
Por:Junia Oliveira

Grupo do Muro que Une, no Bairro Olhos D’Água: criatividade possibilitou resgate da autoestima e melhoria de notas escolares (Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)
Uma ideia aparentemente simples. Numa rua do Bairro Olhos D’Água, Região Oeste de Belo Horizonte, um muro grafitado chama a atenção de quem passa, marcando o entorno da área de uma empresa. Algo normal, não fosse o que está por trás dessa barreira. No trabalho com jovens da periferia da capital mineira, a arte de desenhar e colorir com spray fez da estrutura que separa um símbolo de união, marcada pela sensibilidade e por histórias de transformação, nas quais a família, os amigos, os vizinhos e a própria vida ganham um sentido ainda mais especial.
O projeto Muro que Une, iniciativa da empresa de mineração Vale voltada para os jovens moradores do entorno do terminal de operação do Olhos D’Água, começou no início deste semestre. A pintura retrata o cotidiano ou o que adolescentes e crianças gostariam de ver ao sair à rua. Cenas urbanas, imagens de casa e da família e até mesmo o cão de estimação estão pintados ao longo de 420 metros. Outra curiosidade diz respeito à própria estrutura: o muro é feito com trilhos. Eles são espaçados entre si, numa espécie de cerca metálica, o que torna a precisão da técnica para garantir a continuidade do traçado dos desenhos ainda mais essencial.
Antes de pôr a mão na massa, foram necessários dois meses de preparação, em julho e agosto. Nesse período, a meninada teve aulas de história da arte e visitou museus, o Memorial Vale (na Praça da Liberdade, na Região Centro-Sul de BH) e a fábrica vizinha. As fases teórica e prática contaram ainda com alguns trabalhos de pintura, antes de eles partirem para a grafitagem.

Desde os 5 anos, Lucas Eduardo Souza dos Santos, hoje com 9, via de casa o pátio de equipamentos da empresa. Hoje, sonha ser grafiteiro (Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)
Pintar o muro foi uma forma de a empresa estreitar o relacionamento com os moradores e se aproximar daqueles jovens, conhecidos antigos, que estavam sempre por ali, no entorno da fábrica, como relata o gerente de Carregamento e Movimentação de Produtos, Olemar Tibães Lopes Júnior, um dos responsáveis pela iniciativa. “Queríamos usar a barreira física que, em tese, separa, para unir. Por isso, decidimos chamar a comunidade para fazer a pintura. A ideia não era fazer para, mas fazer com”, ressalta.
E foi com esse espírito que o menino Lucas Eduardo Souza dos Santos, de 9 anos, entrou de cabeça nessa história. Quando completou 5 anos, ele ganhou um binóculo e, desde então, adotou como passatempo ficar da janela de casa vendo o trem dentro da Vale. Ele não entendia nada do funcionamento daquela estrutura e se divertia tentando adivinhar o que seriam tantos equipamentos. Do lado de cá, ele gostava de ver a caixa onde o minério é depositado e, na sua imaginação, pensava ser um grande cão, era, na verdade, a empilhadeira.
O garoto que passava as tardes em casa, à toa, jogando videogame, não pensou duas vezes quando recebeu o convite para fazer parte daquela turma que vinha dando o que falar no bairro. E foi aí que tudo mudou. A visita à fábrica, onde ele constatou que o cão não existia, foi um dos grandes momentos do projeto. “Era mais do que eu esperava”, disse. E despertou nele outra vontade: “Antes, queria trabalhar na Vale, agora quero ser grafiteiro.” E se pudesse optar pelos dois e fazer grafite dentro da empresa? “Aí seria perfeito”, afirma o garoto, com um enorme sorriso no rosto.
O adolescente Vinícius Alves da Silva, de 14, também ficava na porta de casa, bem em frente ao portão da Vale, vendo o grupo trabalhar as pinturas. Ele gostou tanto dos resultados que não resistiu e acabou entrando para a turma. Como ele gosta mais de colorir, prefere os sprays de bico fino. A nova atividade já rendeu disciplina, com melhoria na escola e promessas de nunca mais tomar bomba. Graças ao grafite, as relações familiares também vieram à tona. No muro, o desenho que ele fez retrata mãe, pai, irmão e irmã. Mas a timidez de Vinícius ainda não o deixou contar aos pais que são eles os homenageados: “Viram o desenho, aprovaram, mas tive medo de não gostarem ao saber que são eles”.
VIZINHANÇA A criação de vínculos e de identidade vai além, priorizando a vontade dos demais moradores, que sugerem o que gostariam de ver pintado no muro ou dentro de casa. A doméstica Dilma Pereira Lima, de 37, já está na fila para a pintura de seu barzinho. Os dizeres “Paz e união” e desenhos de borboletas e beija-flores serão o tema do trabalho. Para ela, a mudança foi drástica: “Antes, havia uma tela que o pessoal cortava durante a madrugada para jogar lixo e entulho. Com os ferros, além de segurança, tivemos a valorização do local”. O projeto tira os meninos da rua, despertando a vontade deles de fazer outra coisa”, acrescenta.
O coordenador artístico dos trabalhos, Frederico Eustáquio Maciel, conhecido como Negro F, aponta os benefícios, a começar pela criação de uma outra relação entre os garotos. “Eram meninos que moravam na mesma comunidade, estudavam na mesma escola e não se conheciam. Eles começaram a brincar e a zoar juntos”, disse. Ele cita casos emblemáticos, como o do adolescente Thiago Henrique Pio, de 12 anos, que, de tão rebelde, chegou até a desistir de participar do grafite, e hoje é um dos líderes da meninada.
“É a noção de respeito e responsabilidade do grupo. Muitos já falam que não querem o fim do projeto. As professoras das escolas da região também dizem que eles melhoraram muito em sala de aula”, relata. E não falta quem leve até os parentes para tirar fotos da arte produzida pelos moradores. “O muro, que era cinza, sujo e feio se tornou ponto turístico da comunidade e está sendo apropriado por ela”, acrescenta Maciel.
Depois da grafitagem, toda a estrutura no entorno será revitalizada. Serão plantadas árvores e os moradores convidados a adotá-las. Cada uma terá uma placa com o nome do morador responsável. De acordo com a Vale, uma empresa parceira ficará responsável pela manutenção do espaço.
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