Apadrinhados, padrinhos e voto


por Luciano Siqueira*

Os termos soam um tanto exagerados. Mas é assim que se tem tratado candidatos a prefeito e seus apoiadores mais ilustres. E a discussão, bizantina porém recorrente, tem duas vertentes: a influência efetiva do apoiador sobre o eleitor indeciso; e o direito que este ou aquele candidato teria de usar, ou não, em sua campanha a imagem influente do presidente Lula.


Coisa chata, não é? É mesmo. Pior: na peleja eleitoral que se trava nos grandes centros urbanos – a experiência tem demonstrado, com raras exceções – valem mesmo os atributos e o desempenho do candidato e a capacidade da candidatura movimentar forças políticas e setores sociais.

Cá na província pernambucana ocorre uma polêmica em torno do apoio do presidente Lula – que, deva-se reconhecer, tem lá sua influência no sentido de o eleitor identificar de que lado está o candidato a prefeito. No caso, ser percebido como do lado do presidente da República ajuda muito em cidades cuja base social e política do governo se mostra sólida. Parcelas expressivas do eleitorado se colocam em apoio a Lula na proporção em que se sentem beneficiadas pelas ações de governo – pelo incremento da economia, que por aqui tem inserido muita gente no mercado de trabalho e na esfera do consumo, e por programas sociais.

Ajuda, mas não decide. A história eleitoral do Recife, por exemplo, nas últimas três décadas revela que nenhum padrinho, por mais forte que tenha sido, jamais garantiu a eleição de apadrinhados. Em 1988, Marcus Cunha, do PMDB, tinha o apoio de duas lideranças de grande apelo popular na ocasião, o governador Miguel Arraes e o prefeito Jarbas Vasconcelos, além de quase todas as correntes de esquerda. Perdeu a prefeitura para Joaquim Francisco, do PFL (sem padrinhos) por cem mil votos de diferença.

No pleito para governador em 2002 e em 2006 não foram poucos os candidatos alinhados com o presidente Lula que fracassaram pelo Brasil a fora.

Moral da história: na hora da onça beber água, se o candidato não tiver cativado o eleitor de nada adianta ter padrinho forte.

A outra bobagem é rebelar-se contra o uso da imagem de Lula pelo oponente – que aliás acaba e franqueá-la a todos os candidatos filiados a qualquer das mais de uma dezena de partidos que constituem a chamada base aliada. Novamente o Recife como exemplo: quem é hoje mais naturalmente identificado com o presidente, João da Costa, do PT (com o apoio de partidos como o PSB, o PCdoB e o PDT, dentre outros aliados do governo federal) ou Carlos Eduardo Cadoca, do PSC, cristão-novo nas hostes governistas na Câmara dos Deputados? Claro que o primeiro. No entanto, alimenta-se bobamente a polêmica que, no mínimo, a mais do que dispersar energias, se alguma alteração produzir na cabeça do eleitor será a dúvida, beneficiando provavelmente o social-cristão.

Pode parecer óbvio, amigo. Mas em política nem sempre o óbvio é tão facilmente assimilado - mesmo por gente experiente.




*Luciano Siqueira, Médico

Entrevistas




Adair Rocha fala sobre Zumbi dos Palmares e igualdade social

No dia 20 de novembro, celebramos o feriado de Zumbi dos Palmares, que morreu em1695, lutando. Zumbi enfrentou verdadeiras batalhas em busca da igualdade social, contra a exclusão do negro. Por isso, entrou para a história como o herói dos negros, como “general das armas” e o líder da Terra da Promissão. Na PUC-Rio, o professor Adair Rocha é um dos representantes desta batalha pela igualdade, buscando continuamente a integração entre os indivíduos da comunidade.Adair Rocha é professor do Departamento de Comunicação Social e Coordenador de Comunicação Comunitária do Projeto Comunicar da PUC-Rio. É ele que, agora, fala ao Portal Amai-vos.

Amai-vos: O Brasil tem o que comemorar no dia dedicado a Zumbi dos Palmares?

Adair Rocha: Em uma nação que tem mais de 50% da sua população negra, onde a grande maioria desta população se situa nos setores excluídos e marginalizados da sociedade brasileira, Zumbi, na verdade, é uma simbologia da luta do negro no Brasil e da luta da libertação do negro no Brasil, numa história que é muito mais escrava.Tudo isso traz motivos para que a expressão comemorar seja retrabalhada. Possivelmente, pudéssemos chamar de celebrar porque não tem tanto motivo para comemoração. Pelo contrário, é uma data quase que de sofrimento do resultado de um processo histórico. Isso, certamente, é ruim, mas não para o negro em si. O negro está trabalhando em uma forma de resistência e de se colocar em pé e vivo. Isso é mais lamentável para o conjunto da população e, especialmente, para os brancos, cuja grande maioria, inclusive, tem uma relação inteiramente integrada, e onde todas as pessoas são pessoas da mesma forma, independente da cor, da etnia. No entanto, há uma estrutura que está assumida mais pelo branco, que acaba sendo essa que coloca num determinado grupo étnico o Brasil dominando outro grupo. Em última instância, há um grande motivo de celebração dessa data.

Amai-vos: Todo ano existe a discussão sobre se deve ser decretado feriado no dia de Zumbi de Palmares, ou não. O que o senhor acha disso? O feriado é mais uma forma de diferenciação social?

Adair Rocha: A polêmica é resultado do processo histórico da sociedade. Se for uma população que, assim como Zumbi representa a partir dos quilombos e das lutas que os negros foram encaminhando, se ela tem algumas vitórias, certamente, qualquer fortalecimento desse processo no Brasil vai estar apontando para um risco, um perigo para aqueles que estão sustentando o poder. É claro que culturalmente vai criar problemas mesmo. Sobre a diferenciação social, absolutamente não tem. Muito pelo contrário, diferenciação social é o que vemos no cotidiano. E aí tem um dia que simbolize o negro. Ele, sim, pode ser lida no sentido de superar a diferenciação social. Assim, eu colocaria, inclusive, que você ter um Dia do Negro no Brasil, ou o Dia da Mulher - você não tem o Dia do Homem-é muito importante. O cotidiano do negro é muito presente, sobretudo naquilo o que faz acontecer o processo de produção, o trabalho todo de produção dos bens. E, ao mesmo tempo, ele está cada vez mais distante do uso dos bens, da aquisição e do acesso. Então, não precisa do Dia do Branco, nem do Dia do Homem porque são setores que estão trabalhando num processo de dominação tão grande, que para que comemorar o seu dia, se todos os dias já são seus?

Amai-vos: O que a comunidade deve retirar do exemplo de Zumbi para uma atuação prática, nos dias de hoje?

Adair Rocha: Me parece que há alguns exemplos que estão acontecendo que, certamente, Zumbi e a luta toda dos quilombos têm sido, extremamente, inspirador. A própria Igreja Católica, e vários outros setores religiosos no Brasil, têm aprendido muito com isso. No final da década de 80, 1988, por exemplo, tivemos uma semana, uma campanha toda da fraternidade sobre o negro. Não é à toa que a igreja toda está fazendo a sua mea-culpa em função de todo o processo de escravidão existente. Há pastorais do negro, Semana de Consciência Negra, as mais diferentes organizações em torno do negro e, nesse momento agora, talvez o que tem aparecido mais para o Brasil e para o mundo foi durante a Conferência Africana, onde você viu o governo brasileiro falando das cotas.Certamente, ela é já um tipo de vitória porque cotas é uma coisa negativa, porque vai estar colocando uma coisa discriminatória. No entanto, quando você está completamente fora e como um momento da luta, ela é fundamental que aconteça para que você repense um modelo de universidade, e de educação em geral, cuja escola pública vai dar condições para todos concorrerem da mesma forma. Eu colocaria os vestibulares de negros e carentes, os vestibulares comunitários, como sendo os grandes provocadores disso que o mundo inteiro, agora, teve que ouvir. Essa, certamente, é também uma luta. Tem um frade franciscano, o frei Raimundo David, que está à frente disso e que tem criado no Brasil um processo muito bonito e importante para libertação do negro.

Amai-vos: A PUC - Rio já trabalha com o vestibular para negros e carentes. Como ele está contribuindo com a diminuição da exclusão? Como o senhor vê as contestações sobre a reserva de vagas?

Adair Rocha: No caso da PUC, essas questões, quando são colocadas, são infundadas. São pessoas que ouvem o galo cantar, mas não sabem onde e, ao mesmo tempo, estão acostumadas com uma leitura bastante preconceituosa e, aí, acabam reproduzindo. A PUC, desde 94, tem vivido um processo extremamente rico no sentido das parcerias com os cursos comunitários. Começou com o Vestibular para Negros e Carentes; depois a Educafro e, hoje, tem um número enorme de cursos: o Teresiano, o Sonho e Cidadão, e pode citar um grande número a mais de cursos que criam essas parcerias, e aí não existe nenhuma reserva de vagas. Quer dizer, o avanço da PUC é exatamente nesse sentido. Todos entram na PUC pela porta da frente. Passam nos vestibulares, como todas as outras pessoas. A diferença é que entrou pelo vestibular, e veio de um curso comunitário, tem a bolsa social, uma bolsa integral. De 94 para cá, já houve vezes em que eu cheguei em sala e a grande maioria era negra, tinha um, dois brancos e, aí, eu dizia que aquela turma era elitista. Era ótimo para poder provocar a discussão do significado desse processo. A PUC tem acumulado uma experiência muito positiva. Hoje, mais de 500 alunos são procedentes dos vestibulares comunitários: negros e brancos também. Claro que os pobres, de maneira geral, têm que ter uma melhora completa, não só da escola pública, que os prepare para a universidade. Mas essa experiência da PUC já tem criado oportunidades... O rendimento médio dos que vêm desses cursos, em geral, é de cerca de 8,0. Isso está trazendo, ao contrário, a possibilidade da convivência com a diferença e a possibilidade de repensar também o próprio processo de produção acadêmica, da produção do saber. Muito mais próprio da sociedade como um todo e menos representante de um setor da sociedade, onde era facilmente classificada como elite, a PUC. Acho que essa presença tem trazido uma contribuição importante, não só para a PUC, mas para o conjunto da sociedade.

