Mulheres encarceradas


Por Nina Fidelis

Superlotação, condições precárias, falta de assistência de todo o tipo são características comuns a quase todos os presídios brasileiros. Segundo os últimos dados do Departamento Penitenciário Nacional*, o Depen, são pouco mais de 473 mil pessoas presas no país, sendo 442 mil homens condenados a cumprir pena em um sistema que comporta apenas 278 mil: um déficit de mais de 160 mil vagas. Agora, imaginemos que toda essa estrutura foi construída para atender o universo masculino, sendo incapaz de responder às necessidades básicas da mulher. E, além disso, com uma defasagem de vagas proporcionalmente maior que a dos homens: 31 mil mulheres presas em estabelecimentos que têm capacidade para 16 mil vagas. É um cenário que beira a calamidade.

Segundo a Irmã Margareth, da coordenação estadual da Pastoral Carcerária e assessora nacional na área de saúde, nenhuma penitenciária ou cadeia pública foi construída tendo em vista a realidade das detentas. “Até mesmo a penitenciária de Sant’ana [o maior complexo prisional feminino da América Latina] foi construído para homens. Depois de algum tempo pintaram as paredes, mas nada estruturalmente foi modificado para receber as mulheres e eu não vejo esta possibilidade”, afirma.

Não somente a estrutura física do sistema penitenciário marca a vida das presas. A não garantia de direitos básicos como o da maternidade, de relações familiares, saúde e sexualidade, também não são assegurados na maioria significativa dos presídios femininos. Para Kenarik Boujikian Felippe, juíza de direito em São Paulo, cofundadora e secretária do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia, “o Judiciário não consegue fazer este recorte de gênero na questão criminal. E isso não somente no Poder Judiciário. É necessário enxergar esta diferença e apontar alguns indicadores que possam facilitar a criação de uma política pública que dê respostas a este diferencial”.

Dentro dos presídios, até mesmo o uniforme utilizado é o mesmo dos homens. E isso interfere diretamente na autoestima da mulher indicando que não há diferenças no tratamento, e que nem são consideradas suas particularidades. Mas elas sempre dão um jeito. Bordam, costuram, fazem crochê, e imprimem na calça bege ou amarela e na camiseta branca as suas características. Mas o uniforme está longe de ser o principal problema.

Uma das necessidades básicas que não é atendida pelo sistema penitenciário brasileiro é o direito à maternidade. “É urgente se construir prédios pensando nas necessidades femininas como, por exemplo, as mulheres grávidas e em processo de amamentação”, afirma a Irmã Margareth. A penitenciária de Sant’ana vem passando por algumas reformas desde 2001, quando se decidiu transformá-la em um presídio feminino. Porém, tais reformas nunca foram concluídas. Hoje, no caso das mulheres grávidas, segundo Margareth, as mães são encaminhadas, no nono mês de gravidez, a uma ala especial do Centro Hospitalar de São Paulo, antes chamado de Centro Hospitalar Criminológico, no centro de São Paulo. Por lá, ficam apenas seis meses em contato com os filhos, amamentando.
Passado o período da amamentação, chega o momento mais traumatizante para elas: a separação. Caso a presa tenha alguém da família com quem deixar a criança, o bebê vai para a mãe, tias, irmãs etc. Mas muitas mulheres não têm com quem deixar seus filhos, que são levados para instituições públicas. “Todas ficam apavoradas pensando no que pode acontecer com os bebês caso eles sejam encaminhados para a instituição. Pensam se vão ser adotados, bem tratados... E o momento da separação ainda é preparado de maneira muito inadequada”, conta Margareth. “A guarda da criança permanece da mãe, porém, infelizmente, muitas coisas podem acontecer nestes abrigos por conta da precariedade, pela falta de condições de atender às demandas.”

Nestes casos, juristas e militantes dos direitos humanos acreditam ser possível conciliar a pena e a maternidade com medidas alternativas. Segundo Kenarik, “as mulheres têm o direito à maternidade e a criança, a uma vida sadia. Temos que fazer isso se tornar real. Conheci a experiência de uma mulher que estava cumprindo uma pena alta, e que a juíza autorizou a sua saída para amamentar e depois voltar, já que o Estado não tem condições de deixar a criança em um lugar apropriado”.

O abandono
Além do abandono por parte do Estado, com a ausência de políticas públicas específicas, estas mulheres são abandonadas por suas famílias e por seus companheiros. Apenas 8% recebem visitas de namorados ou maridos, e 11% são visitadas pelo menos uma vez por mês por suas mães, filhos, irmãos e irmãs. A maioria nunca recebe visitas. O diretor do Depen, Airton Michels, conta que na época em que atuava como promotor na região metropolitana de Porto Alegre (RS), “quando um homem ia preso, as mulheres procuravam o Fórum para conseguir um advogado para cuidar dos direitos de seu companheiro. Quando uma mulher ia presa, o homem procurava o Fórum para que um advogado realizasse o divórcio. Isso define tudo. A mulher continua parceira. O homem, sua família e toda a sociedade não aceitam a mulher presa, que acaba pagando pena de forma bem mais severa que o homem”.

As filas em cadeias masculinas são quilométricas já às quatro horas da manhã, e as mulheres realizam uma verdadeira maratona para garantir a visita, a comida, os utensílios pessoais e de higiene para seus maridos e namorados (conferir reportagem publicada em Fórum nº 81). Além do carinho, do contato físico com alguém de fora da cadeia, as visitas são muito importantes por conta do envio de utensílios de extrema necessidade como sabonetes, xampus, papel higiênico e, no caso das mulheres, de cosméticos: creme hidratante, esmalte, batom, absorventes... Nem estes últimos são garantidos pelo Estado.

Teoricamente, também é de responsabilidade dos órgãos de administração penitenciária colocar o preso ou a presa nos estabelecimentos mais próximos de sua antiga moradia, permitindo assim que a família consiga manter as visitas e estabelecer as relações familiares com os detentos. Teoricamente...

A ausência da família e dos companheiros, e as relações com o mundo externo influenciam muito no cotidiano. Para a Irmã Margareth, “os homens conseguem arrumar outras namoradas, se desligam do mundo aqui fora, diferentemente das mulheres que muitas vezes são os pilares da estrutura familiar e lidam com isso lá dentro diariamente. Acabam entrando em depressão, ficam agressivas, tomam calmantes”. Por conta das situações de abandono, a depressão, além de outras doenças mentais e dermatológicas, pulmonares, ginecológicas e principalmente a tuberculose são muito comuns.

O tráfico e os crimes de bagatela
Nos últimos anos, o índice de mulheres presas só vem aumentando. Em dezembro de 2004, o número de detentas chegava a pouco mais de 18 mil; no mesmo mês, em 2009, já eram 31 mil. Em cinco anos, a população carcerária feminina aumentou mais de 70%.

Grande parte dos delitos que leva as mulheres à prisão é o tráfico, como mulas**, e furtos de pequeno porte. Margareth conta casos de mulheres presas por roubo de chocolate, pão, queijo, muitas vezes para sustentar o vício ou alimentar uma família. Segundo ela, se existisse um processo judicial mais adequado para estes pequenos delitos, elas poderiam cumprir penas alternativas que não as privassem de sua liberdade.

Para Kenarik este aumento tem a ver com uma série de fatores, mas também com a crise econômica. “A leitura só pode ser feita se avaliarmos o que acontece fora dos muros. É real que as mulheres, cada vez mais, assumem o papel de chefia de famílias, com muitas responsabilidades. E a droga, por muitas vezes, acaba sendo uma fonte de renda”, aponta. Segundo ela, a questão do tráfico é algo que requer uma avaliação de conceito. “Tudo que a sociedade elege ou é do bem o é do mal. E isso acaba refletindo no sistema judicial. A imprensa também acaba tendo um papel perverso, pois sempre aplica discursos de encarceramento. E o tráfico é uma questão posta neste sentido. Mas algumas decisões começam a mostrar que é possível aplicar penas diferenciadas para os pequenos tráficos”.

Airton Michel concorda com a juíza. “Prender pessoas por estes pequenos delitos não tem dado resultado nenhum para a sociedade. A primeira coisa a se mudar é a lei de tóxicos. Tanto para os homens quanto para as mulheres”. Aproximadamente 20% dos homens são presos por tráfico de drogas no Brasil. No caso das mulheres, 50% são presas enquadradas neste delito e muitas caem junto com o marido ou namorado, às vezes pagando pelas práticas deles. Por isso também a ausência dos companheiros no dia da visita.

As visitas íntimas Um dos temas mais discutidos quando o assunto é penitenciária feminina é a proibição ou não das visitas íntimas. Na opinião de Airton, a prisão não pode privar a mulher do direito às visitas. “Isso é bárbaro. É um retrocesso civilizatório”, ressalta.

Segundo o Regimento Interno Padrão dos Estabelecimentos Prisionais do estado de São Paulo, as visitas íntimas são consideradas regalias aos presos, assim como a participação em festivais, a prática de esportes em horários fora dos normais, sessões de cinema, teatro, e outras atividades. Já a Resolução 1/99 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária estabelece o compromisso dos estabelecimentos em assegurar o direito à visita íntima em presídios de ambos os sexos. Isso inclui todas as condições para que esta aconteça, como por exemplo, um local específico. Mas ainda não há nenhuma lei que regulamente o assunto. Além disso, toda a rede de campanhas de prevenção às doenças e informativas sobre os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres deve se estender aos presídios. Bem como todos os exames.
Estas visitas, nos presídios masculinos, são tidas com algo normal, mas sempre improvisadas. Em geral, os casais ficam na cela e tentam garantir o mínimo de privacidade com um lençol. Já nos presídios femininos, é proibida a permanência de homens na cela, o que dificulta ainda mais o “jeitinho” de burlar a regra, que tem como penalidade o castigo.

Na opinião da juíza Kenarik, a questão da visita íntima revela o caráter preconceituoso da sociedade em relação às mulheres. “Na verdade, este é um preconceito que existe com a mulher antes mesmo de ela ser presa. Uma coisa ideológica de não assumir que ela tem a sua sexualidade. Se fizermos um levantamento, a visita íntima sempre existiu em vários locais, de maneira formal ou não, mas não para as mulheres”, observa.

Confidências de uma ex-presidiária
Camila*** é mais uma mulher que aumenta as estatísticas deste enorme abandono. Sua história é semelhante à de muitas outras detentas. Aos 19 anos, foi presa junto com a mãe e o namorado por tráfico de drogas; 25 gramas de cocaína foram o suficiente. “A polícia entrou lá em casa e ele assumiu tudo. Eu não tinha nada a ver com aquilo. Muito menos a minha mãe. Mas a polícia não quis saber”, conta ela. “Chegaram [a polícia] a alegar que eu iria continuar fazendo os ‘corres’ para ele, caso ficasse na rua”.

