos revoltosos. Porém, após os marinheiros terem entregues as armas e embarcações, o presidente solicitou a expulsão de alguns revoltosos. A insatisfação retornou e, no começo de dezembro, os marinheiros fizeram outra revolta na Ilha das Cobras. Esta segunda revolta foi fortemente reprimida pelo governo, sendo que vários marinheiros foram presos em celas subterrâneas da Fortaleza da Ilha das Cobras. Neste local, onde as condições de vida eram desumanas, alguns prisioneiros faleceram. Outros revoltosos presos foram enviados para a Amazônia, onde deveriam prestar trabalhos forçados na produção de borracha.

O líder da revolta João Cândido foi expulso da Marinha e internado como louco no Hospital de Alienados. No ano de 1912, foi absolvido das acusações junto com outros marinheiros que participaram da revolta.

Conclusão: podemos considerar a Revolta da Chibata como mais uma manifestação de insatisfação ocorrida no início da República. Embora pretendessem implantar um sistema político-econômico moderno no país, os republicanos trataram os problemas sociais como “casos de polícia”. Não havia negociação ou busca de soluções com entendimento. O governo quase sempre usou a força das armas para colocar fim às revoltas, greves e outras manifestações populares.

A REVOLTA DA CHIBATA 22 -11-1910

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Almirante Negro

João Cândido Felisberto, o Almirante Negro.

(Encruzilhada do Sul, 1880 — Rio de Janeiro, 6 de Dezembro de 1969)

Nascido numa província do Rio Grande do Sul, filho dos ex-escravos João Cândido Felisberto e Inácia Felisberto, apresentou-se na Escola de Aprendizes Marinheiros do Rio Grande do Sul, com uma recomendação de "atenção especial" escrita do Delegado da Capitania dos Portos em Porto Alegre. Esse cuidado devia-se à iniciativa de um velho amigo e protetor de Rio Pardo, o almirante Alexandrino de Alencar, que o encaminhara aquele delegado.

Desse modo, numa época em que a maioria dos aprendizes era recrutada pela polícia, João Cândido alistou-se com o número 40 na Marinha do Brasil em 1895, aos 13 anos de idade, fazendo a sua primeira viagem como Aprendiz de Marinheiro.

Em 1908, para acompanhar o final da construção de navios de guerra encomendados pelo governo brasileiro, João Cândido foi para a Inglaterra, onde tomou conhecimento do movimento realizado pelos marinheiros britânicos entre 1903 e 1906, reivindicando melhores condições de trabalho.

As eleições presidenciais de 1910, embora vencidas pelo candidato situacionista Marechal Hermes da Fonseca, expressaram o descontentamento da sociedade com o regime vigente. O candidato oposicionista, Rui Barbosa, realizou intensa campanha eleitoral, suscitando a esperança de transformações.

Entre os marinheiros, insatisfeitos com os baixos soldos, com a alimentação ruim e, principalmente, com os degradantes castigos corporais, cresceu o clima de tensão.

O uso da chibata como castigo na Armada já havia sido abolido em um dos primeiros atos do regime republicano. Todavia, o castigo cruel continuava de fato a ser aplicado, a critério dos oficiais. Num contingente de maioria negra, centenas de marujos continuavam a ter seus corpos retalhados pela chibata, como no tempo do cativeiro.

Em 16 de novembro de 1910, um dia após a posse do Marechal Hermes, o marinheiro Marcelino Rodrigues de Menezes foi punido com 250 chibatadas, conforme os jornais da época, aplicadas na presença de toda a tripulação do Encouraçado Minas Gerais.