Amai-vos: Nessa busca, exemplificada pelo herói Zumbi, como o senhor definiria viver a igualdade?

Adair Rocha: Viver a igualdade é, sobretudo, respeitar a diferença. Viver a igualdade é você ter a possibilidade de compreender os segredos da vida, e a vida apresenta as mais inéditas formas, que não são completamente previsíveis.Igualdade é uma questão econômica, uma questão política muito clara. Um sistema que organiza as pessoas em sociedade. É a possibilidade de todas as pessoas terem acesso. Não significa que todas as pessoas tenham que ter as mesmas coisas, criar modelitos onde você enquadre as pessoas. Mas, ao contrário, onde as pessoas possam ter acesso e, através do acesso delas, elas vão com as suas identidades, com as suas características, portanto, com as diferenças todas existentes, acostumar a conviver com a diferença. É grande a possibilidade quando você trabalha numa perspectiva de igualdade, e a igualdade pressupõe categorias tão importantes que são usadas. Como: o amor, a honestidade, a ética. Essas coisas todas que só podem acontecer quando os processos do acesso e da liberdade ocorrem.

Amai-vos: Em que consiste o Núcleo de Comunicação Comunitária do Projeto Comunicar da PUC-Rio?

Adair Rocha: Assim como o Comunicar se organiza com o Núcleo de Jornalismo, com o Núcleo de Televisão, com o Núcleo de Criação,, com o Núcleo de Assessoria de Imprensa, Radiojornalismo e Internet, com a Editora, ele acaba de criar o Núcleo Comunicação Comunitária. Nós estamos em processo de instalação. Já temos muitas coisas feitas, mas a demanda é que, na verdade, as criou. É uma forma de, não só dar uma visibilidade maior a tudo o que já acontece com a universidade, que relação ao que ela tem com o conjunto da sociedade, quais são os trabalhos todos feitos... Por exemplo, o Morro Santa Marta tem um jornal que há, algum tempo, vem sendo trabalhado e montado; o Morro dos Macacos já tem a produção de um jornal virtual que está sendo montado. Tem um grupo da Escola de Arte da Mangueira, onde os meninos é que estão produzindo três vídeos sobre família, sexualidade e música. Eles mesmos estão vindo para a ilha, para os estúdios para poderem acompanhar a produção dos estagiários daqui. A idéia é que a formação dos profissionais, ao mesmo tempo em que pode contribuir com diferentes espaços, ela, essa formação, também aprenda com esses diferentes espaços. A Comunicação Comunitária é, exatamente, estabelecer esta troca. Fazer cumprir esse papel. E aí ela vai criando, a cada dia, coisas novas. A idéia central é a de compreender o aspecto político das comunidades. Da unidade na diversidade se, assim, a gente pudesse resumir. Muita gente da PUC acaba não sabendo as coisas que acontecem aqui. Então, você ter uma forma de comunicação na divisibilização daquilo o que está dentro da própria PUC já é uma coisa extraordinária. E aí também poder facilitar os acessos nas diferentes experiências comunitárias, como o Movimento Central de Favelas; a Cufa; o Movimento hip-hop, e tantos outros.

Amai-vos: Haverá, na PUC, alguma celebração em homenagem ao Dia do Zumbi no dia 20?

Adair Rocha: A comemoração vai ser precedida pela organização da Semana da Consciência Negra com diversos grupos de dentro, e fora da PUC. Os grupos, dos mais diferentes cursos, vão estar organizando apresentações. Então, esta semana é a forma mais explicita da comemoração de Zumbi dos Palmares.


Moacyr Scliar: O nazismo como legitimação da irracionalidade

Por Márcia Junges

Há pouco tempo, o presidente do Irã declarou que o Holocausto nunca ocorreu. Isto sem falar nos tiranos que pululam por aí, como Mugabe na África”, responde o médico e escritor Moacyr Scliar, ao ser questionado se no mundo atual ainda há espaço para um tipo de ditador como Hitler. Para Scliar, “o nazismo conseguiu legitimar a irracionalidade, o racismo, o preconceito, a intolerância, o crime”. E continua: “O sofrimento une as pessoas, e uma catástrofe da magnitude do Holocausto exerce esse efeito de forma poderosa. Os judeus se deram conta de que, mesmo fazendo parte de diferentes grupos nacionais, ou sociais, ou profissionais, para o nazismo eles eram uma coisa só”. As afirmações fazem parte da entrevista a seguir, concedida com exclusividade à IHU On-Line por e-mail.

Moacyr Scliar é um dos mais conhecidos escritores brasileiros da atualidade. Formado em Medicina, trabalha como médico especialista em saúde pública. Em 1963, iniciou sua vida como médico, fazendo residência em clínica médica. Especializou-se no campo da saúde pública como médico sanitarista. Iniciou os trabalhos nessa área em 1969. Em 1970, freqüentou curso de pós-graduação em medicina em Israel. Posteriormente, tornou-se doutor em Ciências pela Escola Nacional de Saúde Pública. Já foi professor na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Scliar publicou mais de setenta livros, entre crônicas, contos, ensaios, romances e literatura infanto-juvenil.

IHU On-Line - Em sua obra, inúmeros livros retratam a cultura judaica. Como a questão da memória do povo através da literatura é importante para refletirmos sobre o Holocausto?
Moacyr Scliar - Alguém já disse que a literatura é a história não oficial de um povo. Mesmo as obras de ficção podem assim nos ajudar a entender um acontecimento tão sombrio e tão cheio de lições como foi o Holocausto. Igualmente importantes são as obras de não-ficção.

IHU On-Line - Como o Holocausto influenciou na identidade do povo judeu? Quais são as principais marcas deixadas?
Moacyr Scliar - O sofrimento une as pessoas, e uma catástrofe da magnitude do Holocausto exerce esse efeito de forma poderosa. Os judeus se deram conta de que, mesmo fazendo parte de diferentes grupos nacionais, ou sociais, ou profissionais, para o nazismo eles eram uma coisa só. Foi uma forma de tomar uma dolorosa consciência de um passado comum, de uma tradição cultural comum.

IHU On-Line - Quais são as raízes históricas para a perseguição aos judeus na Segunda Guerra Mundial? Pessoalmente, qual é o seu sentimento em relação a esse preconceito, a essa exclusão?
Moacyr Scliar - O nazismo nasceu, em primeiro lugar, da peculiar situação da Alemanha, que emergiu da Primeira Guerra em uma situação precária e assim ficou durante muito tempo. Hitler soube, astutamente, mobilizar esse ressentimento, e canalizá-lo contra um clássico bode expiatório que eram os judeus, considerados, desde a Idade Média, como um grupo conspiratório, atuando na área de finanças. Para isso, colaborava o fato de que, no Medievo, muitos judeus se haviam dedicado ao empréstimo de dinheiro a juros. Mas isso eles o haviam feito por pressão das classes dominantes, que confiavam o dinheiro a um grupo indefeso. Quando um senhor feudal não queria pagar a dívida contraída com um financista judeu tudo o que ele tinha de fazer era desencadear um massacre, que resultava assim numa “queima de arquivo”. Que os bancos depois tivessem assumido essa função aos preconceituosos não importava; eles continuavam dizendo que os judeus “tinham a usura no sangue”.

IHU On-Line - Como podemos entender que, em pleno século XX, e com amplo apoio da população alemã e de outras partes do mundo, se chegou ao terror nazista?
Moacyr Scliar - A cultura, o conhecimento, a racionalidade, enfim, não afastam o espectro da irracionalidade. Pessoas respeitáveis podem, em determinadas circunstâncias, tornarem-se assassinos. O nazismo conseguiu legitimar a irracionalidade, o racismo, o preconceito, a intolerância, o crime.

IHU On-Line - Na Alemanha e no mundo atual, há espaço para esse tipo de político ditador? As pessoas, em pleno século XXI, apoiariam uma política como aquela?
Moacyr Scliar - Claro que há. É só olhar os jornais para constatá-lo. Há pouco tempo, o presidente do Irã declarou que o Holocausto nunca ocorreu. Isto sem falar nos tiranos que pululam por aí, como Mugabe na África.

IHU On-Line - Podemos dizer que o Holocausto é fruto da pós-modernidade? Ou ele é a sua essência?
Moacyr Scliar - Não sei se podemos dizer isso, mas não se discute que o Holocausto colocou dúvidas sobre a idéia do progresso como algo moderno e irreversível.

IHU On-Line - O que explica o fascínio exercido por Hitler sobre as massas?
Moacyr Scliar - Em primeiro lugar, pela frustração em que viviam muitos alemães, e depois pelo carisma demagógico de um líder que prometia transformar a Alemanha na grande potência do nosso mundo.

IHU On-Line - É correto dizer que Hitler entendia o marxismo como a expressão política do judaísmo? Por quê?
Moacyr Scliar - É, sim, correto dizer isso. Mas Hitler também dizia que os judeus controlavam o capital. Ou seja: eram capitalistas e comunistas ao mesmo tempo. O que dá uma idéia do raciocínio maluco que animava o nazismo.
(Fonte: http://www.unisinos.br/ihuonline)

O Hip Hop nunca foi tão pop

Ouviram da rua Vinte e Quatro de Maio, no Centro de São Paulo, de um microsistem surrado, uma batida retumbante e ritmada: tum, tistac, tum, tistac tum. Eram os primeiros sinais da cultura hip hop no Brasil, 25 anos atrás. Ali, na esquina com a rua Barão de Itapetininga, tinha um piso liso redondo de uns quatro metros de diâmetro, em meio ao calçadão áspero e quebradiço.