Na época, Camila estava trabalhando de babá, tinha carteira assinada e até mesmo a sua empregadora foi depor a seu favor no julgamento. Nada disso mudou seu veredicto. Condenada, após 1 ano e 3 meses presa, ficou mais seis meses em regime fechado, passando para o regime semi-aberto, em que saía nos feriados. Permaneceu 2 anos e um mês presa e, durante este período, passou pelo presídio de São Bernardo, em Campinas, e pela cadeia pública feminina de Monte Mor.

“No primeiro dia pensei que não fosse aguentar, tive até uma hemorragia nervosa...”. Em Monte Mor, por exemplo, eram 230 presas onde cabiam apenas 30. Inclusive foram expedidos inúmeros pedidos de interdição desta cadeia, denunciada por superlotação. “Sempre dormiam umas três no mesmo colchão. Tinha que caber de qualquer jeito”, lembra. No São Bernardo não era muito diferente: 32 mulheres em uma cela em que cabiam doze.

Hoje, Camila enfrenta a rotina de milhares de mulheres que vão visitar seus companheiros. Ela e sua mãe foram soltas, mas o namorado, com 31 anos, permanece no cárcere. “Eu não recebia visitas. Uma vez por mês, um amigo da minha mãe ia levar algumas coisas pra gente com o dinheiro que a minha irmã mandava de outro estado. Mas homem mesmo não aguenta porta de cadeia não”, diz.

Assim como nos presídios masculinos, lá existem as divisões de tarefas, as responsabilidades e a obrigação de se cuidar, de se manter limpa. Toda vez que usar o banheiro tem de lavar, e cada uma tem de usar o seu próprio material de limpeza. “Lá dentro, mesmo que a gente não saiba quem é quem, ninguém fica sem nada, pois a gente acaba dividindo o que tem. As mulheres são solidárias”, assegura. Esta solidariedade se dá também em forma de troca de favores. Se a pessoa não tem algum mantimento de higiene, ela pode limpar a área da cama da companheira e receber o que precisa. “O Estado mesmo não ajuda em nada”, afirma indignada.

Com relação aos remédios receitados arbitrariamente, Camila afirma já ter tomado em duas ocasiões. “Qualquer problema que a gente tem eles querem que a gente tome remédio. Para eles o preso tem que morrer ou ficar louco, porque qualquer coisinha é tarja preta. Conheci muita gente que acabou indo para o hospital de loucos”.
As mulheres também passam por situações de violência por parte da polícia. Seja ela física ou moral. A história de mulheres que “saíam” com o carcereiro nas cadeias públicas em troca de favores é comum. Mas Camila lembra o dia em que a Tropa de Choque entrou no presídio. “Foi a pior coisa do mundo! Eles não gostam das lésbicas e batem mesmo, sem elas fazerem nada. E a gente também não pode fazer nada. Eles ficavam dizendo: ‘Não quer ser homem? Então apanha quem nem um’.”

A história de Camila com certeza ilustra a vida destas mulheres, com algumas diferenças. Foi presa junto com o namorado, ficou anos presa sem receber visitas, mas tinha a sua mãe como porto seguro, que cumpriu a pena, literalmente, ao seu lado. Hoje, curiosamente, depois de condenada e ter ficado presa por mais de dois anos, foi absolvida. Nem os advogados conseguem explicar essa brecha no sistema, e alegam nunca terem visto um caso assim. Mas Camila e sua mãe já entraram com um processo contra o Estado, que tramita na Justiça, por terem sido presas sem provas concretas de participação no crime.

“Quando saí, foi a melhor coisa do mundo. Olhar o céu, ver carro. As mínimas coisas do mundo a gente admira. Senti muita falta das estrelas, da lua, do sol, do vento batendo... Não tem nada melhor que a nossa liberdade, não tem dinheiro que pague”. Assim, Camila desfruta novamente de sua liberdade, mas sua saga no sistema penitenciário continua até que seu marido saia e eles possam criar o filho – de cinco meses – juntos.

*Os dados são os últimos disponibilizados pelo órgão e são referentes a dezembro de 2009.

** Mulas são pessoas (homens e mulheres) contratadas para transportar drogas. As mulheres são as mais cogitadas para este ‘serviço’.

*** Nome fictício para preservar sua identidade.

Nina Fidelis

África do Sul esconde excluídos


As vésperas do Mundial, governo sul-africano faz de tudo para evitar a presença de mendigos e prostitutas nas ruas

Renato Alves


Cidade do Cabo (África do Sul) — Como costuma ocorrer no Brasil às vésperas de um grande evento internacional, o governo sul-africano tem sido acusado de promover uma espécie de limpeza social, retirando mendigos e prostitutas do centro e dos pontos de visitação das sedes da Copa do Mundo. Somente na Cidade do Cabo, que receberá oito partidas do torneio e é o principal destino turístico do país, quase mil sem-tetos foram removidos para as áreas mais afastadas nos últimos cinco meses.

Na última semana, em apenas um dia, policiais retiraram 41 moradores de rua da região do estádio Green Point, da Grand Parade — onde será realizada a fan park —, de estações de trem e da Long Street (avenida com grande concentração de bares, restaurantes, boates e pousadas para jovens viajantes).

As autoridades dizem se tratar de uma operação normal para evitar crimes. A polícia alega estar atrás de infratores reincidentes e ainda garante ajudá-los a reencontrar os familiares. No entanto, o porta-voz da polícia da Cidade de Cabo, capitão Ezra October, reconheceu ser incomum a quantidade de pessoas recolhidas em somente um dia, como na semana passada. “Mas os suspeitos serão levados ao tribunal, pois são acusados de roubar pessoas e veículos”, declarou October.

No caso da Cidade do Cabo, a operação para remover mendigos, flanelinhas e outras pessoas potencialmente ofensivas, segundo a polícia, já custou 500 mil randes (cerca de R$ 125 mil) — dinheiro pago pela prefeitura. O orçamento de 2010 para esse tipo de ação aumentou 65% em relação ao ano passado. Além das remoções forçadas, policiais e assistentes sociais tentam convencer os moradores de rua a procurarem seus familiares espontaneamente.

No começo de maio, a prefeitura lançou um programa visando o inverno, período da Copa, quando a temperatura ficará abaixo dos 10ºC. Mas os moradores de ruas não demonstraram entusiasmo. Temem ser jogados nas mais distantes townships, onde não terão qualquer chance de conseguir uma boa esmola, pois nesses lugares moram apenas pessoas miseráveis, que também passam fome e frio. Ano passado, cerca de 80 famílias que viviam nas ruas de Sea Point, área perto do centro financeiro, foram levadas para arredores de Delft, favela a quase 35km da cidade.


Até cegos sumiram

Em outra cidade-sede da Copa do Mundo, Durban, no sudeste do país, até os moradores têm estranhado a calmaria na zona costeira e creditam a anormalidade às recentes operações contra mendicância e trombadinhas (menores infratores). Segundo as ONGs com escritórios no município, cerca de 400 meninos e meninas que viviam nas ruas acabaram levados para um abrigo da periferia. Já em Johannesburgo, local da abertura e da final da Copa, os cegos imigrantes do Zimbábue e as mulheres com filhos no colo que pediam esmolas não estão mais nos principais cruzamentos de ruas e avenidas.

Para as entidades de defesa dos direitos humanos que atuam no país, não há dúvida da relação entre o Mundial de futebol e a campanha de remoção promovida pelas prefeituras. “O país comete violações dos Direitos Humanos para se preparar para a Copa do Mundo”, acusa Warren Whitfield, diretor da uma associação chamada Campanha de Ação dos Dependentes Químicos. Ele diz que as pessoas consideradas “indesejáveis” são levadas a abrigos comparados por ele com “campos de concentração”.

Integrante do comitê de desenvolvimento social da Cidade do Cabo, Grant Pascoe rebate as acusações. Diz que 1,6 mil pessoas ganharam abrigo e comida no ano passado com os projetos para moradores de ruas. “Não há nada desumano no que a cidade está fazendo. Apenas reforçamos nosso plano este ano. Não há projeto para arrebanhar pessoas desabrigadas e despejá-las depois. É simplesmente mentira”, garantiu.


Saiba mais

Cerca de 5,7 milhões sul-africanos são portadores do vírus da Aids, de acordo com dados do governo. Cerca de 45% das prostitutas têm HIV. Acreditando que a repressão não evitará o aumento da prostituição durante a Copa, ONGs querem realizar campanhas de orientação e prevenção. Pretendem distribuir preservativos e lubrificantes nos bares onde serão exibidos jogos do Mundial.


Esmola é crime

A porta-voz da polícia de Johannesburgo, Edna Mamonyane, lembrou que pedir esmolas nas ruas viola as leis municipais. “Na maioria dos casos, essas mulheres (com as crianças de colo) e os deficientes (cegos do Zimbábue) foram levados aos centros sociais. Só as prostitutas nos dão mais trabalho”, afirmou.
Prostituição é crime na África do Sul. Por razões de saúde pública, vários grupos pressionam o governo para legalizar a atividade pelo menos durante a Copa do Mundo. Mas a forte oposição de associações de defesa da família e da religião levou o governo a aumentar a repressão.

Racionais MC's quer ser livre


Querendo fugir do “partido” do rap, grupo prepara novo disco sem compromisso com o social

Marco Tomazzoni


Lá se vão oito anos desde Nada Como Um Dia Após o Outro Dia. O último álbum de estúdio do Racionais MC’s saiu faz quase uma década e essa longa espera está prestes a terminar. O grupo de rap mais influente do país está em estúdio terminando de gravar os vocais para o disco que deve ganhar a luz do dia até o final do ano. “Muita gente cobra. Nós mesmos não aguentamos mais”, revela KL Jay, DJ do quarteto. E sabe aquela história de que o som da banda encabeçada por Mano Brown deixou de ser engajado e enveredou por um caminho diferente? É verdade.

Foto: Divulgação

O Racionais MC's em foto de arquivo: Mano Brown, KL Jay, Ice Blue e Edy Rock

Em entrevista ao iG, KL Jay confirmou que o Racionais está em outra era, um mundo de “homens de 40 anos”, mais maduros, preocupados em fazer música, e só. Uma prova disso é a dançante “Mulher Elétrica”, que rompe com o paradigma que o grupo havia estabelecido para o hip hop nacional, de um gênero engajado, porta-voz da periferia. A letra é romântica, quase um hino à beleza e encanto das mulheres, sem qualquer conotação degradante, tão comum nas paradas norte-americanas. Quando apareceu na Internet, há dois anos, a música sofreu preconceito por parte do público, que não sabia como reagir à mudança de rumo. Medo, talvez, de que seu ícone da resistência fosse entregar as armas. Afinal de contas, o Racionais vai virar pop, como dizem por aí?

