Estudo mostra queda de homicídios nas capitais e aumento no interior em dez anos

da Agência Brasil

O número de homicídios mostrou tendência de queda de 1997 a 2007, de acordo com o estudo Mapa da Violência 2010 Anatomia dos Homicídios no Brasil divulgado nesta terça-feira, em São Paulo.

De autoria do sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, do Instituto Sangari, o estudo revelou que o número de homicídios passou de 25,4 por 100 mil habitantes em 1997 para 25,2 por 100 mil habitantes em 2007.

A queda foi maior nas capitais do país, onde as ocorrências passaram de 45,7 homicídios a cada 100 mil habitantes em 1997 para 36,6 em 2007. Porém, no interior os números são bem diferentes.

A taxa de homicídios no interior do país cresceu de 13,5 (a cada 100 mil) em 1997 para 18,5 em 2007. De acordo com o estudo, os dados indicam o fenômeno da "interiorização da violência",que começou na virada do século, e consiste no deslocamento dos polos dinâmicos da violência das capitais e regiões metropolitanas para o interior.

Além disso o estudo mostrou que desde 1980 a violência continua crescendo entre os jovens brasileiros. Se a cada 100 mil jovens (entre 15 e 24 anos) 30 deles morriam por homicídio em 1980, o número saltou para 50,1 em 2007.

"Assim, pode-se afirmar que a história recente da violência que resulta em homicídio, no Brasil, é a história do crescimento dessa violência entre jovens. Uma não terá solução sem a outra", afirma Waiselfisz no estudo, segundo o qual 512,2 mil pessoas morreram no Brasil vítimas de homicídio entre 1997 e 2007.

De acordo com o Mapa da Violência, em mais de 90% desses casos de homicídio as vítimas eram homens e os mais atingidos período foram os negros: se em 2002 morriam 46% mais negros do que brancos, em 2007 a proporção cresceu para 108%.

Arquidiocese de BH assume Fazenda Renascer

Igreja Católica garante manutenção e ampliação do serviço de recuperação de dependentes químicos e alcoólatras

Junia Oliveira - Estado de Minas


Irmã Margarida Savastano, de 88 anos, foi responsável pelo espaço  durante 28 anos e cuidou de mais de duas mil pessoas - (Fotos: Renato  Weil/EM/D.A Press)
Irmã Margarida Savastano, de 88 anos, foi responsável pelo espaço durante 28 anos e cuidou de mais de duas mil pessoas
Nos olhos da corajosa senhora de 88 anos, a ansiedade e o contentamento eram latentes. Explica-se. As dificuldades para manter, ao longo de 28 anos, um trabalho pioneiro em Minas Gerais e um dos primeiros do país – recuperação de dependentes químicos e alcoólatras – chegaram ao fim. A Fazenda Renascer, que tem à frente toda a força e bondade da irmã Margarida Savastano, ficará, agora, sob a tutela da Arquidiocese de Belo Horizonte. O convênio, por meio do qual a Igreja assume a responsabilidade pela administração e manutenção da área de 40 hectares, localizada na zona rural de Pedro Leopoldo, na Região Metropolitana de BH, foi assinado nessa segunda-feira.

A irmã entregou sua obra nas mãos do arcebispo metropolitano, dom Walmor Oliveira de Azevedo. No momento de pôr o nome do livro de presença, foi bem clara: “Quero ser a última a assinar, pois vou escrever ‘missão cumprida’”. Missão que ela relata com orgulho. “Fui convidada para trabalhar aqui quando saí do Hospital da Baleia (na Região Leste de BH), onde estive durante 18 anos com crianças tuberculosas. Aos 60 anos de idade, uma psicóloga me chamou para trabalhar com dependentes químicos. De início, recusei, por causa do pavor e do preconceito que eu tinha”, diz. Mas, naquele tempo, ela não imaginava que escreveria uma história diferente na vida de muitas pessoas, mais exatamente para 2.257 que já se trataram na fazenda.

Atualmente, a instituição recebe 23 internos, mas tem capacidade para abrigar até 80. “Foram abertas casas de recuperação por todos os lados, mas a maioria não tem estrutura realmente para tratamento. Muitas pregam ‘Jesus salva’ e pensam que não precisa de mais nada, não há um acompanhamento profissional adequado”, ressaltou. “Aqui, a maioria dos que tratam conseguem deixar o vício. Temos muita gente que nos manda cartas e e-mails contando da nova vida”, afirmou.

Irmã Margarida conta sobre o alívio em saber que a Arquidiocese vai administrar o lugar. Para ela, o convênio representa uma melhora significativa em termos de recursos financeiros e humanos. “Enfrentamos muitas dificuldades e grandes desafios, mas sinto uma alegria imensa agora. Sempre pensei que a Divina Providência chegaria na hora certa e eu não me enganei”, relatou.

Assim estará garantida a oportunidade de recuperação para muitas outras pessoas, como ocorreu com o encadernador Daniel Júnior de Souza Thomé, de 31 anos. Hoje, ele deixa a casa, com muita garra para dar os próximos passos, entre eles, fazer o vestibular para o curso de direito. “Quando cheguei, não tinha esperança de nada, mas encontrei a irmã, que me devolveu a vida. Prova de amor maior não há do que doar a vida a um irmão, como ela faz”, disse. “Hoje, creio que estou curado. Mas a doença química deve ser tratada diariamente. Se tropeçar, regride.”

Opção

O arcebispo metropolitano, dom Walmor, disse que essa é uma prova de que a Igreja quer afirmar, cada vez mais, a opção pelos pobres, principalmente os dependentes químicos. “Nesta semana santa, escolhemos estar aqui para firmar em nosso corações o compromisso que a Arquidiocese assume de levar em frente essa obra. Queremos crescer, fortalecer e consolidar esse projeto da fazenda. É um compromisso de amor com a vida”, destacou.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo visitou as instalações da  instituição e se comprometeu a consolidar o projeto - ()
Dom Walmor Oliveira de Azevedo visitou as instalações da instituição e se comprometeu a consolidar o projeto
O religioso afirmou que a divulgação, em todas as paróquias, das ações na fazenda ficarão a cargo do Vicariato para Ação Social e Política. A ideia é que os fiéis conheçam e também ajudem no que for possível. O trabalho da Igreja vai incluir a administração, mobilização, manutenção e convênios. “As necessidades da dependência são inadiáveis. Vamos desenvolver também mais espiritualidade, com a presença de outras pessoas. Precisaremos investir para criar condições para que o trabalho seja feito”, disse. O vicariato, por meio da Providência Nossa Senhora da Conceição, será ainda responsável pela ampliação dos convênios e de outros meios para atender os mais necessitados. A mensalidade, atualmente, é de R$ 1,3 mil.

Cotas raciais: Estamos construindo uma sociedade dividida?





Cotas raciais: Estamos construindo uma sociedade dividida?



Heitor Reis (*)





"Os pobres e brancos sofrem e sofreram ao longo da história, igualmente com a pobreza e o descado das autoridades. Igualdade social se consegue com políticas que promovam esta igualdade e não privilegia este ou aquele grupo social. As cotas promovem sim o privilégio de um grupo em detrimento de outro, além de serem claramente inconstitucionais e imorais." (Edison Evaristo, psicólogo em Guarulhos-SP, na lista de discussão Brasil-Política)
Ontem, durante Audiência Pública sobre 3o. Programa Nacional de Direitos Humanos, na Assembléia Legislativa, promovida pelo Fórum Permamente em Defesa do PNDH-3 e a Comissão de Direitos Humanos, presidida pelo Deputado Estadual Durval Ângelo, foi relatado o fato de que uma afro-descendente, ao passear com seu cão na Praça da Savassi (Belo Horizonte-MG), foi chicoteada pelo dono de outro animal, pelo simples fato de ter havido um desentendimento entre seus bichinhos de estimação. Ele usava na cintura um daqueles chicotes de fazendeiros e reproduziu fisicamente o que vem ocorrendo de forma mais discreta, porém generalizada, em nossa sociedade. Talvez pensasse que se tratava de uma empregada doméstica e ignorante, ficando impune deste desvario, mas a mulher é advogada e já deu entrada com processo na justiça contra ele. [ www.pndh3.wordpress.com ]

Só um cego não percebe que a sociedade sempre esteve dividida!
E em todos os países do mundo. Uns mais e outros, menos.

Lamento que a sensibilidade esperada no exercício da profissão de psicólogo não tenha sido usada neste caso...

Em nosso país, temos e sempre tivemos nossas castas e nossa separação social, cujo termo consagrado para designá-la é "apartheid".

Não é possível demonstrar que "pobres e brancos sofrem e sofreram ao longo da história, igualmente com a pobreza e o descado das autoridades". Mas se alguém tiver como fazê-lo, estou interessado em analisar esta tese, caso vá além de uma mera e dogmática bula papal.

Os negros e seus descendentes sempre sofreram mais que os brancos, em função do fato de que sua fisionomia os denunciava como escravos, ex-escravos, descendentes de escravos, seres inferiores, mera mercadoria, etc. Tanto que há um provérbio popular que exprime limpidamente isto, o qual foi extremamente utilizado até que a legislação proibiu o preconceito, cuja prática ainda permanece camufladamente:

"Cadeia é para pobre, preto e prostituta."

Se for simultaneamente pobre e negro, recebe uma dose dupla de condenação, não apenas neste, mas em todos os níveis de relacionamento com a sociedade.

E outros mais:

"Preto, parado, é suspeito; e, correndo, é ladrão."


"Preto, quando não caga na entrada, caga na saída."


Certamente, pessoas que pensavam e muitos ainda pensam assim, são incapazes de perceber que as condições sub-humanas em que viveram e o ódio de que foram vítimas dificilmente iriam produzir seres perfeitos, capazes de superá-las em tão pouco tempo.
Além do mais, prevalece a crença de que a cor negra é sinônimo de coisas ruins, negativas e depreciativas: "a coisa está preta", denegrir, luto, etc., bem como na supervalorização da cor branca, em termos como esclarecer.

Com as cotas, estamos tentando construir exatamente uma sociedade menos injusta, ou seja, estamos compensando um grupo racial pelo fato de ter sofrido durante séculos sob a escravidão e o preconceito, reparando o mal que suportaram e ainda suportam até hoje.

Todos devem ser iguais perante à lei. E, para que isto aconteça, é necessário tratar os desiguais de forma desigual, de tal forma a acelerar o processo e fazer com que as vítimas dos privilegiados alcancem uma condição de cidadania e vida digna como a de seus opressores.

