Grupo de meninas DJs cria projeto para ensinar jovens carentes a fazer hip hop


"Nossa ideia não é segmentar, mas mostrar às mulheres que elas têm espaço" explica Mayra, uma das integrantes do Hip Hop de Salto

Larissa Drumond, iG São Paulo


Vivian Marques, Lisa Bueno, Mayra, Simmone e Tati Laser são um grupo de meninas que toca em festas. Mas elas não animam a galera com o último single da Lady Gaga, nem da Katy Perry. O negócio delas é rap e hip hop. Depois de se esbarrarem em vários eventos e festivais, Lisa, que toca há 12 anos, convidou as outras quatro para trocar experiências, discos e habilidades nas pick-ups. Surgia, em 2008, a Applebum – ou “Applebunitas”, como costumam brincar. Pouco depois de terem se unido para fazer scratches e batidas, elas se inscreveram no DMC Campeonato Nacional de DJ, no qual alcançaram o terceiro lugar. “Nossa ideia não é só tocar, mas fazer performances também. É usar vinil, batida, instrumental e criar outra música”, diz Mayra.

Encontro do projeto: debate sobre os rumos do hip hop e dos festivais

Agora elas se encontram regularmente para continuar juntas na ativa. E decidiram dar oportunidade para outras garotas com a criação do “Hip Hop de Salto”, um projeto que envolve oficina de DJ, workshops, palestras e rodas de debate. Em 2009, a crew recebeu apoio do Fundo Social Elas, da Espanha; agora, com o suporte da prefeitura de São Paulo, haverá mais três encontros até o fim do ano – o primeiro aconteceu no último sábado (18). “Nossa ideia não é segmentar, mas mostrar às mulheres que elas têm espaço”, diz Mayra. “Por causa do preconceito de antigamente, elas não buscam quebrar barreiras. Sou DJ há um bom tempo e meus amigos sempre me ensinaram, me emprestaram discos e me incentivaram”, conta Vivian.

Por mais que busquem o mesmo espaço – e reconhecimento – que os homens, as cinco admitem que as mulheres têm um feeling diferente na hora de escolher o setlist. Mesmo aquelas que preferem um som mais pesado, como a Tati Laser. “Eu sou da rua, gosto de tocar underground. Sem querer classificar, mas já classificando, é ‘para os moleques’. Mas sou aberta a todas as músicas”, brinca.

Vivian é fã de R&B e Simmone sempre inclui as cantoras dos anos 90. “Sou militante. Se não fosse por Queen Latifah e MC Lyte, que começaram todo esse movimento, nós nem estaríamos aqui hoje”, lembra. Mayra é apontada pela turma como a indie. “Sou eclética, gosto do underground e adoro R&B”, defende-se. “Mas opto por mostrar novidades e sons conhecidos pouco tocados, como Amy Winehouse e Sharon Jones. Sempre puxo para a linha do jazz e do soul”, completa a DJeia – forma como elas se chamam de brincadeira, sem nenhum cunho ideológico. “Aliás, a gente tem de parar com isso. É como falar ‘MC mulher’, não existe”, lembra.

Elas só tocam com vinil: é um charme, mas cria dificuldades

Um desafio na hora de tocar – mas também um charme! – é que todas usam vinil. Nada de CDs, MP3 ou uma maçãzinha branca brilhando na frente do DJ. “Às vezes quero soltar um lançamento da semana passada, mas não tem disco. Também queria tocar muito mais rap nacional”, lamenta Mayra. E hoje o rap brasileiro está cada vez mais próximo ao gringo. Há alguns anos, as letras só retratavam favela, pobreza, periferia e crime – quem nunca se pegou recitando “aqui estou, mais um dia, sob o olhar sanguinário do vigia”? “Agora a música também aborda temas de trabalho e romance, mas não gira dinheiro como nos Estados Unidos”, diz Vivian. “A maior diferença é que os caras veem grana: é diamante, mulher bonita, carro, bebida e dinheiro; aqui não é bem assim”, adiciona Tati Laser.

Roda de rap
Os encontros do Hip Hop de Salto incluem mesa redonda de discussão sobre os rumos da música. As garotas da Applebum elaboram os temas e convidam personalidades especialistas no assunto. No encontro de setembro, o tema foi “Hip Hop de Fora para Dentro”; no caso, pessoas que já trouxeram artistas internacionais para shows em São Paulo. Guigo Lima, produtor de festas, e Rodrigo Brandão, idealizador do Indie Hip Hop – maior festival de rap do Brasil, que existia há dez anos e teve sua última edição em 2009 –, contribuíram com suas experiências.

“Nós queríamos saber os motivos do fim [do projeto]. O pessoal do rap não se atualiza muito e meio que esgotou a lista de MCs clássicos dos anos 90, que todo mundo gostaria de ver”, diz Mayra. Depois de duas horas de conversa, como amigos numa conversa informal e gostosa de bar, eles falaram sobre a vinda do Mos Def ao Brasil, a depredação do Sesc Santo André no último dia de festival, a atitude e a postura dos rappers internacionais e os erros tanto dos produtores, como do público. “Essas discussões são importantes porque agregam conhecimento. Muitas vezes, as pessoas se limitam ao que chega para elas em vez de assistir a uma palestra”, diz Vivian. “É serviço mesmo, utilidade pública”, finaliza Mayra. O próximo será no dia 28 de outubro, com as MCs Rúbia e Lurdez da Luz, sobre a mulher no universo do hip hop.

DJ, aumenta o som!
O projeto Hip Hop de Salto só aceita meninas. As inscrições são realizadas pelo blog ou pelo e-mail hiphopdesalto@gmail.com. De 600 solicitações, em média, apenas 20 garotas são escolhidas. Um dos critérios de seleção, além de ser mulher, é o financeiro. “Quanto menor o poder aquisitivo, mais chances de entrar para a turma. A gente já recebeu e-mails absurdos de pessoas com condições de fazer um curso pago e que se inscreveram só porque era gratuito”, opina Simmone. As oficinas acontecem no centro de São Paulo, na e-DJs, com 12 aulas durante três meses.

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