“Devem estar com a mente travada, ficaram com aquele Racionais de 10 anos atrás na cabeça. Você passa para outro estágio, não conseguem entender onde você está e rotulam de pop, comercial”, responde KL Jay. “A gente faz e quer fazer música boa, não interessa se é pop, underground, comercial, gansgta... Tem música boa e ruim em todo lugar. Você não pode ficar preso nos rótulos. Dizem que a Rihanna é pop. Eu amo a Rihanna! Pra mim, é um puta som. Eu não sou pelo rótulo, sou pela qualidade.”

A cobrança por essa postura do passado é reflexo de uma ideologia que o próprio Racionais ajudou a criar, mas que foi radicalizada ao longo dos anos, inclusive perante a opinião pública. “A maioria não encara o rap como música: encara como partido político, lance social, de protesto. O Racionais não pode ficar preso nisso, meu. Tem que ser livre. O rap é música, antes de qualquer coisa. E música não tem fronteira”, sentencia o DJ. “A gente está fazendo música que vem da alma, de coisas que a gente viu, vê, e vive. ‘Mulher Elétrica’, por exemplo, é um puta som. É só você ouvir a música, a produção, a rima, a ideia. E os caras falam que a música é comercial, que o Racionais se corrompeu... Pelo amor de Deus.”

Nada de arrastar multidões

Querendo ou não, o Racionais é farol no cenário nacional e, influente, dita tendências sempre que libera um trabalho novo. Essa responsabilidade, no entanto, parece não passar pela cabeça do quarteto na hora de compor. O objetivo, KL Jay insiste, é não dever nada para ninguém e, desse jeito, poder falar o que quiser.

Foto: Eduardo Ribas Ampliar

KL Jay: "A maioria não encara o rap como música; encara como partido político"

“Não podemos ter essa preocupação [com a responsabilidade] porque temos que ser livres. A gente não quer ficar arrastando multidões, embora isso aconteça. Acho que é muito mais uma questão de querer ser livre, de fazer o que você quer e quebrar barreiras. Podia ser como lá fora, pelo menos uma parte, porque lá os caras não têm de medo de falar de mulher, sexo, drogas, armas, de tudo. Por isso que é forte demais, e eles fazem shows no mundo inteiro. É liberdade de expressão mesmo.”

A cargo de Brown e Edy Rock, as letras do disco, segundo KL Jay, só ficam melhores – “eles estão muito na frente, talvez por isso sejam mal compreendidos”. Boa parte das bases já está gravada e segue um padrão de produção que, ao mesmo tempo em que é mundial, tem espírito brasileiro. O DJ tenta explicar: “É um tribal, um tambor que você não ouve, mas sabe que está lá na música. Uma coisa do Brasil mesmo, do samba com o candomblé com a batida do rap, misturados. É um som minimalista, agressivo, dançante, mas com sentimento também”. Wilian Magalhães, filho de Oberdan Magalhães, da Banda Black Rio, participa do time de produtores. Isso quer dizer esse disco pode ser mais dançante do que os outros? “Ele está muito funk anos 1970, BPM mais rápido. Funkão monstro.”

Tanto tempo sem lançar um álbum deixou o grupo com um repertório “monstro” também: até agora, são mais ou menos 30 músicas prontas. Mas, ao contrário de Nada Como Um Dia Após o Outro Dia, nem tudo não vai ser lançado na mesma época. “Comercialmente é difícil lançar um disco duplo. Fica mais caro, mais difícil de vender e somos os donos da gravadora [Cosa Nostra]. Estamos pensando em lançar discos mais rápido, talvez um agora com 10 faixas e outro no ano que vem com mais 10.” Se até o Racionais está preocupado com a indústria fonográfica, alguma coisa de fato está prestes a acontecer. Difícil vai ser segurar a ansiedade.

* Com colaboração de Eduardo Ribas

Um ganho civilizacional na luta contra o crack


O tráfico e o consumo de drogas estão entre os problemas mais sensíveis da sociedade contemporânea. E mais ainda quando se trata do crack, uma droga barata, que vicia rápido e devasta o cérebro e a saúde de seus usuários. O problema é dos grandes centros e também de muitas cidades pequenas pelo interior do país.

Os números do estrago causado pela droga são dramáticos e mostram que ela age, na sociedade, como no corpo de seus usuários: a extensão é rápida e os males causados - envolvendo principalmente a juventude - são assustadores.

Dados do Ministério da Saúde mostram a celeridade de sua evolução em apenas uma década. Considerada "droga de pobre", por ser barata, hoje 40% de seus usuários são de classe média. Há dez anos, dos dependentes químicos que procuravam tratamento em clínicas particulares, dois eram viciados em crack; hoje são nove. No atendimento do SUS a situação é parecida. Em 1999 eram 20% dos casos; hoje, são 60%. E o mal evoluiu de tal maneira que seu combate foi uma das reivindicações da marcha dos prefeitos encerrada ontem (dia 20) em Brasília.

A extensão do mal é tamanha que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolveu federalizar o combate contra ele, assinando ontem (dia 20) o decreto de criação do Plano Integrado para Enfrentamento do Crack, que vai envolver somente neste ano 410 milhões de reais em investimentos para tratamento, estudos e outras atividades preventivas. “Precisamos acabar com o ‘achismo’ e entender com precisão o problema do crack”, disse o presidente da República. “Vamos tentar encontrar um jeito de jogar muito duro para combater o crack em parceria com os prefeitos" e com a participação de igrejas, sindicatos e outras entidades, completou o presidente.

Há duas maneiras básicas para combater o tráfico de drogas e os males provocados por ele, que se acentuam quando se trata do crack. Uma delas é a repressão policial pura e simples. É a perspectiva tradicional. Uma política falida que atende aos anseios dos setores mais conservadores da população e tem consequências funestas e pouco eficazes, como se tem visto. Os criminosos, voltados principalmente para o tráfico de drogas (entre elas o crack), se fortalecem e rivalizam com a organização da repressão policial; as guerras de quadrilhas se sucedem, a troca de tiros com a polícia vira um pesadelo cotidiano para comunidades pobres, o sangue corre em ritmo de guerra civil, e a corrupção policial é um câncer que coloca no mesmo balaio a parte podre da polícia e os bandidos do tráfico.

A outra maneira de enfrentar o problema é tratá-lo como uma epidemia, como um caso de saúde pública. Na opção repressiva o usuário (alvo tanto dos traficantes quanto da ação policial) fica sozinho, isolado em sua miséria humana, prensado entre a barbárie do crime organizado e a violência da ação policial. Na opção adotada pelo governo federal e manifestada no plano anunciado dia 20, ele é o objetivo principal da ação sanitária e sua saúde e recuperação passam a ser o centro das atenções. Nesse sentido, o plano prevê o treinamento de profissionais da saúde pública e da assistência social para atendê-lo e também às suas famílias e tem como objetivo seu retorno ao convívio social.

O governo escolheu a civilização para combater esse mal e deixou a barbárie de lado, anunciando uma política que a pré-candidata Dilma Rousseff já adotou, como tem demonstrado em suas manifestações recentes. Além do usuário, outro beneficiado por uma política que considere o consumo de crack como um problema de saúde pública é a sociedade brasileira. Ela ganha com a perspectiva de diminuição da violência endêmica de nossas cidades, de fim das chacinas que já se tornaram rotineiras, com o aumento da paz social. E este é um ganho civilizacional.

Portal Vermelho

Indesculpável


Edson Lopes Cardoso
edsoncardoso@irohin.org.br

Os promotores Maurício Lopes e Marcelo Rovere encaminharam denúncia à Justiça contra quatro soldados da PM paulista que assassinaram Alexandre Menezes dos Santos, no dia 8 de maio. Os promotores argumentam que não se pode dissociar o crime de suas circunstâncias agravantes que envolvem preconceito racial. A denúncia foi aceita por juíza da 1ª Vara do Tribunal do Júri.

Os quatro militares interrogados (Carlos Magno dos Santos Diniz, Ricardo José Manso Monteiro, Márcio Barra da Rocha e Alex Sandro Soares Machado) não souberam precisar o motivo que teria justificado a abordagem violenta e brutal. “Talvez”, declararam os promotores, “pela única circunstância de se tratar de pessoa negra e pobre”. Uma nota de rodapé no texto da denúncia dos promotores explica que o Boletim de Ocorrência registrou a vítima como parda.

Afonso Benites, da equipe de reportagem da “Folha de S. Paulo” (edição de 18 de maio, p. C7) reproduziu importante fragmento da argumentação dos promotores, quando estes chamam a atenção da Justiça para a ausência de registro de abordagem violentamente discriminatória da polícia militar em bairro nobre da cidade de São Paulo. “Aquele” (aquela pessoa branca e rica dirigindo um famoso carro de luxo)pode dispensar placas e nunca será incomodado pela PM:

“Não se tem notícia de que abordagem semelhante se faça por policiais militares no Jardim Europa com aquele que trafegue em uma Lamborghini sem placas. A ação, além de desastrosa, foi movida por preconceito racial e social”.

O fragmento acima foi transcrito da Folha. Na denúncia dos promotores, a última frase é: “A ação, além de desastrosa, foi movida indesculpavelmente por preconceito racial e social.” A diferença é o advérbio (‘indesculpavelmente’) que a “Folha” julgou talvez irrelevante e dispensou.

O ato que não merece desculpa é aquele que não merece perdão, indulgência, absolvição – nem escusa, nem justificação. Está assim no dicionário. A ausência do advérbio, portanto, modifica o sentido de toda a frase dos promotores. Os assassinos de negros em todo o país, com raríssimas exceções, permanecem impunes.

A pele negra, estigmatizada, motivou a abordagem e tudo o mais que se seguiu. Abdias do Nascimento disse isso em carta aberta ao chefe de Polícia do Rio de Janeiro, em 1949: “Dir-se-ia que a polícia considera o homem de cor um delinqüente nato, e está criando o delito de ser negro”. Foi esse o delito, podemos dispensar o “talvez” dos promotores.

Mas você não precisa de uma Lamborghini para circular no Jardim Europa, basta ligar a TV. O que entre nós confronta para valer o processo de desumanização das pessoas não-brancas? A escola? A propaganda? O mercado de trabalho? Os partidos políticos? A polícia, afinal, extrai significados surpreendentes e inusitados da pele negra ou eles circulam livremente em todo lugar?Além de punir severamente os assassinos fardados, devemos refletir sobre as conexões racistas que aproximam diferentes aspectos da vida social brasileira.

Uma última observação sobre muletas inadequadas e portanto dispensáveis, para que não se perca ou dilua o essencial. Algumas expressões utilizadas pelos promotores na denúncia, tais como “preconceito racial e social”, “pessoa negra e pobre”, “jovem pardo, pobre, periférico”, ao invés de agravar acabam por atenuar.

A informação transmitida pela cor negra da pele, ninguém se iluda, é a de que se pode dispor, quem assim queira, quem assim o desejar, da vida desse ser inferior que exibe tão acintosa e provocativamente as marcas de sua inferioridade. Contrariamente, o tipo de relação que se acaba por estabelecer com as muletas indicadas é de outra natureza: bastaria então não ser pobre para ficar livre dos constrangimentos raciais. Ledo engano.

