Escola que comunica, não se trumbica

FOTO1RADIOEscola que comunica, não se trumbica
Rodrigo Correa, Colaborador da ONG Oficina de Imagens
Imagine a cena: um grupo de crianças e adolescentes conduzindo um veículo de comunicação, uma rádio, dentro de uma escola da rede pública. A cena é real e a experiência vem sendo desenvolvida em duas instituições de ensino municipal de Belo Horizonte, integrantes do projeto Comunic@ Escola: as escolas municipais Professora Alcida Torres, no bairro Taquaril e São Rafael, no Pompeia, ambos na região Leste da cidade. Quarenta crianças e adolescentes – vinte em cada escola – participam atualmente do projeto, realizado pela ONG Oficina de Imagens em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a empresa British Telecom e a Prefeitura de Belo Horizonte por meio da Secretaria Municipal de Educação. O Comunic@ Escola! desenvolve atividades educativas, a partir de técnicas e ferramentas de comunicação e já realizou, em dois anos de atuação, oficinas de fotografia, vídeo e jornal mural, que culminaram na implantação de rádios escolares.
As atividades do Comunic@ Escola acontecem duas vezes por semana nas escolas participantes e priorizam dinâmicas e brincadeiras que fortaleçam o relacionamento entres os estudantes. Durante as oficinas, de forma transversal, o alunos trabalham temas como os direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, a participação estudantil, o combate à discriminação e a melhora da convivência no ambiente escolar. Para a coordenadora do Comunic@ Escola!, Paula Kimo, com a implantação da rádio escolar, o projeto espera contribuir para criar, no ambiente escolar, um espaço de circulação da informação de forma mais livre. “A rádio possibilita momentos de interação, troca de informação e entretenimento, além de servir como uma poderosa ferramenta pedagógica”, afirma o jornalista e educador do projeto, Carlos Jáuregui. De acordo com ele, a rádio pode dialogar tanto com os conteúdos trabalhados em sala de aula, quanto com temáticas que não estão incluídas de forma sistemática nos currículos. “É o caso de discussões muito importantes como cidadania e direitos humanos”, informa.
Rádios Escola e jovem sintonizado
Em agosto próximo, será a vez da Escola Municipal São Rafael, no bairro Pompeia, lançar oficialmente a “Rádio Escola – a rádio do São Rafael”. De acordo com a professora comunitária, Orquídea de Deus, o Comunic@ Escola! tem contribuído para melhorar as relações na escola, inclusive no que diz respeito à disciplina e ao estímulo a uma cultura da não-violência. “Vai contribuir muito para a conscientização dos estudantes sobre os problemas que enfrentamos e também, na interlocução com as famílias e a comunidade”, acredita. Inaugurada no último dia 22 de junho, a rádio Jovem Sintonizado – a rádio que todo jovem quer” – vem se inserindo gradativamente no dia a dia da Escola Municipal Professora Alcida Torres. Atualmente a rádio vai ao ar às terças e quintas-feiras, nos horários da entrada e recreio dos alunos e do almoço e, após um período de adaptação, espera-se que funcione diariamente. De acordo com o estudante de 16 anos, Mateus Eliardo Santigo, no projeto desde o início, a rádio facilita a troca de informações, além de deixar a escola mais divertida. “Podemos passar as músicas prediletas dos alunos, fazer e mobilizar para campanhas solidárias, como para a doação de agasalhos e informar sobre os direitos dos estudantes e as ações do grêmio estudantil”, diz.
JORNALISMO CIDADÃO: projeto do caderno EU ACREDITO!, em parceria com organizações sociais, promove o acesso efetivo à grande mídia, através da publicação de material jornalístico do interesse das comunidades atendidas, produzido sob a orientação de profissionais de Comunicação. PARTICIPE! Mais informações: ppclitzamattos@gmail.com

Poesia e política “dão voz” à comunidade

Foto 2Fomentar e fortalecer a cultura, especialmente a diversidade cultural da periferia. Essa é a proposta do Coletivoz, grupo formado por artistas, escritores e poetas, surgido em 2008 no bairro Independência, na região do Barreiro, em Belo Horizonte. Com a realização de saraus e intervenções culturais diversificadas, o grupo estimula a reflexão política pelas vias da arte e da literatura. Segundo a articuladora do Coletivoz, Kaká Pimenta, embora marginalizado e alvo de preconceito, o rap, estilo musical que explora o ritmo e a poesia, na construção de uma arte com fortes raízes popular, local e de protesto, é um das manifestações culturais mais presentes na região. E é no universo da periferia, marcado por desigualdades socioeconômicas, mas também pela diversidade cultural, que a discussão política se torna a base da ação do Coletivoz. Nosso discurso é de resistência, levando o discurso político, onde ele seja necessário. Não vendemos um produto, mas falamos sobre a miséria humana e trabalhamos para desalienar as pessoas”, afirma Kaká.

Em Belo Horizonte, as apresentações do Coletivoz são performáticas e acontecem há dois anos, toda quarta-feira, no bar Zé Herculano, no bairro Independência . Nesses momentos, a sinuca é transformada em uma mesa, coberta por painéis de grafites e livros, disponibilizados ao público. Incorporado à realidade do lugar onde o grupo nasceu, esse trabalho é resultado da inspiração e da apropriação das iniciativas da Cooperativa de Poetas da Periferia (Cooperifa), de São Paulo (capital), promotora de saraus semanais, que chegam a reunir até 500 pessoas por edição, ávidos por ouvir e declamar poemas próprios ou de outros autores, textos que articulam indignação e denúncia, com o apelo estético da poesia. Segundo Kaká, a delicadeza da linguagem poética é importante para tornar o discurso do Coletivoz menos duro e mais atraente e acessível.

O Barreiro, onde nasceu o Coletivoz, a 15 km do centro de BH, é a segunda região mais movimentada, após o centro comercial da capital mineira. Com154anosdeidade, completados em 2009, é mais antiga que a própria capital de Minas. A arrecadação do Distrito do Barreiro gera em cerca de 40%do Valor Adicional Fiscal (VAF) de Belo Horizonte, comprovando a importância dessa região a capital. Comcercade300milhabitantes, 90 mil domicílios, 54 bairros, caso fosse emancipado, estaria entre as 8 maiores cidades de Minas Gerais.

Matéria produzida por: VANESSAVEIGA e ROBERTOALMEIDA – COLABORADORES-ASSOCIAÇÃO IMAGEMCOMUNITÁRIA

JORNALISMO CIDADÃO, um projeto EU ACREDITO!HOJEEMDIA, em parceria com organizações sociais, promove o acesso à grande mídia, através da publicação de material jornalístico do interesse das comunidades atendidas, produzido sob a orientação de profissionais de Comunicação. PARTICIPE! Mais informações: ppclitzamattos@gmail.com

Esquema novo - Retrospectiva do ano que vem



Rodrigo James - Estado de Minas
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Fernando Laszlo/Divulgação
Arnaldo Antunes profetizou a revolução da arte no nosso cotidiano com a canção Música para ouvir
Se o ano musical de 2011 pudesse ser definido em uma palavra, ela seria “mobilidade”. E não estou falando da proliferação dos smartphones conectados à internet que acabaram com os downloads legais e ilegais, abrindo espaço para que a música finalmente pudesse ser ouvida em real time usando apenas as lentas conexões 4G. Me refiro ao ano em que todos perceberam que é muito fácil compor, gravar e disponibilizar música usando estes aparelhos. Quem diria que há apenas um ano estaríamos todos exaltando o feito de Damon Albarn que gravou um disco inteiro de seu projeto Gorillaz usando um Ipad…

“Música para ouvir no trabalho/ Música para jogar baralho/ Música para arrastar corrente/ Música para subir serpente”. Seguramente, quando compôs Música para ouvir, Arnaldo Antunes não imaginava que sua letra passaria de crítica à presença da música em todos os momentos de nossas vidas a profecia. Se por um lado uma infinidade de novos artistas surgiram no cada vez mais pulverizado mercado fotográfico, o ano não foi bom para quem já estava estabelecido. Bandas como Strokes, R.E.M, Radiohead e Rolling Stones lançaram novos trabalhos, mas não atingiram nem um quinto da repercussão de outrora. Nomes obscuros como The Shift Shakers, Rattleband a Chris Stone-Pamper tomaram os lugares dos já veteranos Tame Impala, Sleigh Bells e Avi Buffalo na preferência da crítica. A efemeridade da música nunca foi tão evidente.

Foi o ano em que os grandes festivais do mundo pararam para repensar. Na Europa e nos Estados Unidos, o número de ingressos vendidos para estes eventos caiu assustadoramente, mostrando que a curva decrescente detectada em 2009 não era fogo de palha. Do quase cancelamento do maior de todos, Glastonbury, à mundialização de marcas como Lollapalooza, Bonnaroo, Coachella e Roskilde (a edição argentina deste último foi considerada pela crítica como o grande festival de 2011), a máxima miltonnascimentiana “todo artista deve ir aonde o povo está” foi lida ao pé da letra pelos organizadores. Os destinos foram os emergentes do showbiz mundial: Brasil, Argentina e Chile. Se os maiores cachês do mundo já eram pagos ali, porque não radicalizar e capitalizar mais ainda em cima destas praças?

NOVOS RUMOS

Também a cena independente brasileira viveu um ano de mudança de paradigmas. Sai o dinheiro público e entra o capital privado. Apostando na diversidade cultural brasileira e se aproveitando do fato de a música estar cada vez mais presente na vida do brasileiro, mais empresas associaram suas marcas com os novos e velhos eventos voltados para a música autoral. As leis de mercado regeram as curadorias e o público, exigente como sempre, deixou de fora artistas engajados que se preocupam apenas com o discurso para demandar por nomes com uma conexão direta com a música, sintonizados nesta nova realidade. Houve espaço para tudo e para todos e a única condição exigida foi a não invenção de artistas.

