“Nove anos não, oito anos e seis meses”, corrige BNegão a respeito do hiato entre o primeiro disco (Enxugando gelo) e o segundo (Sintoniza lá) com os Seletores de Frequência.
O rapper carioca assume: boa parte da “culpa” pela demora é dele mesmo. “O que mais demorou foram as letras, os Seletores me cobravam direto. Mas nesse tempo todo tive muito trabalho, fazendo show de terça-feira a domingo, muito mais que na época do Planet Hemp”, assume. Não somente isso. “Sem patrão, não tinha ninguém para me cobrar prazo. E sou pai de família, estou recém-separado, dono de casa com três filhos”, continua.

Mesmo que o espaço seja de quase uma década, Sintoniza lá dialoga com Enxugando gelo. Com vários passos à frente, diga-se de passagem. Ao lado dos Seletores de Frequência (Pedro Selector, Fábio Kalunga, Fabiano Moreno e Robson Riva), BNegão produziu um álbum extremamente dançante, que parte do hip-hop e bebe em diversas fontes. Tem suíngue (como a funkeada Alteração Éa! e Bass to tambô, que remete aos bailes); tem punch roqueiro (Subconsciente, a primeira das duas faixas instrumentais, é pancadaria sonora); tem música latina (Na tranquila e Reação – Panela II).
A sonoridade é basicamente orgânica. Preparando o disco com calma nos últimos cinco anos – algumas músicas ele vem tocando nos shows há pelo menos dois –, BNegão, aos poucos, aboliu os eletrônicos. Gravou tudo com banda – e houve ainda várias participações, como da cantora Céu e do trombonista Bidu Cordeiro.
Diferentemente do ex-parceiro Marcelo D2, que, ao encontrar a batida perfeita não parou de se repetir, BNegão fez um disco que dá vários passos à frente. De certa maneira, Sintoniza lá dialoga muito mais com a musicalidade de Nó na orelha, de Criolo. Mas com humor, como deixam claros os versos de Essa é pra tocar no baile (com franca vocação para hit): “’Eu disse: Essa é pra quem sabe que a diferença entre uma festa de bacana e uma festa bacana não é mero detalhe”.
Até quando fala de assuntos mais contundentes, BNegão não perde a leveza: “O mundo do jeito que tá/ As coisas do jeito que tão/ O mundo do jeito que é/ As coisas do jeito que são/ Pra desistir, é muito fácil/ Joga a toalha, vende a bandeira e corre pro abraço/ O monstro é grande, sim/ Mas não é invencível”, de O mundo (Panela de pressão).
Três perguntas para…
BNEGÃO
Rapper
Hoje em dia, tudo é permitido no hip-hop?
A resistência e triunfo do Criolo dizem muito sobre isso. O trabalho dele é um triunfo da liberdade de expressão. O meu olhar é o mesmo, o princípio que rege esse disco é o mesmo de Enxugando gelo. Na época em que lancei o primeiro disco, acharam que era um alienígena. Só a galera mais vanguardista do rap abraçou. Sou rapper, mas principalmente um cara que gosta de música. Não sou um artista.
Disco de rapper com duas faixas instrumentais?
A galera do rap gosta de falar. Eu gosto, mas de ouvir também. Quando fiz as duas instrumentais, os caras da banda me cobraram as letras. Mas era para as duas serem assim, saírem uma depois da outra no disco.
Música para dançar pode ser também para pensar, refletir?
Para mim não tem problema, tudo pode acontecer junto. Quando comecei a produzir o disco, fiz questão de puxar as músicas em termos de andamento. Já as letras são os meus assuntos mesmo: ser humano, matéria, cotidiano, política – tudo isso junto.
Por:
Mariana Peixoto
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