Educar agora para garantir o amanhã

Vincent Defourny*

Construir sociedades sustentáveis, justas e éticas, que garantam qualidade de vida e proteção ao meio ambiente para as atuais e as futuras gerações, é sem dúvida um dos desafios mais urgentes do nosso tempo. Relatórios como o do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, que alertam para o agravamento de problemas ambientais tais como o aquecimento global, os furacões, tornados e maremotos e as ondas de calor e frio, revelam os efeitos devastadores da ação do homem sobre o meio ambiente. Chamam a atenção para o fato inequívoco de que, a despeito das conquistas já alcançadas na área ambiental, é preciso agir mais rapidamente para conter os impactos ainda maiores que poderão advir da falta de uma consciência individual e coletiva em torno do desenvolvimento sustentável.

Nesse contexto, a educação vem adquirindo, cada dia mais, um papel central e decisivo para promover a tomada de consciência sobre a nossa realidade global e provocar uma reflexão a respeito do tipo de relação que os homens estão estabelecendo entre si e com a natureza e quais os problemas decorrentes de suas ações. Com a criação do conceito de Educação para o Desenvolvimento Sustentável, o mundo deu um importante passo no sentido de implementar ações educativas que dêem oportunidades a todos de aprender os valores, as atitudes e os modos de vida exigidos para uma transformação positiva da sociedade, capaz de assegurar o futuro da humanidade.

A fim de colocar a educação para o desenvolvimento sustentável como uma das mais altas prioridades mundiais, as Nações Unidas vêm empreendendo significativos esforços nas últimas décadas. Já em 1968, a UNESCO organizou a primeira conferência intergovernamental sobre o meio ambiente e o desenvolvimento, a partir da qual foi criado o Programa O Homem e a Biosfera (MAB). Na Rio 92, a Agenda 21 ressaltou o papel fundamental da educação para se alcançar um desenvolvimento com respeito ao meio ambiente. Em 2002, em Joanesburgo, além de reafirmar os aspectos educacionais dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e do Marco de Ação de Dacar do Programa Educação para Todos, a Conferência propôs a Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, que foi proclamada em seguida pela Assembléia Geral das Nações Unidas para o período entre 2005 e 2014.

O objetivo global da Década, coordenada pela UNESCO, é integrar os valores inerentes ao desenvolvimento sustentável em todos os aspectos da aprendizagem com o intuito de fomentar mudanças de comportamento que permitam construir uma sociedade sustentável. Além de valorizar o papel fundamental da educação e da aprendizagem, a Década tem como objetivos: facilitar a criação de redes e contatos entre todos os envolvidos no programa de Educação para o Desenvolvimento Sustentável; fornecer oportunidades para aperfeiçoar e promover o conceito; promover a melhoria da qualidade do ensino ambiental e desenvolver estratégias em todos os níveis, visando o seu fortalecimento.

O programa não se limita ao aspecto do meio ambiente. Apresenta ainda como áreas principais a sociedade e a economia, tendo a cultura como dimensão de base. Isto porque valores, diversidade, conhecimento, linguagens e visão mundial associados à cultura influenciam fortemente o modo de abordar os distintos aspectos da educação para o desenvolvimento sustentável em cada país. O plano inclui também as importantes dimensões oferecidas pelos direitos humanos, pela paz e segurança humana, igualdade de gênero, diversidade cultural e compreensão intercultural, saúde, HIV/Aids, governabilidade, recursos naturais, mudanças climáticas, desenvolvimento rural, urbanização sustentável, prevenção de desastres naturais, redução da pobreza, responsabilidade e deveres das empresas.

O Brasil, por ser um país com grande diversidade cultural, ambiental e social e por ter um forte trabalho de educação ambiental, vem dando importante contribuição na implementação de ações da Década. Um dos exemplos é o Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA), desenvolvido pelo governo brasileiro em parceria com a UNESCO e que tem como uma de suas linhas de ação a cooperação internacional com países africanos de língua portuguesa, entre eles Angola e Moçambique. Pode-se destacar ainda o projeto Gênesis, que utiliza imagens produzidas pelo fotógrafo Sebastião Salgado para, entre outras ações, capacitar formadores em educação ambiental nas escolas.

Ações deste tipo, que devem ser empreendidas, de maneira permanente, por todos os indivíduos, governos, instituições e comunidades, ajudam aos poucos a concretizar o sonho de uma sociedade sustentável. Fazem lembrar as palavras do Diretor-Geral da UNESCO, Koichiro Matsuura: “nosso maior desafio nesse novo século é tomar uma idéia que pode soar abstrata – o desenvolvimento sustentável – e transformá-la em realidade para todas as pessoas do mundo. A Década nos dá a oportunidade de trabalharmos juntos – interdependentemente – para aprendermos a construir um mundo melhor”.

*Vincent Defourny é Representante da UNESCO no Brasil a.i. (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura)

Questão de gênero ou de gênio?

Mulheres no poder: fazendo a vida valer a pena

Roseli Tardelli*

Nós mulheres brasileiras, ainda não chegamos plenamente ao poder, mas estamos muito melhores do que há vinte anos. Mulheres como Ellen Gracie, Heloísa Helena, Dilma Rousef,, Marina Silva, Suely Vilela, Maria Fernanda Ramos Coelho, Luíza Erundina,Roseana Sarney, Marta Suplicy, Denise Frossard, Zulaiê Cobra, Luizianne Lins e Milú Vilela, para ficar em alguns exemplos, ganharam notoriedade, espaço e têm sucesso porque são profissionais de altíssimo nível e ocupam cargos de destaque.

Ellen Gracie é a primeira mulher a assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal. E o seu feito abriu caminho para que mais mulheres possam ocupar não só o Supremo como também outros espaços institucionais importantes. Heloísa Helena, senadora por Alagoas, faz política desde o início da década de 90 e, neste ano, será a primeira mulher na história do Brasil a candidatar-se à presidência da República. Um salto para todas nós, se pensarmos que tivemos direito ao voto a partir de fevereiro de 1932 e conseguimos um mandato eletivo em 1935 quando Maria do Céu Fernandes elegeu-se, pela primeira vez, deputada estadual pelo Rio Grande do Norte. Como deve ter sido seu mandato? Que pressões deve ter sofrido?

A atual ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, foi uma menina analfabeta até os 16 anos, quando ficou órfã e teve de trabalhar como empregada doméstica. Aprendeu a ler no Mobral e, em quatro anos, ingressou na Universidade Federal do Acre, onde se formou em História Em 1988 fundou a CUT, foi a vereadora mais votada em Rio Branco e, em 1990, eleita deputada estadual. Em 1994, foi eleita a mais jovem senadora brasileira, sendo reeleita em 2002 como a mais votada do seu estado.Tem quatro filhos e uma biografia que nos estimula a querer seguir adiante.

Uma outra ministra, esta com perfil mais técnico, trouxe de volta serenidade e profissionalismo ao Palácio do Planalto. Formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a economista Dilma Rousseff foi guindada ao posto de Ministra-Chefe da Casa Civil, depois de uma crise que abalou o governo Lula. À frente da Casa Civl, tem um desafio considerável que encara com discrição e competência. Na Universidade de São Paulo, pela primeira vez uma mulher, Suely Vilela, ocupa o cargo de reitora. As suas posições firmes e a clareza com que expõe suas idéias têm causado polêmica, mas ela nunca se furta ao debate. Nascida no Recife, funcionária do banco há 22 anos, a jornalista Maria Fernanda Ramos Coelho, especialista em finanças empresariais e gestão pública, é também a primeira mulher a assumir a presidência da Caixa Econômica Federal. No Chile já temos até uma mulher na presidência da República: a médica socialista Michelle Bachelet!

O espaço que nós, mulheres, temos conquistado na política, nas empresas, nas universidades, na arte, nos gramados de futebol e em vários outros campos onde antes só existiam homens, são o resultado de um processo em que cada uma de nós deu a sua contribuição. Sabemos sim exercer o poder, discernir, mostrar novas possibilidades. Assim é vida de muitas mulheres que estudaram, investiram em suas qualidades, enfrentaram desafios e ajudam o mundo a ser mais solidário, profissional, humano e cidadão. Conheço um monte delas. Uma lista interminável de mulheres que trabalham, exercem o poder com o coração, e fazem a vida ter outras cores e tons, valendo sempre muito a pena!

Roseli Tardelli é jornalista, apresentadora, produtora cultural e fundadora da Agência de Notícias da AIDS (www.agenciaaids.com.br)

A co-responsabilidade dos brasileiros mais ricos pela diminuição da desigualdade social

A co-responsabilidade dos brasileiros mais ricos pela diminuição da desigualdade social

Vânia Ferro*

O Brasil é um país com níveis de desigualdade incompatíveis com seu potencial de geração de riqueza. A principal razão para o país não ocupar o lugar que merece entre as principais economias mundiais tem a ver com o modelo gerador de desigualdade que o caracteriza. Para que o modelo brasileiro seja de um desenvolvimento sustentável é preciso haver justiça social e envolvimento profundo dos setores que dominam a riqueza do país.

É fundamental que os setores governamental e privado se comprometam claramente com o combate à desigualdade. Mais importante, ainda, é que os indivíduos mais ricos desta nação chamem também para si a co-responsabilidade pelo combate à desigualdade.

Na China, as famílias mais ricas tem contribuido de modo importante para o combate à desigualdade. No Brasil, segundo o economista Márcio Pochmann, as cinco mil famílias mais abastadas controlam 40% da riqueza nacional e poderiam distribuir sua riqueza de forma mais eficaz, investindo em projetos de combate à desigualdade e de transformação social.

Um programa de transformação social para famílias em situação economicamente desfavorável demanda, acima de tudo, capacitação nas mais diversas áreas: liderança, participação, acesso a direitos civis e humanos, formação de agentes comunitários de saúde, nutrição, tecnologia, cooperativismo, elaboração de planos de negócios, entre muitas outras. O engajamento e investimento das famílias mais abastadas em parcerias com organizações da sociedade civil que trabalham em várias das regiões mais empobrecidas do país para desenvolver as capacidades dos jovens e e seus familiares nos diversos aspectos da transformação social, estenderia o alcance destes programas a dezenas de regiões hoje completamente abandonadas.

Famílias abastadas cuja renda vem de atividades rurais podem fazer com que assentamentos rurais tenham sucesso, transformando-os em pequenos empreendimentos sustentáveis, passando um pouco de seu conhecimento às lideranças dos pequenos agricultores. Essas famílias podem reservar parte da cadeia produtiva de seus empreendimentos rurais para ser abastecida por pequenos empreendimentos sociais.