Para finalizar, aquela que foi considerada por muitos a grande mudança de 2011. Depois de mais de uma década sob o domínio da cultura hip-hop norte-americana, as rádios brasileiras parecem ter acordado e ofereceram aos ouvintes um leque mais amplo de opções. Do afrobeat ao pop psicodélico, houve espaço para tudo no dial brasileiro e os ouvintes, antes culpados por todos como os grandes responsáveis pela baixa qualidade, provaram que suas opiniões são soberanas. As audiências aumentaram, anunciantes ficaram felizes e o veículo, que então patinava, ganhou fôlego extra.


P.S.: Este é um texto de ficção. Mas pode não ser. Vários factóides aqui apresentados podem se transformar em realidades. Outros não. Para o bem ou para o mal. De qualquer maneira, feliz 2011.

Última máquina de revelação do filme Kodachrome será desligada hoje

DE SÃO PAULO

A última máquina de revelação do filme Kodachrome será desligada hoje para ser vendida como sucata, relata o "New York Times".

Lançado em 1935 pela Kodak, o Kodachrome foi o primeiro filme colorido da história e, de acordo com o jornal, ainda é o mais amado.

Fotógrafos consideram a riqueza de cores e o tratamento do filme incomparável, mesmo depois da chegada das câmeras digitais.

David Duprey/AP
Lançado em 1935 pela Kodak, o Kodachrome foi o primeiro filme colorido da história
Lançado em 1935 pela Kodak, o Kodachrome foi o primeiro filme colorido da história

"Faz você pensar que o mundo todo é um dia de sol", cantou Paul Simon em seu hit "Kodachrome", de 1973, lembrou o jornal. A música de Simon carrega ainda o apelo: "mamãe, não leve meu Kodachrome embora".

Mas não tem jeito, o filme vai acabar. O último processador era o laboratório Dwayne's Photo, empresa familiar da pequena cidade de Parsons, Kansas, nos EUA.

Recentemente, dezenas de visitantes e milhares de pacotes chegaram ao Dwayne's. Rolos de filme guardados em freezers e escondidos em armários, por vezes, por décadas, inundaram o local, vindos dos seis continentes, relata o "NYT".

ÚLTIMO ROLO

No auge, cerca de 25 laboratórios em todo o mundo processavam o Kodachrome, mas o último estabelecimento administrado pela Kodak nos Estados Unidos fechou há vários anos, seguido pela unidade do Japão e da Suíça.

Havia restado apenas o Dwayne's. Porém, no ano passado a Kodak parou também de produzir as substâncias químicas necessárias para a revelação do filme, provendo o Dwayne's com material suficiente para continuar o processamento apenas até o fim deste ano.

O mais difícil para o laboratório foi escolher qual seria o último rolo a ser revelado. Por fim,decidiu-se por um filme pertencente a Dwayne Steinle, proprietário do local.

A última foto será uma de todos os funcionários em frente ao Dwayne's vestindo camisetas com o epitáfio: "o melhor slide e filme na história agora está oficialmente aposentado. Kodachrome: 1935-2010".

Preconceito que cala, língua que discrimina



Marcos Bagno, escritor e linguista brasileiro, deixa à mostra a ideologia de exclusão social e de dominação política pela língua