Como o processo "natural", cujo ritmo é definido pelos brancos que são os mais ricos (já viste um negão ou negona donos de banco?) e financiadores das campanhas da maioria dos políticos eleitos, é muito lento, torna-se necessário fazer algo a mais neste sentido. Ações afirmativas. O preconceito negativo deve ser compensado pelo preconceito positivo.

É claro que os privilegiados de sempre não vão gostar nada disto.
Ser rico é ser egoísta, prepotente e exclusivista. Se fosse generoso, altruísta, empático ou mesmo um religioso sério, seja cristão, muçulmano ou budista, não teria tanta voracidade pelo lucro a qualquer custo, sem qualquer limite ético. E, naturalmente, seria menos rico... Não se sentiria confortável enquanto seu próximo não destrutasse da mesma condição.

O próprio Jesus ordenou que os ricos dividissem seus bens com os pobres, coisa praticada pela igreja verdadeira:

"Vendei o que tendes, e dai esmolas. Fazei para vós bolsas que não se envelheçam;
tesouro nos céus que nunca acabe, aonde não chega ladrão e a traça não rói."
(Evangelho de Lucas 12:33)

"E ele também disse àquele que o tinha convidado: Quando derdes um banquete, não convideis nem vossos amigos nem vossos irmãos, nem vossos parentes, nem vossos vizinhos que forem ricos, para que também eles o convidem em seguida, por sua vez, e que assim vos retribuam o que tenham recebido de vós. Mas quando derdes um festim, convidai os pobres, os estropiados*, os coxos e os cegos. E ficareis felizes por eles não terem meios de vos retribuir; isso vos será retribuído na ressurreição dos justos." (Lucas 14:12 a 14)

"E era um o coração e a alma da multidão dos que criam, e ninguém dizia que coisa alguma do que possuía era sua própria, mas todas as coisas lhes eram comuns. (...) Não havia, pois, entre eles necessitado algum; porque todos os que possuíam herdades ou casas, vendendo-as, traziam o preço do que fora vendido, e o depositavam aos pés dos apóstolos. E repartia-se a cada um, segundo a necessidade que cada um tinha."
(Atos 4:32 a 36)

Jesus era comunista! Mas não exatamente marxista, leninista ou trostkista...!
[ http://www.midiaindependente.org/pt/red/2004/02/273940.shtml ]

Comunismo, no dicionário do Houaiss, em seu primeiro sentido:
"1. num grupo unificado de membros que vivam e trabalhem juntos, sistema de vida em comum em que os bens são partilhados, estando disponíveis segundo as necessidades de cada um. Ex.: o comunismo da igreja cristã primitiva"

Sem nenhuma sombra de dúvidas, o maior país católico do mundo (e também o maior país protestante do mundo), está astronomicamente longe do título de maior país cristão do mundo, ao produzir uma sociedade, onde há uma festa destinada apenas a uma pequena minoria, que concentra a quase totalidade da riqueza do país (como no caso do Brasil, 10 % da população detém 75 % da riqueza), enquanto o resto trabalha a preço de banana, é novamente explorado enquanto consumidor, eleitor e, como contribuinte, paga a conta desta "demoniocracia do capetalismo", através de impostos que representam "dois quintos dos infernos". Isto é, 40 %...
Aliás, a Igreja Católica foi cúmplice maior da aliança entre os ricos e o Estado brasileiro, abençoando a escravidão, nada ou muito pouco fazendo para modificá-la. O mesmo ocorreu com o protestantismo nos EUA, dentro do "cristianismo" racista daquela época, termo profundamente conflituoso e incompatível. Felizmente, ambas se redimiram de seus pecados, lutando, hoje para que isto jamais ocorra novamente.
Tiradentes e os inconfidentes mineiros arriscaram suas vidas pela metade disto! Hoje aceitamos pacificamente esta exploração. Temos a ditadura tributária, a ditadura do mercado, a ditadura racial e a ditadura da mídia que merecemos. E a justiça social que fizermos por merecer.

"O povo unido, jamais será vencido!" Mas, alienado, será sempre derrotado... Como tem sido até agora.



(*) Heitor Reis é um subversivo, indivíduo perigoso do ponto de vista dos milicos, de Gilmar Mendes e de qualquer um que esteja satisfeito com o atual sistema político, econômico, social e racial. Nenhum direito autoral reservado: Esquerdos autorais ("Copyleft"). Palestras gratuitas. Contatos: (31) 3243 6286, 9208 2261 - heitorreis@gmail.com
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4ª Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do Sul está com inscrições abertas



Estão abertas, até 29 de maio, as inscrições para a 4ª Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do Sul direcionadas às obras produzidas recentemente nos países sul-americanos e que abordem os direitos humanos.
A mostra ocorre de 5 de outubro a 8 de novembro de 2009, em 16 capitais brasileiras: Belém, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Fortaleza Goiânia, Maceió, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife, Rio Branco, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Teresina.

Inspirada nos artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, essa quarta edição do evento tem curadoria de Francisco Cesar Filho. A programação compreenderá uma seção contemporânea, uma retrospectiva histórica, homenagem e encontros. Nas três edições anteriores, participaram obras da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela.

Nesta edição, a Mostra pretende continuar proporcionando um espaço de reflexão e busca de soluções para os problemas vividos pelos países da América do Sul na área dos Direitos Humanos.

Saiba mais: www.cinedireitoshumanos.org.br.

Informações: contato@cinedireitoshumanos.org.br ou (11) 3512-6111, ramal 210.

Confrontos encobrem execuções policiais, afirma ONG internacional



As polícias dos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo escamotearam execuções extrajudiciais alegando confrontos com bandidos. É o que afirma a ONG Human Rights Watch (HRW), que publicou ontem relatório sobre a atuação das duas polícias. A organização estudou 51 casos em que foram apontados como causas de morte “autos de resistência” e “resistência seguida de morte”, afirmando que parte desses casos possuem evidências de execução.

Desde 2003, as duas polícias mataram cerca de 11 mil pessoas nos dois estados com a alegação da vítima ter morrido após resistência à abordagem ou prisão. O alto número de mortes contrasta com o baixo número de vítimas não fatais. Só entre 2003 e 2008, o o Comando de Policiamento de Choque de São Paulo foi responsável pela morte de 305 pessoas, pelo ferimento de 20 e pela morte de apenas um policial durante este tempo.

"Em lugar de combater a violência, em muitos casos, a polícia não tem feito mais do potencializá-la mediante o uso injustificado da força letal", diz José Miguel Vivanco, diretor da divisão Américas da HRW.

As milícias paramilitares também foram apontadas como responsáveis pelo agravamento da situação. Entre maio de 2006 e dezembro de 2008, a ouvidoria da polícia de São Paulo registrou 541 homicídios cuja autoria foi “possivelmente” de “grupos de extermínio composto por policiais”. A ONG lembra que no RJ, a Assembleia Legislativa aprovou por unanimidade relatório que apontava a presença de milícias de policiais em pelo menos 171 comunidades.

O relatório também acusou as policias de dificultarem a punição dos policiais responsáveis por crimes contra a população, distorcendo provas dos crimes cometidos por membros da corporação e conduzindo de forma inadequada os inquéritos contra eles. “Na última década, a ouvidoria do Rio de Janeiro registrou mais de 7.800 queixas contra policiais sobre conduta criminosa; apesar disso, essas queixas geraram somente 42 processos criminais por parte do Ministério Público e apenas quatro condenações”, consta no relatório.

Críticas do governador

O governador carioca Sérgio Cabral criticou o relatório, afirmando que sua tentativa é “escandalizar”. “Infelizmente, quando a polícia está numa operação, não é recebida a flores, mas por marginais com armas de alto potencial. Isso deveria estar de alguma maneira no relatório deles", afirmou após solenidade de formatura de jovens do Programa Nacional de Segurança Pública Com Cidadania (Pronasci).

O próprio programa foi um exemplo citado pelo governador como exemplo positivo das ações governamentais tomadas contra a violência. Cabral também lembrou da criação das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) como pontos positivos do governo na área de segurança pública.

A ONG internacional apontou como alternativas a criação de uma unidade especializada em homicídios cometidos por policiais nos Ministérios Públicos do Rio de Janeiro e de São Paulo e algumas medidas a serem tomadas por essa equipe em casos de investigação desse tipo de crime.

Com informações de agências.

Pesquisa revela que 90% dos jovens sofrem ou praticam violência nos relacionamentos



A violência entre casais no Brasil está mais precoce, menos unidirecional e assume também, nos dias atuais, um caráter mais virtual. Pesquisa recente, realizada pela Fundação Oswaldo Cruz em 10 capitais de todas as regiões do país, revelou que nove em cada 10 jovens na faixa etária entre 15 e 19 anos sofrem ou praticam variadas formas de violência – dentre as quais a exposição de fotos íntimas na internet como forma de humilhação.

Os dados coletados com 3,2 mil adolescentes expõem um elemento que se choca com o senso comum de que os homens são, geralmente, os agressores. Agressões verbais, como provocações, cenas de ciúmes e tom hostil, e investidas sexuais – como forçar o beijo ou tocar sexualmente o parceiro sem que este queira – fazem parte do arsenal de violência utilizado por ambos os sexos.

A pesquisadora do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (CLAVES/Fiocruz) Kathie Njaine, que coordenou a pesquisa “Violência entre namorados adolescentes: um estudo em dez capitais brasileiras”, destaca que o panorama deve ser refletido a partir de múltiplas causas. “A violência pode vir da família, da comunidade em que o jovem vive e da escola”, afirma.

Segundo o estudo, as garotas são, ao mesmo tempo, as maiores agressoras e vítimas de violência verbal. Por outro lado, em termos de violência sexual, os rapazes encabeçam as estatísticas como os maiores agressores. Enquanto 49% dos homens relatam praticar esse tipo de agressão, 32,8% das moças admitem o mesmo comportamento.

Na categoria das agressões físicas, que inclui tapa, puxão de cabelo, empurrão, soco e chute, os relatos revelam que os homens são mais vítimas do que as mulheres – 28,5% delas informam que agridem fisicamente o parceiro, enquanto 16,8% dos homens relataram o mesmo.

A violência manifestada em tom de ameaça – como provocar medo; ameaçar machucar; ou destruir algo de valor – já vitimou 24,2% de jovens, ao passo que 29,2% admitiram ter perpetrado este tipo de agressão. De acordo com os números, 33,3% das meninas assumem que ameaçam mais seus parceiros, e 22,6% destes confessam cometer o mesmo tipo de violência.

Uma das razões apontadas para a eclosão da violência entre os jovens casais é o machismo. A coordenadora da pesquisa afirma que nenhuma pessoa nasce machista, mas pode aprender e assumir esse papel dentro de um contexto cultural.

