LEIA CELTON - em primeira pessoa
Filipe Isensee
Eu gosto muito daquela frase típica dos aprendizados, que falam assim: “Para você se tornar um mestre em alguma coisa, você tem que mexer com essa mesma coisa durante dez mil horas”. Você já ouviu essa conversa? Dez mil horas para você ficar a vontade. Eu gosto muito desse tipo de conversa. Uma atitude que você toma, se for isolada, não é nada. Eu acredito nesse tipo de pensamento, de atitude, de ação. Ideias maravilhosas sem ação, não chegam a lugar nenhum.
Meu nome é Lacarmélio Alfêo de Araújo, mas as pessoas me conhecem como Celton. Quando alguém pede um autógrafo, a pessoa fala: não coloca Lacarmélio, não. Coloca Celton. Me lembro que com seis anos de idade eu lia quadrinhos e gostava de rabiscar e já falava: eu vou fazer quadrinhos. Eu nunca tive dúvida disso. Não cheguei a conhecer o meu pai, mas não tenho trauma disso não, viu? Sou um cara resolvido.
Nasci em Inhapim e passei a minha infância em Itabirinha de Matena. Quando tinha 13 anos, vim para Belo Horizonte tentar conseguir melhores oportunidades para batalhar a vida. Meu irmão, João, veio um ano antes. A minha família veio numa ambulância. A gente veio como doente, porque não tínhamos dinheiro. Foi um combinando da minha mãe com o prefeito. Quando chegamos aqui, fomos morar num barracão no Alto Vera Cruz e eu tinha que buscar água, todo dia, numa mina.
Uma ideia nas ruas
A primeira vez que publiquei a revista foi em 1981. Fui atrás de editoras no Rio de Janeiro e em São Paulo, mas não consegui nenhuma oportunidade. Fiz minha mãe pedir um empréstimo e coloquei as revistas na banca. Deu tudo errado. Não vendeu nada. O empréstimo estava vencendo, aí eu fui vender a revista na rua para tentar pagar as contas. O Celton era influência dos quadrinhos que gostava, dos super-herois da Marvel.
Houve um período que parei de fazer a revista, entre 92 e 98, porque estava tendo muita encrenca financeira. Mas senti que não era possível viver sem publicar quadrinhos. Eu tinha que voltar a mexer com isso. Então, eu fiz um estudo com o que tinha dado de errado com a revista. Passei mais de dez anos escrevendo quadrinhos para mim. Não estava escrevendo para as pessoas. Eu queria ganhar as meninas, mas eu não tocava as músicas que as meninas gostavam, tocava as músicas que eu gostava. Era tudo em cima do meu eu.
Novo Celton
Comecei a revista do zero de novo. Tirei os nomes em inglês, que antes era em inglês, né? O Celton passou a morar em BH. Era ajudante de cientistas, passou a ser mecânico, o que não deixava de ser curioso... Mas passei a colocar ele mais eu, mais você. O lance de vender no trânsito, já de cara, foi muito bom. A revista foi emplacando... O bicho, é difícil explicar isso. Eu estou tentando explicar para você, mas se você não tiver comigo na rua, você não vai entender nada do que eu estou falando. Eu fui aprendendo. Eu mudo em função do engarrafamento. Eu vou de moto, desmonto a placa, coloco num canudo de PVC, e vou atrás de onde tem engarrafamento.
Eu evito encrenca, bicho. Eu acho ambição uma palavra muito esquisita. Dentro do que eu acho que é ambição, eu não tenho ambição. Meu objetivo é cuidar da segurança do meu filho, Pedro, e a arma que eu tenho para isso é minha revista. Eu quero conquistar agora o mercado das bancas de revista. Eu acho que existe espaço para isso hoje. Se eu não tentar ocupar esse espaço, eu sou muito bobo. Celton é a revista em quadrinhos mais lida de Minas Gerais. Isso eu não tenho dúvida. Qual revista você conhece nessas condições? Então, eu tô no caminho certo. Vender... Existe uma mágica que felizmente eu tenho e que eu não sei explicar. Tentei explicar para você. Eu vou falar uma verdade, se eu não tivesse a mulher que eu tenho, a Cássia, eu não conseguiria muitas coisas, viu?
Deixa eu te explicar. Eu sou assim: eu corto de cabelo com o mesmo cara. Outro dia eu tava no barbeiro - outro dia eu falo “agora”, tá? Eu tava no barbeiro lá e a gente tava conversando sobre esses lances de vir do interior. Quando eu vim – isso ele contando - eu trouxe todas as minhas coisas no bornal e tudo que eu tinha cabia nesse bornal. Hoje, as coisas que eu tenho não cabem no meu bornal. Eu achei bacana, sabe?
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