Preso num assalto a banco em 1991, Cascão passou por sete presídios e teve seu primeiro contato com o rap na cadeia; hoje é formado em direito.
Criador do termo “Vida Loka” junto com Mano Brown, MC dos Racionais MC´s, Djalma Oliveira Rios, 38, conhecido no movimento Hip Hop como Cascão, é integrante do Trilha Sonora do Gueto, grupo de rap da zona sul de São Paulo.
Preso num assalto a banco em 1991, passou por sete presídios, dentre eles, Penitenciária de Sorocaba e o Presídio de Segurança Máxima de Presidente Bernardes, no qual esteve preso o traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar.
Ficou oito anos atrás das grades e, após ingressar na carreira de músico, parou com a vida do crime. “Meu contato com o rap foi na cadeia. Eu já estava cansando de tirar cadeia e entrando na finalidade de sair da cadeia e parar”, comenta.
Evangélico e formado em Direito, hoje Cascão mudou um pouco o perfil de suas músicas, porém, não sua essência. Conviveu no sistema prisional de São Paulo com presos egressos do Carandiru, após a implosão no dia 8 de dezembro de 2002 – dez anos após o massacre de 111 detentos do Pavilhão 9, segundo dados oficiais.
“Os policiais subiram nos andares, colocaram todo mundo pra fora e metralharam. Total execução. Fora que relataram que morreram 111, mas foi muito mais que 500 presos. Um monte do Nordeste que não tinha família e que a família não reclamou o corpo”, conta Cascão, segundo relato dos presos que conviveram com ele.
Antes de entrar na vida do crime, Cascão sofreu com a morte do irmão, assassinado pela Rota em 1990, porque estava pichando muro. “Nesse dia eles (o irmão e mais os amigos) estavam pichando no Capão, a Rota chegou e assassinou os três, porque os outros correram. Depois falaram que eles trocaram tiro”, relata.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o rapper narra o cotidiano da cadeia e também a violência policial na periferia de São Paulo. “Hoje em dia a polícia perdeu a vergonha na cara, ela começou a se tornar corrupta. Automaticamente quando ela se tornou corrupta, ela perdeu aquela força de autoridade, aí a divergência começou a entrar dentro da própria corporação”, critica.
Brasil de Fato – Como era o convívio, a relação e o cotidiano dentro do presídio?
Cascão – Cadeia é um lugar como outro. Um lugar onde o requisito principal é o respeito. A diferença é que o espaço é limitado. Você tem limitação entre sociedade e não-sociedade. É um convívio normal, porém com restrição. Se você acordar dando bom dia você vai receber bom dia, se você acordar e der chute você vai morrer ou dar chute em todo mundo.
Quais eram os perfis dos presos que conviveram com você na época?
Bom, eu passei em várias cadeias. Nas cadeias de segurança máxima eram os presos de alta periculosidade. Mas em Bernardes, na Casa de Detenção, na Penitenciária do Estado e nas penitenciárias normais é onde está todo mundo.
O índice de negros e pobres ainda é mais alto nos presídios? Por quê?
Com certeza, porque automaticamente quem tem uma condição social mais acessível, o índice de entrar no crime é muito menor. Agora, quem não tem uma condição social básica, a tendência, por meio da opressão do sistema, é caminhar para o lado mais fácil mesmo.
Por que você optou em fazer curso de Direito?
Escolhi Direito por conta da autonomia. Eu sou músico, só que carreira de músico é imprevisível com relação ao tempo. Ela depende muito do que o momento sugere como música. E como a minha música é politizada, a tendência da minha filosofia parar em me trazer um retorno financeiro é muito grande. Então, escolhi Direito porque analisando o que eu ia fazer antes de fazer uma faculdade, eu vi que direito é a única profissão que se encaixa em outras profissões. Se você bate seu carro e o cara não quer pagar você vai chamar um advogado; se brigou com sua mulher e vai separar, vai chamar um advogado; seu filho foi preso, vai chamar um advogado, então para sobreviver financeiramente é uma boa escolha.
Sobre o Carandiru, que no próximo dia 2 de outubro completará 20 anos o massacre, o que você tem a dizer?
