Por:José Francisco Neto,de São Paulo
Destro, direito, esperto, ligeiro e sagaz. Esses são os significados do vocábulo que dá origem ao apelido do rapper Marcos Fernandes de Omena, 39, o Dexter. Há um ano e meio com sua liberdade definitiva, o músico passou 13 anos em cárcere privado. “Você tem que ser um cara esperto na prisão. Você tem que ser um Dexter, assim como na periferia também, no seu dia a dia”, diz.
Dexter é militante do movimento Hip Hop desde 1990, quando criou o grupo Snake
O rapper Dexter. Fotos: Guilherme Kastner
Boys. Quatro anos depois trocou o nome do conjunto para “Tribunal Popular”. Em 1997, já com destaque dentro do cenário hip hop em São Bernardo do Campo, recebeu o convite de uma gravadora. Mas não teve sorte. O empresário que lhe fez o convite foi roubado pelo próprio sócio, o que impossibilitou a gravação do disco. Um ano depois, em 1998, Dexter foi preso num assalto.
Ainda na prisão, Dexter idealizou o projeto “Como vai seu mundo?”, desenvolvido dentro do sistema carcerário. A iniciativa conta com a parceria do ex-juiz corregedor da Vara de Execuções Criminais de Guarulhos, Jayme Garcia dos Santos Junior, além do apoio do Coletivo Peso e do Instituto Crescer.
Desde abril do ano passado, quando ganhou liberdade permanente, o rapper visita unidades prisionais em todo o território nacional, levando aos reeducandos mensagens de perseverança, autoestima, conscientização política e social. “A gente não ganha nada pra fazer (o projeto), a não ser a satisfação de ver as pessoas mudando o curso de suas vidas.”
Dexter relata os problemas do sistema carcerário brasileiro, de como o hip hop interveio em sua vida e do cotidiano violento que hoje vive as periferias. “Uma vez eu li na prisão uma frase de um amigo meu que diz assim: ‘cuidemos das nossas crianças hoje para que não tenhamos que matar contraventores amanhã’. Diz tudo essa frase. A educação é a base.”
Carandiru
“Foi foda. O primeiro dia que eu pisei no Pavilhão 9, foi automático lembrar da chacina.” Dexter foi para a Casa de Detenção do Carandiru sete anos após o massacre que ficou marcado pelo assassinato de 111 detentos. Foi lá, no pavilhão 9, que fundou o grupo que carregava o número de seu xadrez: 509-E.
Atrás das grades, conseguiu ganhar destaque com os discos “Provérbios 13″ e “MMII DC (2002 Depois de Cristo)”, último álbum gravado pelo conjunto. Em seguida, já com carreira solo, gravou “Exilado Sim, Preso Não” (2005) e “Dexter & Convidados” (2009). Ele mesmo afirma que, se não fosse o rap, sua vida não seria a mesma.“O Hip Hop salvou a minha vida. Hoje estou aqui trocando ideia com você por conta do hip hop, ele me orientou. O Hip Hop foi um pai que eu não tive”.
Faculdade do Crime. Esse é o termo que Dexter utiliza para designar o sistema prisional. Ele cita o exemplo das pessoas que estão no cárcere por terem cometido pequenos delitos – por roubar um botijão de gás, por exemplo – e que passam a conviver com detentos “formados no crime”. “Então você acha que ele vai sair como de lá ? Ele vai sair formado também”, explica.
Além de o presídio não recuperar ninguém, Dexter salienta que a pessoa se torna alvo de preconceito a vida toda. Ao procurar um emprego, por exemplo, qualquer firma pede o atestado de antecedente criminal. “Ali a chance dele reduziu 99% de não ter essa vaga de emprego.”
Solução?
Seria difícil encontrar uma solução de imediato para o problema da superlotação nos presídios brasileiros. Com a 4ª maior população carcerária do mundo, somente atrás dos EUA, China e Rússia, o Brasil já supera os 515 mil presos, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) referentes a dezembro de 2011. Ao mesmo tempo, as 1.312 unidades prisionais têm capacidade máxima de 306.500 vagas.
Com esse cenário fica quase impossível cumprir o Artigo 1º da Lei de Execução Penal (LEP), que atribui ao presídio a função de “proporcionar condições harmônicas para a integração social do condenado”.