Já nas áreas urbanas, famílias abastadas podem transformar a realidade de bairros periféricos inteiros, financiando a instalação de telecentros, atividades de reforço escolar, atividades esportivas e culturais, pré-vestibulares e educação infantil de qualidade, sempre que possível em parceria com as organizações da sociedade civil e com os governos. ‘

Paralelamente aos programas de longa duração, as famílias abastadas de zonas rurais e urbanas podem financiar ações de transformação imediata, construindo em parceria com as comunidades: infraestrutra sanitária, habitações de qualidade, abastecimento de água potável, postos de saúde e escolas. Em cinco anos, a realidade das áreas de pobreza rural e urbana será outra e as regiões observarão desenvolvimento da economia local.

Todas estas iniciativas só terão resultados favoráveis se forem concebidas e executadas de forma estruturada, ou seja através da constituição de fundações familiares profissionalizadas a cargo de membros gestores das famílias mantenedoras. Em países como os Estados Unidos são comuns as fundações familiares. As famílias mais abastadas costumam dedicar em média 10% de seu patrimônio a seus herdeiros e 90% a fundações criadas por elas ou por outros empreendedores sociais. Esta prática torna as novas gerações mais produtivas, lhes dá incentivo para construir seu próprio patrimônio e lhes torna tão batalhadores quanto às gerações anteriores na condução de suas vidas. O Brasil precisa aprender com os países mais avançados que a distribuição justa da riqueza gerada traz benefícios enormes para o país, principalmente porque produz capital social na medida necessária para o desenvolvimento sustentável.

*Vânia Ferro é professora no MBA do LARC/Poli da Universidade de São Paulo e conselheira do SAMPA.ORG. Entre 2002 e 2004, foi a principal executiva da CARE Internacional Brasil, ONG que combate a pobreza em todo o mundo.

Sim! Sou negra!

Camila Marins

“Por favor, você poderia encher a garrafa de café?”. Foi exatamente isso que ouvi em um evento que fui cobrir destinado a engenheiros e advogados.

Camila Marins


“Por favor, você poderia encher a garrafa de café?”. Foi exatamente isso que ouvi em um evento que fui cobrir destinado a engenheiros e advogados. Apenas respondi à elegante senhora: “Desculpe, mas eu também gostaria de tomar um café. Sabe onde podemos encher?”. Fui cobrir a atividade para fazer uma matéria sobre o pré-sal e a cor do petróleo se fez presente. Sim, sou negra!

Há algumas semanas outro fato interessante aconteceu. Eu estava entrando na minha casa quando a vizinha me abordou e perguntou se eu era a tratadora dos gatos que criamos em casa... Eu disse que não e que morava ali e ela insistiu: “Você mora onde? Aqui no bairro?”. Eu disse não, moro neste apartamento. E ela, um pouco sem graça, continuou a conversa sem eira nem beira e, ao final, ainda me cumprimentou com um beijo no rosto, gesto que não foi feito no início da conversa. Ou seja, tentou contornar a situação com um beijo de Judas.

Agora, nesta segunda-feira passada, estava chegando do aeroporto, vindo de Manaus, com muita bagagem e o porteiro prestativo interfonou no meu apartamento e disse: “Olha só, sua secretária está subindo com um monte de malas, alguém pode ajudá-la?”. Meu amigo questionou se era nossa secretária doméstica e o porteiro disse: “Não, é a Camila”. Então, novamente, eis a confusão. Não me importa ser confundida com secretárias, domésticas ou qualquer outra profissão, o que realmente me importa é a violência do preconceito racial. E a dimensão desta dor poucos conhecem. Ou talvez muitos, já que a maioria de nós faz parte da imensa parcela de excluídos.

E, mesmo diante de situações cotidianas como as descritas acima, nós, excluídas e excluídos, ainda somos acusados de vitimização. Inadmissível, pois só corrobora para a hipocrisia e praticamente ignora o preconceito. Não adianta me dizer que no Brasil não existe preconceito. Existe sim e convivemos com essa dor cotidianamente. Outros ainda me dizem: “Você não é negra. É morena de cabelo cacheado”. Então, me respondam se eu não sou negra, porque sofro preconceito racial incessantemente?

Sim! Sou negra!

Camila Marins é Jornalista


Som de preto, de favelado, e quando toca é criminalizado


Vítima de preconceito histórico, o funk carioca sofre com a repressão policial e com uma imposição temática por parte de empresários

Leandro Uchoas

do Rio de Janeiro (RJ)


“É som de preto, de favelado. Mas quando toca, ninguém fica parado”. O famoso refrão do funk Som de Preto, de Amilcka e Chocolate, tem mais informação do que se pode inferir no primeiro momento em que se escuta. Historicamente associado à violência e à promiscuidade, o estilo musical surgido no Rio de Janeiro a partir da fusão entre sonoridades estadunidenses e brasileiras vive, na capital, momento ímpar. Ao mesmo tempo em que a repressão policial ganha a conivência legal, as letras mais politizadas perdem espaço frente à temática sexual, o mercado cultural sofre um processo de cartelização e os verdadeiros impasses seguem afastados do debate social.


No início de 2008, havia na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro um deputado estadual, ex-chefe da Polícia Civil, chamado Álvaro Lins. Seu principal projeto de lei criminalizava a prática do baile funk através de métodos tortos. Estabelecia regras para a realização de evento cultural que certamente não seriam atendidas pelas atividades ocorridas nas comunidades pobres, mas apenas pelos clubes mais ricos. A lei foi aprovada em tempo recorde: três meses. 69 deputados votaram a favor e um contra.


Pouco depois, Álvaro Lins foi cassado a partir de denúncias do mesmo deputado responsável pelo voto solitário, Marcelo Freixo (Psol). Acusado de formação de quadrilha, facilitação de contrabando, lavagem de dinheiro e corrupção ativa, o ex-policial terminou preso. Seria solto apenas em maio deste ano, através de um habeas corpus. A lei que aprovou, entretanto, permanece em vigor, embora nenhum deputado admita formalmente concordar com ela.


Nos grandes clubes, a lei não é problema. As exigências que se faz (aprovação policial no prazo de 72 horas, banheiros químicos etc.) são facilmente cumpridas em locais em que o ingresso é caro. Nas favelas, onde o estilo nasceu e tomou corpo, só se faz baile funk nos horários em que a polícia não entra. O estilo musical foi novamente guetificado, favorecendo a ocorrência dos proibidões (bailes para exaltar líderes de tráfico) e a exclusão cultural.


Em comunidades onde houve ocupação policial, através das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), a situação é mais grave. Oriunda da Colômbia, onde teria sido responsável por redução nos índices de criminalidade, a política é amplamente elogiada pelos veículos midiáticos cariocas. Apenas quem vai até as comunidades ou tem acesso a fontes alternativas de informação conhece a realidade de fato. Nessas favelas, o funk está proibido. Bailes-funk na comunidade que mais revelou artistas, Cidade de Deus, ou no tradicional Pagorap do Santa Marta foram extintos.


No interior do estado, segundo MC Tojão, o ritmo teria sido “completamente proibido”. No dia 14 de junho, a Associação dos Profissionais e Amigos do Funk (Apafunk) organizou uma roda de funk na Cidade de Deus. Após negociações com a polícia, conseguia-se romper com um período de oito meses sem baile funk, e sem qualquer outro evento cultural. O presidente da associação, MC Leonardo, denuncia que, no local, “se o sujeito faz uma festa em casa e coloca funk, a polícia invade. Se tiver um carro e tocar funk, é multado”.


A Apafunk vem realizando uma série de eventos para denunciar o problema. Já houve rodas de funk na Central do Brasil, no morro do Dendê e na Cidade de Deus. O próximo está marcado para o Santa Marta, onde o incansável rapper Fiell luta para romper a barreira midiática, fazendo conhecer o boicote policial a manifestações culturais.


Desmobilização social

“O problema para eles não é o funk, é a favela. É ter um movimento organizado, da favela, da periferia, feito por negros. É quando você começa a dar voz a essas pessoas, a criar um discurso. Isso chega lá em cima”, denuncia o documentarista Fernando Barcellos, morador de Cidade de Deus. A professora Adriana Facina (UFF), com pós-doutorado em funk, reforça a tese de Fernando. “A cultura emerge como arena da luta de classes, como um espaço de disputa por hegemonia e de formulação de visões de mundo contra-hegemônicas”, escreveu em artigo.


Autor do premiado “Se Todos Fossem Iguais”, Fernando denuncia a atuação policial em sua comunidade como criminalização da pobreza mascarada de política de inclusão. “A cultura aqui está morta, não existe. Aí eles vêm querendo pintar os prédios. Estética? Eu quero cultura. Eu quero pensar, eu quero ler, eu quero ser inteligente”, protesta.


A Apafunk nasceu em 2008 para lutar pelos direitos dos funqueiros e contra a associação entre funk e violência. Boa parte dos integrantes faz denúncia social pelas letras. Os que surgiram com o movimento, no início dos anos 90, foram perdendo seu espaço na mídia para os artistas de temática mais voltada à sexualidade. “Quando me dizem que gostam ‘daquele funk’ antigo, eu digo que ele ainda existe. Ninguém parou de compor. A gente só parou de ser tocado”, protesta o MC Leonardo, de sucessos como o Rap do Centenário e o Rap das Armas e colunista da revista Caros Amigos.


O funk sensual encontra ampla aceitação em todas as classes sociais, mas seu sucesso não seria a única causa do boicote às letras mais politizadas. Os dois principais escritórios que agenciam os funqueiros, a Big Mix do DJ Marlboro e a Furacão 2000 de Rômulo Costa, apostam quase exclusivamente em artistas que adotam o sexo como temática principal. Alguns MCs chegaram a mudar o estilo para ganhar mercado. “Muitos dos que hoje ‘mandam a novinha sentar’ têm rap de cunho social”, ironiza MC Leonardo.


Cartel capitalista

Os militantes que se reúnem em torno da Apafunk não condenam a temática sexual. “O funk é um tipo de musicalidade ligado à diáspora africana, de maior estimulo à dança, ao corpo, à sensualidade”, diz Adriana. Na verdade, a crítica que fazem volta-se ao monopólio do mercado e ao asfixiamento da diversidade do funk. São unânimes em denunciar o cartel formado pelos escritórios de Marlboro e Rômulo.


Os empresários, hoje milionários, controlam não apenas a produção e distribuição, mas também os mecanismos de difusão. Os principais programas de rádio e TV também são controlados por eles. Nos contratos com os artistas, a exploração é de dar inveja aos maiores empresários da história da música nacional.


No contrato relativo ao fonograma, por exemplo, enquanto Marlboro cobra 96% do valor, entregando apenas 4% ao artista (ou à dupla), Rômulo cobra 100% dos lucros. Vitalício, o contrato é imposto como documento padrão. A exploração é reproduzida também nos shows, onde ambos ficam com o lucro quase total. “Você não vê o dinheiro voltar para a favela, onde estão os artistas. Não se ganha dinheiro” protesta MC Junior, irmão e parceiro musical do MC Leonardo.


