Diferenças: respeito versus preconceito

Escolas que recebem e educam os alunos, independentemente de origem, orientação sexual ou deficiência, ensinam a todos a viver

Foto: Marcos Rosa

"Aquele que reconhece o valor de alguém pelas batalhas que enfrenta, e não pelo que aparenta, jamais será preconceituoso."Foto: Marcos Rosa
As demonstrações coletivas de intolerância, desrespeito e violência são sempre chocantes, ainda mais quando atingem os mais frágeis e ocorrem na escola. A discriminação existe em toda parte - nas relações religiosas, esportivas, sexuais, étnicas ou políticas - e dão origem a ódio, conflitos, crimes e guerras. Estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), citado na reportagem da página 76, mostra que também em instituições de ensino há práticas discriminatórias por cor, pobreza, gênero, orientação sexual e, até mesmo, por deficiência física ou intelectual.

Como as crianças não estudam porque são evangélicas ou católicas, orientais ou negras, deficientes físicas ou atletas - mas porque são gente -, a escola deveria ser um espaço de diversidade onde se aprende a conviver com as diferenças. No entanto, é comum pôr em dúvida a possibilidade de essa instituição enfrentar questões difíceis de tratar nos demais espaços sociais. Contudo, com base no que presencio em escolas, posso mostrar que isso, mais que desejável, é possível.

Um exemplo notável me chegou quando leitoras desta coluna - Paula, Daniela e Cristina - escreveram para contar sobre um trabalho com o filme Escritores da Liberdade, que elas conduziam numa unidade da rede pública de São Paulo. Ao visitá-la, fui apresentado à diretora, Cida, e ao Projeto Conviver, que mereceria também ser retratado numa obra cinematográfica. Alunos de 45 classes, seus mestres e a comunidade superaram graves conflitos e criaram um ambiente de compromisso e participação. Os exemplos eram vários: uma garota contou com candura os próprios preconceitos e como se livrou deles. Outra vivia as emoções de um pega-pega em cadeira de rodas empurrada pelo pátio. Um pai observava o filho com paralisia cerebral discutindo a injustiça na derrota do time da escola. Um grupo preparava a peça musical Kisomba para valorizar o convívio étnico-cultural. Soube depois de uma equipe de vôlei composta por afinidade na orientação sexual.

Em outra escola pública que visitei recentemente, o coordenador pedagógico, Daniel, me falou da integração de um jovem transexual que tinha sofrido discriminação em várias outras instituições. Para que fosse bem acolhido, foi decisiva a ação de um grupo de alunos experientes nesse tipo de problema. Por intermédio de Amélia, militante de causas sociais e educacionais, soube do trabalho do Projeto Purpurina, que tem apoiado outras vítimas de segregação.

Eu poderia trazer pelo menos um bom exemplo de superação, em contrapartida a cada grave incidente que vira notícia. Por isso, rejeito a ideia de que a barbárie se instalou na escola em definitivo e que enfrentá-la estaria fora de nosso alcance. Também não concordo com quem imagina que lidar com essas questões é perda de tempo ou traz prejuízo ao ensino regular. Quando se enfrenta a discriminação ou se dá o tratamento adequado a alunos com defasagem, síndromes e deficiências (como mostrado no especial Inclusão, de NOVA ESCOLA), o desempenho de todos melhora, sem contar o ganho maior que é o de conviverem solidariamente e em paz.

Entre as lições centrais, vale lembrar que aquele que reconhece o valor de alguém pelas batalhas que enfrenta, e não pelo que aparenta, jamais será preconceituoso. Da mesma forma, quem percebe que cada um de nós tem o desafio de admitir e afirmar a própria singularidade diante do mundo não faz a crueldade de humilhar alguém por causa disso. A alegria que se sente em instituições em que se respeita e se aprecia a pluralidade, como as que conheci, constitui a melhor razão para aprendermos com elas.
 É físico e educador da Universidade de São Paulo (USP).
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