Por Eleilson Leite, no Le Monde Diplomatique Brasil



A superfície lisa atraiu os b-boys liderados por Nelson Triunfo. O povo se aglomerava para ver a novidade. A dança era chamada de robô. Popularizada por Michael Jackson, ficou logo conhecida como break. Os manos eram da periferia, quase todos pretos. Não deu outra. A polícia colou e desfez a roda. A fama, porém, já tinha se alastrado. Triunfo, que já era figura conhecida dos bailes black dos anos 70, virou um astro. Até em abertura de novela da TV Globo o cara apareceu.s

A roda de b-boys ressurgiu tempos depois no pátio da Estação São Bento do Metrô (pelos idos de 85) e também no Largo São Bento, em frente ao mosteiro dos beneditinos, onde, um dia desses, o Papa se hospedou. Já não eram mais apenas dançarinos. Agora tinha os MC’s. Na falta de DJ’, o som rolava nos toca-fitas e no embalo do Beat Box (batida de DJ produzida pela boca).

Em 1988, surge a primeira Coletânea de Rap e o movimento enfim se estabelece como cultura hip hop juntando o b-boy (dançarino), o MC (rapper), o DJ e o grafitti. Em 1990, o Racionais MC’s lança seu primeiro disco. O hip hop cresce de forma avassaladora durante toda a década, tendo seu ápice em 1997, com o lançamento do disco Sobrevivendo no Inferno que posicionou o grupo como a maior e mais importante expressão do rap no Brasil.

A ampliação da presença da cultura hip hop até então vinha muito acompanhada do engajamento. A dimensão do protesto era uma marca indissociável daquele movimento. “Sou apenas uma rapaz latino americano apoiado por mais de 50 mil manos”, diziam os Racionais, que se apresentavam como “terroristas da periferia”, “efeito colateral que seu sistema fez”.

Os manos cultivavam uma expressão indignada, cara marruda. O rap era uma metralhadora com pente carregado. O sentido de ser da periferia se expressava, naquele tempo, principalmente pelo ódio às elites e ao Estado, que empurraram os pobres para os fundões da metrópole.

Essa contundência, porém, já não tem o mesmo apelo de outrora. Nesta primeira década do século 21, assistimos o hip hop virar cada vez mais pop e menos engajado. A pegada da denúncia mantém seu ímpeto, mas o show business passou a fazer parte da cultura hip hop e a ditar muitas tendências nesse meio.

Fazer um rap não tem mais como inspiração apenas a denúncia. Os MC’s também movem-se por motivações comerciais, para compor. O que não é ruim. Pelo contrário: os manos estão sacando que podem e devem fazer sucesso e gozar do seu prestígio como fazem, há tempos, os rappers nos EUA. Ser da periferia também não significa apenas pobreza e violência para os manos e minas. Há muitos prazeres nos becos e vielas do subúrbio e essas delícias têm aparecido cada vez mais nas composições atuais do rap paulistano.

O que se vê hoje é que a cultura hip hop está bombando como nunca. Cabe é manter uma reflexão permanente sobre seus princípios e sua essência. É importante fortalecer os grupos de base, as posses, que são as típicas organizações de hip hop. Para conferir todos os aspectos dessa cultura, fruir e discutir o que rola atualmente há, nada menos do que dez eventos na região metropolitana de São Paulo.

Um já começou e os demais rolam a partir desta sexta, 25/7, até a terceira semana de agosto. É uma overdose. O pessoal do hip hop deve gostar das baixas temperaturas do inverno paulistano. Não por acaso, os Racionais cantavam: “Faz frio em São Paulo / Pra mim tá sempre bom / Eu tou na rua de bombeta e moleton”. Quer conferir e se aprofundar num dos maiores fenômenos culturais de nosso tempo? Respire fundo e acompanhe a agenda:

Teatro Hip Hop – 5x4: Particularidade Coletivas – Tendências da Cultura Popular Urbana - Trata-se de um projeto super-conceitual, concebido e realizado pelo Núcleo Bartolomeu de Teatro, que há quase dez anos vem desenvolvendo uma pesquisa sobre o teatro Hip Hop. Entre os membros da companhia está o DJ Eugênio de Lima, que teve atuação destacada na construção do evento. No espaço 5º Andar da unidade do Sesc na Avenida Paulista, rolam desde 20 de junho, e seguem até 10 de agosto, espetáculos de teatro, oficinas, discotecagens, bate-papos e cinema. Há também a exposição Linha do Tempo, que começa em 1973 até os hoje mostrando a evolução do hip hop. É bacana, a parada. Vale à pena conferir. Dá tempo de ver ainda dois espetáculos, entre eles Cindi Hip Hop – Pequena Ópera Rap (estréia dia 01). Nas discotecagens, que rolam sempre às quartas, teremos ainda dois DJs: Willam Robson (30/07) e Luaa Gabanini (06/08). Talvez a apreciação fragmentada da programação não dê ao público a possibilidade de se apropriar do conceito do evento, mas a leitura do catálogo ajuda a entender a idéia.

Suburbano no Centro – É a quarta edição do evento organizado e apresentado pelo escritor e agitador cultural Alessandro Buzo, que comanda o quadro Buzão Circular Periférico, no programa Manos e Minas. A parada rola nesta sexta, 25/7, no auditório da ONG Ação Educativa. O evento, que começou num sebo do Centrão, transferiu-se desde junho para a Vila Buarque, também na região central, e mudou sua concepção. Buzo, que organiza o tradicional Favela Toma Conta, grande evento de rap realizado quadrimestralmente no Itaim Paulista, pretende, com o Suburbano no Centro, abrir espaço para novos grupos de rap mostrarem seu trabalho. São dez atrações: Sniper, Almas Errantes, ROMS, Mano Rogério, Triste realidade, Teoria da Rua, Banca 121, Walter Limonada, Ebenezer e Toroká. Cada grupo apresenta uma música apenas. Quem quiser ouvir um rap com aquela pegada anos 90, cola nesta sexta, que a diversão é garantida e gratuita.

Harmônicas Batalhas – Finalíssima do campeonato que começou em março e teve várias eliminatórias realizadas nas quatro regiões da capital. Serão cinco batalhas reunindo bboys e bgirls. Não é homem contra mulher. É tudo junto e misturado, dentro das crews que disputam o título. O evento acontece no Tendal da Lapa neste sábado, às 17h, com pocket show e performance do DJ Guinho. À noite, a partir das 22h, rola a festa de encerramento deste grande evento organizado pelo Instituto Voz, com apoio do Programa de Ação Cultural (PAC)de São Paulo. A balada será no Centro Cultural e Popular da Consolação (CCPC) .

Hip Hop em Ação – Especial de aniversário da Casa do Hip Hop de Diadema. Este espaço, pioneiro no Brasil em termos de política pública (a Casa é um equipamento da Prefeitura local), realiza todo último sábado do mês seu já tradicional evento. Na ocasião, será lançada a coletânea Uma só Voz – Mantendo o Hip Hop Vivo, produzido pela Zulu Nation Brasil, ONG formada a partir do movimento hip hop do ABC. Vai rolar muito rap, performances de DJ’s, graffiti e dança. A Casa do Hip Hop é um reduto do hip hop autêntico, fiel aos seus princípios. Lá, é um por todos e todos por um. Nenhum elemento do hip hop é mais importante que outro e onde tem um, tem todos. Vale a pena chegar em Diadema e curtir a programação, que começa às 12h e vai até às 2Oh.

DMC Brasil – Reconhecido como o primeiro e mais importante campeonato mundial de DJ’s do Mundo, o DMC começou nos anos 80, na Inglaterra e EUA, e se espalhou por mais de 25 países, chegando agora ao Brasil. Neste domingo, rola a finalíssima, com mais de dez concorrentes selecionados em eliminatórias anteriores, envolvendo DJ’s de várias partes do Brasil. O evento tem a curadoria do DJ Pogo, que é inglês e foi vencedor mundial em 1997. O cara anda sempre por aqui e se juntou à Panteras Produções para realizar o DMC no Brasil. O evento é uma super produção, cercada de grandes patrocinadores, muito glamour e apelo midiático. A parada rola no Pacha SP, espaço de festas descoladas na Vila Leopoldina. O ingresso é caro para os padrões da cultura hip hop: R$ 50,00, para homens. O DMC não se restringe ao Hip Hop, mas tem nele sua principal inspiração. Quem puder conferir vai ter show do DJ inglês Cash Money, campeão mundial em edições dos anos 80 do DMC e o DJ brazuca KL Jay (Racionais MC’s).

8ª Semana de Cultura Hip Hop – Pelo oitavo ano consecutivo, a Ação Educativa realiza o evento que já se tornou um dos mais importantes de São Paulo. Começa nesta segunda-feira, 28/7, e segue até sexta, 1º/8, sempre das 13h às 22h. A programação tem festival de basquete de rua, oficinas, mostra de filmes, apresentações artísticas, debates e palestras. O tema deste ano é Hip Hop: caminhos para educar. Na quinta-feira, rola o Projeto Hip Hop Mulher, que lançará o CD Realidades, produzido pela rapper Atyeli Queem . Na mesma sessão, a DJ espanhola Delise fará uma aula-espetáculo. No show de encerramento, que acontece no Sesc Consolação, tem 9 atrações, entre elas o espetáculo Dos Tambores aos Toca-Discos com o DJ Erry-G.

