O ringue do rap


No passado, grandes figuras da nossa literatura, como Carlos Drummond de Andrade e Fernando Sabino, costumavam escalar os arcos de um dos cartões-postais de Belo Horizonte, o Viaduto de Santa Tereza. Hoje, é embaixo dele que a arte e a cultura se manifestam. O lugar, palco de um dos eventos de rua mais genuínos da capital, o Duelo de MCs
Caras do rap Duelo de MCs completa cinco anos e revela nova geração de artistas do hip hop em Minas. Com mais de 200 disputas realizadas, qualidade do evento é reconhecida em todo o Brasil.


Os rappers H. Apocalypse, FBC, Pedro Vuks, Douglas Din, Kdu dos Anjos e PDR fazem da região do Viaduto de Santa Tereza o palco de sua arte e mensagem (Alexandre Guzanche/EM/D.A Press)
No passado, grandes figuras da nossa literatura, como Carlos Drummond de Andrade e Fernando Sabino, costumavam escalar os arcos de um dos cartões-postais de Belo Horizonte, o Viaduto de Santa Tereza. Hoje, é embaixo dele que a arte e a cultura se manifestam. O lugar, palco de um dos eventos de rua mais genuínos da capital, o Duelo de MCs, se tornou um celeiro de talentos. Desde que começou a ser realizado, em agosto de 2007, vem revelando dezenas de artistas do hip hop, que se tornaram referências não só na cidade, como no Brasil. “Ao longo destes cinco anos, foram realizados mais de 200 duelos e muitos nomes surgiram. Hoje, nós temos uns 30 MCs que participam assiduamente e pelo menos 10 despontaram aqui e têm projeção nacional. Sem dúvida, é o melhor momento que o rap já viveu em Belo Horizonte”, ressalta Pedro Valentim, o PDR, um dos integrantes e fundadores do Coletivo Família de Rua, organizador do Duelo de MCs.
Foi nas batalhas promovidas todas as sextas-feiras sob o viaduto que surgiram, por exemplo, dois dos principais representantes da rima improvisada hoje no país: MC FBC, de 23 anos, e Douglas Din, de 21. Os rappers são recordistas de vitórias no evento, com aproximadamente 30 conquistas cada. Douglas lembra que cresceu ouvindo a Rádio Favela e foi muito influenciado pelos Racionais MCs. Com 14 anos, começou a compor os próprios raps. “Eram meio politizados, mas sem consciência alguma do que eu estava falando. Eram até um pouco agressivos”, recorda. Quando conheceu o Duelo de MCs, teve vontade de participar, mas estava receoso. “No início, não sabia como deveria fazer. Me lembro de ficar vendo as batalhas no Viaduto de Santa Tereza e ia para casa assistir ao vídeo na internet e treinar. Foi assim que comecei a improvisar. Você cria na hora o que quiser. Tem que pensar rápido, porque é muito dinâmico”, frisa.

Duelo de MCs realizado todas as semanas debaixo do Viaduto de Santa Tereza, no Centro de BH, revela talentos em Minas e é reconhecido no país inteiro. H. Apocalypse, FBC, Pedro Vuks, Douglas Din, Kdu dos Anjos e PDR (foto) se destacam na disputa de rimas. FOTO: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
Desde que passou a concorrer na disputa promovida pelo Família de Rua, alcançou várias vitórias e, a partir daí, foram surgindo novas oportunidades. Participou de outras competições, inclusive nacionais, e em boa parte delas batia na trave e só conquistava o segundo lugar. “O pessoal começou a falar que eu estava igual ao Vasco. Só conseguia ser vice”, brinca. Até que, no ano passado, veio a glória, quando se sagrou campeão do Duelo de MCs Nacional. Hoje, Douglas Din é um dos principais nomes do rap de improviso no país e os amigos asseguram que o rapper é temido pelos adversários. “Eu me considero o mais preparado. Não sou o melhor. Hoje, vivo do rap. Ele é a oportunidade de falar aquilo que estou realmente sentindo. Pode não parecer, mas sou muito tímido. Mas no palco, quando vejo aquele tanto de gente, me entrego mesmo e me solto”, comenta o artista.
FBC também descobriu o gênero na adolescência e costumava criar rap em cima de canções de pagode, sertanejo e até de rock, outras de suas paixões. Decidiu se tornar um MC e hoje alterna o trabalho na música com o ofício de ambulante de água e cerveja, durante os duelos na sexta-feira, e ao longo da semana, na Avenida Amazonas, vendendo frutas. “Vai sobressair o MC que tem um vocabulário mais denso, extenso e mais conhecimento. É uma batalha, mas não basta apenas atacar o outro”, aconselha ele, que, além das disputas, costuma apresentar pockets shows durante o Duelo.
Diferença Outra grande revelação, e que inclusive está trilhando caminho próprio, é Pedro Vuks, de 24 anos. Leitor de Cecília Meireles e Machado de Assis, acabou largando o futebol quando conheceu o freestyle ou rap livre, que se caracteriza por letras improvisadas. Dois rappers fazem freestyle, geralmente atacando um ao outro, e o público decide o vencedor. “Teria um outro destino se não tivesse conhecido o rap, um destino infeliz, provavelmente, assim como muitos dos meus amigos. Faço música porque acho que ela pode fazer diferença na vida das pessoas”, acredita Vuks, que lançou no ano passado seu primeiro disco e que vendeu 5,5 mil cópias até então.
O artista já duelou muito no evento, que ele, aliás, ajudou a criar. Mas diz que não tem mais o mesmo “fôlego da garotada” e prefere participar como convidado. “Tenho feito muito show pelo Brasil e agradeço muito ao rap. Pode parecer frase de efeito, mas o rap me deu tudo o que tenho na vida. Tudo mesmo! O carro que comprei, a minha casa. Até andar de avião pela primeira vez foi por causa do rap. Isso sem falar que larguei o cigarro e a bebida. A música me deu muita oportunidade. Mas tem que começar a pensar no futuro. Não vou ficar fazendo rap com 70 anos. A gente tem que pensar nisso. Ampliar e ajudar quem está começando”, propõe.
>> Semana a semana
O duelo de MCs começou em agosto de 2007 e é promovido pelo Coletivo Família de Rua. É realizado todas as sextas-feiras, a partir das 21h, debaixo do Viaduto de Santa Tereza, no Centro de BH.
» 1ª semana do mês
Batalha tradicional. Cada duelista tem dois rounds de 45 segundos para derrubar seu adversário tecendo rimas de ataque e defesa.
» 2ª semana do mês
Batalha do conhecimento. Diferentemente de um duelo clássico – no qual o foco principal são ataques diretos entre os adversários –, numa batalha do conhecimento o mestre de cerimônias mais bem-sucedido é aquele que tece os melhores versos a respeito da temática proposta.
» 3ª semana do mês
Batalha do bate e volta. Ataque e resposta entre os MCs no
compasso da música.
» 4ª semana do mês
Batalha de dança. Disputa entre os melhores dançarinos.
Por: Ana Clara Brant
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