Joana Moncau,

Marcos Bagno, escritor e linguista brasileiro, deixa à mostra a ideologia de exclusão social e de dominação política pela língua, típica das sociedades ocidentais. “Podemos amar e cultivar nossas línguas, mas sem esquecer o preço altíssimo que muita gente pagou para que elas se implantassem como idiomas nacionais e línguas pátrias”.
O preconceito linguístico é um preconceito social. Para isso aponta a afiada análise do escritor e linguista Marcos Bagno, brasileiro de Minas Gerais. Autor de mais de 30 livros, entre obras literárias e de divulgação científica, e professor da Universidade de Brasília, atualmente é reconhecido sobretudo por sua militância contra a discriminação social por meio da linguagem. No Brasil, tornou-se referência na luta pela democratização da linguagem e suas ideias têm exercido importante influência nos cursos de Letras e Pedagogia.
A importância de atingir esse meio, segundo ele, é que o combate ao preconceito linguístico passa principalmente pelas práticas escolares: é preciso que os professores se conscientizem e não sejam eles mesmos perpetuadores do preconceito linguístico e da discriminação. Preconceito mais antigo que o cristianismo, para Bagno, a língua desde longa data é instrumentalizada pelos poderes oficiais como um mecanismo de controle social. Dialeto e língua, fala correta e incorreta: na entrevista concedida a Desinformémonos, ele desnaturaliza esses conceitos e deixa à mostra a ideologia de exclusão e de dominação política pela língua, tão impregnada nas sociedades ocidentais.
A língua é um dialeto com exército e marinha”, Max Weinreich
O controle social é feito oficialmente quando um Estado escolhe uma língua ou uma determinada variedade linguística para se tornar a língua oficial. Evidentemente qualquer processo de seleção implica um processo de exclusão. Quando, em um país, existem várias línguas faladas, e uma delas se torna oficial, as demais línguas passam a ser objeto de repressão.
É muito antiga a tradição de distinguir a língua associada ao símbolo de poder dos dialetos. O uso do termo dialeto sempre foi carregado de preconceito racial ou cultural. Nesse emprego, dialeto é associado a uma maneira errada, feia ou má de se falar uma língua. Também é uma maneira de distinguir a língua dos povos civilizados, brancos, das formas supostamente primitivas de falar dos povos selvagens. Essa forma de classificação é tão poderosa que se erradicou no inconsciente da maioria das pessoas, inclusive as que declaram fazer um trabalho politicamente correto.
De fato, a separação entre língua e dialeto é eminentemente política e escapa aos critérios que os linguistas tentam estabelecer para delimitar dita separação. A eleição de um dialeto, ou de uma língua, para ocupar o cargo de língua oficial, renega, no mesmo gesto político, todas as outras variedades de língua de um mesmo território à terrível escuridão do não-ser. A referência do que vem de cima, do poder, das classes dominantes, cria aos falantes das variedades de língua sem prestígio social e cultural um complexo de inferioridade, uma baixo auto-estima linguística, a qual os sociolinguistas catalães chamam de “auto-ódio”.
Falar de uma língua é sempre mover-se no terreno pantanoso das crenças, superstições, ideologia e representações. A Língua é um objeto criado, normatizado, institucionalizado para garantir a unidade política de um Estado sob o mote tradicional: “um país, um povo, uma língua”. Durante muitos séculos, para conseguir a desejada unidade nacional, muitas línguas foram e são emudecidas, muitas populações foram e são massacradas, povos inteiros foram calados e exterminados. No continente americano, temos uma história tristíssima de colonização construída sobre milhares de cadáveres de indígenas que já estavam aqui quando os europeus invadiram suas terras ancestrais e dos africanos escravizados que foram trazidos para cá contra sua vontade.
Não podemos esquecer que o que chamamos de “língua espanhola”, “língua portuguesa”, ou “língua inglesa” tem um rico histórico, não é algo que nasceu naturalmente. Podemos amar e cultivar essas línguas, mas sem esquecer o preço altíssimo que muita gente pagou para que elas se implantassem como idiomas nacionais e línguas pátrias.
Breve histórico linguístico da América Latina
A história linguística da América Latina foi e é marcada por muita violência contra as populações não-brancas, em todos os sentidos, dos massacres propriamente ditos, passando pela escravização e chegando aos dias de hoje com a exclusão social e o racismo.
No caso específico das línguas, as potências coloniais (Portugal e Espanha) se empenharam sistematicamente em impor suas línguas. As situações variam de país a país. Na Argentina, por exemplo, depois da independência, o governo traçou um plano explícito de extermínio dos indígenas, a chamada “Conquista do Deserto”, pagando em dinheiro às pessoas que levassem escalpos como prova do assassinato. Com isso, a população indígena da Argentina, principalmente do centro para o sul, desapareceu quase completamente, e com ela suas línguas.
No Peru e na Bolívia, a língua quéchua, que era uma espécie de idioma internacional do império inca, é muito empregada até hoje, havendo mesmo comunidades mais isoladas cujos falantes não sabem falar espanhol.
No Brasil, o trabalho de imposição do português foi muito bem feito, de maneira que é a língua homogênea da população. O extermínio dos índios fez desaparecer centenas de línguas: hoje sobrevivem cerca de 180, mas faladas por muito pouca gente, algumas já em vias de extinção. Durante boa parte do período colonial, a língua mais usada no Brasil foi a chamada “língua geral”, baseada no tupi antigo, que os jesuítas empregaram para catequizar os índios. Com a expulsão dos jesuítas no século XVIII e a proibição do ensino em qualquer língua que não fosse o português, a língua geral desapareceu. É uma pena que não tenhamos uma riqueza linguística como no México, que possui mais de 50 línguas diferentes, sendo que o nahua é falado por cerca de 1 milhão de pessoas. Ainda assim, essas minorias linguísticas no Brasil estão cada vez mais reconhecendo seus direitos e lutando por eles.
Quanto às línguas africanas no Brasil, elas não puderam sobreviver porque os portugueses tomavam cuidado para separar as famílias em lotes diferentes bem como os falantes de uma mesma língua, de modo que fossem obrigados a aprender o português para se comunicar entre si e com os brancos. Mesmo assim, as línguas africanas, sobretudo as do grupo banto, influíram fortemente na formação do português brasileiro, fazendo com que ele se tornasse o que é hoje, uma língua bem diferente do português europeu.
No Paraguai, como não houve expulsão dos jesuítas, a língua geral empregada por eles, o abanheenga (guarani), permanece até hoje como elemento importante da vida dos paraguaios, que são bilíngues em sua maioria: espanhol e guarani.
Falar errado? Para quem?
Também existe uma ideologia linguística que não é oficializada, mas que ao longo do tempo se instaura na sociedade. Em qualquer tipo de comunidade humana sempre existe um grupo que detém o poder e que considera que seu modo de falar é o mais interessante, o mais bonito, é aquele que deve ser preservado e até imposto aos demais.
Nas sociedades ocidentais as línguas oficiais sempre foram objetos de investimento político. As línguas são codificadas pelas gramáticas, pelos dicionários, elas são objetos de pedagogias, são ensinadas. Claro que essa língua que é normatizada nunca corresponde às formas usuais da língua, sempre há uma distância muito grande entre o que as pessoas realmente falam no seu dia-a-dia, na sua vida íntima e comunitária, e a língua oficializada e padronizada.
A questão da língua é a única que une todo o espectro linguístico, ou seja, a pessoa da mais extrema esquerda e da mais extrema direita geralmente concordam, por exemplo, diante da afirmação de que os brasileiros falam português muito mal. É uma ideologia muito antiga, eu digo que é uma religião mais antiga que o cristianismo, porque surgiu entre os gramáticos gregos 300 anos antes de Cristo e se impregnou na nossa cultura ocidental de maneira muito forte.
Entretanto, ao mesmo tempo em que as classes dominantes diziam que era preciso impor o padrão para todo o mundo, elas não permitiam às classes dominadas o acesso a ele. Havia essa contradição, que na verdade não é uma contradição, mas uma estratégia político-ideológica: “Você tem que se comportar assim, mas não vou te ensinar como”. Isso, para as classes dominantes terem, além de outros instrumentos de controle social, também o controle da língua. É o que Pierre Bourdieu chama de a ‘língua legítima’: as classes dominadas reconhecem a língua legitima, mas não a conhecem. Ou seja, elas sabem que existe um modo de falar que é considerado bonito, importante, mas elas não têm acesso a ele.
O preconceito linguístico nas sociedades ocidentais é derivado principalmente das práticas escolares. A escola sempre foi muito autoritária, muitas vezes as pessoas tinham que esquecer a língua que já sabiam e aprender um modelo de língua. Qualquer manifestação fora desse modelo era considerada erro, e a pessoa era reprimida, censurada, ridicularizada.
Outro grande perpetuador da discriminação linguística são os meio de comunicação. Infelizmente, pois eles poderiam ser instrumentos maravilhosos para a democratização das relações linguísticas da sociedade. No Brasil, por serem estreitamente vinculados às classes dominantes e às oligarquias, assumiram o papel de defensores dessa língua portuguesa que supostamente estaria ameaçada. Não interessa se 190 milhões de brasileiros usam uma determinada forma linguística, eles estão todos errados e o que apregoam como certo é aquela forma que está consolidada há séculos. Isso ficou muito evidente durante todas as campanhas presidenciais de que Lula participou. Uma das principais acusações que seus adversários faziam era essa: como um operário sem curso superior, que não sabe falar, vai saber dirigir o país? Mesmo depois de eleito, não cessaram as acusações de que falava errado. A mídia se portava como a preservadora de um padrão linguístico ameaçado inclusive pelo presidente da República.
Nessas sociedades e nessas culturas muito centradas na escrita, o padrão sempre se inspira na escrita literária. Falar como os grandes escritores escreveram é o objetivo místico que as culturas letradas propõem. Como ninguém fala como os grandes escritores escrevem, a população inteira em teoria fala errado, porque esse ideal é praticamente inalcançável.
Entretanto, isso é muito contraditório, porque os ensinos tradicionais de língua dizem que temos que imitar os clássicos, mas ao mesmo tempo somos proibidos de fazer o que os grandes autores fazem, que é a licença poética. Como aprendemos nas escolas, ela é permitida àquele que em teoria sabe tão bem a língua que pode se dar ao luxo de desrespeitar as normas. A diferença entre a licença poética e o erro gramatical é, basicamente, de classe social. Uma pessoa pela sua própria origem social se dá ao direito e tem esse direito reconhecido de falar como quiser, outra, também por sua origem social não tem esse direito.
Cria-se um padrão linguístico muito irreal, muito distante da realidade vivida da língua. É a partir desse confronto entre a maneira de falar das pessoas e essa língua codificada, que surgem esses conflitos linguísticos. A pessoa, ao comparar seu modo de falar com aquilo que aprende na escola ou com o que é codificado, vê a distância que existe entre essas duas entidades e passa a achar que seu modo de falar é feio, é errado.
Qualquer tipo de imposição linguística acaba gerando um efeito contrário que é a auto-rejeição linguística ou a promoção de um preconceito linguístico por parte das camadas sociais dominantes.
Luta contra o preconceito linguístico
Acabar com o preconceito linguístico é uma coisa difícil. É preciso sempre que façamos a distinção entre preconceito e discriminação. O que nós temos que combater é a discriminação, ou seja, quando esse preconceito deixa de ser apenas uma atitude ou um modo de pensar das pessoas e se transforma em práticas sociais.
Primeiro é preciso reconhecer a existência do preconceito linguístico, conhecer os modos como ele se manifesta concretamente como atitudes e práticas sociais, denunciar isso e criar modos de combatê-lo.
Justamente pelo fato de o preconceito linguístico nas sociedades ocidentais ser derivado das práticas escolares, na minha opinião, o grande mecanismo para começar a desfazer o preconceito linguístico, a discriminação linguística, está também na pratica escolar. É muito importante que a escola, em sociedades letradas como a nossa, permita ao aluno esse processo do acesso ao letramento a partir de práticas pedagógicas democratizadoras, em que as variações linguísticas sejam reconhecidas como prática da cultura nacional, que não sejam ridicularizadas. E é claro que isso tem um funcionamento político muito importante, não só na escola, mas em toda a sociedade.
Por isso que no Brasil, eu e um conjunto de outros linguistas e educadores estamos sempre atacando muito o preconceito linguístico e propondo práticas pedagógicas democratizadoras. Que a criança, ao chegar na escola falando uma variedade regional menos próxima do padrão, não seja discriminada. Nosso trabalho atualmente se centra muito na escola, nos materiais didáticos e na formação dos professores de português, para que não sejam eles mesmos perpetuadores do preconceito linguístico e da discriminação.
Além disso, vale considerar que, em menos de meio século, a proporção mundial entre a população urbana e a rural ficou muito desigual, com a população mundial muito mais urbanizada. A urbanização implica o contato com formas linguísticas de maior prestigio, na televisão, na escola, na leitura etc. Isso vai implicar também uma espécie de nivelamento linguístico. Embora as variedades linguísticas se mantenham, quanto mais pessoas souberem ler e escrever e tiverem ascensão social, é mais provável que haja um nivelamento linguístico maior.
No caso específico do Brasil, nos últimos oito anos, quase 30 milhões de pessoas saíram da linha da pobreza e com isso vão impor também sua maneira de falar. Outro dado muito importante é que a grande maioria das pessoas que se formam professores (de português, principalmente) vem dessas camadas sociais. Portanto, o professor que está indo para sala de aula já é falante dessas variedades linguísticas que antigamente eram estigmatizadas. Isso vai provocar um grande movimento de valorização dessas variedades menos prestigiadas. Estamos assistindo a um momento muito importante da história sociolinguística do Brasil.
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Índios urbanos, o outro lado da aldeia



Entre aldeias e favelas, São Paulo abriga mais de 12 mil indígenas de 20 etnias


Heloisa Bio Ribeiro

de São Paulo (SP)

Com a responsabilidade de zelar pelas máscaras que representam os espíritos indígenas encantados, o líder comunitário Bino Pankararu venceu uma prova de fogo durante o último incêndio que se alastrou pela favela Real Parque, em São Paulo.

Entre o risco de perder os móveis da família ou as máscaras sagradas do ritual do Toré, ele não teve dúvidas e carregou, uma a uma, as pesadas peças da cerimônia para longe do barraco.

Apesar das precárias condições de vida, os pankararu ainda se reúnem para cultuar os Encantados na favela, entoam cantos, cobrem o corpo com os praiás – as máscaras que incorporam os espíritos – e dançam ao som do maracá. Para além do folclore, a expressão do Toré mantém viva sua cultura e ajuda a definir a identidade do grupo aonde quer que ele esteja.

O debate sobre os direitos indígenas fora de seu território original é cada dia mais atual. Estima-se haver mais de 50 mil índios vivendo nas cidades brasileiras, dentro do universo de 720 mil índios do país, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Os pankararu somam 1,6 mil pessoas em São Paulo, principalmente na favela Real Parque, no Morumbi, e compartilham a história da migração indígena com mais 19 etnias que se fixaram no município paulista e seus arredores.

Em meio à população urbana da metrópole, há mais de 12 mil indígenas, distribuídos nas comunidades de baixa renda e em quatro aldeias guarani. Nesse cenário, buscam reconhecimento a partir de características culturais próprias que os distinguem da sociedade nacional, afastando a imagem de que o índio pertence à mata e deve permanecer na aldeia, distante da sociedade não indígena.

Estabelecimento

Em sua maioria originária do Nordeste, chegaram a São Paulo após casos de invasão de suas terras, dificuldade de produção de alimentos, e, até, carência de oportunidades de educação e saúde nas aldeias. Coincide com a construção do estádio do Morumbi, por exemplo, o estabelecimento dos primeiros pankararu à margem do rio Pinheiros, ainda na década de 1950. A viagem de 2,2 mil km da aldeia de Brejo dos Padres, em Pernambuco, até o centro urbano, foi empreendida, primeiro, pelos homens, que sobreviveram da renda na construção civil, e foi seguida pela chegada de suas famílias e da fundação da Vila da Mandioca, hoje, Real Parque.

“A cultura não morre se não deixarmos, e aprendi com meu pai que precisamos brigar para sermos vistos”, expressa Dora Pankararu, filha de Bino e, hoje, presidente da Associação SOS Pankararu, que busca soluções para os problemas da favela, como moradia e saúde, mas, também, o tratamento diferenciado para os índios urbanos.

Essa resistência abriu as portas, em 2002, para que a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), o órgão do governo federal que atende à saúde indígena, reconhecesse algumas etnias que vivem no meio urbano, tornando garantido seu atendimento básico, com oferta de medicação, consultas e cirurgia. A Fundação Nacional do Índio (Funai) também presta apoio aos estudantes e prevê assistência emergencial em casos de retorno à aldeia.