Sarau do Rap – Há mais de um ano, toda última quinta-feira do mês, o poeta Sergio Vaz realiza, em parceria com a Ação Educativa, este sarau, voltado exclusivamente a rimadores e rimadoras do rap. É um espaço de exercício da criação poética. Rap é ritmo e poesia. Mas nessa noite, evidencia-se a poética das letras. Sem música, os MC’s declamam suas composições, compartilhando seu talento literário. Vaz, que há sete anos fundou o Sarau da Cooperifa, um dos mais importantes da cidade e o maior da periferia, sabe como poucos criar um clima de intensa magia em torno da palavra. É bonito. E nesta quinta, 31 de julho, vai ter surpresa. Apareçam.

1º Encontro de DJ’s de Hip Hop – Um evento inédito reunirá, em 2 e 3 de agosto, 35 DJ’s da região metropolitana, no Centro Cultural São Paulo. Tem a curadoria do DJ Erry-G . Na programação, oficinas, performances, shows, entre outras atrações, ocupando vários espaços do velho e bom CCSP, inclusive a Praça das Bibliotecas. É tudo gratuito. A DJ espanhola Delize vai estar por lá nos dois dias. O DJ CIA também passará, mas só no sábado. Na noite do dia 2, rola uma balada no Sambarylove, agitada casa noturna do Bixiga. No evento será lançado o Mapa Cultural da Periferia – Edição DJ’s de Hip Hop, um produto derivado da Agenda Cultural da Periferia. Realizada pela ONG Ação Educativa a publicação apresenta o perfil de cinqüenta DJ’s de Hip Hop, sendo dez mulheres. O encontro de DJ’s tem a parceria do Centro Cultural da Espanha, além do CCSP.

15º Cedeca Hip Hop em Festa – Certamente, este é o mais antigo evento de hip hop de São Paulo entre os ativos. Um marco. Acontecerá, como sempre, no primeiro domingo de agosto, dia 3. Começou em 1993, tendo como organizador o Cedeca Sapopemba, na Zona Leste. Tem basquete de rua, apresentações de diversas crews, mais de vinte grupos de rap, grafitti, muita animação e discussões sobre questões de interesse da juventude da periferia.

Hip Hop DJ 2008 – A arte dos toca discos. Evento organizado pela 4P, que tem entre os sócios o Rapper X e o DJ KL Jay. Acontece desde 1997 e é o mais importante campeonato de DJ’s do Brasil. As seletivas acontecerão nos dias 20 de agosto e 3 de setembro, no Studio SP, uma casa noturna muito parceira dos artistas do hip hop. As inscrições já estão abertas. Este evento já revelou feras como o DJ CIA. Nas batalhas é que se desenvolve a habilidade no manejo das pick ups. A participação nesses eventos acaba por posicionar o DJ de Hip Hop entre os mais virtuosos nos scratchs. E já tem aqueles quase imbatíveis. Nas últimas cinco edições houve apenas dois ganhadores. DJ Tano conquistou nos anos 2003, 2004 e 2005 e o DJ Erick Jay defende o bicampeonato de 2006 e 2007. Os dois podem ser vistos no Encontro de DJ’s de Hip Hop, no CCSP.

Perdeu o fôlego? É hip hop até umas horas. Não há dúvida do vigor dessa cultura, sua influência e permanência na cena pop contemporânea. Mas a polêmica está colocada. Há quem diga que o hip hop está perdendo espaço nas periferias para o funk pancadão. Outros falam que a mídia, ao incorporar a cultura, acaba por deformar sua essência.

Talvez não tenhamos que ficar numa discussão principista sobre os fundamentos da cultura hip hop. O fato é que ela resiste e se reinventa a todo momento. Tampouco cabe uma dicotomia arte/engajamento. Até porque não convém essa separação.

Ganhar dinheiro e ficar famoso não é problema. Que haja mais filmes como Antonia. Que o Programa Manos e Minas alcance picos de audiência. Que o MV Bill continue aparecendo na Globo. E que também os Racionais MC’s continuem vendendo centenas de milhares de discos e arrastando multidões sem aparecer na mídia.

Tudo que os artistas do hip hop puderem alcançar será pouco, diante do que merecem esses jovens (alguns, já nem tanto) das quebradas e que viveram segregados desde crianças vendo seus pais comerem o pão amassado no buzão lotado. Hip Hop é, por excelência, uma cultura da periferia. O que não pode é perder a humildade, dignidade e proceder. E essa é uma lição que os manos e as minas sabem de cor. Vida longa ao Hip Hop!


Pesquisa traça perfil dos jovens brasileiros

do clipping da Andi
Estudo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que ouviu dez mil brasileiros entre 15 a 29 anos, traça um perfil dessa parcela da população – que corresponde a 51 milhões de pessoas. Uma das constatações é a de que o jovem é otimista: em média 75% deles estão satisfeitos com a própria vida.
Segundo a pesquisa, entre 15 e 17 anos o nível de satisfação chega a 85%. O percentual cai para 71% aos 26 anos e para 69% aos 29. Esta queda coincide com a fase em que surgem dúvidas sobre a profissão escolhida, afirma Denise Barreto, sócia-diretora da Gnext Talent Search, empresa de recrutamento. "É a idade em que há maior incerteza quanto à carreira e falta segurança sobre qual o melhor caminho a seguir".
O emprego, de fato, é a principal fonte de insatisfação do jovem, de acordo com o estudo. A situação atual do País e o governo aparecem em segundo e terceiro lugar, respectivamente.
Bandeiras – Um dos mitos derrubados pelo estudo foi o de que a juventude é politicamente alienada. Segundo a socióloga Miriam Abramovay, autora da pesquisa, o que mudou foi a maneira de atuar. Quase 50% dos entrevistados no estudo da Unesco admitem que não dão a mínima para um comício, mas isso não significa falta de engajamento. A agenda mudou.
A 1ª. Conferência Nacional de Políticas Públicas de Juventude reuniu 2,5 mil jovens em Brasília, no final de abril. Os debates foram dominados por temas como emprego, educação, preservação do meio ambiente, legalização do aborto, discriminação contra negros e homossexuais. "Há uma mobilização enorme por parte da juventude. Eles levantam bandeiras que não estão na pauta de partidos políticos", afirma a socióloga Mary Garcia Castro, professora da Universidade Católica de Salvador. “As bandeiras, hoje, são mais palpáveis”, diz.
Cultura – Na pesquisa, salta aos olhos o pouco acesso dos jovens a bens culturais. Metade dos entrevistados nunca pôs os pés no cinema e mais de 70% deles nunca foram ao teatro ou ao museu.
Nos últimos anos, o acesso a esses espaços, sobretudo nas grandes cidades, melhorou com a meia-entrada obrigatória para estudantes e a instituição de ingressos a preços populares em algum dia da semana ou até a entrada gratuita.
O transporte, porém, ainda é um problema. São necessárias políticas públicas para eliminar o obstáculo da distância, principalmente para o jovem da periferia. Em casa, o tempo livre desta geração é dominado pela tevê. A leitura é a última opção. Quase 20% não abriram um livro sequer nos últimos 12 meses.
Fonte: Revista Época, Suzane Frutuoso, Renata Cabral e Adriana Prado – 23/07

O âmbito territorial de proteção do nome empresarial

Uma sociedade que deseje ter seu nome protegido nacionalmente, deve aviar pedido independente para todas as juntas comerciais do país, instruindo cada processo individualmente e pagando, obviamente, as taxas respectivas a cada uma delas. Trata-se de procedimento inexplicavelmente burocrático e oneroso

André de Albuquerque Sgarbi
, Advogado



Foi-se o tempo em que o principal ativo de uma sociedade consistia no terreno e na estrutura fabril. É crescente, e tem atingido proporções cada vez maiores, a importância dos chamados ativos intangíveis ou imateriais na atividade empresarial, dentre os quais podemos citar marcas, patentes e o nome empresarial. Trataremos no presente artigo da proteção dada pelo ordenamento jurídico ao nome empresarial, que é muitas vezes falha e insuficiente.

Uma das questões de maior relevância para o empresariado nessa seara, que tem sido objeto de desnecessária controvérsia, diz respeito à extensão da proteção dada ao nome empresarial em decorrência do registro da sociedade na Junta Comercial. De acordo com o artigo 1.166 do Código Civil, o registro do empresário assegura à pessoa jurídica o uso exclusivo de seu nome empresarial dentro dos limites do estado onde foi realizado, enquanto a proteção nacional depende de um procedimento específico a ser delineado em lei especial, ainda não editada. Essa disposição é reforçada pelo artigo 11 da Instrução Normativa 104, editada pelo Departamento Nacional de Registro de Comércio, que determina que a proteção ao nome empresarial em estado diverso do qual a sociedade foi primeiramente registrada depende de pedido específico dirigido à Junta Comercial daquele estado.

Portanto, atualmente uma sociedade que deseje ter seu nome protegido nacionalmente, deve aviar pedido independente para todas as juntas comerciais do país, instruindo cada processo individualmente, e pagando, obviamente, as taxas respectivas a cada uma delas. Trata-se de procedimento inexplicavelmente burocrático e oneroso, que prejudica as sociedades que ainda não possuem atuação nacional – geralmente pequenas e médias – nem condições de promover uma peregrinação país afora registrando seu nome empresarial em todos os estados da federação.

O panorama esboçado não é lógico nem razoável, o que não é novidade em relação a diversos tópicos do Direito Empresarial. No entanto, a questão debatida assume contornos estapafúrdios quando se verifica que o Brasil, desde 1975, através do Decreto 75.572, de oito de abril daquele ano, aderiu à Convenção de Paris para Proteção da Propriedade Intelectual. Em seu artigo 8º, a CUP dispõe que “o nome comercial será protegido em todos os países da união sem obrigações de depósito ou de registro, quer faça ou não parte de uma marca de fábrica ou de comércio”.