Também se denuncia o controle midiático dos empresários. “O Marlboro só toca quem assinou contrato com ele. Se você chegar para ele com uma música maravilhosa, vai ter que assinar, senão não toca na rádio. Isso é crime. Rádio é uma concessão pública”, diz MC Leonardo. “Durante décadas a música brasileira sofreu com isso, na mão de presidente de Sony, de Polygram. Impunham o que o povo queria ouvir. O monopólio do funk está agindo da mesma forma que eles”, compara.


Também haveria artistas de sucesso fabricado pelos empresários. O produtor DJ Amazing Clay confessa que existem, “embora sejam raros”. No mesmo ritmo em que cresce o cartel e a repressão, também se organiza a resistência. A Apafunk tem se estruturado e ganhado respeito de setores dos meios político e cultural. Se vingar sua luta contra os preconceitos e os bloqueios policiais e empresariais, o Rio de Janeiro talvez venha a orgulhar-se de ter apresentado ao país mais um movimento cultural.

Fé, cultura e presença feminina no congado brasileiro


No dia 11 de outubro, o colorido das fitas alinhadas entre os postes de luz enfeitou a rua para a grande festa da cultura negra em Sete Lagoas (MG)

Kelen Vanzin

de Sete Lagoas (MG)


congado_mgAs guardas vêm chegando e tomam conta da rua, no bairro de Santo Antonio, em Sete Lagoas, Minas Gerais. O colorido das fitas alinhadas entre os postes de luz enfeita a rua para a grande festa da cultura negra. A música e a dança dos Moçambiques e Congadeiros chamam a atenção de toda a comunidade. Entre cumprimentos abençoados por reis e rainhas, os integrantes das Guardas de Congo Femininas Nossa Senhora Aparecida e Santa Joana D´Arc, as Guardas de Congo Santa Rita e União do Rosário São Cristóvão, e os Moçambiques Nossa Senhora Imaculada Conceição e Nossa Senhora da Abadia se confraternizam no domingo de 11 de outubro.


Dona Eliana da Silva, anfitriã da festa, com a ajuda da comunidade, enfeitou o seu terreiro com fitas de todas as cores, preparou almoço para receber mais de 300 pessoas. Há 53 anos, ela participa do congado. Filha de congadeiro, seu Geraldo Cardoso, manteve a tradição da família e em 1994, fundou a segunda guarda Feminina de Sete Lagoas, chamada Rosário Nossa Senhora Aparecida.


A religiosidade é a grande motivadora do congado, que mescla a cultura negra com a religião católica. É uma dança, acompanhada de cortejo compassado, levantamento de mastros e músicas que louvam a santos. A sua origem remonta à diáspora e escravidão dos negros, como explica a antropóloga da Fundação Cultural Palmares, Taís Garone. Ela conta que no período de intensas guerras no Congo e em Angola, Nossa Senhora do Rosário apareceu no mar desse país. Os brancos tentaram resgatá-la com missas, novenas, bandas de música, mas a santa só aceitou retornar a terra pelos negros, trazendo a paz e a união para os países. No tempo da escravidão no Brasil, Nossa Senhora do Rosário apareceu novamente nas águas do mar. Da mesma forma, foi resgata pelos negros para pôr fim às torturas e maus tratos do eito da escravidão. Desde então, tornou-se companheira e entidade protetora do povo negro, afirma Taís.


“Para mim o mais importante do congado é Nossa Senhora do Rosário”, conta um dos mais antigos congadeiros de Sete Lagoas, seu Heber Luiz da Fonseca, 65 anos. Ele brinca que ainda no ventre de sua mãe já participava do congado. Seus pais fundaram a guarda Santa Rita, em 1943. Em Sete Lagoas, existem 24 guardas de congado e sete de Moçambique. A cidade é uma das principais mantenedoras da cultura no estado de Minas Gerais. Outra peculiaridade de Minas é a devoção a mais dois santos: Santa Efigênia e São Benedito.


A fé movimenta as comunidades que apóiam o congado com doações, roupas, instrumentos musicais. Na festa de dona Eliana, as guardas representam os bairros Santo Antonio, Catarina, Nossa Senhora da Graça, São Cristóvão e Santa Luzia. “O congado não existe sem uma comunidade. Ele é uma manifestação direta do povo, de suas crenças e da cultura negra”, explica Taís Garone.


A comunidade incorpora os personagens de reis, rainhas, coroados, portas-bandeiras, juízes, capitães-regentes, alferes, dançantes, acompanhantes, cantadores, caixeiros que, juntos, formam uma guarda de congo ou de Moçambique.


Em média, cada guarda possui mais de 40 componentes. Os reis são os representantes da tradição, da espiritualidade. O capitão-regente comanda a música e a dança tanto no Congo como no Moçambique. Cada grupo se distingue por seu ritmo, instrumentos, coreografias. Enquanto a guarda de congo é mais lenta, com formatação definida, cantada por sete vozes, o Moçambique é mais agitado e seus integrantes formam um coro musical. As guardas de congo possuem instrumentos de corda e de percussão como: viola, adufe, caixas, tambores, maracas. Já o moçambique possui apenas instrumentos percussivos como o treme-terra, a folha e a gunga (também chamada de campanha, uma espécie de chocalho fixado nos pés dos integrantes).


A porta-bandeira leva com orgulho o nome do santo protetor. E a porta-estandarte, a bandeira com o nome da guarda. Os demais integrantes do Moçambique enfeitam-se com uniformes coloridos, terços, guias, boinas, saiotes, calças, coletes, camisas. Já a guarda de congo usa um uniforme de inspiração naval composto de calça, camisa e um cap.



Origens e modificações do congado no Brasil

congado_mg2O congado surge no Brasil com a vinda da primeira leva de escravos da África por volta de 1549. Os negros trouxeram sua cultura contagiante que se espalhou pelo país. Há manifestações de congado em todos os estados brasileiros, porém não há ainda um mapa das guardas brasileiras. A região sudeste mantém a grande maioria. Em Minas Gerais elas são aproximadamente quatro mil. Destacam-se as guardas de congo de Sete Lagoas, Paraopeba, Bom Despacho, Montes Claros, Abaeté, Piedade do Rio Grande.


No Estado mineiro, o registro mais antigo das tradições do congado é de André João Antonil (pseudônimo do padre jesuíta João Antônio Andreoni), que esteve em Minas de 1705 a 1706. Ele regustrou as primeiras festas em sua obra Cultura e Opulência do Brasil, publicada em 1711. Para os congadeiros de Sete Lagoas, o congado chegou às terras mineiras através de Chico Rei de Vila Rica. Segundo eles, Chico Rei era um rei africano, trazido como escravo para o Brasil, especificamente para a Vila Rica, de Ouro Preto, no século XVIII. Ele comprou sua alforria e começou a explorar uma mina já desativada. Havia ainda muito ouro e o rei- escravo ficou rico e libertou os demais. Como grande devoto de Nossa Senhora do Rosário, pagou sua promessa organizando a primeira festa em homenagem à santa em 1747.


No Brasil, uma das principais modificações do congado é a participação direta da mulher nas guardas, avalia a antropóloga, Taís Garone. A mulher tradicionalmente sempre cozinhou para as festas, costurou os uniformes, limpou os terreiros, mas nunca pôde integrar uma. Há aproximadamente trinta anos, segundo Taís, elas conquistaram o seu espaço e passaram a dançar e cantar nas guardas.


Dona Eliana, primeira mulher a fundar uma guarda em Sete Lagoas, afirma que ainda há preconceito, principalmente com as que tocam os instrumentos. A influência masculina é tão forte que mesmo ao se tratar de uma guarda do sexo oposto, cabia ao homem fundá-la. Foi o caso da primeira guarda feminina de Sete Lagoas, a Santa Joana D´Arc criada em 1990, por seu Juvenal Martins. Para seu Heber da Fonseca, o machismo aos poucos dá lugar ao respeito à presença feminina. Na Guarda Santa Rita, a mais antiga de Sete Lagoas, elas ganham espaço gradativamente. Hoje dos 55 componentes, 20 são mulheres.


Premiações

congado_mg1O ritmo e a dança do congado contagiam brancos e negros sem distinção. O seu reconhecimento é cada vez maior com premiações nacionais e estaduais. Neste ano, a Associação Regional dos Congadeiros de Sete Lagoas teve o projeto Ponto de Cultura Cecília Preta aprovado no Edital de Pontos de Cultura de Minas Gerais/2009, uma parceria entre a Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais e do Ministério da Cultura.


Com o projeto, a entidade, a partir do próximo ano, deverá oferecer cursos e oficinas para a comunidade. A expectativa é suprir as principais demandas das guardas que são uniformes e novos instrumentos musicais.


O congado de Sete Lagoas tem na figura de Dona Eliana uma de suas grandes representantes. Em 2007, ela foi uma das vencedoras do prêmio Culturas Populares do Ministério da Cultura, edição “100 anos de Mestre Duda”. Dona Eliana concorreu com mais de 300 pessoas de todo o país. Ela conta que até o momento, esse foi o mais marcante de seus 53 anos de congado. “Era uma quarta-feira, lembro até hoje, comentei com minha irmã: eu vou ganhar este prêmio porque tenho fé em Nossa Senhora Aparecida, que é mãe e não madrasta e ela vai me ajudar. Na sexta-feira eles me ligaram para anunciar a minha vitória”.


Para ela, o congado leva muita coisa boa às pessoas: a religiosidade, muitos milagres, alegria, cultura, educação, solidariedade, respeito e principalmente fé numa vida melhor.

Conheça o Blog do Eus-R: Click »» http://eusr.wordpress.com/ - Conheça mais um espaço de dialogo da Cultura Hip Hop e do Rap. Um Abraço!



Movimento hip-hop busca rearticulação e trabalho social



Movimento hip-hop da Grande Curitiba coloca em pauta o trabalho com a juventude e a necessidade de articular os grupos com o trabalho social e militância

Pedro Carrano,

de Piraquara (PR)

A imagem próxima da Serra do Mar. O centro de Piraquara, feito de casas de muros baixos, casarões antigos e abandonados, uma tranqüilidade que quase confunde e destoa da imagem da Região Metropolitana de Curitiba, geralmente marcada pela violência, pela exclusão extrema, apesar de resultado do planejamento urbano da capital. Os vagões da corporação América Latina Logística (ALL) cortam por ali, carregando mercadorias de transnacionais como a Bunge, para contornar várias regiões da periferia, oferecendo risco aos moradores e ações de despejo às margens dos trilhos.