“Mas, muitos não entendem a dificuldade do índio em viver na favela. As garantias sociais se tornaram um jogo de empurra-empurra. Para outras etnias, como os krenak ou terena, a conquista de direitos vem sendo fruto de muita pressão”, afirma Dora. Segundo ela, o reconhecimento dos pankararu esteve ligado a alguns fatores como o nível de organização, a manutenção da história viva e a união em torno de uma causa única.

Ontem e hoje

Preservar os traços culturais é desafio mesmo para as etnias que ainda vivem em aldeias, como os guarani mbyá das aldeias Tekoá Itu e Tekoá Pyiaú, do pico do Jaraguá, e das aldeias Tenonde Porã e Krukutu, da região de Parelheiros. No Jaraguá, a menor aldeia do Brasil (2,7 hectares) sofre com as pressões por reintegração de posse, a construção do trecho oeste do Rodoanel e a inserção de projetos imobiliários na região.

Nesse bairro, a presença indígena remonta ao século 16, e a língua guarani ainda é falada e ensinada no centro de educação bilíngue construído ali, pois existe dificuldade em se aplicar o modelo não indígena das escolas públicas no ensino dentro da aldeia. A religiosidade e a produção artesanal estão entre os principais elementos da resistência guarani, já que a terra não pode ser mais fonte de sobrevivência.

“Grande parte da sociedade reforça a ideia discriminatória de que a cidade grande não é espaço para as populações tradicionais. Mas os povos que vivem em área urbana não deixam de ser indígenas por esse fato”, defende Benedito Prezia, coordenador da Pastoral Indigenista de São Paulo e autor do livro Índios em São Paulo, ontem e hoje.

Inclusão

Ele participa de um importante programa para a inclusão de jovens no sistema de ensino superior no país. A semente foi lançada em 2001, numa parceria com a Pontifícia Universidade (PUC) de São Paulo e as comunidades indígenas da capital.

Hoje, o Programa Pindorama tem formado 38 indígenas de nove etnias em cursos como engenharia, direito, enfermagem, serviço social, ciências sociais, pedagogia e mídias digitais. “Traz perspectiva de futuro e é uma via de dupla mão, em que os formados devolvem o saber para a comunidade”, reforça Prezia.

Foi o caso da jovem Jaciara Augusto Martim, filha de pai krenak e mãe guarani, para quem o curso de serviço social oportunizou o trabalho na ONG Nossa Tribo, coordenada pela fotógrafa Rosa Gauditano, que desenvolve iniciativas para ampliar a comunicação entre os povos tradicionais e os não indígenas.

“Na ONG, aprendi a montar projeto, produzir relatório, entender os editais de cultura, sempre com a ideia de desenvolver uma ação na aldeia onde vivo”, diz Jaciara. Em 2009, seu projeto “Troca de Saberes” foi aprovado pelo Ministério da Cultura e ela conseguiu recursos para colocar em prática um sonho de intercâmbio cultural entre o povo do Pico do Jaraguá e outras etnias.

Jaciara levou as crianças guarani para conhecer os xavante no Mato Grosso, e se surpreendeu com o resultado. “Perceberam o quanto ainda são fortes culturalmente, mesmo próximos da cidade, e despertaram, com o xavante, para o espírito de luta em prol da identidade”.

Etnias da metrópole paulistana

Pankararu (vários bairros e cidades da Grande são Paulo)

Pankararé (vários bairros e Osasco)

Atikun (zona norte)

Guarani Mbyá (Jaraguá e Parelheiros)

Guarani Nhandeva (zona leste)

Tupi-Guarani (Guarulhos)

Kaingang (zona leste)

Pataxó (Guarulhos)

Potiguara (São Miguel, Santo Amaro, Guarulhos)

Fulni-ô (zona norte, Carapicuíba)

Xukuru (zona sul)

Xukuru-Kariri (Osasco)

Terena (Mogi das Cruzes, zona norte)

Kariri-Xokó (zona norte)

Kaimbé (Ferraz de Vasconcelos e vários bairros da capital)

Xavante (alguns bairros)

Tupinambá (zona leste)

Kapinawá (zona leste)

Kaxinawá (centro)

Karajá (zona sul)

Saiba quais são os 50 álbuns que formaram identidade musical brasileira dos anos 2000



MARCUS PRETO
DE SÃO PAULO

Quais foram os álbuns que fizeram a identidade da música brasileira da década que termina na sexta-feira?

Usando como critério não só a qualidade estética, mas também o sucesso mercadológico e a relevância que tiveram na transformação da indústria musical, editores e repórteres da Folha selecionaram os 50 discos mais representativos do que foi o Brasil nos dez anos passados.

A década começou subvertendo bossa nova em música eletrônica --primeiro pelas mãos do produtor Suba (1961-1999), depois por iniciativas de Fernanda Porto e DJ Marky, entre outros.

A seguir, o samba foi alçado a principal ingrediente na reformulação do pop. O processo partiu da revitalização da Lapa carioca, com Teresa Cristina à frente, chegando ao mainstream em álbuns de Marisa Monte, Maria Rita etc.

O ciclo ufanista diminuiu a partir de 2006. Agora, o pop absorve um sem número de gêneros e volta a beber do rock, da psicodelia e do folk.

Mas a principal revolução dos 00 não foi estética. Muito mais radical foi a transformação das relações entre ouvinte, música e indústria.

Com as facilidades tecnológicas de gravação, o artista independente, antes exceção, se tornou regra do mercado. Essa nova condição fez nascer o espírito colaborativo que resultaria em projetos coletivos como o Instituto, o +2 e a Orquestra Imperial.

Como lembra João Marcello Bôscoli, dono da gravadora Trama, "se por um lado a internet ajudou na derrocada da indústria do disco, por outro serviu de plataforma para novos artistas". Ele cita os exemplos do Cansei de Ser Sexy e de Mallu Magalhães.

Gêneros populares, o tecnobrega, do Pará, e o funk carioca brotaram e ganharam espaço à parte da indústria.

"A indústria só conseguiu manter o controle sobre o [segmento] sertanejo", diz Pena Schmidt, ex-executivo de gravadoras que hoje atua como diretor artístico do Auditório Ibirapuera. "Nem no axé eles mandam mais --a Ivete é dona do seu nariz."

Em contrapartida, a internet "tornou o sucesso fugaz", como acredita João Augusto, dono da pequena gravadora Deck Disc. "O moleque já coloca músicas no computador sabendo que vai jogar fora."

Mesmo reconhecendo o quanto sua banda deve à internet, Adriano Cintra, baixista do Cansei de Ser Sexy, concorda com isso: "A música virou um acessório do iPod. Ninguém quer mais gastar dinheiro com ela".


João Sal/Folhapress
João Marcello Bôscoli
O dono da Trama, João Marcello Bôscoli, que disse que internet ajudou na derrocada da indústria do disco

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DISCOTECA BÁSICA DOS ANOS 00

  1. Bebel Gilberto - Tanto Tempo (2000)
  2. Suba - São Paulo Confessions (2000)
  3. Otto - Condom Black (2001)
  4. Ana Carolina - Ana Rita Joana Iracema e Carolina (2001)
  5. Seu Jorge - Samba Esporte Fino (2001)
  6. Ivete Sangalo - Festa (2001)
  7. Los Hermanos - Bloco do Eu Sozinho (2001)
  8. Hamilton de Holanda - Hamilton de Holanda (2001)
  9. Cachorro Grande - Cachorro Grande (2001)
  10. Tribalistas - Tribalistas (2002)
  11. Grupo Revelação - Ao Vivo no Olimpo (2002)
  12. Mart'nália - Pé do Meu Samba (2002)
  13. Instituto - Coleção Nacional (2002)
  14. Max de Castro - Orquestra Klaxon (2002)
  15. Fernanda Porto - Fernanda Porto (2002)
  16. Teresa Cristina - Canta Paulinho da Viola (2002)
  17. Zeca Pagodinho - Deixa a Vida me Levar (2002)
  18. Nando Reis - A Letra A (2003)
  19. Cibelle - Cibelle (2003)
  20. Domenico + 2 - Sincerely Hot (2003)
  21. DonaZica - Composição (2003)
  22. Marcelo D2 - A Procura da Batida Perfeita (2003)
  23. Pitty - Admirável Chip Novo (2003)
  24. Maria Rita - Maria Rita (2003)
  25. Banda Calypso - Ao Vivo em São Paulo (2003)
  26. Mombojó - Nadadenovo (2004)
  27. Cidadão Instigado - O Ciclo da De.Cadência (2004)
  28. DJ Marky & XRS - In Rotation (2004)
  29. Mônica Salmaso - Iaiá (2004)
  30. Romulo Froes - Calado (2004)
  31. Tati Quebra-Barraco - Boladona (2004)
  32. Vanessa da Mata - Essa Boneca Tem Manual (2004)
  33. Céu - Céu (2005)
  34. Roberta Sá - Braseiro (2005)
  35. Caetano Veloso - Cê (2006)
  36. Kassin + 2 - Futurismo (2006)
  37. NXZero - NXZero (2006)
  38. Cansei de Ser Sexy - Cansei de Ser Sexy (2006)
  39. Marisa Monte - Universo ao meu Redor e Infinito Particular (2006)
  40. Orquestra Imperial - Carnaval Só Ano que Vem (2007)
  41. Vanguart - Vanguart (2007)
  42. Fernanda Takai - Onde Brilhem os Olhos Seus (2007)
  43. César Menotti & Fabiano -.com_você (2007)
  44. Tiê - Sweet Jardim (2008)
  45. Cérebro Eletrônico - Pareço Moderno (2008)
  46. Mallu Magalhães - Mallu Magalhães (2008)
  47. Marcelo Camelo - Sou (2008)
  48. Maria Gadú - Maria Gadú (2009)
  49. Marcelo Jeneci - Feito pra Acabar (2010)
  50. Tulipa Ruiz - Efêmera (2010)

Petrobras lança edital para difusão de música e cinema


Estão abertas até o dia 21 de janeiro de 2011 as inscrições para a seleção pública de Festivais de Música, Festivais de Cinema e Difusão de Filmes do Programa Petrobras Cultural (PPC). O programa reserva um total de nove milhões de reais para serem distribuidos entre as diversas categorias.