Diante desse encarceramento em massa, Dexter aponta que o problema nos presídios é gerado pelo Estado e que existem outras opções que poderiam ser tomadas. “O sistema carcerário no Brasil é muito complicado. O código penal é de 1940. Eu acho que o estado poderia apostar em penas alternativas. Existem outras opções. Eu acredito que com penas alternativas não teríamos uma lotação nos presídios.” E complementa: “Você tem que fazer o cara entender que ele precisa mudar o trajeto de vida dele, e não ficar no crime. Eu acredito que seria uma forma digna de rever.”
O bem maior
“Preserva-se o que o ser humano tem de bem maior: a vida.” Com esse lema, Dexter afirma que as mortes não acontecem mais nas cadeias como antigamente. Ele atribui essa política ao Primeiro Comando da Capital (PCC), organização criminosa que age dentro e fora dos presídios.
Entrevistado pelo Brasil de Fato há um mês, o Coordenador da Pastoral Carcerária, Padre Valdir, fez o mesmo comentário que o músico. Ao comparar o número de mortes antes e depois da fundação do crime organizado, é notável, segundo o padre, que reduziram os homicídios dentro do sistema prisional.
“Por incrível que pareça, o número de mortes no sistema prisional caiu muito com o crime organizado. São dados, não estou defendendo. Me lembro na época do Carandiru em que havia mortes diariamente. Os presos não eram organizados. A organização e o respeito de um para com outro foram os presos que colocaram dentro do sistema prisional. Isso você vê em todos os cantos do Brasil”, afirmou o padre.
Chacinas
A onda de violência se prolifera mais uma vez nas periferias de São Paulo. De um lado, policiais são assassinados. Do outro, grupos de extermínio agem durante as madrugadas tirando a vida de muitas pessoas. A população, em meio ao fogo cruzado, fica acuada.
Alguns especialistas apontam para uma crise na segurança pública. O governo, por sua vez, reforça o policiamento como medida para enfrentar o crime organizado.
Dexter avalia que essa crise vai além de uma guerra entre o crime e a PM e aponta a educação para a prevenção e redução dos problemas. “Eu acho que é necessidade do Estado de provar a sua existência. Eu acredito na educação. Começa por aí. É a base. Tem uma música minha que eu falo que, enquanto uma escola é construída num determinado lugar, já se tem dez prisões a mais para inaugurar. O governo do estado de São Paulo é repressor do opressor. Ele investe nisso, e não na educação.”
Projetos
“Como vai seu mundo?”
“É um projeto que tem a tendência de levar uma perspectiva diferenciada para as pessoas que se encontram na cadeia. Através de oficinas de teatro, música, dança, fotografia, rádio, enfim, a gente joga tudo isso pra que o indivíduo que está do outro lado possa entender que existem outras coisas pra fazer, e não só o crime. Essa é a ideia.”
“O Mundo Mágico de Ooohs”
“Hoje eu também estou trabalhando numa peça de teatro, “O Mundo Mágico de Ooohs”, junto com a minha irmã que é atriz. A gente resolveu fazer junto com a peça um musical com as minhas canções e também com o mesmo objetivo de levar a consciência para as pessoas. É uma peça do nosso cotidiano, de como o ser humano vive hoje no mundo. De cada situação que foi criada dentro da peça, fico de longe analisando e depois venho com uma música contestando toda aquela cena que a gente acabou de ver. É uma peça criada em cima da mitologia e dos acontecimentos contemporâneos.”
Shows
“Vários shows, mano. Sesc Pompeia, dia 27 de outubro, com a banda (Oitavo Anjo). O que é muito legal, porque mostra que as pessoas estão afim de ouvir e ver o rap com banda. Sempre com a ideia do que é a música também. Estou viajando pelo Brasil. Fizemos agora um em Curitiba, Santa Catarina, Fortaleza, Aracajú e Brasília. A cena tá muito forte em outros estados também.
Na primeira quinzena de dezembro, se tudo der certo, vai chegar nas lojas o DVD ‘Dexter & Convidados’, gravado em Diadema. Para o ano que vem o ‘Flor de Lótus’, que é o título do novo CD. Fora isso também tem o Profissão MC 2, que é uma criação do Alessandro Buzo que me convidou pra ser protagonista do filme. A gente começou as gravações no dia 12 de outubro e agora vamos dar prosseguimento.”
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