Ressaltando que o estudo teve como finalidade fazer um diagnóstico, e não buscar as causas, Kathie Njaine argumenta que a agressão cometida pelas meninas pode ser compreendida como uma maneira de reproduzir um modelo de comportamento que está no gênero masculino. “Em muitos momentos da pesquisa, havia meninas que falavam ‘se ele pode fazer, eu também posso’”, exemplifica, acrescentando que as agressões, neste caso, tornam-se uma moeda de revide.

A socióloga Bárbara Soares, pesquisadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC/UCAM) e ex-subsecretária de Segurança da Mulher do governo do Estado Rio de Janeiro, elogia o viés da pesquisa de jogar luz sobre a violência praticada por mulheres e por descartar o modelo esquemático que vilaniza apenas os homens e vitimiza as mulheres. Em geral, ela afirma, as pesquisas têm o hábito de ouvir muito pouco as pessoas que vivem e praticam violência. “Os técnicos e ideólogos definem o que é a violência e, a partir daí, imprimem esse discurso no outro que não é ouvido. A violência não é uma abstração na vida de quem sofre ou pratica. Ela é situada, significada, tem um sentido. Eu acho que é aí que você pode desconstruí-la”, diz a especialista.

De acordo com a pesquisadora do CESeC, é comum o pressuposto de que somente as mulheres apanham, mesmo que, pelas pesquisas nacionais e internacionais, elas sejam vítimas das violências mais graves. “Não quero dizer que não exista um componente de dominação. Ele existe, mas não é uma dominação do homem contra a mulher, é uma sociedade de dominação machista em que os homens também são dominados por essa lógica”, argumenta.

Violência virtual A eclosão precoce de violência entre os casais adolescentes revela que, desde cedo, as agressões ocupam papel importante no ambiente das relações afetivas. Nos dias atuais, é ponto pacífico que o aprimoramento das técnicas e dos meios de circulação das informações contribua decisivamente para a emergência de novos tipos de violência. A internet, nestas circunstâncias, adquire relevância e torna-se uma arma virtual nas relações entre os jovens.

Fatos e comportamentos que aconteceriam no mundo real, no dia-a-dia, acompanham essa tendência e são transportados para a rede virtual. Exposição de fotos e vídeos íntimos e publicação de hostilidades em sites e redes de relacionamento – como o orkut – são alguns dos métodos que compõem o quadro de violência existente na internet. Em conseqüência, os jovens tornam-se vulneráveis socialmente, uma vez que, por exemplo, sua relação com amigos ou a procura por empregos podem ser afetadas.

Kathie Njaine enfatiza que o relacionamento via tecnologia de informação é uma constante na vida dos jovens, o que potencializa o risco de agressões. “Na medida em que você publica uma notícia na internet, isso tem uma capacidade de se disseminar amplamente. O impacto de uma humilhação ou de uma fofoca é muito grande. O grau de exposição de uma situação é alto, não só em palavras como em imagens também”, afirma.

Para Bárbara Soares, isso exige novas respostas em termos de prevenção. “Todos os problemas vão se transformando na medida em que os meios de comunicação de relações interpessoais se transformam. Atualmente, muitos problemas se transferiram para a dimensão do espetáculo, da visibilidade, da exposição pública do crime mais banal até as relações íntimas. Então, acho que é preciso repensar em primeiro lugar a própria noção do que seja violência, atualizando o repertório que faz parte do nosso catálogo, e começar a refletir formas específicas de prevenir mais este tipo de violência”, explica a socióloga.

De acordo com ela, a exposição de imagens íntimas afeta mais as mulheres, porque envolve uma cultura de privacidade, pudor e do uso da pessoa como um objeto do prazer. Para os homens, em contraposição, predomina a valorização de sua potência sexual, vista como um troféu a ser exibido.

“O telefone celular e a internet são tecnologias que estão mudando a nossa sociabilidade, nossos comportamentos e pensamentos. Há uma noção de que você só existe se, de alguma forma, for visível. No entanto, há risco de que essa visibilidade seja mais um elemento de violência”, acrescenta Bárbara, reforçando que as campanhas de prevenção precisam ter um olhar mais amplo, menos maniqueísta e menos esquemático e que considerem a violência e suas múltiplas causas e linguagens.

Com informações do CLAM.

O 8 de março e a mídia "devassa"


Por Altamiro Borges

A convocatória do protesto paulista do Dia Internacional da Mulher deu ênfase ao papel deletério dos meios privados de comunicação. Num dos trechos, o texto critica o “oligopólio da mídia, que colabora na criminalização dos movimentos sociais... Os grandes jornais e os programas de TV omitem as ações dos que lutam para melhorar as condições de vida da população pobre, omitem a participação das mulheres, jovens e negros, as suas formas de ver a vida e a política, ao mesmo tempo em que fazem a propaganda dos valores capitalistas e dos políticos que os defendem”.

A manipulação midiática é bastante sentida pelos movimentos feministas. Tanto que as mulheres se destacaram na preparação da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), elegendo o maior número de delegadas e liderando os debates nos estados. Elas sentem na carne e na alma o papel regressivo da mídia privada, que estigmatiza as mulheres, tratando-as como mercadorias. Nas vésperas da comemoração do Dia Internacional da Mulher, um anúncio publicitário da indústria de cerveja Schincariol confirmou esta visão distorcida. Coincidência ou provocação?

A mulher como mercadoria

Para divulgar seu novo produto, a cerveja “Devassa”, a empresa contratou a modelo Paris Hilton, socialite decadente, que recebeu US$ 800 mil para gravar uma peça de 60 segundos num estúdio de Los Angeles. A Schincariol investiu cerca de R$ 100 milhões no lançamento da mercadoria. A modelo virou, inclusive, a atração principal do camarote da empresa nos desfiles das escolas de samba na Sapucaí, numa estratégia ousada para dar visibilidade ao produto. Em poucos dias, a nova marca já deu lucros de R$ 10 milhões para a empresa, explorando a imagem da mulher.

O anúncio é um desrespeito às mulheres, que são exibidas como devassas. Pai de três meninas, o blogueiro Eduardo Guimarães se indignou. “Particularmente, sou contra o moralismo... Contudo, é escandalosamente claro que a propaganda da Schincariol é inaceitável”. Ele também criticou a mídia, que utilizou o episódio da proibição do anúncio para atacar o governo Lula. “Essa gritaria midiática contra uma medida correta de proteção à imagem da mulher e contrária ao estímulo de comportamentos degradantes como a devassidão pode até ser prestação de serviço à cervejaria que fez a propaganda... Convenhamos: se existe alguma devassa nessa história é essa mídia”.

A gritaria dos mercenários da mídia

O próprio Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária (Conar), sempre tão submisso aos abusos da mídia, considerou a propaganda abusiva. A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres também condenou o anúncio, criticando seu “conteúdo sexista e desrespeito à mulher”. Diante das ásperas críticas, o Conar vetou a publicidade. De imediato, os barões da mídia e seus colunistas de aluguel vieram à tona para denunciar a “censura”. O jornal O Estado de S.Paulo divulgou texto irônico, intitulado “Tempestade em lata de cerveja”, para desqualificar a decisão.

Para os barões da mídia, preocupados unicamente com seus lucros em publicidade, a proibição do anúncio da “Devassa” é um ato autoritário e anti-mercado. “A publicidade sempre trabalhou e continuará trabalhando com símbolos e estereótipos”, justifica o articulista do Estadão. Para os donos da mídia, a mulher é objeto vendável, uma mercadoria lucrativa, e assim deve continuar a ser exibida nas emissoras de televisão, nos jornalões e revistas. Para eles, a comemoração do Dia Internacional da Mulher deve ser um entrave aos seus lucrativos negócios. Viva o 8 de Março!

Do Blog do Miro.

Pesquisa mapeia riscos que as meninas correm online


Por Cristina Uchôa

Os tempos mudaram, as mulheres se emancipam cada dia mais e a realidade se moderniza a cada minuto. As mudanças da realidade e as novas tecnologias vieram para ficar, o conhecimento está ficando mais acessível e a possibilidade das mulheres se aproveitarem disso para ganhar autonomia certamente cresceu com isso. Mas não necessariamente as meninas deixaram de ser um grupo especialmente frágil. A nova geração não veio geneticamente preparada para lidar com as dificuldades e perigos que essa modernidade traz: a superexposição de informações pessoais, o risco de sofrer invasão de privacidade e assédio de todo tipo.

Para descobrir como lidar com a vulnerabilidade das meninas num mundo cada vez mais conectado, durante o mês de março, uma pesquisa está disponível na internet para conhecer esses riscos do ponto de vista de adolescentes de até 19 anos. Os organizadores da pesquisa querem levantar quais são os pontos de vulnerabilidade para as meninas que utilizam as tecnologias de informação e comunicação (TICs), principalmente internet e celular.

A pesquisa pode ser encontrada no site da Parceria para a Proteção da Criança e Adolescente do Brasil (Child Protection Partnership – CPP Brasil) e é importante incentivar que o maior número possível de meninas e meninos, dos mais diferentes perfis socioeconômicos, respondam às perguntas e apontem o seu ponto de vista sobre as situações que vivenciam nos meios digitais.

A aplicação desse questionário online voltado para adolescentes é parte da frente de investigação “Adolescentes Brasileiras e sua Realidade no Mundo Virtual” que a Plan, organização internacional voltada para direitos da criança, escolheu este ano como tema de seu programa especialmente voltado para meninas, chamado “Because I’m a Girl” ("Porque Eu Sou Menina").

A CPP Brasil é a organização encarregada da execução de todo o levantamento, composto por essa pesquisa e por atividades “no mundo real” com grupos de adolescentes em São Paulo, além da aplicação de um outro questionário online, destinado a adultos interessados em colaborar, que está disponível no mesmo site. O trabalho segue a metodologia desenvolvida pelo Instituto Internacional para os Direitos e Desenvolvimento da Criança e Adolescente (International Institute for Child Rights and Development - IICRD), do Canadá, e envolve a elaboração de um relatório detalhado a respeito dos riscos identificados e das soluções de enfrentamento e prevenção encontradas.

“É difícil para os pais saber como lidar com essas novidades. Eles alertam para não falar com estranhos, como já é tradicional, mas no que diz respeito às TICs, tudo é uma novidade para os adultos, então eles muitas vezes nem sabem como orientar”, afirma Luiz Rossi, coordenador da CPP Brasil. É difícil medir as possibilidades, mas para a CPP, que realiza outros projetos, não só com meninas, está claro que o abuso de crianças e adolescentes é facilitado no meio virtual, porque é comum o anonimato ou mesmo a falsa identificação de pessoas mal intencionadas, o que engana os navegantes mais novos.