A Petrobras quer ampliar o espaço de circulação comercial e cultural da produção artística brasileira, incentivando ações formadoras de novos públicos. Os projetos serão selecionados por uma comissão formada por profissionais ligados à área de música e cinema.

A edição 2011 selecionará projetos de festivais de música popular e erudita, que serão contemplados com total de R$3 milhões. Cada projeto poderá ter valor máximo de R$500 mil.

Em festivais de cinema, que também receberão R$3 milhões, os projetos terão de optar por três faixas de valores: até R$100 mil, R$200 mil ou R$300 mil.

O edital de difusão de filmes de longa-metragem também terá verba de R$3 milhões. Cada projeto inscrito poderá solicitar patrocínio no valor máximo de R$400 mil.

Criado em 2003, o Programa Petrobras Cultural baliza as ações de patrocínio da Companhia em torno de uma política cultural de alcance social e de afirmação da identidade brasileira. É o maior programa de patrocínio cultural do país.

Desde a primeira edição, o PPC já teve sete edições, abrangendo 76 áreas de seleções públicas, destinando R$311 milhões a 1.246 projetos contemplados. Foram mais de 26 mil projetos inscritos, avaliados por 356 especialistas integrantes das comissões de seleção.

As comissões de seleção do PPC são formadas por grupos de profissionais que atuam diretamente nas áreas culturais contempladas pelo programa. Essas comissões são renovadas a cada ano e sua composição busca diversificar os perfis para o julgamento dos projetos, que são selecionados por seu mérito qualitativo.

Serviço:
As inscrições devem ser feitas apenas pela internet, no site www.hotsitespetrobras.com.br/ppc.

2011: Ano Internacional para Descendentes de Africanos


Fatima Oliveira *

No dia 12 passado, a ONU definiu 2011 como Ano Internacional para Descendentes de Africanos. Para o secretário geral da ONU, Ban Ki-moon, "o evento pretende reforçar o compromisso político para erradicar a discriminação a descendentes de africanos, que estão entre os que mais sofrem com o racismo, além de ter negados seus direitos básicos à saúde de qualidade e educação em todo o mundo. A iniciativa também quer promover o respeito à diversidade e herança culturais".

Pontuou que "a comunidade internacional já afirmou que o tráfico transatlântico de escravos foi uma tragédia apavorante, não apenas por causa das barbáries cometidas, mas pelo desrespeito à humanidade", e informou que, no centro das atividades da celebração, está Durban 2001 (Declaração e Programa de Ação de Durban, reiterados na Conferência de Revisão de Durban, em Genebra, em 2009, que insta os governos a adotarem metas de integração e promoção da equidade racial, objetivando assegurar, em todos os aspectos, a integração total de afrodescendentes).

Frisou que "a comunidade internacional não pode aceitar que comunidades inteiras sejam marginalizadas por causa da sua cor de pele". A missão do Brasil na ONU declarou que a celebração do Ano Internacional para Descendentes de Africanos é "uma ocasião para chamar atenção para as persistentes desigualdades que ainda afetam essa parte importante da população brasileira".

Reproduzo um comentário lapidar em resposta a quem acha a iniciativa da ONU desnecessária, sob o argumento enviesado de que divide a luta dos oprimidos: "Entendo a iniciativa como uma política importante de combate ao racismo. Acredito que os governos ainda fazem pouco para eliminá-lo. Sem falar que ainda confundem racismo com exclusão social, com pobreza. Ocorre que entre pobres de todas as raças que são excluídos e discriminados, aos pobres brancos ainda lhes resta a branquitude como um bem e um valor nas sociedades racistas como a nossa. Aos pobres pretos e afrodescendentes em geral, só lhes resta a vitimização do racismo" (Francisco Aniceto, no Site Lima Coelho, 22.12.2010).

Em "Superação do racismo e da xenofobia exige faxina ética" escrevi: "Como acreditar na boa-fé se o governo, que diz apoiar o Estatuto (da Igualdade Racial), nega se a conferir lastro financeiro específico (Fundo de Promoção da Igualdade Racial) para a implementação de políticas antirracistas? A recusa é uma explicitação de que os recursos públicos são considerados como algo privado, de que o governante do momento pode dispor ao seu bel-prazer, inclusive para manter o status quo racista" (O TEMPO, 18.11.2008). Desde então, muita água rolou e foi aprovado o Estatuto da Igualdade Racial (16.6.2010). Não mudei de opinião, nem arriei a bandeira: apoio sem recursos não é decisão política, é retórica.

Espera-se que a ministra Luíza Bairros, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), tenha respaldo para enfrentar a agenda oculta do racismo, no âmbito do governo e da sociedade, visibilizando a iniciativa da ONU como um dos pilares do processo de refundação da Seppir; destacando o seu papel de estimuladora de mudanças de padrões culturais, pois o combate sem tréguas ao racismo explícito e oculto é um problema pertinente a um projeto de nação que deseja ser "um país para todos e todas". É impossível concretizar a consigna "para o Brasil seguir mudando" sem a decisão política de eliminar o racismo de modo consistente e cotidiano.


* Médica e escritora. É do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução e do Conselho da Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe. Indicada ao Prêmio Nobel da paz 2005.

Manifestação contra o racismo reúne 2.500 em Moscou


AFP - Agence France-Presse


 (Alexey SAZONOV)


MOSCOU- Milhares de pessoas participaram neste domingo de um protesto no centro de Moscou contra a onda de violência étnica que assustou a capital russa este mês, após o assassinato de um torcedor de futebol.

"A Rússia está aberta a todos" era um dos slogans cantados pelos manifestantes, que carregavam cartazes com dizeres como "Rússia sem fascismo, Rússia sem nazismo" enquanto marchavam pela praça Puchkin, a poucos metros do Kremlin.

O líder oposicionista Vladimir Ryzhkov e o governador liberal da região de Kirov, Nikita Belykh, compareceram ao ato público, que contou com a presença de aproximadamente 2.500 pessoas. "Acho que o conflito em Moscou tem sido provocado por toda a podridão que se acumulou em nossa sociedade, e que apenas agora está vindo à tona", estimou Viktor Shenderovich, popular radialista russo, citado pelo site do jornal RBC Daily. Ele também participou do protesto.

A polícia afirma que o racismo é a provável causa da onda de ataques contra minorias étnicas da Ásia central e de ex-repúblicas soviéticas de população predominantemente muçulmana. Em um dos casos mais violentos, um garoto de 14 anos foi preso sob suspeita de ter assassinado um cidadão quirguiz por motivações racistas.

Movimento negro vê avanços, mas expectativa era maior


Os oito anos de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva trouxeram avanços para a questão racial, na opinião do movimento negro, mas alguns resultados poderiam ser melhores
tendo em vista as expectativas geradas com a chegada do primeiro trabalhador à Presidência da República.

“De fato existia uma expectativa da população negra com a eleição do Lula”, afirma Vanda Pinedo, coordenadora nacional do Movimento Negro Unificado (MNU) ao manifestar frustração com a recente aprovação do Estatuto da Igualdade Racial e com o desempenho da titulação de terras quilombolas. “O estatuto traz o que traz a Constituição. Nós precisamos de desdobramento para que, de fato, a política aconteça”, assinala.

Ela cita, entre os exemplos de políticas que deveriam receber mais incentivo, a titulação de terras quilombolas. “Uma das maiores políticas que poderia ser desenvolvida no governo Lula é a questão da terra, porque terra é dignidade, poder, visibilidade, autonomia, renda, cultura e respeito aos ancestrais. A terra tem todo esse conteúdo para o povo negro do Brasil”, afirma.
Segundo dados da Presidência da República, 126 comunidades ganharam o título de suas terras desde 2003, menos de 10% das 1.527 certificadas pela Fundação Palmares como áreas quilombolas.

Vanda Pinedo reconhece que o governo lidou com “uma demanda de 500 anos” e que é difícil “dar conta de tudo em apenas oito”. De acordo com ela, além das demandas históricas, o governo teve de enfrentar resistência de alguns grupos de interesse, como é o caso, por exemplo, da ação que o partido Democratas (DEM) move no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o decreto do governo que regulamenta a titulação de terras quilombolas.

Além dessa ação, o partido de oposição é autor de mais duas no STF, contrárias aos interesses do movimento negro: uma contra a política de cotas raciais na Universidade de Brasília (UnB) e outra contra as cotas do Programa Universidade para Todos (ProUni), que financia estudantes nas faculdades privadas. Segundo balanço do governo Lula, 38 universidades públicas federais e 32 universidades públicas estaduais têm programas de cotas.

Para José Antônio Santos da Silva, da organização não governamental União de Negros pela Igualdade (Unegro), a resistência às políticas afirmativas e de inclusão são ligadas ao preconceito racial. “O racismo sempre existiu. Ele sempre foi uma questão mascarada pela elite brasileira. 'Eu tenho amigos negros, mas não aceito que um negro sente num banco de universidade comigo', isso não é racismo?”, pergunta. “O que precisa olhar é que com o processo de titulação de terra das comunidades quilombolas vamos dar oportunidade para que essa população negra e pobre, que trabalha na agricultura, acesse o auxílio financiado pelo orçamento público. E é isso que as elites brasileiras não querem”, afirma.

Na avaliação do ativista, o governo Lula alcançou 30% das demandas do movimento negro. “Para quem nunca teve um avanço positivo nas políticas afirmativas, é algo satisfatório.” Ele espera que o governo da presidenta eleita, Dilma Rousseff, ouça “as bases” do movimento.

