Mas há um aspecto que merece saudação: as agressões de maridos, namorados ou outros familiares contra as mulheres começam a perder a tradicional aura de naturalidade e impunidade. O alto número de processos mostram que a lei “pegou” (ela é conhecida e apoiada por mais de 63% das pessoas) e que os brasileiros começam a se questionar sofre a normalidade do uso da violência das relações entre os dois sexos.
Mas a lei ainda enfrenta forte resistência, Muitos juristas apontam nela aspectos inconstitucionais – um deles por exemplo é o impedimento à mulher de, uma vez começado o processo, “retirar a queixa” – e houve mesmo um juiz, em Sete Lagoas (Minas Gerais), que, no texto de uma sentença, em 2007, considerou a lei “diabólica”. Em novembro de 2010 ele foi suspenso por isso, penalidade revertida por decisão do STF no começo deste ano.
Na sentença proferida em 2007 aquele juiz escreveu que “a desgraça humana começou no Éden, por causa da mulher”, refletindo o machismo dominante e persistente na sociedade brasileira. É contra a realidade preconceituosa refletida por uma frase como esta que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo acusou o enraizamento na cultura social e política brasileira da “permissividade em relação à violência contra a mulher, fruto do preconceito e daquilo que chamamos machismo”.
Os dados que descrevem esta realidade são terríveis. Um levantamento feito em 2010 pelo Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem-Brasil), revelou que 72% das mulheres (três em cada quatro) votam vítimas de violência doméstica e os agressores são os maridos; mais da metade (58%) são agredidas diariamente.
A Lei Maria da Penha é uma conquista civilizatória do povo brasileiro e mundialmente reconhecida como um instrumento adequado para combater a violência contra a mulher. Em seus quatro anos de vigência já teve resultados notáveis, mas é preciso avançar ainda mais. É inaceitável que três quartos da mulheres ainda sejam vítimas de violência doméstica, e que quase seis em cada dez sofrem diariamente. São milhões de mulheres agredidas, humilhadas e brutalizadas, impedidas de se desenvolverem como pessoas autônomas e livres. Embora sejam números consideráveis, 330.000 processos e 111.000 sentenças são uma gota d’água num oceano de iniquidades. É preciso fazer mais.
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