Na ocasião eu estava na Penitenciária de Sorocaba, mas eu convivi com vários detentos que chegaram depois que o Carandiru foi desativado. Eles foram transferidos para o sistema prisional de São Paulo. O que ocasionou ali na verdade foi uma coisa de rotina de cadeia que é a discussão. Numa simples discussão de cadeia que é normal, foi o suficiente pra juntar o ódio da polícia que já não gosta de preso. Na detenção existe uma rivalidade, pois os PM´s que trabalham na muralha passam xingando os presos e os presos xingam eles. Os policiais falam “ e aí ladrão, comi sua mulher ontem”, aí os ladrões falam “enquanto você ta aí cuidando de nós o carteiro tá comendo a sua”. Então, eu acho que foi uma junção desses dois fatos que ocasionou o ato.
Os presos que conviveram com você narraram como que foi o episódio no dia do massacre?
Eu convivi com um que pegou HIV da boca do cachorro. Eles falaram que o negócio foi pesado. Os policiais subiram nos andares, colocaram todo mundo pra fora e metralharam. Total execução. Fora que relataram que morreram 111, mas foi muito mais que 500 presos. Um monte de cara do Nordeste que não tinha família e que a família não reclamou o corpo.
Você teve um irmão que foi assassinado pela Rota. Poderia contar como que foi?
Meu irmão pichava muro. Tava ele e mais uns cinco moleques. Já tinha acontecido várias ocasiões da polícia pegar ele e pintar ele todo com tinta. Nesse dia eles estavam pichando no Capão, a Rota chegou e assassinou os três, porque os outros correram. Depois falaram que eles trocaram tiro. Isso foi em 1990.
Em sua opinião, a Polícia Militar é corrupta?
Eu me lembro de 1990 pra baixo. Era questão de honra se o cara matasse um policial poderia cavar um buraco e se enterrar, porque era garantido que ele ia morrer. Hoje em dia a polícia perdeu a vergonha na cara, ela começou a se tornar corrupta. Automaticamente quando ela se tornou corrupta, ela perdeu aquela força de autoridade, aí a divergência começou a entrar dentro da própria corporação. Os próprios policiais que não gostam de corrupção, começaram a ver os policiais corruptos como coisa ruim. Então acabou aquela lealdade entre eles.
Como a Polícia Militar entra na periferia?
Eles não têm respeito por ninguém, na verdade, os policiais não têm preparo. Você sabe o Estado não tem preparo. Como pode, o cara é policial militar, anda na viatura e faz um monte de barbárie. Quando vai bater o cartão pra ir embora ele mora na favela. Ou seja, até ele não tem opção.
Você acha que existe uma guerra entre o crime organizado e a PM?
Você só pode falar uma coisa quando você está dentro. Eu não posso afirmar porque eu não sou mais do crime. Mas é óbvio que há uma guerra entre crime organizado e as instituições do Estado. Agora, se ela é estipulada pelo crime organizado ou pela polícia eu não sei. Mas toda vez que morre um policial eles passam e matam um monte na favela. Só esses dias no Campo Limpo eles mataram um monte. Os policiais já fizeram duas chacinas nesses últimos dias. Não mudou nada, só mudou os nomes que eles põem. As circunstâncias são as mesmas. Vagabundo matando polícia e polícia matando vagabundo. Quem acaba sendo oprimida é a população que não tem outro tipo de defesa a não ser acreditar em Deus.
Como foi o seu contato com o rap e como ele pode influenciar na vida das pessoas nas periferias?
Meu contato com o rap foi na cadeia. Eu já estava cansando de tirar cadeia e entrando na finalidade de sair da cadeia e parar. Eu já conhecia o rap. Sou da quebrada do Mano Brown, dos Racionais. Eu o via no ônibus, mas não era muito de conversar, só de cumprimentar. Eu falei pra minha irmã ir na casa do Brown e pegar o endereço pra mim. Eu escrevi pra ele que estava querendo parar com o crime e que tinha umas letras de música que ia mandar pra ele. Ele disse que se eu tivesse compromisso de parar com o crime e não tivesse nada errado que possa prejudicar o movimento ele me daria uma força. Foi nessa que eu ingressei. Eu próprio sou uma testemunha que o rap muda e pode mudar.
Por: José Francisco Neto
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