Para que os negros tenham mais espaço, Vanda Pinedo recomenda a articulação política e a mobilização do movimento. “Penso que vai ser um governo de bastante mobilização social e de bastante disputa”, prevê.

Fonte: Agência Brasil

ONGs denunciam abusos da polícia no Complexo de Alemão à ONU e à OEA



FABIA PRATES
DO RIO

Confronto no Rio Um relatório denunciando abusos cometidos por policiais nas operações de ocupação do Complexo do Alemão e da Vila Cruzeiro, na zona norte do Rio, será encaminhado nesta segunda-feira (20) à ONU (Organização das Nações Unidos) e à OEA (Organização dos Estados Americanos).

Elaborado por um coletivo de ONGs (Organizações Não Governamentais), entre as quais a Justiça Global, o documento aponta casos de injúria, invasão de domicílio, extorsão, intimidação, cárcere privado, ameaça de morte e tortura.

A intenção das entidades é criar uma pressão política internacional para que os casos de violência sejam investigados e esclarecidos, para que as circunstâncias das mortes e as identidades das vítimas sejam divulgadas e para que sejam instituídas formas de controle externo sobre a atividade policial.

O ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, afirmou hoje que está acompanhando o processo de ocupação das favelas, mas que ainda não cabe à secretaria investigar esses abusos, atribuição das instâncias municipal e estadual. "Brasília [a secretaria nacional] é grau de recurso. Deve ser acionada nos casos em que o Estado não consegue ou se recusa a investigar. Cada policial, cada participante, sabe muito bem que não pode torturar, não pode matar, dando tiros a esmo, não pode fazer execução depois de alguém ter sido preso", afirmou.

Os relatos de abusos foram colhidos pelas entidades em visitas a famílias que moram nas favelas. Os moradores falaram sob sigilo, temendo represálias.

Uma mulher grávida de sete meses contou ter sido espancada e um jovem afirmou que, mesmo apresentando o crachá para se identificar como trabalhador, foi agredido com tapas na cara, chutes e socos na barriga e no peito e ameaçado de morte. Ele abandonou a favela com medo de ser morto.

O relatório será enviado às Relatorias Especiais sobre Tortura e sobre Execuções Sumárias, Arbitrárias ou Extrajudiciais da ONU e para a Comissão de Direitos Humanos da OEA. A intenção é que a Relatoria sobre Execuções Sumárias visite o Complexo do Alemão, como o fez em 2007, quando um confronto na favela deixou 19 mortos.

"O documento atenta para a falta de controle da atividade policial e a falta de transparência do governo do Estado na divulgação de dados de violência em todas as operações policiais realizadas depois da onda de ataques a veículos no Rio. Apesar dos reiterados pedidos, o governo não divulgou uma lista definitiva das mortes ocorridas durante as ocupações policiais. Resultado: não se sabe o número exato de mortes nem a identidade das vítimas nem se houve trabalho adequado de perícia, que poderia apontar casos de execução", diz Sandra Carvalho, diretora-adjunta da Justiça Global.

O deputado Marcelo Freixo (PSOL), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio, diz que as denúncias mostram que não está tudo resolvido no Estado.

"Vive-se uma euforia, mas que tem um alicerce de areia. O importante do relatório é que ele mostra um outro lado. Parte da polícia entra na favela buscando dinheiro. É importante que os problemas apareçam para que haja solução".



A mulher da sopa


Tudo começou quando uma das filhas encontrou quatro crianças passando fome na rua e as levou para casa. A boa ação se multiplicou, assim como o alimento que ela fornece aos mais necessitados todas as quartas-feiras

Texto: Fernando Torres | Fotos: Victor Schwaner



MARIA DO SOPÃO: “Não importa quantas pessoas cheguem. A gente faz comida e dá”

Fazer filantropia não é mais nenhuma novidade. Qualquer empresa hoje dedica parte de seus rendimentos à área social e muitos cidadãos de classe média apadrinham crianças distantes ou fazem doações por meio de telefones anunciados na TV. Envolver-se de fato com obras sociais é outra história, principalmente quando o próprio voluntário tem poucos recursos. Esse é o desafio da costureira Maria da Conceição Reis, 57, mais conhecida como Maria do Sopão. Todas as quartas-feiras, faça chuva ou sol, ela abre sua casa em Sabará e oferece sopa a crianças e adultos carentes. Isso há nove anos. Sem recursos próprios – ela e o marido vivem de três salários mínimos em casa de aluguel –, Maria também não recebe verba governamental. Para fazer o milagre da multiplicação e manter a panela do Sopão Solidário sempre cheia, ela conta com o patrocínio de empresas privadas, como a rede de restaurantes Assacabrasa, e doações de voluntários, a exemplo dos funcionários dos Correios. Além disso, lidera um grupo de bordadeiras de patchwork, cujas peças são vendidas para angariar fundos.

Natural de Ladainha, no vale do Mucuri, Maria chegou a Sabará em 2000, instalando-se no bairro Nossa Senhora de Fátima. Na época, estava com depressão, provocada pelo envolvimento do filho com drogas. Certo dia, uma das filhas encontrou quatro crianças com fome na rua e as levou para comer alguma coisa em casa. No cardápio, sopa. “Uma delas me perguntou quando podia voltar de novo. Eu respondi que as portas estariam sempre abertas e que ela poderia trazer quem quisesse. No outro dia, chegaram seis meninos e, a partir daí, só foi aumentando”, relembra Maria. Hoje, a média semanal é de 50 pessoas atendidas por semana, com picos de 150.


HORA DA SOPA: Chegam a 150 as pessoas por semana
HORA DA SOPA: Chegam a 150 as pessoas por semana

Uma delas é a dona de casa Amélia Mônica Braz, 45, que frequenta o Sopão Solidário com seus quatro filhos há oito anos. “Em tempos mais difíceis, quando os meninos ainda eram bem pequenos, a sopa foi a única refeição do dia”, conta. Quem também tem muito a agradecer é a faxineira Aparecida Simões, 44. No seu caso, a ajuda foi muito além da alimentação. Graças à Maria do Sopão, ela conseguiu trocar as telhas de sua casa de dois cômodos e erguer a parede, que era muito baixa. “Hoje não chove mais dentro de casa e os meninos que dormem nos beliches não batem mais a cabeça no teto”, diz. Maria não parou por ali. Percebendo que estava diante de uma família muito carente, batalhou para conseguir geladeira, cama, colchão, TV, cesta básica... “É tanta coisa que nem consigo mais me lembrar”, emociona-se Aparecida.

A reportagem de Viver Brasil foi até a casa de Maria conferir de perto a famosa sopa. O prato do dia tinha macarrão, carne, batata, cará, tomate, espinafre, cebola e pimentão. “O sopão é bastante nutritivo. Muitas crianças já chegaram aqui com anemia e acabaram melhorando”, diz Maria. O preparo começa por volta das 15h. Para isso, Maria conta com a ajuda das três filhas, Rute, Raquel e Ronilda, e das voluntárias Marlene Teixeira, Gislaine Oliveira e Maria Helena Leal. É muita carne para cozinhar, verdura para lavar, descascar, cortar, picar... Todas as mulheres se dividem nas tarefas e Rute assume o fogão, no comando da panela.Por volta de 17h, as pessoas começam a chegar e se assentam na varanda da casa. Em seguida, Maria faz uma oração, agradecendo a Deus pelo alimento e pedindo para que ele nunca falte. Por fim, a tão esperada sopa é servida. É lógico que a a Viver provou algumas colheradas. Huuuum, no ponto! E pode repetir? “Pode sim”, consente Rute. “Fica todo mundo satisfeito, até não querer mais. E, se sobrar, dá para levar para casa.”

AMÉLIA MÔNICA BRAZ: há oito anos frequenta o Sopão Solidário
AMÉLIA MÔNICA BRAZ: há oito anos frequenta o Sopão Solidário

Além do compromisso semanal com as famílias carentes, Maria e sua equipe organizam dois grandes eventos por ano: a festa do Dia das Crianças e o almoço de Natal. Por ter bastante espaço, ela também abre a casa três vezes por semana para aulas de música e de artes marciais para crianças e adolescentes. “Esse tipo de trabalho previne a criminalidade e a delinquência”, analisa o instrutor musical voluntário Sérgio Andrade, 44, que há três anos dá aulas de teoria musical, técnica vocal, flauta, violão e instrumentos de percussão na casa de Maria. O espaço abriga ainda uma minibiblioteca.

Todos em Sabará conhecem a fama de Maria do Sopão e sabem indicar o caminho até sua casa. Por conta de tanta notoriedade, sempre aparece alguém pedindo um prato de comida, mesmo nos dias em que a sopa não é servida. E é claro que ela nunca nega. “Não importa a que horas ou quantas pessoas chegarem. A gente faz comida e dá.” A recompensa é imediata: as pessoas agradecem, reconhecem ou, simplesmente, sorriem. “Esse é meu maior prazer. Por mais simples que eu seja, ainda tenho o poder de fazer algo pelos outros”, conclui Maria.

PARA AJUDAR

Qualquer doação faz a diferença

Há alguns anos, a Rede Globo Minas fez uma reportagem com Maria do Sopão. “Foram tantas doações que fiquei com a casa cheia”, recorda ela. Mas as pessoas foram se esquecendo e, hoje, isso diminuiu muito. É preciso reportagens como esta para nos lembrar de que a fome nunca acaba definitivamente.

Para ajudar, ligue: (31) 3673-1429, (31) 8561-2250. Rua Ibiá, 58, Nossa Senhora de Fátima, Sabará (MG)

Estupradas demoram para buscar médico; é comum engravidarem e não poderem abortar




reportagem de Cláudia Collucci

Simone, 27, foi estuprada a caminho do trabalho. Carmem, 28, indo para a casa de uma amiga. Mara, 42, quando voltava de um posto de saúde. Taís, 18, estava em um parque. Karina, 29, em casa.