Para Rossi, para conhecer os detalhes dessa realidade é muito importante conversar com as próprias meninas. Ele participou das atividades nos chamados grupos focais, que reuniu as 350 garotas participantes várias vezes desde o começo de fevereiro para conversas a respeito do tema. Não é fácil dialogar francamente, mas a metodologia desenvolvida pelo IICRD para essa fase, chamada “círculo de direitos”, possibilita a criação de laços de confiança e sinceridade para que os e as participantes colaborem com a escuta profunda, porque é feita uma sensibilização honesta a respeito dos objetivos do trabalho. Com isso, as integrantes dos grupos focais desta pesquisa descreveram as situações e ajudaram a abrir os horizontes a respeito de como lidar com os riscos. “Ouvi todo tipo de história nos grupos”, conta Rossi. Respeitando a sinceridade e a privacidade das meninas, as histórias e as análises ficam para o relatório final, que deve ser publicado pelo “Because I’m a Girl” no segundo semestre.

Publicado no Portal Pró-Menino.

A violência doméstica contra a mulher na Europa


Por Sabina Zaccaro

A quantidade de mulheres que suportam violência física e psicológica nos lares europeus atinge números alarmantes. A violência doméstica aumenta em todos os âmbitos da sociedade, apesar da implementação de leis e políticas mais rígidas, segundo o Conselho da Europa, órgão de 47 países dedicados a promover os direitos humanos, a democracia e o cumprimento da lei. Entre 12% e 15% das mulheres maiores de 16 anos são vítimas de violência em alguma de suas relações, segundo o último informe do Conselho, de 2006.

As mulheres sofrem agressões verbais, emocionais, físicas e sexuais que deixam sequelas como dores crônicas, doenças sexualmente transmissíveis, desordens do apetite e do sono, abuso de álcool e perda do emprego. Mas a lista é muito mais extensa. A polícia da Grã-Bretanha recebe, em média, um telefonema por minuto pedindo ajuda para casos de violência doméstica, segundo dados oficiais dessa força do condado inglês de Sussex, e que figuram no último informe da organização Mulheres Contra a Violência na Europa (Wave), que tem uma rede de abrigos. Duas mulheres são assassinadas por semana na Inglaterra e em Gales por seus parceiros ou ex-parceiros.

“Melhorou a consciência dos governantes e da população em matéria de violência doméstica e em especial contra a mulher. Também houve avanços significativos nos serviços de respostas legais e voluntários”, disse à IPS Nicola Harwin, diretora da Federação de Ajuda às Mulheres, a mais antiga rede da Grã-Bretanha especializada nesse tema. “Porém, ainda há muito por fazer para dar proteção e apoio efetivos a todas as vítimas de violência doméstica: mulheres, meninas e meninos”, acrescentou.

A Federação apoia a nova estratégia do governo britânico de realizar um acompanhamento de fatos de violência contra mulheres e meninas, que inclui proteger as vítimas e prender os responsáveis. Também se concentra na prevenção do problema. “Pediremos a todos os partidos que, nas próximas eleições gerais, garantam que haja recursos para implementar a estratégia”, disse Harwin. Os serviços para atender casos de violência sexual e doméstica da Federação de Ajuda às Mulheres apoiaram mais de 108.690 mulheres e 39.130 meninas e meninos no ano passado, e receberam mais de 150 mil telefonemas para o número nacional colocado à disposição para esses casos.

Na Itália, a violência contra a mulher também aumenta. Estima-se que cerca de 6,7 milhões delas sofreram violência física e sexual ao longo de sua vida, neste país de 60,3 milhões de habitantes, segundo o último informe do Instituto Nacional de Estatísticas (Istat). Mais de dois milhões de mulheres sofreram assédio. Além disso, 690 mil foram vítimas de reiterados episódios de violência por parte de seus companheiros, frequentemente na presença dos filhos. A organização Differenza Donna, com sede em Roma, tem cinco abrigos, um deles dedicado especialmente às imigrantes. “Oferecemos assistência de emergência para aquelas que correm risco de vida em suas casas e depois as ajudamos a recuperar totalmente a autoestima para voltar a enfrentar o mundo”, disse Emanuela Moroli, presidente da entidade.

Numerosas organizações femininas concordam que foram criados mais centros de luta contra a violência após a Plataforma de Ação de Pequim de 1995, acordo feito pelos 189 chefes de Estado e de governo que participaram da Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada na capital chinesa. Os centros nasceram como iniciativas privadas de médicos e ativistas, e depois passaram a ser instituições dedicadas a responder ao chamado de Pequim.

A Differenza Donna ajuda cerca de 1,5 mil mulheres por ano em Roma. Entre 87% e 90% delas foram atacadas por seus parceiros. “Em muitos casos, passam anos sofrendo agressões físicas e psicológicas e sob a ameaça ‘se me denunciar, perderá seus filhos’”, disse Moroli. As mulheres costumam estar sozinhas, acrescentou. Suas famílias não ajudam porque consideram que o casamento deve ser preservado sob qualquer circunstância. O centro acaba de lançar um programa de capacitação para policiais e pessoal médico sobre atendimento de casos de violência doméstica.

Na França, uma mulher é assassinada a cada três dias em casos de violência doméstica, segundo o Ministério do Interior. Aproximadamente, 156 mulheres foram assassinadas por seus parceiros ou ex-parceiros, segundo estudo da polícia francesa em 2008, enquanto 27 homens morreram em circunstâncias similares. Nove meninos e meninas foram mortos por seus pais, o que representa 16% do total de homicídios do país.

A saúde não é igual para a mulher pobre


Por Mirta Roses

O tratamento sanitário no contexto da desigualdade de gênero se reflete na publicação da Organização Mundial da Saúde (OMS) “As mulheres e a saúde. Os dados de hoje, a agenda de amanhã” e em “A saúde das mulheres e dos homens nas Américas. Perfil 2009”, que a Organização Pan-Americana de Saúde (OPS) divulgou este mês. O avanço feminino na educação e no acesso ao mercado de trabalho nas Américas não foi parelho com similar progresso no exercício dos direitos à saúde. As desigualdades de gênero que impedem as mulheres de terem o máximo nível de saúde acentuam-se nas populações mais vulneráveis, como as pobres, indígenas, afrodescendentes, adolescentes e rurais.

Os graus de mortalidade materna, a evolução das infecções de HIV/aids e a violência são três dos aspectos examinados no estudo da OPS. Apesar de as mortes maternas serem evitáveis, persistem níveis muito altos nas Américas. A taxa de mortalidade materna é de 63,7% por cem mil nascidos vivos, com uma amplitude que vai de 8,8 no Canadá a 630 no Haiti. A mortalidade materna é a primeira causa de morte nas mulheres entre os 15 e 24 anos em alguns países. Isto se deve a desigualdades na prevenção e na atenção.

Assim, a mortalidade materna é menor quando as mulheres têm acesso ao planejamento familiar, mas o estudo revela que as adolescentes, as indígenas e as pobres são as mais afetadas pela falta de assistência. Da mesma forma, o acesso a cuidados profissionais na gravidez e no parto apresentam grandes disparidades, com as mulheres daqueles mesmos setores sendo as mais prejudicadas. Nos últimos anos, o HIV (vírus da deficiência imunológica humana) aumentou rapidamente entre as mulheres, com proporções mais altas do que nos homens e em alguns países do Caribe e da América Central, especialmente no grupo de 15 a 24 anos de idade.

A violência contra as mulheres é um problema de saúde pública que afeta todos os grupos de população das Américas. A violência física aparece junto com a psicológica e muitas vezes com a sexual. O impacto desta na saúde reprodutiva pode ser grave, inclusive com risco de contrair o HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis. Nos países com informação disponível, registra-se alta prevalência de violência física e sexual contra a mulher por parte do marido ou companheiro. A proporção de mulheres que declararam ter sofrido violência física varia entre 14% e 52%, enquanto a violência sexual tem amplitude de 4% a 15%.

O perfil da mortalidade continental mudou nas últimas décadas. Na maioria dos países, afecções crônicas degenerativas e causas externas, como acidentes e homicídios, vão deslocando doenças transmissíveis como causas principais de morbidade e mortalidade. Essa mudança tem um efeito desproporcional nas mulheres. A crescente prevalência de doenças crônicas, somada à privatização da saúde, elevou a demanda por atenção sanitária nos lares, tarefa assumida sobretudo pelas mulheres, sem reconhecimento social nem econômico, nem ponderação das consequências sobre sua saúde física e mental.

Há estudos mostrando que algumas mulheres se veem obrigadas a deixar seus trabalhos remunerados para cuidar em suas casas de pessoas que precisam de atenção. Após cem anos de luta pela igualdade de gênero, houve avanços inegáveis, mas ainda temos muito caminho pela frente. É necessário elevar a consciência e mobilizar energias da sociedade civil para exigir políticas públicas que, com decisão, firmeza e celeridade, corrijam as desigualdades que afetam a saúde das mulheres.

Publicado por IPS/Envolverde. Crédito da imagem: Fabrício Vanden Broeck.


Mirta Roses

Preconceito contra obesos cresce nos EUA

artigo de Harriet Brown


Preconceito contra  obesos cresce nos EUA

[The New York Times] Como uma mulher cuja altura e peso me colocam na categoria de obesa na tabela de índice de massa corporal, recentemente me encolhi quando Michelle Obama falou sobre colocar suas filhas de dieta. Embora tenha certeza de que as intenções da primeira-dama são as melhores, também sei que seus comentários sobre obesidade infantil acrescentarão um fardo ainda maior estigma de ter sobrepeso nos Estados Unidos.

Em agosto do ano passado, o Dr. Delos M. Cosgrove, cirurgião cardíaco e presidente da prestigiada Clínica Cleveland, disse a um colunista do New York Times que, se pudesse escapar legalmente, nunca contrataria um obeso. Ele provavelmente conseguiria se safar, na verdade, pois nenhuma legislação federal protege os direitos civis dos trabalhadores gordos, e apenas um estado, Michigan, proíbe a discriminação baseada no peso.

Prefeitura de São Paulo lança cartilha de combate ao racismo



Evento acontece no dia 19 de março no auditório da Secretaria Municipal de Participação e Parceria



Como parte da comemoração do primeiro ano de implantação do Centro de Referência de Combate ao Racismo, a Secretaria Municipal de Participação e Parceria, por intermédio da Cone - Coordenadoria Especial dos Assuntos da População Negra, lança a cartilha "Como reconhecer e como lidar com o racismo em suas diversas formas".

