A voz da rua


Livros explicam a trajetória do grafite no Brasil e no mundo. Enquanto o inglês Banksy provoca a sociedade globalizada, brasileiros usaram as ruas para contestar a ditadura.
Por:Walter Sebastião

Banksy, que não se deixa fotografar e não dá entrevista, interfere na cena das metrópoles (Intrínseca/reprodução)
O grafite, a mais popular (e polêmica) das manifestações das artes visuais, ganha dois livros importantes. Banksy – Guerra e spray (Intrínseca) reúne trabalhos e reflexões do mais famoso representante dessa linguagem atualmente: o inglês Banksy.

Estética marginal volume #02 (Zupi), por sua vez, traz biografia e documentação dos pioneiros no Brasil.
“Essa expressão contemporânea está presente no mundo inteiro, gera polêmica e promove discussão sobre a cidade, seja ela BH, Paris ou Barcelona”, afirma José Marcius de Carvalho Vale, coordenador do projeto Guernica. Voltado para a reflexão sobre a imagem na capital mineira, o programa oferece oficina sobre história da arte e grafite.
De acordo com José Marcius, o discurso sobre grafite se concentra no aspecto estético, mas é mais do que isso. “Quando praticado com responsabilidade, ele tem dimensão ética e política, apresenta a cidade como local das diferenças”. O desenho de Banksy discute costumes e repressões, lembra o coordenador do Guernica. “Foi mérito dos pioneiros brasileiros, no tempo da ditadura, fazer arte sem pedir licença a ninguém”, ressalta Vale.
O primeiro volume de Estética marginal é dedicado à produção contemporânea brasileira. Os próximos serão uma antologia da street art sobre artistas contemporâneos e sobre as grafiteiras. “Apesar de não serem muitas, já há bastante grafiteiras”, conta o editor Allan Szacher.
Lenda urbana? Banksy age clandestinamente. Só tira foto com o rosto coberto e não dá entrevista, pois na Inglaterra o grafite é proibido. Há quem afirme que ele se chama Robert Banks, nasceu em Bristol e tem cerca de 30 anos. Suspeita-se que sob esse nome exista um coletivo de street art. Os textos de Guerra e spray, informa a editora, foram escritos exclusivamente para o livro. No site www.banksy.co.uk, o artista nega ligação com livros e até com o próprio site.
Seja quem for, com seu humor fino e imagens de alta qualidade, Banksy é autor de proezas. Guerras, o controle social, a passividade das pessoas e a estética convencional são alvos dele. Numa jaula de zoológico, ele grafitou: “Riam agora, mas no futuro estaremos no comando” e “sou uma celebridade, me tire daqui”.
Fazem sucesso e geram controvérsia réplicas de obras de arte adulteradas por Banksy, instaladas clandestinamente em alguns dos mais importantes museus do mundo, como o Louvre francês ou o Tate londrino.
“É preciso muita coragem para, numa democracia ocidental, erguer-se anonimamente e clamar por coisas em que ninguém mais acredita, como paz, justiça e liberdade”, afirma o livro Banksy – Guerra e spray. Outra provocação perspicaz: “A TV fez com que o ato de ir ao teatro parecesse sem sentido. A fotografia praticamente matou a pintura, mas o grafite continua gloriosamente intocado pelo progresso”.
Brasil Estética marginal volume # 02, organizado e editado por Allan Szacher, traz biografias e documentação de pioneiros como Alex Vallauri, Carlos Matuck, Waldemar Zaidler, John Howard, José Carratu, Júlio Barreto, Hudnilson Júnior e Maurício Villaça, entre outros. Na década de 1980, durante a ditadura militar, essa turma saía à noite para grafitar nas paredes paulistanas. “Essa geração teve a coragem de fazer arte proibida, criando movimento que se espalhou por todo o país. São imagens simples, mas espetaculares”, conta Szacher.
O grafite se expandiu, ficou mais trabalhado e se popularizou, mas perdeu o jeito brasileiro e se tornou mais autoexpressão do que arte, acredita o editor. “A primeira geração tem linguagem minimalista, engraçada, crítica e sutil” – características do inglês Banksy que os brasileiros exercitaram antes dele. “Por falta de visão, Banksy é sucesso em todo o mundo e a nossa produção desconhecida”, lamenta Szacher.
No Brasil, quem introduziu o grafite como manifestação de arte foi Alex Vallauri (1949-1987), respeitado artista plástico e conhecido por pesquisar a visualidade kitsch. São dele imagens antológicas, como a bota feminina de cano e salto altos – o primeiro grafite visto nas paredes paulistas.
Vallauri também criou a personagem Rainha do Frango Assado, um clássico. Em 1985, convidado para expor na Bienal de São Paulo, Vallauri levou os colegas grafiteiros para a mostra.

Palavra de especialista
HUDMILSON JR. – Artista plástico e grafiteiro
O grafitossauro
“Começamos durante a ditadura militar, em São Paulo. O grafite foi uma maneira de soltar o que sentíamos e não podíamos colocar em lugar nenhum. Foi tudo espontâneo, mas realizado com consciência artística. A atitude de ocupar a cidade foi prolongamento de intervenções urbanas que fazíamos com o grupo 3Nós3, em tempos de falta de galerias, que se fechavam aos jovens artistas. Ir para a rua foi certo. Era espaço público, ideal para nós, que queríamos cativar as pessoas para a arte. Usávamos o grafite para entender, dialogar e discutir o espaço público. Hoje, falo diretamente do ‘Grafite Jurassic Park’, pois sou um grafitossauro, mas sinto falta de atenção com o que fizemos. Só em 2011 Alex Vallauri ganhou um livro. Hoje, temos artistas interessantes, mas o grafite perdeu o tom contestador. Virou marketing”.
BANKSY – GUERRA E SPRAY

Enquanto o inglês Banksy provoca a sociedade globalizada, brasileiros usaram as ruas para contestar a ditadura (Intrínseca/reprodução)
>> Editora Intrínseca
>> 48 páginas, R$ 50
ESTÉTICA MARGINAL VOLUME # 02
O grafite está presente no mundo inteiro, gera polêmica e promove discussão sobre a cidade (Zupi/reprodução)
>> Editora Zupi
>> 168 páginas. Volume disponível para assinantes da Revista Zupi, cuja assinatura custa R$ 70. Informações: www.zupi.com.br
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