Em comum, essas mulheres também compartilham o fato de terem engravidado por falta de um atendimento médico imediato após o estupro. A anticoncepção de emergência, se usada até 72 horas após a relação sexual, pode evitar a gravidez.

Um estudo inédito do Hospital Pérola Byington mostra que essa é a realidade de 88,9% das grávidas vítimas de estupro atendidas em um projeto da instituição Bem-Me-Quer, que oferece ajuda médica e psicológica, informa reportagem de Cláudia Collucci

Para o ginecologista Thomaz Gollop, coordenador do Grupo de Estudos sobre Aborto, as mulheres ainda não têm noção de seus direitos e temem procurar ajuda.

'Há também uma questão vinculada à vergonha que impede a mulher de revelar a violência praticada contra ela. Quando engravidam, escondem a gravidez e só procuram assistência quando ela é claramente evidente.'

Foram avaliadas 936 mulheres ao longo de 15 anos do projeto: 65% optaram pelo aborto. O restante (326) não fez o procedimento porque não houve aprovação para o aborto (60,7%) ou porque a gestante desistiu de interromper a gravidez.

Segundo a psicóloga Daniela Pedroso, a maioria dos casos de não aprovação (39%) do aborto ocorreu em razão de a idade gestacional estar acima da prevista pelo serviço de saúde --após a 22ª semana de gravidez ou com o feto pesando mais do que 400 gramas.





CLÁUDIA COLLUCCI


Tapumes da praça Roosevelt, em SP, são coloridos por grafiteiros

VANESSA CORREA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Os tapumes de aço ondulado das obras da praça Roosevelt, no centro de São Paulo, estão deixando de ser prateados e se tornarão multicoloridos.

Para fazer a transformação, 122 grafiteiros de toda a cidade foram convocados pela prefeitura para deixar ali a sua marca, a pedido da construtora Paulitec, que executa a reforma da praça.

A maioria deles participou da 1ª Bienal Internacional de Graffiti Fine Art em setembro e outubro deste ano, no Mube (Museu Brasileiro da Escultura), conta Cristiano Rodriguez, 26, do grupo de grafiteiros Opni (Objetos Pixadores Não Identificados).

Foi ele quem entrou em contato com os colegas e os convidou para o trabalho.

Para Rodriguez, a praça é um lugar emblemático da arte do spray. Ele diz que o seu cenário urbano degradado valorizava os desenhos.

Os grafiteiros não receberão da construtora pagamento para a execução do trabalho, apenas o material necessário, como tintas e escadas, afirma Cristiano.

Mas a oportunidade de ter sua arte exposta no centro por cerca de dois anos e meio (tempo calculado para o fim da obra) foi motivação suficiente para que os grafiteiros mobilizassem suas latinhas.


Eduardo Anizelli/Folhapress
Tapumes que cercam as obras da praça Roosevelt, no centro de SP, são pintados por 122 grafiteiros
Tapumes que cercam as obras da praça Roosevelt, no centro de SP, são pintados por 122 grafiteiros


Atos de violência não nascem do nada

João Batista Libânio
Ingênua irracionalidade a vinculação afetiva a um time



A mídia surpreendeu-nos, em semanas passadas, com dois crimes horrendos em Belo Horizonte, cometidos às claras, de violência e estupidez inauditas. Na Faculdade Izabela Hendrix, um aluno esfaqueia mortalmente um professor. No coração da Savassi, um grupo espanca um jovem até a morte. Cena filmada e lançada na internet.

Há dois olhares. O primeiro dirige-se automaticamente sobre os criminosos. Os adjetivos se sucedem: enlouquecido, perverso moral, transtornado psiquiátrico, abrutalhado etc. Todos eles encerram certa verdade. No fundo, o cerne do ser humano - a liberdade e a responsabilidade - se esconde sob a capa da doença psíquica. Não nos toca julgar, em última instância, o nível de real culpabilidade. Cabe só a Deus e ao fundo da consciência humana, embora essa, não raro, tenha perdido muito de sua força culpabilizadora por causa da cultura presentista e de desprezo e desvalorização da vida.

O Judiciário segue trâmite próprio. Seu juízo possui, para contornos civis, caráter de última instância. Mas tudo isso se vê envolvido por questões maiores e mais graves. Aí vamos. Não esqueçamos naturalmente a dor horrível que assola tanto as famílias das vítimas como a vergonha horrorosa das dos criminosos.

Por que jovens, aparentemente sadios e de nível social bem assentado, chegam a esses extremos do crime? Talvez nos tenha chocado mais a cena do espancamento do jovem torcedor por um grupo de criminosos. Já não se consegue encontrar um perturbado individual, mas estão vários a perpetrarem o mesmo crime. Deslizamos claramente para o lado cultural.

Um ato desse não nasce do nada. Rapazes que cheguam à brutalidade "inocente" de divertir-se no crime refletem câncer social de extrema gravidade. Basta observar o significativo pormenor: os criminosos saíram para a razia de uma casa de shows onde assistiram a campeonato de luta livre e fazem parte de torcida organizada e violenta. Deixemos de lado a causa mais importante e preocupante de tal cultura bruta juvenil: a falta de cuidado, de educação de valores, de limites na família. Os pais acordam tarde quando veem os filhos já envolvidos em crimes e processos. Omitiram-se nos anos decisivos da infância ao permitirem tudo aos filhos e ao não lhes darem o verdadeiro antídoto do crime: cuidado e carinho nos primeiros anos de vida.

No caso bem concreto dos torcedores, está em jogo a crescente perversão do esporte na atual cultura. Saiu do verdadeiro lugar do lazer para transformar-se em comércio descarado por parte dos clubes e de muitos jogadores e em fanatismo inconcebível e estúpido por parte de torcedores. Estes sofrem, arriscam a vida até o crime por lutarem por um time que só se interessa pelo lado financeiro.

Há ingênua e manipulada irracionalidade ao se absolutizar afetivamente a vinculação com um time. Um mínimo de lucidez percebe a tolice de transformar um objeto de divertimento em causa de vida e morte. Voltemos ao futebol-arte. A arte alegra, humaniza, extasia. A paixão cega e degrada.

Pastoral estima aumento de 30% na população de rua de BH


Junia Oliveira -


Na Praça da Estação, Região Central de BH, há ocupação em vários pontos (Beto Novaes/EM/D.A Press)
Na Praça da Estação, Região Central de BH, há ocupação em vários pontos

Um rápido passeio por Belo Horizonte mostra, até mesmo aos olhares mais desatentos, um problema social escancarado da cidade: os moradores de rua. A prefeitura não sabe exatamente quantas pessoas vivem nesta situação – os dados disponíveis, referentes a 2005, apontavam um contingente de 1.164. Mas a convicção de um crescimento deste número é latente. Há, por todos os lados, emblemas da miséria humana. A Pastoral de Rua também acredita num agravamento deste quadro e estima um aumento de pelo menos 30% nos últimos cinco anos, o que elevaria para mais de 1,5 mil o número de pessoas vivendo nesta condição. A PBH, por sua vez, aposta na diminuição. E alega que há vagas nos abrigos, mas sustenta não ter o poder de obrigar qualquer cidadão a se transferir para eles.

Revitalizada e apresentada como um dos orgulhos do município, a Praça da Estação, no Hipercentro de BH, é um exemplo da extensão do problema. Seus quatro cantos são ocupados por moradores de rua. À tarde, eles aproveitam a água das fontes para tomar banho, se refrescar e escovar os dentes. A poucos metros dali, na Avenida do Contorno, na entrada do prédio da antiga Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), as escadarias foram tomadas por um grupo de homens e mulheres, acompanhados de cães e de garrafas de bebida alcoólica. A Praça da Assembleia, no Bairro Santo Agostinho, na Região Centro-Sul, também se tornou “a casa” de muitos deles.

Em maio, a comunidade de vizinhos se assustou com a movimentação da polícia e do rabecão em frente à sede do Legislativo, quando era retirado o corpo de um mendigo assassinado a pauladas durante a madrugada. O crime foi, para muitos, o resumo do drama enfrentado há pelo menos quatro anos, desde que a praça foi invadida e se tornou um campo aberto para consumo de álcool, uso de drogas e cenário de roubos e furtos. Viadutos da Avenida Cristiano Machado, na Linha Verde, também se tornaram reduto de muitos grupos, a exemplo do que ocorria no Complexo da Lagoinha, de onde muita gente se afastou durante o dia por causa das obras da Avenida Antônio Carlos.

Tormento


No Bairro Aeroporto, na Pampulha, moradores vivem um verdadeiro pesadelo, com a ocupação da Praça Santo Antônio, em frente à igreja. O problema será discutido numa audiência pública na Câmara Municipal, amanhã. Foram convocados o secretário municipal de Políticas Sociais, Jorge Raimundo Nahas, a secretária-adjunta de Assistência Social, Elizabeth Engert de Almeida, e o secretário da Regional Pampulha, Osmando Pereira, além de representantes comunitários.

Segundo moradores, pelo menos 18 homens e cinco mulheres vivem na praça. Cerca de cinco deles são velhos conhecidos da comunidade e ficavam no local sem causar transtornos. As dificuldades se iniciaram há cerca de dois anos, quando outras praças da região começaram a ser fechadas para reformas e os sem-teto se mudaram para a Santo Antônio. Entre eles, ainda de acordo com vizinhos, estão alguns marginais, que frequentemente promoveriam roubos e furtos. Por causa disto, as missas, os batizados e os casamentos na igreja são agora um tormento e, todos os fins de semana, carros estacionados na porta seriam alvo de arrombamentos. E alguns deles, por inúmeras vezes, teriam interrompido as celebrações para gritar e pedir dinheiro.