O evento acontece no dia 19 de março, das 14 às 17 horas, no auditório da Secretaria Municipal de Participação e Parceria, na Rua Libero Badaró, n° 119, térreo, com entrada gratuita.

Além do lançamento da cartilha, no mesmo horário, haverá uma palestra sobre os entraves jurídicos que permeiam a denúncia de racismo ou injúria racial, que será ministrada pelos advogados Hédio Silva Jr., presidente do CEERT - Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, e Christiano Jorge Santos, vencedor do prêmio "Luta pela igualdade racial" entregue pela OAB/ Comissão do Negro e Assuntos Anti-discriminatórios em 2008.

Para o secretário Ricardo Montoro, a cartilha vem somar ao trabalho pioneiro de garantia de direitos e de combate a toda forma de preconceito que está sendo feito em São Paulo.

"Pela primeira vez, a cidade conta com um Centro de Referência de Combate ao Racismo, um local preparado para acolher e proteger vítimas de preconceito. Também é a primeira vez que a comunidade negra tem um conselho municipal a lhe representar na adminstração pública", afirma Montoro, lembrando da implantação do Conselho de Gestão da Cone, criado no papel em 1992, mas que somente em 2009 foi instalado.

O Centro de Referência foi inaugurado no dia 21 de março de 2009 para atender à população vítima de racismo, nesta data celebra-se o "Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial". O atendimento no Centro é feito por uma equipe de profissionais, que fazem desde o primeiro contato até o acompanhamento judicial, se for o caso. Pouco a pouco, o número de atendimentos tem crescido, mas ainda falta conscientização da população. Há, por exemplo, casos de patrões que não deixam seus empregados faltarem para ir fazer a denúncia ou mesmo dar seguimento a esta.

"Se por um lado contamos com um aparato legal que criminaliza toda e qualquer forma de discriminação racial, por outro vemos que é necessário um trabalho de conscientização, para que haja uma clara compreensão de que qualquer forma de racismo é desumana e cruel", sinaliza o secretário Montoro.

De maneira didática e de fácil leitura, a cartilha contém informações sobre as formas existentes de racismo, como perceber a discriminação e como agir nesses casos. A ideia da cartilha, que tem 19 páginas, é fruto de trabalho no Centro, tendo sido proposta pelos funcionários que perceberam que falta às pessoas informações sobre seus próprios direitos.


Tá na Mão:
O quê: Lançamento da cartilha "Como reconhecer e lidar com o racismo em suas diversas formas", com palestra de Hédio Silva Jr e de Christiano Jorge Santos sobre os entraves jurídicos na luta contra o racismo.
Quando: 19 de março, das 14 às 17 horas
Onde: Rua Líbero Badaró, 119. Auditório no Térreo
Site: Secretaria Municipal de Participação e Parceria: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/participacao_parceria/

Do quintal à cidade vertical

Escrito por Frei Betto

Pertenço à última geração que, nas grandes cidades, morava em casa com quintal, um pedacinho do Jardim do Éden. Seu desaparecimento equivale à expulsão de Adão e Eva do Paraíso. Sem quintal a infância já não é a mesma.

O quintal era o espaço ecológico da casa. Criança, nele eu identificava um misto de minifloresta e parque de diversões. Subia em goiabeira e mangueira, brincava no chão de terra, promovia com os amigos corridas de minhocas e caramujos, colhia verduras da horta, andava descalço, bancava o Tarzan, tomava banho de torneira, construía rios, diques e represas nas poças deixadas pela chuva.

Agora, o mundo encolheu. A especulação imobiliária suprime quintais, as famílias vivem encaixotadas em apartamentos decorados com flores artificiais. Poucas crianças vêem ovo de galinha abrir-se para deixar sair o pinto, cadela dar à luz, tartaruga arrastar-se pesada entre os arbustos do canteiro, restos de alimentos serem aproveitados como adubo.

O quintal era o espaço de brincadeiras. Ali nossa fantasia infantil desdobrava-se em cabanas no alto das árvores, gangorra dependurada no galho, minipiscina improvisada na velha caixa d’água. Dali empinávamos pipas e ali brincávamos de amarelinha, bolinha de gude, bentialtas (embrião do futsal, com dois jogadores de cada lado na disputa por um bola de meia).

Nós mesmos construíamos os brinquedos. De consumo, apenas ferramentas, pregos, papel, tesoura e cola. O resto provinha de nossa criativa imaginação e capacidade de improviso.

Brincar não é próprio apenas da criança, é próprio da espécie animal. Golfinhos, baleias, macacos, cães e gatos adoram brincar. Adultos brincam ao escolher vestuário, decorar a casa, dançar e participar de jogos. A dimensão lúdica da vida é imprescindível à nossa saúde física, psíquica e espiritual.

Violenta-se uma criança ao impedi-la de brincar. Refém da TV ou da internet, ela transfere seu potencial de fantasia para os desenhos que assiste. Como se a TV e a internet tivessem a incumbência de sonhar por ela. Reprimida em sua imaginação, tal criança se torna, na adolescência, vulnerável às drogas. Por não usufruir da fantasia na idade adequada, passa a buscar o universo onírico através de substâncias químicas.

Todo viciado em drogas sofreu uma infância sonegada – pela parafernália eletrônica, violência ou carência – e teme se tornar adulto, inseguro frente ao imperativo de adequar sua existência à realidade.

Hoje, brinquedos eletrônicos, videogames e o uso abusivo da internet privam crianças de uma infância saudável. Isoladas, não aprendem as regras da boa sociabilidade. Induzidas ao consumismo tornam-se ambiciosas, competitivas, invejosas. Enfrentam dificuldade em construir com as informações recebidas e os conhecimentos adquiridos uma síntese cognitiva.

Assim, não percebem a vida imbuída de sentido calcado em valores infinitos. Seu universo se atém a valores finitos, palpáveis, de exacerbação do ego, como beleza, riqueza e fama. Qualquer pequeno empecilho nessa direção causa enorme frustração. Tornam-se fortes candidatas ao consumo de antidepressivos.

O governo deveria incluir no plano diretor das cidades a obrigatoriedade de quintais em prédios residenciais. Talvez um dia se possam erguer edifícios de quinhentos andares, uma cidade vertical com tudo dentro: moradias, escolas, igrejas, supermercados, lojas, quadras de esportes, consultórios, serviços públicos e até crematórios. Ali trafegaria um único veículo, o elevador. Ao sair do prédio, os moradores entrariam em contato com a natureza em estado quase selvagem (observável de janelas e varandas), com direito a respirar ar puro e nadar e pescar em lagos e rios cristalinos.

Frei Betto é escritor, autor de "A arte de semear estrelas" (Rocco), entre outros livros.

Brasil é o país mais desigual da América Latina, diz ONU

da Efe

O Brasil é o país mais desigual da América Latina, onde os 10% mais ricos concentram 50,6% da renda, mostra um relatório divulgado nesta quinta-feira pelo ONU-Habitat (Programa de Assentamentos Humanos da ONU) no Rio de Janeiro.

Na outra ponta, os 10% mais pobres ficam com apenas 0,8% da riqueza brasileira.

O problema da má distribuição de renda afeta a América Latina como um todo. Segundo o documento, divulgado durante o quinto Fórum Urbano Mundial da ONU, os 20% latino-americanos mais ricos concentram 56,9% da riqueza da região.

Os 20% mais pobres, por sua vez, recebem apenas 3,5% da renda, o que faz da América Latina a região mais desigual do mundo.

"O país com menor desigualdade de renda na América Latina é mais desigual do que qualquer país da OCDE [Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico] e inclusive do que qualquer país do Leste Europeu", diz o relatório.

O México é o segundo país mais desigual da América Latina, já que os 10% mais ricos da população recebem 42,2% da renda, enquanto os 10% mais pobres ficam com apenas 1,3%.

Na Argentina, em terceiro lugar, 41,7% da renda está concentrada nas mãos dos 10% mais ricos, enquanto os 10% mais pobres têm apenas 1,1%.

A Venezuela é o quarto país mais desigual da região, já que os 10% mais ricos têm 36,8% da renda e os 30% mais ricos controlam 65,1% dos recursos, enquanto os 10% mais pobres sobrevivem com apenas 0,9% da riqueza.

No caso da Colômbia, 49,1% da renda do país vai parar no bolso dos 10% mais ricos, contra 0,9% que fica do lado dos mais pobres.

No Chile, 42,5% da renda local está concentrada nas mãos dos 10% mais ricos, enquanto 1,5% dos recursos vai para os mais pobres.

Os países menos desiguais da região são Nicarágua, Panamá e Paraguai. Mesmo assim, nos três, a disparidade entre ricos e pobres continuam abismais, já que os 10% mais ricos consomem mais de 40% dos recursos.

Também segundo este relatório, a urbanização não contribuiu para diminuir a pobreza na América Latina, já que o número de pessoas na miséria aumentou muito nas últimas décadas.

Em 1970, havia 41 milhões de pobres nas cidades da região, 25% da população da época. Em 2007, os pobres em áreas urbanas eram 127 milhões, 29% da população urbana.

No entanto, o ONU-Habitat alertou no relatório que "é nas cidades menores e, certamente, nas áreas rurais da América Latina, onde a população é mais pobre".

Assim, a pobreza rural no Brasil alcança 50,1% da população; na Colômbia, 50,5%; no México, 40,1%; e no Peru, 69,3%. A grande exceção é o Chile, com um índice de pobreza rural de 12,3%, número inferior inclusive ao das zonas urbanas.

A mulher negra



Por Maria Nilza da Silva, na Revista Espaço Acadêmico

Foto de Gajé
A situação da mulher negra no Brasil de hoje manifesta um prolongamento da sua realidade vivida no período de escravidão com poucas mudanças, pois ela continua em último lugar na escala social e é aquela que mais carrega as desvantagens do sistema injusto e racista do país. Inúmeras pesquisas realizadas nos últimos anos mostram que a mulher negra apresenta menor nível de escolaridade, trabalha mais, porém com rendimento menor, e as poucas que conseguem romper as barreiras do preconceito e da discriminação racial e ascender socialmente têm menos possibilidade de encontrar companheiros no mercado matrimonial.

A mulher negra ao longo de sua história foi a “espinha dorsal” de sua família, que muitas vezes constitui-se dela mesma e dos filhos. Quando a mulher negra teve companheiro, especialmente na pós-abolição, significou alguém a mais para ser sustentado. O Brasil, que se favoreceu do trabalho escravo ao longo de mais de quatro séculos, colocou à margem o seu principal agente construtor, o negro, que passou a viver na miséria, sem trabalho, sem possibilidade de sobrevivência em condições dignas. Com o incentivo do governo brasileiro à imigração estrangeira e à tentativa de extirpar o negro da sociedade brasileira, houve maciça tentativa de embranquecer o Brasil.