No dia 22 de novembro de 1910, João Cândido deu início à chamada Revolta da Chibata, assumindo o comando do Minas Gerais (capitânea da Armada), pleiteando a abolição dos castigos corporais na Marinha de Guerra do Brasil, quando foi designado pela imprensa, à época, como Almirante Negro. Por quatro dias, os navios de guerra São Paulo, Bahia, Minas Gerais e Deodoro apontaram seus canhões para a Capital Federal. No ultimato dirigido ao Presidente Hermes da Fonseca, afirmaram os marinheiros: "Nós, marinheiros, cidadãos brasileiros e republicanos, não podemos mais suportar a escravidão na Marinha brasileira". Embora a rebelião tenha terminado com o compromisso do governo federal em acabar com o emprego da chibata na Marinha e de conceder anistia aos revoltosos, João Cândido e os demais implicados foram detidos.

João Cândido, durante entrevista a
um jornalista.

Pouco tempo depois, a eclosão de um novo levante entre os marinheiros, agora no quartel da ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, foi reprimida pelas autoridades.

Apesar de se declarar contra um novo levante dos marinheiros em Dezembro de 1910, João Cândido foi expulso da Marinha, sob a acusação de ter favorecido os rebeldes. Em Abril de 1911 seria detido no Hospital dos Alienados, como louco e indigente, de onde seria solto em 1912, absolvido das acusações juntamente com os seus companheiros. Banido da Marinha, sofreu grandes privações, vivendo precariamente, trabalhando como estivador e descarregando peixes na Praça XV, no centro do Rio de Janeiro.

Um fato triste, que apenas no seculo XXI começou a mudar, é que a marinha jamais aceitou a elevação dos revoltosos à condição de heróis. O próprio João Cândido nunca conseguiu ter acesso à sua documentação dos tempos em que era integrante da armada. Em depoimento no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro(MIS) do Rio em 1968, ele reclamou: "... os [arquivos] da Marinha são negativos, João Cândido nunca existiu na Marinha".

A Marinha liberou, após 97 anos, documentos referentes ao então marinheiro de 1ª classe João Cândido Felisberto, e ajudou a localizar sua ficha no Arquivo Nacional.

O documento mais importante é a ficha funcional. João Cândido entrou para a Marinha como grumete em 10 de dezembro de 1895, chegou a ser promovido a cabo, mas depois foi rebaixado. Nos 15 anos em que permaneceu na Armada, ele foi castigado em nove ocasiões mas não há registro, na sua ficha de 24 páginas escritas à mão, de que tenha sido espancado, como era comum.

João Cândido, o "Almirante Negro"
em 1957.

A ficha de João Cândido registra dez elogios e uma promoção a cabo (1903), revogada definitivamente em 1907. O último elogio por bom comportamento é de setembro, três meses antes de liderar a rebelião. João Cândido participou de dezenas de manobras em toda a costa brasileira, navegou pelos rios das bacias do Amazonas e do Prata e esteve duas vezes em longas viagens pela Europa.

Em 1933, João Cândido fez parte da Ação Integralista Brasileira e tornou-se o líder provincial do núcleo da Gamboa, no Rio de Janeiro. Em entrevista gravada em 1968, a disposição no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro declarou a amizade com Plínio Salgado e o orgulho de ter sido integralista.

Em 1968, em um depoimento gravado para Ricardo Cravo Alvim no MIS (Museu da Imagem e do Som), João Candido, já velhinho, contava :

- “Fui integralista e lá era muito bem tratado, como chefe!”.

Em 1959 voltou ao Sul do País para ser homenageado, mas a cerimônia foi suspensa por interferência da Marinha do Brasil.

Discriminado e perseguido até ao fim da sua vida, faleceu de câncer no Hospital Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, pobre e esquecido, aos 89 anos de idade.

A sua memória foi resgatada pelos compositores João Bosco e Aldir Blanc, no samba O mestre-sala dos mares.

Em outubro de 2005, o Deputado nacionalista Elimar Máximo Damasceno (PRONA/SP) apresentou o projeto de lei n. 5874/05, determinando inscrever o nome de João Cândido no Livro dos Heróis da Pátria, que se encontra no Panteão da Liberdade e da Democracia, na Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF).

Fonte: http://pt.wikipedia.org