A região de Piraquara não foge à regra. Também esconde bolsões e vilas, em contraste com a imagem de capital modelo para o resto do país. No domingo (dia 22 de novembro), cerca de 12 grupos do movimento hip-hop, dos quatro cantos de Curitiba, promoveram um evento cultural, dentro de uma modalidade do rap e do grafite que continua apostando nas letras de conteúdo político. E na inserção social.


hip hopQuem estava ali pode ser considerado sobrevivente, em vários sentidos. O encontro contou com a presença de uma geração com pelo menos 10 anos de estrada no hip-hop curitibano, quando o movimento despontou na cidade com um discurso forte sobre o “quinto elemento” do hip-hop, o trabalho social. Naquele momento, esta geração pautou a mídia corporativa, apresentando uma juventude excluída que os setores médios curitibanos julgavam inexistente. É o caso dos grupos Artivistas, Cre Rapper, Will Capa Preta, Aliados Linha de frente, todos se reencontrando.


“Eu também, de jovem, tinha esta sede de justiça”, exclama “Digão”, do grupo Aliados Linha de Frente – auxiliar de produção, desempregado e “empregado a partir do dia primeiro”, como diz. Ele lembra o início de todos eles: um espaço nos shows antes da entrada no palco dos Racionais. Uma geração inteira formada nas letras do grupo de São Paulo.


Hoje organizam-se nacionalmente no Movimento Hip Hop Organizado do Brasil (MH2O), ao lado de outros 14 estados. Os grupos participam também na construção da Assembleia Popular de Curitiba.


Neste meio tempo, este hip-hop, mais comprometido, passou por dificuldades. Houve um descenso. Cooptações e desistências. Alguns resistiram. Uma das barreiras? A violência, a bebida e o crack, que avança sobre esta juventude. No encontro, cerca de quarenta pessoas reunidas. Pouco ainda, mas o objetivo ali era o trabalho com a juventude. E isto quis dizer criar um espaço para as crianças da comunidade. “O público que queremos atender são os jovens, trabalhar na parte de prevenção e informação, para que futuramente sejam militantes das nossas causas. Tentamos passar uma linha de hip-hop mais social e política, em prol de uma causa. O hip-hop é uma cultura americanizada, mas que teve um contexto de protesto. Por isso trabalhamos com informação política e responsabilidade social e ambiental, para mudar algo neste país”, afirma “Julião”, do grupo Aliados Linha de Frente.


O jovem "Cré Raper" hoje trabalha com o estilo de rap gospel. Ele admira e conhece os experimentalismos da nova geração do rap (misturas com o samba, rock), e demarca posição na relação entre hip-hop e a luta social. “Estamos na cena desde 1997, muitas coisas mudaram, inclusive a questão da ação social dentro do hip-hop, alguns grupos se identificam mais, outros estão fazendo shows para fora do Estado. (...) A coisa se profissionalizou. Encontros como este de hoje são oportunidade de ver que o hip-hop tem a essência de Tiradentes, Malcom-X, Che Guevara, Jesus, esta é a essencia do hip-hop, dos verdadeiros revolucionários, revolução que não vai vir através de uma arma, mas do amor”, enumera.

SK8 - Adrenalina



Jovens e Adultos Esporte conquista de todo o Mundo décadas há. Mesmo assim, preconceito contra praticantes Persiste


Alex Araújo e Miguel de Oliveira, do Virajovem São Paulo (SP) * e da Plataforma dos Centros Urbanos (14/05/2010)

Em 1950, surfistas da Região conhecida Como Dogtown, Na Califórnia (Estados Unidos), tiveram Uma ideia inovadora em tempos de maré baixa: Por que não "também" surfar no asfalto? Para concretizar o Projeto, rodas e tiraram Eixos de patins e Portas em OS pregaram de Guarda-Roupas serrado. Estava dada uma largada Para o surfe das Ruas, o skate! Essa nova MANEIRA de surfar Foi Chamada de calçada surf. Na época, porém, uma Novidade Não Aceita em Bem foi. Por Algum tempo, o skate Foi lembrado Apenas Como Uma brincadeira Para os dias de maré baixa.

A Partir dos anos 1960 Mudou isso, QUANDO OS Jovens de Dogtown Voltaram a sobre andar uma prancha com rodas. Foi aí Que o Movimento Deixou de Ser Visto Apenas Como Uma brincadeira Seu Espaço e conquistou.

O Skate e Composto Por Várias Modalidades, Como estilo de rua, salto em altura, freestyle, Entre outros (veja caixa). É UM considerado esporte radical, Já Que o esportista com Executa uma prancha (forma) Manobras Baixos e com altos graus de Dificuldade.

Em 1965, como Surgiram Primeiras Competições de skate, Mas o esporte se popularizou Mesmo Pelo Mundo na década seguinte. Os Melhores skatistas passaram um Ser conhecidos, começaram Sair em revistas e um Ser Patrocinados Por Marcas de Roupas.

Skate é praticado por adolescentes e adultos

Apesar da Popularidade, É Difícil viver do esporte no Brasil, Mesmo Profissionais parágrafo skatistas. "Nenhum esporte reconhecido no Brasil é, Apenas o futebol. Temos Que Trabalhar parágrafo nsa sustentar sem skate, Pagando Viagens e hospedagens n Participar de Competições. Isso acontece Devido a Falta de Empresários de Incentivo e Até do" Governo, desabafa André Bozato, OU Magriça, skatista de 31 anos de São Paulo (SP), que trabalha Como técnico de informática e participação de Diversas Atividades Relacionadas ao Esporte.

Lições do skate
Magriça Começou a andar de skate EAo 12 anos e Diz Que tão Pará "QUANDO O Corpo Não aguentar Mais OU QUANDO Deus Quiser". Ele Aprendeu com um andar OS velhos meninos Mais do bairro e se apaixonou perdidamente. Para ele, o esporte funciona Como Uma terapia. "Além de exigir Muito condicionamento físico, trabalha com o skate uma Mente. Após estressante dia um, é ele Uma Válvula de escape, uma Ajuda Pensar Direito" completa. Segundo Magriça, ensinou o o skate Também a Ser Cidadão, a ter humildade e companheirismo.

Como Manobras radicais levam uma Vezes muitas quedas, e parágrafo Magriça Esses momentos São Fundamentos de Pessoal n º crescimento. "QUANDO VOCÊ Uma manobra erra, cai direto no concreto OU asfalto, Mas CRIA Levantar n coragem e tentar Novamente Executa-la com perfeição, isso serve Como Lição de Vida".

Também Essa É A Opinião do skatista iniciante Michael de Oliveira, de 16 anos, o "Preto". "Não é só diversão, Liberdade e, eu Onde para para com o skate estarei feliz", conta o estudante. Seu amigo Alex dos Santos, de 17 anos, também adora uma sensação proporcionada pelo "Carrinho": "Sinto-me livre de Tudo e de Todos QUANDO ando de skate", comenta o Jovem comecou, Que um andar de skate EAo sete anos.

Os skatistas concordam Que Ainda EXISTE preconceito contra o skatista no Brasil. Segundo Magriça, menor É Ele faz anos Que nsa era 1990, "Quando a Polícia chegava um Pegar o skate do menino e levá-lo Para a delegacia, obrigando OS pais uma Buscar o Carrinho". Ele Diz Que Nos dias de hoje ALGUMAS melhoraram Coisas, ja Que Passou o tema com uma ABORDADO Ser Frequência Pela Mídia, Mas Ainda TEM gente Que Diz Que Skate e Coisa de Criança Ou de desocupado. "Trabalhar Já escutei Pessoas dizendo: Vai!, Que sem saberem Para muitos dos médicos são skatistas, engenheiros, psicólogos. ALGUNS São Até prejudicados NAS Competições Por Não Terem treinar n º tempo".

No caso dela fóruns de Preto, o preconceito contra o esporte Aconteceu dentro de casa, e Também. "Sempre me falavam Que skatistas São OU maloqueiros drogados. Os policiais Que me viam com o skate Já me olhavam Outros Olhos com, POR CAUSA das roupas minhas e Também Por Ser negro eu".

Mas Preto tira de letra Desafios sos E não desanima. Como veterano da UM, da SUAS Dicas parágrafo Quem Quer se iniciar qualquer esporte: "Não Deixe estudos SEUS, SUAS RESPONSABILIDADES Nem Por Causa do skate. E uns dos mandamentos Fundamentos de - Não use drogas em hipótese nenhuma!", Alerta. Magriça Faz coro: "Ande de skate e divirta-se, Prazer Por semper. Tenha humildade e estude bastante".

Conheça como Modalidades do skate

modalidades do skate

* Um dos Conselhos Jovens da Vira Presentes em 22 e não ESTADOS Distrito Federal (sp@viracao.org)

Conteúdo da edição impressa da Vira de abril (n º 61)

A cor sumiu


Edson Lopes Cardoso
edsoncardoso@irohin.org.br

Como se trata de raridade, registramos que na segunda-feira (10.05.2010) editorial da “Folha de S. Paulo” fez alusão a diferenças raciais. O assunto tratado no editorial era recente descoberta de pesquisadores alemães, que afirmaram poder concluir, com base em evidências genéticas, que, entre 80 e 50 mil anos atrás, o Homo Sapiens, nossa espécie, teria cruzado com o Homem de Neandertal.

O editorial conclui afirmando que nós, humanos, somos na verdade formados por centenas ou milhares de outros cruzamentos com diferentes tipos ancestrais e que as diferenças raciais seriam apenas marcas de superfície. Sob a aparência de distintos traços fenotípicos, afirma a Folha, somos todos humanos.

Os termos ‘aparência’ e ‘superfície’, em oposição a uma essência profunda definidora da espécie, são, obviamente, termos de menor valor nessa hierarquização, com a qual o editorial da Folha chama nossa atenção para a irrelevância das distinções raciais.

Essas distinções consideradas “irrelevantes” e “superficiais” vêm sendo sistematicamente omitidas pelo noticiário da grande mídia, com raríssimas exceções. O editorialista da Folha talvez tenha considerado o cruzamento com neandertais, extintos há mais de 25 mil anos, uma temática esvaziada de tensões e conflitos, ao menos daqueles que envolvem a luta política pela manutenção de privilégios que caracterizam a realidade brasileira.

Influenciada por essas posições, a reportagem “PMs são presos acusados de matar mais um moboy” (mesma edição da Folha, p. C1) silencia sobre a cor de Alexandre Santos, executado por quatro policiais militares na frente de sua própria casa e na presença de familiares.

Na presença dos corpos negros sacrificados em todo o país, como sustentar uma argumentação que considera a cor da pele uma distinção irrelevante? Como apagar o fato de que “marcas de superfície” decidem o destino das pessoas?

No dia 24 de maio de 2009, Maxwill de Souza dos Santos, jovem negro de 21 anos, foi assassinado por policiais militares em Brás do Pina, Rio de Janeiro. A reportagem de Rubem Berta e Taís Mendes (O Globo, 26.05.2009, p. 13) não fazia alusão à cor de Maxwill. O fotógrafo Ricardo Leoni, porém, registrou imagem da mãe da vítima, com foto do filho numa mão e cápsulas de balas na outra.