Provavelmente o mais cruel de todos os males foi retirar da população negra a sua dignidade enquanto raça, remetendo a questão da negritude aos porões da sociedade. O próprio negro, em alguns casos, não se reconhece, e uma das principais lutas do movimento negro e de estudiosos comprometidos com a defesa da dignidade humana é contribuir para o resgate da cidadania do negro.

A pobreza e a marginalidade a que é submetida a mulher negra reforça o preconceito e a interiorização da condição de inferioridade, que, em muitos casos, inibe a reação e luta contra a discriminação sofrida. O ingresso no mercado de trabalho do negro ainda criança e a submissão a salários baixíssimos reforçam o estigma da inferioridade em que muitos negros vivem. Contudo, não podemos deixar de considerar que esse horizonte não é absoluto e mesmo com toda a barbárie do racismo há uma parcela de mulheres negras que conseguiram vencer as adversidades e chegar à universidade, utilizando-a como ponte para o sucesso profissional.

Embora o contexto adverso, algumas mulheres negras vivem a experiência da mobilidade social processada em “ritmo lento”, pois além da origem escrava, ser negra no Brasil constitui um real empecilho na trajetória da busca da cidadania e da ascensão social. Bernardo (1998), em seu trabalho sobre a memória de velhas negras na cidade de São Paulo, mostra como é difícil a mobilidade ascensional da negra – especialmente na conquista de um emprego melhor, pois a maioria das negras trabalhava na informalidade, ou como empregadas domésticas.

As mulheres negras que conquistam melhores cargos no mercado de trabalho despendem uma força muito maior que outros setores da sociedade, sendo que algumas provavelmente pagam um preço alto pela conquista, muitas vezes, abdicando do lazer, da realização da maternidade, do namoro ou casamento. Pois, além da necessidade de comprovar a competência profissional, têm de lidar com o preconceito e a discriminação racial que lhes exigem maiores esforços para a conquista do ideal pretendido. A questão de gênero é, em si, um complicador, mas, quando somada à da raça, significa as maiores dificuldades para os seus agentes.

Paul Singer (1998) afirma que, à medida que a mulher negra ascende, aumentam as dificuldades especialmente devido à concorrência Em serviços domésticos que não representam prestígio não há concorrência e, consequentemente, as mulheres negras têm livre acesso e é nesse campo que se encontra o maior número delas. A população negra trabalha, geralmente, em posições menos qualificadas e recebe os mais baixos salários.

A mulher negra, portanto, tem que dispor de uma grande energia para superar as dificuldades que se impõe na busca da sua cidadania. Poucas mulheres negras conseguem ascender socialmente. Contudo, é possível constatar que está ocorrendo um aumento do número de mulheres negras nas universidades nos últimos anos. Talvez a partir desse contexto se possa vislumbrar uma realidade menos opressora para os negros, especialmente para a mulher negra.

Contudo, cabe ressaltar a experiência de mulheres negras na luta pela superação do preconceito e discriminação racial no ingresso no mercado de trabalho. Algumas mulheres atribuem a “façanha” da conquista do emprego do sucesso profissional a um espírito de luta e coragem, fruto de muito esforço pessoal, e outras ainda, ao apoio de entidades do movimento negro.

Na atualidade não se pode tratar a questão racial como elemento secundário, destacando apenas a problemática econômica. A posição social do negro não se baseia apenas na possibilidade de aquisição ou consumo de bens. Ainda há uma grande dificuldade da sociedade brasileira em assumir a questão racial como um problema que necessita ser enfrentado. Enquanto esse processo de enfrentamento não ocorrer, as desigualdades sociais baseadas na discriminação racial continuarão, e, com tendência ao acirramento, ainda mais quando se trata de igualdade de oportunidades em todos os aspectos da sociedade.

A discriminação racial na vida das mulheres negras é constante. Apesar disso, muitas constituíram estratégias próprias para superar as dificuldades decorrentes dessa problemática.

20/3/2010

Fonte: ViaPolítica/Blog da Revista Espaço Acadêmico

URL: http://espacoacademico.wordpress.com/2010/03/21/a-mulher-negra/

Bibliografia:
BERNARDO, Terezinha. Memória em branco e negro: um olhar sobre São Paulo. São Paulo: Educ, 1998.
SILVA, Maria Nilza da. Mulheres negras: o preço de uma trajetória de sucesso. PUC/SP, Dissertação Mestrado, 1999.
SINGER, Paul. Globalização e desemprego: diagnósticos e alternativas. São Paulo: Contexto, 1998.
Maria Nilza da Silva é professora no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina e Doutora pela PUC/SP.

Para a ONU, morar em favela é violação dos direitos humanos


A ONU acaba de divulgar uma faceta importante da mudança que está acontecendo no mundo: dados sobre a diminuição dos moradores em favelas em muitos países, entre eles o Brasil.

Na última década cresceu a luta dos povos contra o imperialismo. Ela se traduziu em ações políticas (muitas vezes insurgentes), em defesa da soberania dos povos. Em muitos países, resultou em benefícios para a população, como se pode concluir dos dados divulgados pelo relatório "Estado das Cidades do Mundo 2010/2011: Unindo o Urbano Dividido", divulgado (dia 17) pelo Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), a agência da ONU dedicada ao estudo das habitações e condições de moradia.

Ainda há muito por fazer, contudo. Em todo o mundo, de 2000 a 2010, apesar de ter ocorrido uma diminuição no número relativo de moradores em favelas, o número absoluto passou de 776,7 milhões para 827,6 milhões.

Em alguns países (o Brasil entre eles) a situação é melhor. Aqui, por exemplo, nestes dez anos o número de favelados recuou em 10,4 milhões, e o número relativo passou de 31,5% da população para 26,4%. Isto é, eram favelados um em cada três brasileiros; hoje, um em cada quatro. Nessa melhoria social, o Brasil está atrás da China, da Índia e da Indonésia que, segundo a ONU, deram "grandes passos" na melhoria das condições de moradia de seus povos.

Isto é, três dos chamados BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China) tem um saldo social positivo a apresentar. É importante ressaltar isto porque se tratam dos países protagonistas da profunda mudança econômica em curso no mundo e que tem conseguido traduzir, com políticas econômicas e sociais adequadas, essa notável melhoria para a qualidade de vida de seus povos.

Em relação ao Brasil, por exemplo, o relatório não deixa dúvidas e atribui a melhoria a medidas institucionais tomadas pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como a criação do ministério das Cidades e a aprovação da emenda constitucional que inclui a moradia entre os direitos fundamentais. Atribui também a medidas econômicas, como os subsídios a materiais de construção, terrenos e serviços de construção, além das políticas de recuperação do salário mínimo e distribuição de renda. Finalmente, relaciona outros fatores que influíram nessa mudança favorável, como a diminuição da taxa de natalidade e do êxodo rural para as cidades.

Outro aspecto que merece atenção na divulgação do estudo é a mensagem do Secretário Geral da ONU, Ban Ki-moon, à 5ª Sessão do Fórum Urgano Mundial (que começa no dia 22, no Rio de Janeiro) que, já no título, relaciona a moradia em favelas como "violação dos direitos humanos". "As crianças que não tem água tratada para beber, as mulheres que temem por sua segurança, os jovens que não tem a chance de receber uma educação decente, tem o direito de ter melhores condições", diz. "Todas as pessoas precisam ter a oportunidade de trabalhar por um futuro melhor", insiste.

São palavras que merecem atenção ao ligar o direito à moradia ao pleno exercício dos direitos fundamentais e revelam uma dimensão dos direitos humanos quase sempre esquecida por aqueles que, no campo conservador, reduzem esta conquista da humanidade às garantias individuais, esquecendo que estas só podem existir plenamente ao lado do pleno exercício das garantias sociais.

Irão as favelas se tornar as vedetes do urbanismo pós-moderno?





Modesta Contribuição para um Caleidoscópio Mundial
Flor da Palavra 19/03/2010 05:00


Rizoma Flor da Palavra: modesta contribuição a um caleidoscópio mundial


A Flor da Palavra é a invenção de um rizoma de comunicação e solidariedade, inspirado inicialmente no levante dos povos maias e seu Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), nos movimentos anti-capitalistas simbolizados pela "batalha de Seattle", e tantas outras lutas anti-autoritárias, combatendo não apenas Estados e corporações, mas também os significados, valores e práticas cotidianas que as sustentam. Esta invenção não é o ponto de partida. É um ponto possível de encontros - comunicação e solidariedade - para a revitalização de tradições esquecidas, e a germinação de novas palavras, valores e práticas. É menos um "espaço público" iluminista, com sua transparência e padronização que se pretende universal, e mais a formação de um rizoma, tecedura de mundos, formando o mundo onde caibam muitos. A Flor da Palavra se constrói com arquitetura semelhante à de "favelas": labiríntica, assimétrica, rica de sentidos e surpreendentes passagens, comunicações, conflitos e solidariedades; por isso mesmo, será difícil discipliná-la, controlá-la ou reprimi-la. Não é a formulação de um padrão de luta, mas a arte de enlaçar os existentes em colaboração criativa. Ela se faz por colagens, bricolagens, reciclagens com os lixos urbanos e os adubos dos rios e das florestas. Para conectarmos e reinventarmos os nossos mundos, é preciso caminhar perguntando, escutando e dialogando.

A Flor da Palavra é o encontro das práticas, das lutas reais de cada pessoa e coletividade em seu dia a dia, sobretudo aquelas lutas que sequer chamamos "lutas", e movimentos que não chamamos "movimentos", por não estarem nos manuais e nem nas grandes teorias. Desabrocha na reflexão sobre a prática: mente e corpo em movimento se unificam tal qual a pessoa e sua imagem no espelho. A pessoa e sua imagem revelam-se diversos, invertidos, e desta dança nasce outra pessoa (imaginem a mulher ou o homem diante de um espelho, ao se enfeitarem para a noite). A reflexão sobre a prática não existe para a solidão: ela nasce na palavra falada, na palavra escrita, na palavra cantada. Depois do ensaio diante de nossos espelhos falamos, escrevemos e cantamos entre outras e outros. Desabrocha na colet(d)iv(ers)idade: labirinto de espelhos... nas mãos que tecem, nas pernas que se erguem ou bailam. Também o corpo, quando em comunhão com outros corpos, se faz palavra. O corpo que trabalha uma roça coletiva, a canoa ligando aldeias, uma casa comunitária, a cooperativa manufatureira, um sistema de bicicletas públicas, o banco comum de compartilhamento de sementes, a rádio e a TV livres, o faz inspirado e inspirando outros corpos.