Portanto, a Convenção de Paris prevê que a proteção ao nome se dará em todos os países signatários, independentemente de qualquer “depósito ou registro”, ou seja, sem que o interessado tenha que praticar qualquer ato além do registro original do nome empresarial. Verifica-se, portanto, a existência de conflito entre a disposição do Código Civil e da Convenção de Paris. De acordo com o primeiro, a proteção do nome se restringe ao estado onde ocorreu o registro, enquanto a segunda dá proteção ao nome em todos os países signatários da Convenção. Assim, o nome empresarial de uma sociedade registrada em São Paulo não teria proteção em Minas Gerais, mas seria resguardado na França ou Inglaterra. O absurdo é flagrante.

Diante desse conflito, as divergências doutrinárias encontram terreno fértil para florescer. Alguns (que nos parecem corretos) defendem a supremacia do tratado internacional em relação à legislação infraconstitucional, sustentados nos artigos 98 do Código Tributário Nacional, e 5º, parágrafo 2° da Constituição Federal, argumentando que a revogação de tratado internacional por lei interna significaria a denúncia indireta do último, que dependeria de uma extensa série de requisitos, e criaria situação de enorme insegurança jurídica. Para esses, a Convenção de Paris não poderia ser revogada pelo Código Civil ou qualquer outra legislação infraconstitucional, sendo aplicável, portanto, a regra segundo a qual a proteção ao nome é nacional e internacional, independentemente da prática de qualquer ato adicional além do registro da sociedade.

Outros, apoiados em decisões do Supremo Tribunal Federal, dirão que os tratados internacionais são recebidos pelo ordenamento jurídico como leis ordinárias, e que, assim, poderiam ser revogados por outras normas posteriores de mesma hierarquia. Para esses, o artigo 8º da Convenção de Paris teria sido revogado pela legislação infraconstitucional, e não seria aplicável. Não nos deteremos nessa discussão, por escapar do estreito foco do presente artigo.

Entretanto, a simples existência de divergência jurisprudencial leva à insegurança jurídica, que é extremamente danosa a todos que desejam investir, gerar renda, empregos e pagar tributos. Por outro lado, como demonstrado, a regulamentação da questão pelo Código Civil é equivocada, burocrática e dispendiosa, principalmente para empresas sem atuação nacional, ou seja, pequenas e médias.

Faria bem o legislador, aproveitando a discussão levantada pelo Simples Nacional, e a disposição do governo federal em incentivar o desenvolvimento das pequenas e médias empresas, que geram a maior parte dos empregos no país, se desse nova regulamentação legal à matéria, repetindo, agora por meio de lei ordinária, a regra da Convenção de Paris, assegurando proteção nacional e internacional ao nome empresarial mediante o mero registro da sociedade. Até lá, as sociedades que planejem, ainda que num futuro remoto, expandir sua atuação para outros estados e regiões, devem garantir a proteção ao seu nome empresarial perante as todas as juntas comerciais, a fim de evitar litígios futuros.

Pensão para gestantes

Legislação brasileira prevê que os custos com a gravidez serão arcados também pelo pai da criança. Basta a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a regra ser adotada no país
Isabella Souto
Beto Novais/EM/D.A Press - 23/4/07

Para suprir uma lacuna na legislação brasileira – e tentar pacificar questão ainda divergente nos tribunais –, projeto de lei já aprovado no Congresso Nacional promete às gestantes de todo o país amparo legal para reclamar na Justiça ajuda financeira para custear despesas com a gravidez. A proposta institui uma pensão alimentícia desde a concepção até o parto, obrigando o pai da criança a dividir gastos com exames, remédios, alimentação especial, assistência médica e psicológica — e já está causando polêmica entre especialistas.

Na petição inicial deverá constar um laudo médico atestando a gravidez e a sua viabilidade, além de necessidades da gestante e o nome do suposto pai. De acordo com a proposição, assim que receber a petição, o juiz ouvirá a gestante para uma análise preliminar das provas da paternidade, o que inclui depoimentos do suposto pai e de testemunhas e apresentação de documentos.

Havendo recusa de paternidade, poderá ser feito um exame pericial a partir de amostra de líquido amniótico. Confirmado o pai, o juiz fixará o valor da pensão a ser paga a partir da citação até o nascimento da criança – quando será revertida a seu favor até que uma das partes solicite revisão. Atualmente, a legislação brasileira assegura o pagamento de pensão apenas após o nascimento da criança, valor que pode ser pedido ao pai, mãe ou avós. Mas alguns tribunais brasileiros, especialmente do Rio Grande do Sul, já concederam o benefício também a gestantes.

Com a nova legislação, essas decisões passarão a ter amparo legal. Embora a idéia seja considerada um avanço pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), alguns pontos serão questionados em documento a ser encaminhado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – responsável por sancionar ou vetar a proposição de lei. Para vice-presidente do IBDFAM, Berenice Maria Dias, o texto legal apresenta algumas inconstitucionalidades e criou barreiras para a proteção do bebê e da gestante, beneficiando o suposto pai. Entre os pontos enumerados por ela está justamente a necessidade de exame para comprovar a paternidade.

“O único exame possível em gestante para comprovar a paternidade é feito pelo líquido amniótico, que sabemos ser perigoso para o feto”, argumentou Berenice Dias. De acordo com ela, há mecanismos para evitar o prejuízo nos casos de negativa de paternidade pelo exame de DNA – realizado após o nascimento da criança. “É possível mandar a mãe devolver o dinheiro, principalmente se for comprovada a má-fé. A lei também prevê indenização por dano moral nos próprios autos da ação que pediu a pensão”, justificou. O artigo 10 sujeita a gestante a arcar com danos morais e materiais quando pedir pensão ao pai errado.

A vice-presidente do IBDFAM argumenta ainda que o pagamento da pensão deveria ser obrigatório assim que determinado pelo juiz, e não apenas depois da citação do suposto pai. “Corre-se o risco de ter pai fugindo do oficial de Justiça para não ser citado. Cada vez que ele conseguir escapar, vai estar lucrando”, justificou. Caso os pais morem em cidades diferentes, a legislação prevê que a ação deve ser ajuizada no local onde mora o suposto pai, e não no domicílio da gestante. Este ponto também foi questionado, até porque o Código de Processo Civil elegeu como foro para a ação de pensão alimentícia, o local onde a criança vive.

O QUE ESTÁ SENDO QUESTIONADO

Exame de DNA


O projeto prevê a “realização de exame pericial pertinente” para investigar a paternidade. É consenso na comunidade médica que o exame de DNA em líquido amniótico pode comprometer a gestação.

Pagamento a partir da citação

O projeto prevê que os alimentos sejam pagos desde a data da citação do réu. O IBDFAM argumenta que a paternidade se configura desde a concepção do filho. Portanto, os alimentos seriam devidos pelo pai desde o momento em que o juiz distribuiu a ação, evitando que o réu atrase a tramitação ao esquivar-se de receber o oficial de justiça.

Indenização

A gestante, segundo o projeto, pode ser responsabilizada por danos materiais e morais se a paternidade indicada for negativa. O artigo afronta o princípio constitucional do acesso à Justiça, ao abrir precedente de o réu ser indenizado pelo fato de ter sido acionado em juízo.

Deslocamento da gestante

O texto aprovado fixa a competência judicial no domicílio do suposto pai, forçando a gestante a deslocar-se para a cidade ou região do suposto pai para as audiências.

Necessidade de audiência de justificação

É imposta a realização de audiência de justificação, mesmo que sejam trazidas provas de o réu ser o pai do filho que a autora espera. O risco é a demorada da realização da audiência, o que atrasaria a fixação da verba alimentar.

Fonte: IBDFAM

Da bagatela ao crime organizado

A alegação de que muitas pessoas procuram o caminho da criminalidade como meio de vida diante da falta de oportunidade não pode ser tomada como verdade incondicional

Flávio Reis Mello
, Promotor da 13ª Promotoria de Justiça de Tóxicos da capital, Especialista em Direito Público.

Muito se tem discutido a respeito do avanço do crime organizado, entendido como fenômeno moderno de enfraquecimento das instituições estatais pela fortificação dos métodos de infiltração nos segmentos do Estado, aí entendidos, as polícias, o Ministério Público e os três poderes, com evidente prejuízo à apuração dos graves delitos agora praticados através da privatização do espaço público.

Leis são criadas objetivando dar maior celeridade ao processo, enumerando novos crimes, estabelecendo novas formas de penalização, sem que o cidadão sinta-se mais seguro. Ao contrário, apesar dos avanços legais, do emprego de novas ferramentas e da união de esforços para conseguir maior eficiência no combate à crescente criminalidade, é voz corrente o seu aumento.

Para alguns, o aumento de ocorrência de crimes violentos está umbilicalmente ligado às questões sócio-econômicas, sendo que para tal corrente de pensamento, quanto mais pobre a região, maior a população marginalizada, percebendo-se o aumento da incidência de crimes cometidos em tais localidades. A alegação de que muitas pessoas procuram o caminho da criminalidade como meio de vida diante da falta de oportunidade não pode ser tomada como verdade incondicional.

O Estado Democrático de Direito, tão questionado em nosso país, é alvo constante de grupos criminosos especializados em fraudes nas licitações, favorecimento pessoal, corrupção de agentes públicos, ações que levam a grandes perdas para o erário. É constantemente veiculada na mídia notícia de personagens famosos, sobretudo do meio político, que mesmo processados e condenados, levam uma vida tranqüila, acumulando lucros auferidos de maneira ilícita, guardando fortunas em paraísos fiscais, havendo dificuldade em verdadeiras batalhas judiciais e extrajudiciais para se recuperar, ao menos, parte do dinheiro proveniente da atividade criminosa.