Cristiano de Souza, negro, 17 anos, interno do Educandário Santo Expedito, em Bangu, Rio de Janeiro, foi torturado e assassinado, com a participação de diretores da instituição, em 10 de novembro de 2008. A reportagem de Marcos Nunes (O Globo, 31 de março de 2010, p. 21) nada nos diz sobre a cor de Cristiano, mas o fotógrafo Fabiano Rocha registrou foto da mãe da vítima tendo nas mãos a imagem do filho.

Não sabemos até quando os fotógrafos dos grandes jornais continuarão nos informando sobre irrelevantes marcas de superfície. Há, evidentemente, uma censura que alcançou as palavras, mas ainda não cerceou de todo as imagens.

No raciocínio da Folha, o humano é uma essência, de aparência descartável. O problema é que o racismo considera relevante, na definição do que seja humano, exatamente os elementos da aparência. E foi com base nessas distinções de aparência que nos organizamos como Estado e como sociedade de privilégios desumanos. Silenciar sobre a aparência das vítimas é contribuir para negar o papel decisivo da cor nesses crimes de ódio que se multiplicam em todo o país.

O censo de 2010 inclui a questão sobre cor/raça no questionário universal. A Folha considera essa pergunta irrelevante. A Folha é uma das grandes empresas de comunicação do país. Abra o olho.

13 de maio: da Leia Áurea à essência escravocrata da direita


No ano de 1983, uma foto estampada na primeira página do Jornal do Brasil renderia ao seu autor, o repórter-fotográfico Luiz Morier, o Prêmio Esso de fotojornalismo. Nela, um grupo de negros atados pelo pescoço por uma corda é levado pela polícia, após uma das frequentes batidas em favelas do Rio de Janeiro.

Por Gilson Caroni Filho*, na Carta Maior

Assemelhando-se àquelas pinturas do século 19, em que aparecia o capataz com seu chicote ao lado de escravos amarrados, a fotografia de Luiz Morier era encimada por um sugestivo título: "Todos negros" A pergunta remete a duas questões que permanecem dolorosamente atuais: por que a data referência da libertação dos negros continua sendo o 13 de maio e qual é seu exato significado?

Talvez o questionamento mereça mais desdobramentos. Por que a crença de que vivemos numa democracia racial permanece tão enraizada no pensamento da maioria da população brasileira quando, ao nos determos no cotidiano social deste país, percebemos as profundas desigualdades que ainda envolve distintas etnias? A constatação de que os negros e não-brancos em geral são aqueles que possuem empregos menos significativos socialmente não seria evidência suficiente para demolir de vez um imaginário construído ao longo de dois séculos?

Apesar do contrapondo estabelecido pela criação do dia da Consciência Negra, permanece o costume frequente de nos curvamos diante do ritual do 13 de maio. A mesma elite que não aceita políticas de cotas, que protela a sanção do Estatuto da Igualdade Racial, enaltece a libertação dos escravos como início de uma nova era de liberdade. Sequer se dá conta de que notórios abolicionistas como Nabuco, Patrocínio, Rebouças e Antônio Bento, entre outros, afirmaram que a abolição só se cumpriria de fato com a reforma agrária e a entrada dos trabalhadores num sistema de oportunidade plena e concorrência.

Mesmo os setores mais progressistas, ao denunciar as condições sócio-econômicas dos negros depois de 122 anos de abolição, justificam a situação atual como resquício do passado escravo. Isso explicaria a permanência de mecanismos não institucionais de imobilização que atingem o segmento negro da população, produzindo distâncias sociais enormes, jamais compensadas? Ou é cortina de fumaça para preservar a aura de “bondade" da princesa branca?

Estudos feitos sobre a época da chamada Abolição mostram que 70% da população dos escravos já estavam livres antes de 1888, ou por crise econômica de algumas frações da classe dominante ou por pressões dos próprios negros, através de lutas, fugas e rebeliões.

A Lei Áurea foi, na verdade, uma investida bem sucedida das elites pelo controle político de uma situação que lhes fugia das próprias mãos. Sua eficácia ideológica pode ser atestada até hoje com os festejos do 13 de maio.O que é um indicador preciso da recorrente capacidade de antecipação política da classe dominante continua sendo percebido como " gesto magnânimo", exemplo da cordialidade vigente em nossa história política. A teoria dos resquícios (que de fato existem) tenta ocultar um fato relevante: os mais de um século de modo de produção capitalista e seus mecanismos de exclusão da população negra não permitem jogar todo débito na conta do passado.

Como observa Fátima do Carmo Silva Santos, secretária da União Negra Ituana(Unei), a Lei Áurea foi na verdade um passo importante, mas como veio desacompanhada de reformas estruturais, resultou em "uma demissão em massa do povo negro, já que eles não tinham emprego, educação ou qualquer condição de conseguir um trabalho que não fosse com os seus senhores em troca de um teto".

Embora o processo de desestruturação do mito da “democracia racial" tenha avançado muito nos últimos anos, no terreno da luta social e política perdura um grande atraso a ser superado. Cabe à República completar a Abolição com políticas públicas eficazes. Enquanto tivermos um Demóstenes Torres (DEM-GO) responsabilizando os ex-escravos por sua própria escravidão — e publishers escravocratas pagando a capatazes magnolis para descer o açoite em jornalistas que noticiaram o fato —, é fundamental que usemos a data para destacar a dimensão cultural, a construção social e ideológica de “raça" como elementos reprodutores de desigualdades sociais perpetuadas.

É a única comemoração possível em Paços Imperiais que, desde 1888, alforriam as más consciências de uma elite incapaz de elaborar projetos republicanos. As mesmas que criminalizam o MST para manter inalterada a estrutura fundiária que vem da Lei de Terras, aprovada em 1850. As mesmas que acham possível falar em libertação sem nenhuma política de inserção aplicada. O condimento neoliberal não esconde a essência escravocrata da direita brasileira. É bom pensar nisso em outubro.

* Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil

Bienal abre as portas para o vandalismo que pretende ser arte

Por Milene Chaves


Funcionária da Bienal tenta deter pichador em ataque ao evento, em 2008. Episódio terminou em convite oficial. (Foto: Choque/Folha Imagem/Folhapress)

A 29ª Bienal de Arte de São Paulo está marcada para setembro e vai tratar do tema arte e política. Para fazer companhia a obras de nomes consagrados como Cildo Meireles, Lívio Tragtenberg e Luiz Zerbini, os curadores do evento convidaram dois pichadores e um fotógrafo do "movimento do pixo", (grafia adotada pelos integrantes). Os três são os mesmos que, em 2008, estiveram no ataque às paredes da faculdade Belas Artes, às obras da galeria Choque Cultural e à própria Bienal.


Ao abrir as portas da frente para acolher os pichadores, os organizadores oficializam: é arte aquilo que o estado considera vandalismo. De acordo com a Lei de Crimes Ambientais (nº 9.605), quem "pichar, grafitar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano" está sujeito a pena de prisão que varia de três meses a um ano, além de multa. Em prédios tombados, a punição é mais severa: vai de seis meses a um ano.

Na exposição, Pixobomb, Cripta Djan e Choque não vão sujar as paredes do prédio de Oscar Niemeyer. "Vamos pensar em formas de documentação, em vídeos, fotografias e desenhos, que não se confundem, mas remetem ao que está na rua", diz Moacir dos Anjos, um dos curadores-chefes. "Pichar seria esvaziar a expressão do que eles fazem e que têm de mais forte, como ocorreu com o grafite", completa.

Grafite, bem lembrado - A atividade foi ganhando, a partir da década de 2000, as limpas paredes de museus e galerias de arte. A dupla osgemeos, dos irmãos Otavio e Gustavo Pandolfo, é o nome mais forte da categoria. No Brasil, eles são representados pela Fortes Vilaça desde 2006 - ali, uma tela de 2 x 1,60 m alcança o valor de 45 mil dólares; no exterior, já são renomados. Em 2008, foram convidados a pintar um painel gigante na fachada da Tate Modern, de Londres.

No mesmo ano, e numa interessante manobra inversa, osgemeos e os colegas Nunca, Nina, Finók e Zefix receberam autorização da prefeitura da cidade de São Paulo para pintar um painel na avenida 23 de maio, uma das mais movimentadas da cidade.

Custeada pela Associação Comercial de São Paulo, que desembolsou cerca de 60 mil reais para pagar por materiais, a pintura foi devidamente pichada pela mesma trupe da mostra, que condena os exercícios mercantis e/ou qualquer expressão encomendada dessa nova arte - ainda que, segundo a prefeitura, eles não tenham ganhado nada pelo serviço. Os pichadores, que atacam como uma forma de chamar a atenção da O painel grafitado na avenida 23 de  Maio, em São Paulo. (Foto: Fernando Moraes)sociedade para a sua condição de excluídos, parecem não perceber - ou fazem vista grossa - para o fato de que, ao entrar oficialmente na Bienal, o pixo deve passar pelo mesmo processo de higienização do grafite. Não há de ser exagero dizer que, logo mais, alguns sortudos deles começarão a receber convites para pichar a preço de ouro.

"Arte como crime, crime como arte" - A história toda tem sabor estranho. A começar pela Bienal, que justifica o convite partindo de um discurso que inclui palavras como "discutir", "dialogar" e "incluir", dando pistas de um comportamento mais demagógico do que arrojado. Foi por meio do Ministério da Cultura que os pichadores foram apresentados aos curadores. Dos Anjos é enfático ao dizer que o convite não foi uma sugestão da pasta: "Se nós nos dispusemos a discutir arte e política, faz parte desse escopo tentar entender o que os pichadores fazem na cidade. É complicado, é difícil, é problemático, mas ninguém disse que seria fácil". Nesses termos, tudo fica com cara de "Bienal para a burguesia ver".

Prédio pichado, também na avenida 23 de Maio, em  foto de 2003. (Foto: Rogério Albuquerque)No que concerne aos pichadores, a coisa não fica menos contraditória. Eles lutam pelo status de artistas, porém não abrem mão do lema "arte como crime, crime como arte". Querem o reconhecimento de seu trabalho, sem deixar de escalar prédios e fugir da polícia, para que sua obra continue sendo radical - ou, como eles gostam de explicar: "o grito mudo dos invisíveis", "terrorismo poético". Com razão, para manter o teor político do pixo, é preciso que a cidade acorde com uma nova e ousada inscrição, feita às escondidas na madrugada. Se reconhecidos como grandes mestres, vão pegar o elevador para assinar seus nomes nos topos dos edifícios?

A chancela da Bienal dá visibilidade aos pichadores e a seu movimento e a novidade causa um barulho muito bem vindo ao mercado. Ainda assim, o que quer que aconteça depois da mostra não vai garantir ascensão social à larga aos muitos que empunham uma latinha de spray, porque eles não são, afinal, artistas. A questão por trás de cada letra escrita no reboco ou na pastilha é a falta de um pacote básico que inclui lazer, saúde e educação - como o movimento mesmo pretende mostrar, o problema é a exclusão social, não a inclusão artística.