A Flor da Palavra é o baile que parte da humilde vida de cada pessoa, de cada grupo que deseja reencontrar-se com pensamentos e práticas que façam sentido porque ligadas à sua própria história, mas que se multiplicam em mais e mais sentidos, porque se comunicam e se enredam com outras histórias também com seus sentidos. A diversidade de sentidos somente pode existir na fraternidade: a atual Amazônia brasileira em 1500 se fazia com cerca de 700 línguas e infindáveis astronomias, botânicas, sexologias, musicologias, economias, artes, mitologias e assim por diante em vertiginoso caleidoscópio de sentidos. Com as estruturas verticais e colonizadoras que desde então vêm sendo impostas, sobraram 120 línguas, e temos a maior parte da sociedade em processo de simplificação e padronização em uma única língua e parcos saberes limitados a reproduzir relações de mando, repressão e exploração. Somos massificados em indivíduos tão iguais quanto isolados e em ferrenha competição. Quanto mais iguais somos, mais fácil é nos controlar, nos explorar ou nos descartar para um exército de mão de obra de reserva.

O capitalismo é um grande fantasma. Quase não existe para além de suas conquistas financeiras e materiais. É pobre de sentidos, possuindo uns quantos valores de acumulação e poder. As suas grandes ilusões civilizatórias estão desacreditadas. Na raiz de sua pobreza de sentidos está a expansão do trabalho alienado que separa o trabalho do lazer e produz capatazes e oprimidos. Seu trabalho não produz sentidos, apenas alimenta o círculo vicioso do "dinheiro-mercadoria-mais dinheiro (d-m-d?)", a roda viva que engole os vivos, e que para se manter exige a expansão permanente, colonizando cada vez mais territórios e aspectos da vida cotidiana de cada povo. Na alienação o trabalhador e a trabalhadora não se realizam, não produzem a si mesmos/as e os seus desejos, pois não têm controle sobre os saberes, instrumentos, matérias primas, o tempo, o espaço e o processo de produção. Mesmo as elites encarregadas de controlar os povos pouco controle têm sobre si próprias: são antes capatazes da missão impessoal e universal da acumulação monetária a qualquer custo. O capitalismo produz coisas e cifrões, oprimidos e capatazes, mas não produz pessoas: apenas em suas brechas resistem as pessoas e os seus sentidos. O capitalismo talvez se desvaneça como um castelo de cartas na medida em que as pessoas se enriqueçam de sentidos e perspectivas com práticas não alienadas. O que restar de sua opulência material deverá ser resignificado, reciclado, lixo urbano que é.

Para tanto é preciso cada pessoa reconectar as suas práticas consigo mesma e com as práticas não alienadas das outras. A Flor da Palavra é a arte de buscar o encontro de si, que se faz a partir das próprias tradições e no trabalho artesanal: trabalho ligado ao "eu", que faz sentido e realiza desejos. É também a arte de partir de si ao encontro dos outros e outras, na confluência de histórias e no trabalho colaborativo: trabalho ligando o "eu" à/o "outra/o", produzindo riqueza de sentidos e desejos (o real e o social não se opõem aos desejos quando há arte e colaboração ? o baile). É recriar a floresta de mundos diversos e fraternos que é a nossa natureza. Processo inverso da construção da cidade industrial que se faz contra a natureza, na instauração de um humano sobrenatural, onde trabalho é martírio para a maioria e prazer é luxo separado do trabalho, e "privilégio" de uma minoria. Hierarquia esquizofrênica em que o homem e a mulher se vêm alienados de si, seja porque consumem desejos que não produziram, seja porque produzem, mas não os seus desejos; e se vêm alienados dos outros e outras, porque produzem e consomem sozinhos e sozinhas.

Nascidos e nascidas na pobreza das grandes vitrines (televisões?) capitalistas, somos a um só tempo reprodução e resistência. Há em cada um de nós algum grau do individualismo competitivo das massas padronizadas e consumistas e do elitismo monopolista dos/as capatazes. Por isso, quando nos buscamos nas outras pessoas, não é apenas a esperança que encontramos. Encontramos também nossos monstros. "O sono/sonho da razão produz monstros" (Goya). Nas outras vemos o nosso próprio automatismo reprodutor das agonias do capitalismo, a pobreza de espírito, as nossas próprias fraquezas e a revolta, a ira que, enquanto formos dominados, tende a se voltar contra os/as nossos/as semelhantes. Com nossas divisões, é o capitalismo que governa. Enquanto competimos, as corporações fortalecem os seus monopólios. Diante dos monstros a tolerância, a paciência a perseverança são temperos para a arte de parir afinidades, encontros de aprendizagem mútua, tecedura com retalhos de vidas autênticas, e por isso mesmo sem perfeição ou perdição plenas. Belezas e feiúras pequenas de vidas entrelaçando-se, trocando saberes e dúvidas, somando táticas, de cujos híbridos se fazem novas táticas.

As possibilidades de ação e sentido das táticas e das pessoas se multiplicam quando elas e eles se combinam. Uma horta comunitária e uma rádio livre que se conectam formam algo que não é apenas uma horta e uma rádio, são já algo mais: prenhe de novas táticas. Um pedreiro e uma poetisa, quando aliados, já não são mais apenas um pedreiro e uma poetisa, são já algo além, e assim nascem as novas pessoas de um mundo de colaboração e diversidade autofecundante. A combinatória de pequenas belezas e feiúras, vista de longe, é o caleidoscópio, o arcoíres, a floresta, a beleza suprema da natureza hoje tão negada. A Flor da Palavra é o encontro das lutas cotidianas de cada pessoa e cada grupo, sem ignorar que somos também frutos da cidade sobrenatural. È assumir nossa condição de inserção na formação cultural padronizada por sistemas escolares e a indústria cultural, de controlados no trabalho alienado, dependentes de impulsos consumistas que nos são implantados desde a experiência estética nos espaços urbanos, mas também nos rurais. É reconstruir o "eu" perdido a partir do espelho do passado. É tecer os "nós" perdido na cidade translúcida, através do reflorestamento de espelhos onde cada um se torna muitos, e todos voltam a ser cada um, caminhando o seu e os nossos caminhos. Construir um caleidoscópio.

Cultivamos a Flor da Palavra em nosso dia a dia, priorizando a revitalização e a invenção dos aspectos de nossas vidas que escolhemos e podemos a cada momento e em cada lugar. Mas de tempos em tempos celebramos a fertilidade de nossa arte através da tecedura coletiva de táticas/metáforas que servem de apoio a essas transformações. "Lutar é criar" (EZLN). As táticas podem ser tanto rituais, quando se fazem numa temporalidade própria, quanto locais, quando em espacialidade própria. Poderão um dia ser sistêmicas, conectando de modo dinâmico tempos e lugares diversos?

Uma metáfora é a "Flor da Palavra", expressão zapatista que liga a noção de florescimento ao conceito maia de "palavra": a "palavra verdadeira" é a que vem do coração. "Verdade" não é onisciência, onipresença e eternidade como no cristianismo e na maior parte da filosofia ocidental. "Verdade" é a auto-expressão sincera em seu tempo e espaço próprios. Daí que a Flor da Palavra seja o nome que damos para a rede: referência à tecedura de instantes, lugares e lutas sinceras, tecedura de mundos com sentidos, pois fruto de trabalhos artesanais e colaborativos. Tecedura de uma colcha de retalhos que são os desejos e limites de cada pessoa ou grupo. É ainda o nome que damos à primeira tática/ritual/metáfora que inventamos: os acontecimentos "Flor da Palavra", que podem ser assembléias, seminários, shows, encontros, oficinas, etc, zonas autônomas temporárias em que se conectam pessoas, grupos, e suas histórias, lutas e trabalhos artesanais e colaborativos, com ênfase na comunicação e solidariedade com os grupos oprimidos. Neles são trocadas sementes para o roçado diário de cada um/a. Já aconteceram Flores em Campinas (SP), São Paulo (SP), Tefé (AM), Brasília (DF), Marília (SP), Cidade do México, Curitiba (PR), Maringá (PR), São José dos Pinhais (PR) e Catu (RN).

Uma tática/lugar/metáfora é o "Caracol". Para os/as maias é, originariamente, um instrumento de comunicação. Recentemente foi resignificado pelos/as zapatistas na construção de lugares que servem à comunicação entre comunidades e municípios autônomos de uma região, permitindo a sua autogestão. Ao mesmo tempo, comunica as regiões autônomas com as redes de comunicação e solidariedade do mundo, privilegiando a conexão com os/as oprimidos/as. Transformamos a imagem dos caracóis zapatistas em mais uma tática/metáfora, que significa o estabelecimento de lugares para facilitar a comunicação e a solidariedade entre histórias e lutas de uma localidade, e destas com histórias e lutas de outros lugares. Temos alguns caracóis, mas por enquanto apenas um batizamos desta maneira. Na verdade, batizamos de "Cacacolteua", pois o "primeiro" caracol está localizado na ilha de Caratateua (Belém - PA). Está sendo construído por mãos e mentes locais e de longe, buscando os caminhos tortuosos da comunicação horizontal transformadora e do trabalho colaborativo em meio à opressão que se vive nas margens de Belém.

Há a tática/ritual/metáfora do "Ajuri", palavra amazônica para "mutirão", muito praticada por indígenas e ribeirinhos quando colaboram em trabalhos comunitários. A Flor da Palavra também pratica o ajuri, quando voluntários unem esforços em ações coletivas. Temos, por exemplo, os "ajuris do caracol" realizados para estabelecer e erguer o Caracolteua. Finalmente, existe a tática/ritual/metáfora "Polinização", talvez a mais singela de todas. Ela usa instrumentos simples chamados "Pólens": vídeo, poema, e-mail, zine, bilhete dentro de uma garrafa ou qualquer outra mensagem que possa ser usada em pequenas fecundações espalhadas nas zonas mais desconhecidas e menos "públicas", nas conexões mais imprevisíveis e menos planejadas da rede-rizoma.

Quem sabe, futuramente, não criaremos táticas/sistemas/metáforas, como por exemplo sistemas de transporte colaborativos, comércio solidário, rizomas de comunicação dialógica, ou de escambo de saberes, sistemas de produção científica colaborativa e popular, ou mesmo de autogestão territorial? Outras táticas/metáforas poderão ser inventadas a partir de nossas próprias e outras tradições. A arte nos unirá na horizontal diversidade.