Os relatos foram feitos por várias pessoas, que não querem ser identificadas com medo de represálias. A igreja agora mantém os portões fechados para impedir a entrada destes moradores de rua. Principalmente quando chove, o hall do templo se torna abrigo para o grupo, que se espalha com sacolas, um fogão a lenha improvisado, animais e colchões. O bebedouro também precisou ser retirado e trancado numa sala, pois estava sendo usado até mesmo para banho. Nas casas do entorno, crianças são recomendadas a não chegar às janelas por causa das cenas de sexo explícito. “Já enviamos vários ofícios e requerimentos à prefeitura, mas ninguém faz nada. Os grupos de abordagem de rua alegam que não é crime ficar em via pública. Tentam convencê-los a ir para abrigos, mas eles não querem. Além de tudo isso, a praça agora é um ponto de bebida e de consumo de drogas”, reclama um morador, que pediu anonimato.

Alcoolismo

Morando nas ruas há 15 anos, Herbert Cleiton dos Santos, de 42 anos, conta que entrou nessa situação depois de ser expulso de casa pela família, cansada de seus problemas com o álcool. Ao lado dos amigos Marília Aparecida Carvalho de Oliveira, de 40, a moradora mais antiga, e Júnio Fábio de Souza, de 17, ele mesmo reconhece que os novos ocupantes da praça trazem problemas e incomodam, além dos casos de furto e roubo. “Não somos delinquentes. Ninguém pode viver nessa situação, isso não é vida para nós. Queria uma casa, mas minha casa é aqui na praça”, diz. Sobre os abrigos, ele afirma: “Já fiquei em alguns abrigos, mas a gente não se acostuma a viver com horários para tudo. Além disso, bebo, e lá não pode”.

Ministério da Saúde estima que 25 mil jovens corram risco de vida pelo uso de crack


Agência Brasil


 (Leonardo Costa/Esp. EM/D. A Press)

Brasília – O crack, droga formada pela mistura de bicarbonato de sódio e cocaína, ameaça a vida de 25 mil jovens brasileiros. A estimativa é do Ministério da Saúde e, segundo o coordenador de Saúde Mental, Álcool e Drogas do ministério, Pedro Delgado, a dependência coloca esses jovens no nível de marginalidade extrema. Ele falou sobre o problema no Seminário Internacional de Políticas sobre Drogas, na Câmara Federal.

Delgado disse ainda que faltam estudos de âmbito nacional sobre o tema, mas os dados do ministério mostram que existem padrões diferentes de uso das drogas, inclusive do crack. “Existem duas populações de consumidores de crack no Brasil. Uma que estimamos em 25 mil jovens que estejam em vulnerabilidade máxima e corram risco de vida e outra, em situação menos grave, com 600 mil pessoas que fazem uso frequente da droga”.

O coordenador do Ministério da Saúde também falou do problema da mortalidade de adolescentes pelo uso de drogas, citando Maceió como a cidade com o maior registro de morte violenta de jovens. “Temos convicção de que isto tem a ver com a vulnerabilidade associada ao uso de drogas”, disse.

Em maio deste ano o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto que cria o Plano Nacional de Combate ao Crack que destinou R$ 90 milhões para o Ministério da Saúde, prioritariamente para a ampliação dos leitos em hospitais gerais. Mais R$ 210 milhões de recursos novos do orçamento do ministério estão sendo utilizados para a ampliação de centros de Atendimento Psicossocial para dependentes químicos, que nas cidades com mais de 200 mil habitantes passarão a funcionar durante 24 horas.

Segundo o representante do Ministério da Saúde apesar da necessidade de ampliação do número de vagas em hospitais gerais, a internação não deve ser vista como a solução do problema. “Em situação de risco existe a opção da internação, mas ela não é a solução para o crack. Os casos mais graves acometem pessoas que passaram pela internação. Precisamos de ações intersetoriais para combater o problema”, disse.

O secretário Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), general Paulo Uchôa, disse que em agosto começam os cursos a distância para a formação de profissionais de diversas áreas para lidar com o problema do crack. Serão 80 mil vagas destinadas a religiosos, conselheiros de infância e adolescência, educadores e profissionais de saúde. “A ideia é fazer uma capacitação coletiva para que todos falem a mesma linguagem”, afirmou.

Uchôa falou também que uma pesquisa realizada pela Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) mostrará o retrato da situação do crack no país, desde o consumo, o perfil do dependente até as consequências da droga sobre as famílias. Os primeiros dados da pesquisa devem ser apresentados em setembro.

“Com base nos dados revelados na pesquisa faremos um redirecionamento ou direcionamento das ações. Temos muitos informações sobre a cocaína, mas não temos dados aprofundados sobre o uso do crack”.

Droga invade a classe média

Rodrigo Jose Xavier Pires de Moraes, dependente de crack que luta para se ver livre do vicio (Marcos Vieira/EM )
Rodrigo Jose Xavier Pires de Moraes, dependente de crack que luta para se ver livre do vicio

O eletricitário Rogério da Cruz, de 48, é um exemplo da invasão do crack na classe média. Ao longo dos 10 anos em que usou a droga, entregou para traficantes cinco carros e uma casa de praia. O momento mais crítico da dependência ocorreu durante a entrega de um dos carros. ''Estava na boca (ponto de venda de drogas) e dois traficantes me obrigaram a repassar o veículo. Pela negociação ficou acordado que eu teria um troco, que foi um pedaço de crack'', conta.

Muitas famílias recorrem a comunidades terapêuticas, em vez de clínica de internação, pela diferença de custo. O valor do tratamento é alto e a diária de internação, que deve ser no mínimo de quatro meses, pode chegar a R$ 350 - o tratamento completo custa, em média, R$ 6 mil. Nas comunidades terapêuticas, os usuários participam de grupos de apoio, atividades de lazer e esporte e também ficam mais distantes da droga. Mas podem sair a qualquer momento.

Marcos Vieira/EM (Rogério da Cruz Vieira teve que entregar seu carro aos traficantes)
Marcos Vieira/EM
Rogério e Rodrigo estão em tratamento em Belo Horizonte, que atende cerca de 100 dependentes ou ex-dependentes de drogas. Conforme o coordenador da instituição, Zilton Alves Silva, a maior dificuldade em relação aos usuários de entorpecentes é a compreensão de que eles precisam de ajuda. ''Uma vez em tratamento, o passo mais complicado é a adaptação à vida sem as drogas.''

Juliana Peroni afirma que a dinâmica familiar influencia o adoecimento do paciente. Por isso, paralelamente ao tratamento, deve ocorrer o acompanhamento da família. ''Toda a família deve aceitar o problema e lidar com a responsabilidade'', diz. Mas ressalta: ''Não se deve confundir culpa com responsabilidade''.

Para ela, o diálogo com os filhos ainda é a melhor forma de prevenção. ''Ter uma interação saudável com a família facilita o reconhecimento precoce da dependência.'' A dependência do crack, segundo a especialista, é reversível, mas ela não fala em cura. ''É um tratamento contínuo e para o resto da vida, mesmo que a pessoa nunca mais faça uso da substância'', afirma. A internação é apenas a primeira fase do tratamento de um dependente de crack. ''Depois da desintoxicação e de trabalhar a autoestima e o planejamento de vida do paciente, deve ser feita a ressocialização, com acompanhamento da família e do terapeuta'', explica.

Ministério da Saúde pesquisa perfil dos usuários de crack no país



Agência Brasil


O aumento no consumo do crack e sua disseminação entre as classes sociais vêm preocupando as autoridades brasileiras. Como ainda faltam no Brasil dados precisos sobre o perfil do usuário da droga, o Ministério da Saúde informou nesta segunda-feira que pretende divulgar até o início do ano que vem os resultados de um estudo que está desenvolvendo nas cidades do Rio de Janeiro, de Macaé (RJ) e de Salvador (BA). O objetivo é direcionar de forma mais eficiente as ações do Plano de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, que está recebendo R$ 140,9 milhões, em verbas federais.

De acordo com o ministério, essas cidades foram escolhidas porque já eram alvo de atividades na área, promovidas pelas universidades federais locais – Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade Federal da Bahia.

Para mapear a situação, o levantamento está dividido em seis partes que incluem a coleta de dados sobre moradia, idade e sexo de pessoas que usam crack; além de comportamentos de risco para doenças sexualmente transmissíveis, como hepatite e aids, já que muitos dependentes se prostituem em troca de dinheiro para comprar a droga.

Outro aspecto que o estudo vai traçar é o diagnóstico do tipo de serviço público mais procurado por quem deseja abandonar o vício. De acordo com o Ministério da Saúde, um dos principais desafios é garantir a vinculação do paciente ao trabalho desenvolvido por essas instituições, evitando que o paciente abandone o tratamento, que precisa ser cada vez mais rápido, como destaca a diretora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad), ligado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Ivone Ponczek.

“O crack trouxe muitas mudanças no tipo de tratamento oferecido. Como é uma droga que causa dependência rapidamente, temos que agir da mesma forma. Antes da sua disseminação, a ação era gradativa. Com ele, pode não dar tempo, principalmente pela compulsão forte que é provocada e porque muitas vezes o paciente vai e não volta mais”, explicou, afirmando que a proporção de atendimentos de viciados na droga aumentou bastante nos últimos três anos.

“Hoje, de cada dez atendimentos, cerca de sete são em função do crack”, disse. A diretora do Nepad também alerta para a progressiva redução da faixa etária de usuários da droga, “atingindo crianças de 8, 9 anos, num processo estarrecedor”, completou.

Segundo ela, o baixo preço – com R$ 0,50 é possível comprar uma pedra – aliado à rapidez das sensações que provoca ajudam a explicar a procura pela substância.

O psiquiatra Jairo Werner, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), destacou que além das consequências físicas, há os graves problemas sociais já que, para comprar a droga, a pessoa com o vício é capaz de agir com violência, cometer crimes e se prostituir.

“É uma questão social grave que já não está restrita às classes econômicas mais baixas. Para combatê-la e evitar que essa tragédia aumente é preciso desenvolver um trabalho preventivo enorme, envolvendo diversos setores da sociedade, como saúde, assistência social e segurança, tanto na esfera governamental como fora dela”.