Assim, uma fraude em licitação pública que cause enorme prejuízo ao Estado, muitas vezes, sequer é percebida pelos agentes públicos que, por questões administrativas, por desconhecimento das normas ou mesmo por conivência, nem tomam conhecimento da irregularidade. Ou, tendo ciência, através de pareceres de uma análise de prestação de contas apresentado pelo Tribunal de Contas, que pouco, ou quase nada, poderá fazer, seja em razão do tempo, seja pela dificuldade de responsabilização do agente causador do dano, ou até mesmo por falta de meios eficientes para se provar tecnicamente que o asfalto utilizado pela empreiteira “X” tratava-se, na verdade, de uma mistura de péssima qualidade, com custo bastante inferior ao valor contratado pelo órgão público.

Parece estar claro que essa não pode ser uma ação isolada de um megaempresário ou mesmo da pessoa jurídica por ele criada, porém faz parte da cultura do “jeitinho brasileiro” proveniente da impunidade.

Ora, acaso pertencêssemos a um país onde ninguém escapasse das malhas da lei, seja o autor do crime de bagatela, seja o temido praticante de estupro que resultou na morte de uma criança, ou mesmo aquele empresário, que através de sua pessoa jurídica, fraudou os cofres públicos, independentemente de qualquer uma destas situações, todos as dívidas com o Estado deveriam ser saldadas, na medida da responsabilidade de cada um.

Acredito que as futuras reformas da legislação deveriam prever meios adequados para apuração e processamento de variados tipos de crimes, mas , além disso, que seja permitida e incentivada uma prática administrativa preventiva, no sentido de se evitar o ilícito, e ainda, uma vez constatado o prejuízo, permitir a responsabilização penal, a adoção de medidas para bloquear o patrimônio dos envolvidos na organização criminosa e a reposição imediata ao lesado do produto auferido com o crime praticado. Ou seja, ainda que o dinheiro conseguido com a corrupção esteja no exterior, deveria a legislação, numa espécie de desconsideração da personalidade, permitir a recomposição de patrimônio do ente público.

O que defendo é que a cidadania e a dignidade da pessoa humana deixem de ser meros princípios do Estado, passando a alcançar o status de fato social, para proteger o interesse público do grande número de excluídos, hoje cooptados pelas políticas assistencialistas.

É preciso que todo cidadão tenha em mente que aquele indivíduo, por si próprio ou por meio das atividades de sua empresa, responderá por ilícito que tenha cometido, cabendo ao Estado assegurar o efetivo cumprimento da pena com previsões de regimes diferenciados e permitindo benefícios como o da progressão de regime para apenados que se mostrem aptos e dignos ao convívio social, indeferindo idêntico benefício para os não adaptados e assegurando o isolamento daqueles criminosos mais violentos ou que exerçam, pela intimidação ou pelo poderio econômico, influência nefasta aos outros presos, prosseguindo, ainda quando encarcerados, sua atividade criminosa.

Ora, a pena, enquanto castigo estatal, deve impingir naquela pessoa devidamente condenada o temor em razão do erro praticado, não sendo caso de ferir a dignidade do processado à hipótese de recolhimento em acomodações inferiores às que teria em sua suntuosa residência. Assim, ao cidadão de bem, cumpridor de seus deveres, restará presente a sensação da tranqüilidade pela proteção do Estado, que deveria direcionar suas ações àqueles que realmente necessitam da complacência dos governantes.

Direito à informação

Carlos Alberto Di Franco - Professor de ética, doutor em comunicação pela Universidade de Navarra (Espanha)
Recentemente, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) divulgou a primeira lista de candidatos que respondem a processos na Justiça e disputarão as eleições de outubro. A entidade identificou 15 políticos com ficha suja que concorrerão a prefeito ou vice-prefeito, apenas nas capitais. O número equivale a 4,3% dos 342 candidatos aos dois cargos nas capitais, registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A lista só incluiu candidatos que respondem a ações penais, por improbidade administrativa ou por crime eleitoral. A AMB admitiu que os números ficaram aquém do esperado, mas afirmou ter adotado critérios rígidos. Foram desconsiderados, por exemplo, inquéritos que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF) e ainda não foram transformados em processo, assim como ações por improbidade administrativa sem o aval do Ministério Público (MP). “Se a lista incluísse os inquéritos, ou as representações movidas por adversários políticos, a AMB correria o risco de divulgar casos que não foram pautados por uma investigação séria e isenta”, disse o secretário-geral da AMB, Paulo Henrique Machado.

Em São Paulo, dois candidatos atacaram a iniciativa: Marta Suplicy (PT) e Paulo Maluf (PP). Marta responde a um processo penal, com base na Lei de Licitações (8.666). Paulo Maluf é alvo de sete processos: quatro ações penais e três de improbidade administrativa. Os outros candidatos citados concorrem em Manaus (Amazonino Mendes, PTB), Goiânia (Iris Rezende, PMDB), Belém (Jorge Carlos Mesquita, PSL, Leila Márcia Santos, PCdoB, Marinor Jorge Britto, PSOL), Belo Horizonte (Pitágoras de Matos, DEM), Porto Velho (Hamilton Casara, PSDB, Lindomar Barbosa Alves, PV), Palmas (Raul Filho, PT), Fortaleza (Sérgio Braga Barbosa, PPS) e Boa Vista (Maria Suely Silva).

A candidata Marta Suplicy considerou “uma irresponsabilidade” a lista divulgada pela AMB: “Acho um absurdo o nível da irresponsabilidade, porque isso prejudica uma candidatura idônea”. Também em nota, Paulo Maluf criticou a lista. Ambos, com biografias e trajetórias políticas diferentes, coincidem num lamentável denominador comum: o desrespeito aos protocolos democráticos e o menosprezo ao direito à informação. A lista da AMB, corretamente divulgada pela imprensa, não prejulga ninguém. Oferece, oportuna e legitimamente, informações relevantes para o eleitor. Rebelam-se, surpreendentemente, os candidatos contra a divulgação rigorosa dos fatos. Os processos não são uma abstração. Existem. E os leitores têm o direito de receber tal informação. Trata-se de elementar prestação de serviço à cidadania. Qual é o problema? Qual o motivo da revolta?

A informação não é um enfeite. É o núcleo da missão da imprensa. Políticos manifestam crescente desconforto com aquilo que representa os pilares da democracia: a liberdade de imprensa e o direito à informação. Não admitem críticas. Só aceitam aplausos. Mas o mais espantoso é que começam a ficar ouriçados com a simples exposição dos fatos. Investe-se, agora, não apenas contra a opinião, mas também contra a própria informação. Reproduzo um texto belíssimo de grande atualidade: A imprensa e o dever da verdade, de Ruy Barbosa. Recomendo-o vivamente a todos os que se preocupam com a ética informativa e as relações entre o jornalismo e o poder. “A imprensa”, dizia Rui Barbosa “,é a vista da nação. Por ela é que a nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam. (...) O poder não é um antro: é um tablado. A autoridade não é uma capa, mas um farol. (...) Queiram, ou não queiram, os que se consagraram à vida pública, até a sua vida particular deram paredes de vidro”. O secretismo é um perigo para a democracia. O princípio da presunção da inocência deve ser garantido, mas não à custa da falta de transparência. Não tem sentido querer dar à exposição jornalística dos fatos qualquer viés antidemocrático. A imprensa, no cumprimento rigoroso de sua missão de informar, continuará dizendo a verdade. Gostem ou não os políticos ou os candidatos.

As drogas em números

O uso de cocaína no Brasil nos transformou no segundo mercado consumidor das Américas, com cerca de 870 mil usuários
Edison Feital Leite - Juiz de direito da 2ª Vara de Tóxicos de Belo Horizonte
Recentemente, o Escritório contra Drogas e Crime das Nações Unidas divulgou um relatório pertinente, baseado principalmente nos questionários preenchidos pelos países-membros da ONU em 2007. Segundo sua avaliação, grupos do crime organizado internacional têm aumentado sua atuação no país, utilizando nosso território como corredor de transporte de drogas entre países produtores – Colômbia, Bolívia e Peru – e a Europa. Tal circunstância possivelmente fez crescer a oferta de cocaína no mercado doméstico brasileiro, já que foi registrado uma expansão no consumo desta droga principalmente nas regiões Sul e Sudeste do país. Aliado a grande oferta, contribuiu para uma maior apreensão da droga durante o ano. No Sudeste, 3,7% da população entre 12 e 65 anos faz uso de cocaína; no Sul, o índice é de 3,1%; e, no Nordeste e no Norte, 1,2% e 1,3%, respectivamente. Esse fato se deve à constatação que no Sudeste se concentra o maior número de pessoas com boa capacidade financeira, que fazem uso da cocaína.

O Brasil se transformou no segundo mercado consumidor da droga das Américas, com 870 mil usuários, atrás apenas dos Estados Unidos, com 6 milhões. A cocaína, em razão da grande oferta, caiu de preço no mercado interno, permitindo o acesso de um número maior de pessoas à droga. Outro dado relevante apontado no relatório é que a apreensão do entorpecente diminuiu na Venezuela, no Equador, no Peru e no Brasil. Houve aumento nas apreensões apenas na Bolívia, no Chile e no Uruguai e, em menor escala, na Argentina e no Paraguai, levando à idéia de que aumentou o tráfico para os países do Cone Sul. Também foram registradas grandes apreensões de produtos químicos usados para a produção de cocaína, como é o caso do permanganato de potássio – no Brasil, foram 14 toneladas. Os pequenos laboratórios que existem no país transformam a pasta de cocaína em crack e normalmente se situam na periferia das grandes cidades e em sítios alugados nas proximidades das capitais.