Flor da  Palavra e Rock na Rua de Tefé
Flor da Palavra e Rock na Rua de Tefé

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A palavra sustenta a flor, ou a flor sustenta a palavra?


Anemia Falciforme: estigma de doença de negro, descaso, sofrimento e morte


Foto: Daniel Cardoso

Diony Maria, jornalista e especialista em Antropologia Social (RS)


Nos Estados Unidos e em Cuba, a média de vida das pessoas com Anemia Falciforme é de 56 anos. Em Cuba, não há registros de mortalidade infantil por causa da doença. Na Jamaica, um estudo realizado em 1997, apontou que 80% dos jovens de até 21 anos e doentes falciformes já haviam completado o ensino médio. Nesses países, as políticas públicas eficazes de tratamento da doença tiveram início há quase três décadas.

No Brasil, ainda não foi implantado, de fato, um programa nacional para a Anemia Falciforme. Os dados garimpados por profissionais da área da saúde dedicados ao estudo da doença são dramáticos: as taxas de mortalidade de crianças falcêmicas menores de cinco anos são altíssimas; a expectativa de vida dos doentes oscila de 18 a 21 anos; dos que sobrevivem e heroicamente ultrapassam esta faixa etária, apenas 8,5% conseguem completar o ensino médio.

A  Associação Gaúcha de Doença Falciforme reùne portadores da anemina  falciforme, médicos e familiares numa mesma luta. Foto: Paulo RicardoA Anemia Falciforme é uma doença genética, hereditária e incurável que afeta a hemoglobina fazendo com que os glóbulos vermelhos percam sua elasticidade, tornando-se rígidos e com formato de foice. Dessa maneira, estes glóbulos agregam-se e obstruem a passagem do sangue nos pequenos vasos, causando microenfartos em diferentes partes do corpo. Entre os sinais e sintomas, destacam-se as crises dolorosas nos ossos, músculos e articulações, o cansaço, a icterícia (amarelão) e as úlceras (feridas) nas pernas. Em bebês, pode haver inchaço muito doloroso nas mãos e pés.

Este tipo de anemia incide em pessoas afro-descendentes não importando se, pela aparência (fenótipo), elas se considerem negras (pretas ou pardas) ou não negras (brancas).

Há anos, o discurso de ativistas da área da saúde, em especial da saúde da população negra, soa como um mantra: a Anemia Falciforme é uma questão de saúde pública. Certamente, os governos que entram e saem já sabem disso. O que prova que, também neste caso, o racismo anda de mãos dadas com o descaso e a falta de uma efetiva vontade política.

Programas para inglês ver
Em meados de agosto do ano passado, o ministro da Saúde, Humberto Costa, esteve no Rio Grande do Sul para participar do I Seminário Nacional sobre Anemia Falciforme e lançar oficialmente o Programa de Políticas Nacionais para o Combate à Anemia Falciforme. Participaram deste seminário, entre outros, secretários estaduais e municipais de saúde, representantes do Congresso Nacional (Senado Federal e Câmara dos Deputados), da Assembléia Legislativa (RS), da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, da Sociedade Brasileira de Pediatria, da Sociedade Brasileira de Hematologia, da Associação Gaúcha de Doença Falciforme (Agafal) e do Ministério Público.

Celina Rosa dos Santos. Foto: Paulo RicardoAté agora, o máximo que o evento conseguiu render foi a produção de uma cartilha publicada “para informar a população sobre a Anemia Falciforme”. A cartilha, produzida pela Comissão de Participação Legislativa Popular, da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, foi lançada em novembro do ano passado, dentro das atividades da Semana da Consciência Negra.

Também em 2004, o Ministério da Saúde organizou várias reuniões em Porto Alegre e convidou profissionais da área da saúde, incluindo médicos hematologistas dos principais hospitais da capital gaúcha, representantes de organizações não governamentais que atuam na área da saúde, portadores de Anemia Falciforme e familiares destes.

Consta na ata da Agafal que o objetivo dessas reuniões era alicerçar projeto piloto do Programa Nacional de Atenção Integral aos Pacientes Portadores de Hemoglobinopatias – Anemia Falciforme e Talassemia, pelo qual os novos casos de Anemia Falciforme seriam tratados nos hemocentros, significando a centralização do atendimento e da distribuição de medicamentos. Professor João Ricardo Friedrisch. Foto: Paulo Ricardo

Ainda segundo a ata, “o objetivo [do programa] é promover uma mudança na história natural das hemoglobinopatias no Brasil, reduzindo a morbidade em concordância com a portaria do MS 822 de junho de 2001.” O projeto piloto contempla seis capitais do país: Belém, Belo Horizonte, Campo Grande, Porto Alegre, Recife e Salvador.

“A última reunião aconteceu no dia 19 de outubro de 2004. Já se passaram seis meses e nunca mais se ouviu nada sobre o assunto”, sintetiza a diretora da Agafal, Neusa Maria da Rocha Carvalho, que, semanalmente, se reúne com os médicos que também integram a diretoria da Agafal e chefiam o Serviço de Hematologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, um dos centros de referência de tratamento de pacientes portadores de Anemia Falciforme no Rio Grande do Sul.

Inusitadamente, até o final do mês de abril, os integrantes da Agafal ainda não haviam sido informados de que o projeto piloto que contempla Porto Alegre foi lançado oficialmente pelo Ministério da Saúde, no último dia 21 de março. Aliás, neste dia, a coordenadora do Programa Nacional de Atenção Integral aos Pacientes Portadores de Hemoglobinopatias – Anemia Falciforme e Talassemia, Joice Aragão, declarou à Agência Brasil: “o projeto tenta levar a questão de uma política de atenção integral ao paciente. Vamos organizar uma rede de assistência para que o atendimento fique mais próximo. Vamos ver o perfil dos funcionários que vão atender esses pacientes, qual atenção deve ser dada a eles. A idéia é a gente trabalhar integralmente com esses pacientes dentro das estruturas locais.”

Cinco Maracanãs versus toda a cidade de São Paulo
A apresentação dos números e as comparações concretas dispensam maiores comentários. No final de 2004, relatório divulgado pelo Unaids, programa das Nações Unidas de Combate à AIDS, informou que o Brasil tinha 600 mil pessoas infectadas pelo HIV ou 0,34 da população total do país. Segundo o mesmo relatório, 150 mil portadores do vírus já desenvolveram a doença e estão em tratamento.

Fica mais fácil visualizar o que significam estes números, se levarmos em conta a capacidade oficial e o recorde de público do Maracanã, respectivamente, 122.268 pessoas e 183.341 pessoas (no jogo Brasil 1 x Paraguai 0, em 1969). Os portadores do HIV lotariam cinco Maracanãs, sendo que os doentes que já desenvolveram a doença estariam num número menor do que o recorde de público do estádio. Sem dúvida, um quadro dramático.

A AIDS, como também o câncer, recebem do Ministério da Saúde a classificação de doença com tratamento de alta complexidade. O que significa, entre outras atenções, o pronto abastecimento do estoque dos medicamentos gratuitos fornecidos pelas farmácias do Sistema Único de Saúde (SUS).

Onze milhões - O gene da Anemia Falciforme (HbS) afeta 6% da população brasileira ou pouco mais de 11 milhões de pessoas. (É isso mesmo, onze milhões.) Quando se consideram apenas os negros (pretos e pardos), esse percentual pode atingir 10% desta população ou pouco mais de oito milhões de pessoas. Assim, na comparação, o HbS corresponderia ao número total da população da cidade de São Paulo ou, se preferir, ao público suficiente para lotar aproximadamente cem (100) Maracanãs.

A diferença fundamental entre o vírus HIV e gene HbS é que o primeiro, sendo um vírus, pode entrar no organismo de qualquer pessoa a qualquer momento. Já o segundo, sendo um gene, só poderá causar efetivamente a doença falciforme se encontrar outro gene igual na concepção. Ou seja, os filhos de uma pessoa que possua um gene normal e outro alterado (Traço Falciforme) com outra pessoa que também possua um gene normal e outro alterado (Traço Falciforme) podem nascer com os dois genes alterados (Anemia Falciforme). Matematicamente, se existem 11 milhões de brasileiros portadores do Traço Falciforme é bastante provável que muitos deles possam se encontrar e possam gerar filhos com Anemia Falciforme. Como não existe no país um rastreamento da incidência do Traço Falciforme, as pessoas só sabem da carga genética quando o traço ou a doença se manifestam.

A Anemia Falciforme é uma doença grave, mas se diagnosticada em tenra idade e tratada corretamente pode permitir que os doentes tenham um padrão de qualidade de vida razoável. É o que atestam os já citados números dos EUA, de Cuba e da Jamaica. Tal tratamento exige uma atenção integral ao paciente durante toda a sua vida, uma vez que toda a saúde fica comprometida.

Remédios caros - No Brasil, os preços dos remédios utilizados no tratamento da Anemia Falciforme são proibitivos. Em Porto Alegre, por exemplo, uma caixa com cem compridos de Hidroxiuréia dura um mês e custa em torno de R$ 250,00. (Isso mesmo, duzentos e cinqüenta reais). A Hidroxiuréia é fundamental no tratamento porque penetra dentro dos glóbulos vermelhos e consegue amolecer a hemoglobina endurecida.

Uma caixa com dez ampolas de Desferal, que evita o acúmulo de ferro no sangue, sai por R$ 200. A bomba de infusão de uso caseiro, equipamento que fica acoplado ao corpo do paciente durante aproximadamente oito horas para retirar o excesso de ferro já acumulado no organismo, custa aproximadamente R$ 2 mil e 600 (dois mil e seiscentos reais). Já a bomba de uso hospitalar custa em torno de R$ 6 mil (seis mil reais). A vantagem é que esta leva somente uma hora para retirar o excesso de ferro e, evidentemente, poderá ser utilizada por várias pessoas em um mesmo dia.

Para as feridas crônicas, que normalmente aparecem nos tornozelos dos doentes, uma bisnaga com 50 gramas da pomada Iruxol custa por volta de R$ 54,00 e dura somente uma semana. A rede pública fornece a pomada Nebacetin que não faz a limpeza necessária e não é eficaz na cicatrização. Na prática, os postos de saúde costumam disponibilizar somente o curativo Bota de Ulna (feito com óxido de zinco). Os profissionais de saúde dizem que este curativo produz uma melhora, mas está longe de ser o ideal.

Os pacientes ainda precisam tomar diariamente vitaminas do Complexo B. Receber doses de penicilina mensalmente. Vacinar-se regularmente. A Anemia Falciforme ainda não foi incluída pelo Ministério da Saúde do Brasil no rol das doenças de tratamento de alta complexidade..