A Colômbia é apontada como principal fonte da cocaína que chega à Europa, que as autoridades daquele país estimam que 55% da droga produzida na América do Sul é transportada pelo corredor México-América Central para a América do Norte e 35% daquela produzida é transportada da costa da Colômbia, da Venezuela, Guianas e Brasil, pelo corredor europeu-africano. Maior destaque é dado ao Brasil quando se trata das apreensões de cocaína realizadas na África, pois é apontado como o país de trânsito mais importante, seguido da Venezuela.

De acordo com o relatório, o Brasil é o maior país consumidor de opiáceos na América do Sul, com 600 mil usuários, ou seja, 0,5% da população na faixa entre 12 e 65 anos. A maior parte deles consome opiáceos sintéticos. Em relação à maconha, o Paraguai é tido como o maior produtor no subcontinente, seguido da Colômbia e, em menor escala, do Brasil. A maconha produzida aqui se destina ao uso próprio e não é suficiente para abastecer o mercado interno, daí a “importação” do Paraguai. O expansão na produção paraguaia de maconha e haxixe se reflete no aumento estimado em duas vezes e meia o consumo destes derivados de Cannabis no Brasil, em relação a 2001. A maconha é a droga mais consumida no mundo. No Brasil, em face do seu preço e em razão da nova lei de drogas, tem aumentado muito o número de usuários e, conseqüentemente, crescido o tráfico.

Quanto às apreensões de maconha, as maiores se deram no México, EUA, África do Sul, Maláui, Tanzânia, Nigéria, Brasil e Índia. A América do Sul, a região do Caribe e a América Central foram responsáveis por 12% de toda a maconha no planeta – somente no Brasil foram 167 toneladas. A quantidade ainda é pequena em relação ao total de droga que transita pelo território brasileiro e se deve principalmente à grande faixa de fronteira do país sem vigilância. A maioria das apreensões se dá em rodovias, quando a droga está sendo transportada para os grandes centros consumidores. Em 2006, cerca de 24,7 milhões de pessoas no mundo consumiram ecstasy. O uso de anfetaminas combinado com o de ecstasy ultrapassa os consumos de cocaína e heroína juntos. Até pouco tempo não havia grande apreensão dessa droga no país, que chega pela Holanda e é trazida por traficantes de classe média ou classe média alta, seus maiores usuários.

O documento sugere que, depois de um forte aumento no consumo na década de 1990, o ritmo de crescimento mundial tem diminuído. No entanto, ainda são registrados aumentos na América do Sul, Central e Caribe, sendo que Argentina, EUA e Brasil lideram os índices mais elevados do uso de estimulantes. Aqui, o consumo de ecstasy se dá principalmente nas camadas mais ricas da população e entre jovens freqüentadores de festas raves. Diante dos dados, verifica-se que aumentou bastante o o consumo de maconha e cocaína no país e que as autoridades responsáveis precisam empreender esforços para o combate ao narcotráfico, efetuando prisões, vigiando melhor nossas fronteiras, trocando informações com os países vizinhos, praticando uma política de prevenção através da conscientização a título preventivo dos cidadãos, sob pena de o país ser dominado por quadrilhas de traficantes, com reflexo nas instituições públicas.

"Lista suja": presunção de inocência atropelada


É importante distinguir dois aspectos da questão: em primeiro lugar, é preciso deixar claro que o ajuizamento de um processo é informação pública, ao alcance de qualquer pessoa e -como tudo o mais que envolve um candidato, de sua aparência física a sua opção ideológica- é passível de ser tomado em conta pelo eleitor para sua escolha; imprensa, ONGs, blogs prestariam relevante serviço público com essa divulgação. O segundo ponto é relativo ao acerto ou não da publicação de uma "lista suja" por associação de juízes e, nesse caso, minha opinião é negativa.


Por Arnaldo Malheiros Filho, na Folha de S.Paulo*



A percepção pública é que uma associação de magistrados é a reunião das pessoas que exercem o poder judiciário, daí a enorme autoridade moral, confundível até mesmo com a instituição que os associados encarnam.


Ora, como podem aqueles que têm a missão de julgar emitir um juízo de valor antes desse pronunciamento e da própria defesa? E, por mais que o neguem, emitem -sim!- juízo de valor, que se traduz no adjetivo "suja" que acabou pespegado à tal lista.


Não é função da AMB dar informações ao eleitorado. Seu gesto não foi, portanto, puramente informativo. Na verdade, o juízo de valor negado está embutido na mensagem de que os magistrados brasileiros reprovam as candidaturas de acusados que não foram julgados ou dos que nem sequer puderam se defender. É um passo político em direção à inelegibilidade. Nas trevas do regime militar, o general Médici sancionou lei complementar que tornava inelegíveis -"enquanto não absolvidos"- os meramente acusados por alguns crimes, como de corrupção ou o delito então criado de argüir inelegibilidade por engano, se o erro fosse "grosseiro".


Todos os que tinham um mínimo de apreço ao direito bradavam contra essa violência da ditadura, derrogada com seu declínio. E eis que agora a idéia ressurge, mais violenta ainda.


De fato, a lista engloba acusações por todo e qualquer delito, bem como simples ações civis de improbidade, por fatos nem sequer criminosos.


Rebaixam-se os juízes quando conferem tanto poder a uma das partes no processo, o Ministério Público.


Basta que seja ele o requerente para que o ferrete caia sobre o demandado, havendo ou não imputação de crime.


Tomemos um exemplo: Luiza Erundina, uma das pessoas mais honestas que já ocuparam cargo público em São Paulo, foi processada pelo Ministério Público -sim, por ele mesmo- porque firmou um contrato, sem ônus para os cofres públicos, que permitiu a reforma do autódromo de Interlagos em troca de publicidade na pista e colocou a cidade no calendário da Fórmula 1, com enormes benefícios. Ficha suja?


Esse termo é fascistóide. O que é ficha suja? Acusação sem defesa, anotação no Serasa, condomínio não pago e protestado em cartório, sussurros de "não sei, não", é muito fácil sujar a ficha de alguém. Como disse Paulo Sérgio Leite Fernandes, isso vem da tosca idéia de que, "onde há fumaça, há fogo", e, acrescento, "não basta à mulher de César ser honesta, tem que parecer honesta", ou seja, devemos julgar as pessoas pelas aparências, não pelo que são. E são juízes os proponentes...


Escravos aos leões, enforcamentos em praça pública, autos-de-fé com gente ardendo na fogueira sempre foram, ao longo da história, campeões de audiência. Nossa sociedade midiática só aprofunda o sucesso das execuções sem julgamento e sem "formalidades" que protejam os direitos individuais.


Na verdade, o patrocínio da AMB à divulgação da lista -obtida com a colaboração de seus associados, que usaram recursos públicos para atender a entidade- prenuncia um movimento para dar a uma só parte, o Ministério Público, o poder absoluto e unilateral de proibir o povo de escolher certos candidatos. Isso atropela, de uma só vez, as garantias constitucionais do direito de defesa, do devido processo legal e da presunção de inocência. Dessa tutela, tão própria das ditaduras, ninguém precisa.
Democracia se faz com escolhas populares, fundadas ou infundadas, boas ou más. É um regime muito ruim, reconheceu Churchill, pena que não inventaram outro melhor.
Melhor deixar as decisões políticas nas mãos do povo que dos sábios.


* Advogado, presidente do Conselho Deliberativo do Instituto de Defesa do Direito de Defesa; fonte: Folha de S.Paulo


GINECOLOGIA
Vacina contra HPV
Indicações ainda dividem especialistas, já que Anvisa somente permite uso em mulheres de 10 a 25 anos
Márcia Maria Cruz
Reprodução
Segundo especialistas, existem cerca de 100 tipos de papilomavírus humanos

A vacina de prevenção contra os papilomavírus humanos (HPV), causadores do câncer do colo de útero, é uma importante aliada no combate à doença, segunda maior causa de mortes por câncer entre mulheres, ficando atrás apenas do de mama. A chegada de mais uma fabricante no mercado brasileiro promete fazer com que o preço da vacina, administrada em três doses, seja mais acessível.

A indicação da vacina, porém, é polêmica entre os especialistas, pois a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) somente autoriza o uso para mulheres com idades entre 10 e 25 anos. Alguns médicos, no entanto, prescrevem a droga para outras faixas etárias, como é o caso da coordenadora de pesquisa do Hospital Leonor Mendes de Barros, de São Paulo, Cecília Roteli. Ela alerta sobre a importância de todas as mulheres tomarem a vacina para evitar o avanço dos cerca de 15 tipos do papilomavírus humano oncogênicos.

Segundo ela, pesquisas vêm demonstrando a eficácia para mulheres de outras idades. “Não há restrições para o uso da vacina, embora seja mais eficaz para quem ainda não iniciou uma vida sexual. Todas as mulheres podem se beneficiar da vacina, mesmo aquelas que tenham se contaminado com um dos vírus, pois ela irá se proteger contra os outros tipos”, diz. Na avaliação de Cecília, o governo federal deveria, inclusive, desenvolver uma política pública para atender as mulheres que não possam comprar a vacina devido ao alto custo. Existem dois tipos de vacinas disponíveis no mercado. Uma delas cobre os papilomavírus 6, 11, 16 e 18, e sai por cerca de R$ 400 a dose; a outra cobre os vírus 16, 18, 31 e 45, e a dose é vendida por cerca de R$ 350.

Cristina Horta/EM/D.A Press
Iracema da Fonseca diz que acompanhamento médico e preservativos são as melhores formas de evitar a doença

Por outro lado, a ginecologista Iracema Maria Ribeiro da Fonseca, presidente do Comitê de Patologia do Trato Genital Inferior-Coloscopia, aconselha estender o uso somente depois de autorizado pela Anvisa. Ela comenta que, mesmo a mulher que toma a vacina, precisa fazer anualmente o controle ginecológico, bem como usar preservativo. Segundo ela, diversos estudos têm mostrado a eficácia da vacina, que impede o surgimento de verrugas, lesões pré-malignas e malignas.

Segundo Cecília Roteli, cerca de 50% das mulheres com vida sexual ativa podem se contaminar pelo HPV. Não há sintomas claros da infecção, e a mulher pode sentir apenas um prurido ou ter corrimento. Muitas eliminam o vírus naturalmente, mas como não se pode ter certeza dessa possibilidade, o melhor é a prevenção.

A primeira vacina contra o HPV foi aprovada em 2006 pela Anvisa, depois de ter sido testada em 3,4 mil pacientes, em 15 centros. A indicação da agência reguladora é principalmente para adolescentes que ainda não começaram a vida sexual, mas há estudos para estendê-la a outras faixas etárias.

RECEITA A vacina deve ser receitada por um ginecologista, mas não é preciso fazer exame para tomá-la. Ela é administrada em três doses: a segunda deve ser tomada um mês depois da primeira e a terceira seis meses depois. Ainda estão sendo feitos estudos para saber se, depois de 10 anos, seria necessário um reforço. Até o momento, um estudo com mais de 700 mulheres de 15 a 25 anos, conduzido em 28 centros no Brasil, Canadá e Estados Unidos, com uma das vacinas demonstra 100% de eficácia por cerca de seis anos e meio.

Se a infecção com o vírus persistir, pode, no futuro, levar à formação de células anormais no colo do útero, que, com o tempo, pode evoluir para uma lesão pré-cancerosa ou cancerosa. Estimativas mostram que a cada dois minutos uma mulher morre no mundo por câncer do colo do útero. Cerca de 83% dos casos e 86% das mortes ocorrem em países em desenvolvimento, segundo artigo publicado no Journal of the National Cancer Institute.

De acordo com dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), foram registrados em 2006 mais de 19 mil casos de câncer do colo do útero e cerca de 10 mil mortes em todo o Brasil. A vacina para prevenção pode ser encontrada nos principais serviços e clínicas do país, e também é comercializada na Europa, Austrália, México, Argentina e outros países da América Latina.

A quem cabe a direção

"Vimos não apenas a redução do número de acidentes, como também passamos a ver mais mulheres no volante trafegando à noite"
Patrícia Espírito Santo
E-mail para esta coluna: patriciaesanto@uai.com.br
A nova Lei 11.705, que altera o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), tem realmente provocado mudanças de hábitos na população brasileira. Desde que o consumo de qualquer quantidade de bebidas alcoólicas por condutores de veículos passou a ser proibido, vimos não apenas a redução do número de acidentes nas estradas e ruas de todo o país, como também passamos a ver mais mulheres no volante trafegando à noite, tendo ao seu lado, no banco do passageiro, o marido, o namorado, o amigo, um homem.

Se tivéssemos parado para observar, antes do dia 20 do mês passado, quando a lei foi aprovada, perceberíamos que muitos homens faziam questão de voltar para casa dirigindo, mesmo tendo bebido grande quantidade de álcool, em vez de entregar as chaves do carro à sua parceira. As mulheres, muitas vezes amedrontadas com o que lhes poderia ocorrer, acabavam aceitando serem conduzidas por eles. Afinal, essa era a ordem natural das coisas: cabia a eles a “direção”.

A nova lei tem mexido até com as relações de poder entre os pares. O problema é que, em muitos casos, a decisão ainda fica com eles. O que tenho visto são eles argumentarem que, como suas mulheres não bebem ou porque elas sempre beberam muito pouco, cabe a elas agora essa missão. Dessa forma, o sacrifício delas seria menor, caso optassem em se abster do álcool para voltarem dirigindo. E elas acabam aceitando, até porque estão se divertindo com a nova “tarefa”.

Bem ou mal, não deixa de ser um avanço, apesar das piadas que tal comportamento tem suscitado. Ouvimos coisas do tipo: “Dizem que a Lei Seca vai cair, porque está mais perigoso entregar as chaves para as mulheres que dirigir bêbado”.

São muitas as mulheres que adoram voltar para casa depois de uma festa ou de um passeio à noite assentada no banco do passageiro, inclusive eu. Podem dormir à vontade ou, caso não estejam com sono, descansar da correria do dia. Não estão deixando de tomar a quantidade de álcool que seus organismos suportam e que as apraz, e seus maridos têm feito o mesmo. Adotaram a tática de delegar a um terceiro a “direção” dos veículos, acrescentando outro ingrediente às suas relações. Ao que parece, para elas e eles, não haverá mais luta de poder nesse sentido, e pouco se importam se para chegar até aí foi preciso recorrer à força de uma lei.
Tarefa impossível
"Pais foram criança um dia e sofreram situações traumáticas. Tentarão a todo custo livrar os filhos daquilo que passaram"
Regina Teixeira da Costa
reginacosta@uaivip.com.br
Freud tinha toda razão quando classificava a tarefa de educar como impossível, junto com governar e analisar. E não há quem possa discordar dessa afirmação. Nem todas as supernannys da vida, por mais que se esforcem em oferecer receitas, podem dizer o que é educar, porque regras não respondem a todas as questões que surgem quando resolvemos ser cuidadores de alguém.

Garanto que não há pais que nunca tenham parado em algum momento e dito ou pensado, mesmo com medo de ser castigado por tal pensamento, que se soubessem o que é criar um filho teriam pensado mais umas mil vezes antes. E nós nunca estamos preparados para sermos pais, temos de aprender sendo. Educar é aplicar ao outro aquilo que nós mesmos detestamos para nós: a privação, a frustração e a castração. E fazer isso com amor, porque não é fácil e nem possível de outra maneira.

Educar um filho é como cuidar de um pomar ou um jardim. Temos de plantar, esperar germinar, brotar, nascer, crescer e para isso é preciso cuidar, tirar as ervas daninhas, adubar, investir em recursos e saber podar, para obter mais tarde belos e saudáveis frutos e flores. E não nos esqueçamos... espinhos também fazem parte.

Estou falando das dificuldades, mas não esqueçamos o prazer de babar (todo pai e mãe são bobos) que fruímos quando nos orgulhamos do nosso feito, quando temos oportunidade de ver florescer um ser humano saudável e capaz. Sentimos um prazer narcísico e a sensação vitoriosa do: feito por mim!

Por isso mesmo fico muito triste quando vejo na TV esses programas de adaptação e treinamento de pais e mães, pois estão retirando deles a capacidade de ser sensíveis àquilo que ocorre. Educar é muito mais do que treinar um animal doméstico com regras duras e precisão matemática. Esses programas pedagógicos são reducionistas. Reduzem o homem a animal treinável. Excluem a subjetividade e propõem regras que não levam em conta as dificuldades dos pais. Seus medos, sua vida, sua história, seus motivos. É elevação da prática e da técnica como motivo maior.

Pais foram criança um dia e sofreram situações traumáticas. Eles tentarão a todo custo livrar os filhos daquilo que passaram. Com isso, dão aos filhos um tratamento que gostariam de ter recebido. Fazendo assim, desconhecem que as necessidades dos filhos podem ser outras. Mas teimamos em responder por eles como se soubéssemos o que é bom para eles. Por isso falamos em filhos como “pedaços de mim”. Eles são e dão continuidade à vida, nos tornamos imortais por meio deles. Mas esses pedaços têm vida própria!

Uma coisa é amar demais e querer proteger, outra é amar tanto e proteger tanto e contra tudo que fazemos deles adultos fracos e incapazes de lidar com as faltas e durezas da vida. O mundo não ama nossos filhos como nós, e ninguém vai dar a eles o tratamento de exceção que nós, equivocadamente, damos.

E quando crescem e nos enfrentam e se tornam duros ficamos atônitos sem saber onde foi que erramos. Erramos em diminuí-los e enfraquecê-los com amor demais. Demais. O que podemos deduzir é que a rejeição leva a problemas como também o amor excessivo. Até ouso dizer que os rejeitados são mais fortes porque têm de enfrentar em casa aquilo que o mundo trará depois e, em alguns casos, tornam-se mais resistentes por já se habituarem aos obstáculos desde cedo. Claro, há rejeições irreparáveis que trarão seqüelas irreversíveis.

Uma amiga me disse outro dia uma coisa curiosa: os pais tinham vacilado em fazer seu filho entender que suas opiniões não eram preciosidades do mundo e nem grandes verdades. Lamentavelmente, vem de uma admiração sem limites da parte dos pais produzindo na criança a atitude de se acreditar o centro do mundo, um tipo de auto-admiração. Criada como sua majestade o bebê, vive sustentando a crença de que quem foi rei nunca admite perder a majestade. O resultado é sair por aí espalhando arrogância, queimando mendigo, desrespeitando a lei, porque sempre esteve acima dela. Aprendeu em casa o regime de exceção.

Depois disso não adianta ir para a TV pedir socorro à sociedade do espetáculo como se fossem encontrar ali as soluções buscadas. Podem até registrar a vontade de melhorar a vida, mas esse é um trabalho que se faz na intimidade. Será que ainda existe alguma?

Como disse na última semana, a discussão sobre adolescentes, crianças e pais sem limites chega aos canais de TV deixando expostos as famílias e os adolescentes em seus piores ângulos, desconsiderando-os em toda a história pregressa e tudo aquilo que trazem do romance familiar carimbado na nuca. Ali onde não se pode ver ou saber: só se pode sofrer. É por isso que descartar aquilo que é o sujeito e fazer dele um deus ou um monstro não pode ser de bom tom, nem bom exemplo, nem uma boa forma de ajuda, pra ninguém.