Pesquisa identificou que fumantes têm saúde emocional pior que não fumantes. Entrevistados tabagistas afirmaram sentir estresse, depressão e preocupação com mais frequência do que aqueles sem o vício,especialistas alertam para danos emocionais que vício em tabaco pode trazer
Por: Gabriella Pacheco – Saúde Plena Publicação
Pesquisa mostra que emoções negativas como preocupação, stress, depressão e raiva são mais comuns entre fumantes que entre não-fumantes
Como você se sentiu durante boa parte do dia de ontem? Irritado? Estressado? Feliz? Satisfeito com a vida? Respeitado? Triste? Foram esses alguns dos questionamentos que uma empresa de consultoria norte-americana fez a cerca de 83 mil entrevistados como parte de um índice da saúde emocional. O projeto separou fumantes de não fumantes e revelou que os amantes do cigarro relatam mais queixas sobre o cotidiano e a vida que pessoas sem o mesmo hábito.
Os dados do Gallup Healthways Well-Being Index são de 2012. De acordo com eles, cerca de 50% dos fumantes disse ter sofrido com estresse no dia anterior, contra 37% dos não-fumantes. A diferença continua entre as outras emoções negativas. Questionados sobre momentos de preocupação, 40% dos fumantes confirmaram ter experimentado o sentimento recentemente, assim como 28% dos não-fumantes. Outros 26% dos entrevistados que fumam também afirmaram sofrer de depressão, sendo que somente 15% do outro grupo relatou o mesmo.
A associação não é uma surpresa para especialistas. Além de ser, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o maior responsável por mortes evitáveis no mundo, o hábito de fumar também é um dos principais causadores de dependência química e, como consequência, um grande inimigo da saúde emocional.
“Se a nicotina é capaz ou não de causar diretamente depressão e sentimentos como esses eu não sei, mas ela está relacionada a várias questões que diminuem a qualidade de vida. E falta de qualidade de vida causa depressão”, afirma o psiquiatra do Ambulatório de Dependência Química do Hospital das Clínicas, Gustavo Coutinho.
O médico ressalta que é importante entender que a questão é complexa. Segundo ele, a dependência é uma forma do indivíduo lidar com situações corriqueiras da vida. “A maioria das pessoas que a gente atende passa por situações estressantes, estão passando por depressão ou ansiedade e associam esses sentimentos ao cigarro, porque ele está perto na hora difícil. Então, quando a gente vai tratar o tabagismo, sempre temos que tratar eles de alguma forma a estimulá-los a melhorar sua qualidade de vida”, relata.
Especialistas dizem que cigarro causa dependência comportamental, química e psicológica
O psicólogo e coordenador do Programa de Controle do Tabagismo de Sabará, região metropolitana de BH, Wagner Prazeres dos Santos, acredita que o cigarro é um mantenedor do status de depressão e stress de seus usuários. “Como ele associou tudo ao alívio que o cigarro dá, quando aparece o estresse, ele fuma. Passa a ser a maneira dele enfrentar o problema. Ele se alivia no cigarro e é depende psicologicamente do que o cigarro traz para ele. É como um afeto que a pessoa passa a ter”, diz.
No entanto, ainda não é claro se o ato de fumar causa problemas, como a depressão ou o estresse, ou se pessoas com esse tipo de problemas emocionais têm uma tendência maior de buscar o cigarro. “Na minha experiência prática vejo que quase 100% das pessoas que têm essa dependência são ansiogênicas, deprimidas ou têm depressão mascarada. Se isso deve-se exclusivamente ao tabagismo é difícil dizer”, pontua Santos.
Falso alívio
O cigarro também traz consigo uma falsa impressão de alívio, o que faz seus usuários acharem que fumar ajuda a diminuir o estresse – quando, na verdade, o efeito pode ser o contrário. Um estudo britânico, publicado em 2010 pela revista Addiction, acompanhou 469 fumantes que foram hospitalizadas por problemas cardíacos e constatou que aqueles que decidiram parar de fumar tiveram quedas no nível de estresse.
Um grupo de 41% dos entrevistados conseguiu manter a abstinência durante um ano após as internações. Essas pessoas apresentaram uma redução de 20% nos níveis de estresse em relação aos registrados anteriormente, enquanto que para os participantes que voltaram a fumar os índices de tensão mudaram pouco. O estudo ainda afirma que, para algumas pessoas, fumar acaba contribuindo para o estresse crônico.
Sensação de prazer causada pela nicotina é associada ao ato de fumar e cria a ideia de alívio. Para especialistas, isso mascara a dependência
“O cigarro passa a ser para a pessoa um grande auxílio nos seus problemas diários. O fumante acha que o cigarro o acalma mas, na verdade, ele acelera o metabolismo. Ele é um excitante, que causa reações neuroquímicas no cérebro e dá a sensação de alívio e bem estar porque produz dopamina, um neurotransmissor ligado ao prazer”, explica Santos.
O psicólogo ainda explica que por essa sensação de prazer ser tão frequente, o fumante passa a associar o hábito a uma espécie de ‘lugar seguro’. “Ele causa uma dependência comportamental que é extremamente nociva”, destaca.
O psiquiatra do HC Gustavo Coutinho ainda acrescenta: “A gente tem o costume de dizer que o tabagismo é mais que uma dependência química. Ele também uma dependência psicológica e um hábito aprendido pela repetição”.
Essa complexidade que envolve a dependência criada pela nicotina faz com que o tratamento envolva também o acompanhamento psicológico. Em Belo Horizonte, o Hospital das Clínicas ajuda pessoas abandonarem o vício por meio de trabalhos em grupo, medicamentos e acompanhamento terapêutico. “A gente não pode simplesmente querer tirar o que causa a dependência sem que a pessoa aprenda a lidar com seus problemas de forma saudável”, explica o psiquiatra.
Evitar as coisas que a pessoa associa ao cigarro é uma atitude que ajuda quem quer parar. Se a hora de fumar é associada ao álcool, por exemplo, a sugestão para o começo do período de abstinência é evitar beber também.
Serviço
O Hospital das Clínicas oferece um programa de tratamento para fumantes há dois anos. Durante esse tempo, 36% dos pacientes que participaram tiveram sucesso ao deixar a dependência. No entanto, o Ambulatório espera aumentar a estatística. “O diferencial da proposta é não oferecer só o fisiológico para o paciente. Por isso, a gente tenta trabalhar fazendo eles pensarem no por quê eles fumam”, explica a psicóloga Patrícia Roggi.
“Agora estamos tentando desenvolver um método complementar de terapia que aumente taxa de eficácia e de abstinência dos pacientes”, completa. O projeto faz parte da tese de mestrado em Neurociências pela UFMG de Patrícia. Segundo ela, a ideia é desenvolver técnicas cognitivas e comportamentais para que os pacientes consigam lidar com a fissura – que é o desejo incontrolável de consumir a substância.
O Ambulatório de Dependência Química do HC faz acolhimento a novos participantes todas as sextas-feiras, pela manhã. Uma primeira consulta será marcada para avaliação. Se o paciente tiver condições psicológicas que permitam o tratamento, ele será encaminhado para o trabalho em grupo. “Quem se engajar nessa mudança tem uma chance muito maior de conseguir do que quem tenta sozinho”, ressalta o psiquiatra Gustavo Coutinho.
Informações: 9553-8329. O ambulatório fica localizado no complexo do Hospital das Clínicas, na Alameda Álvaro Celso, 175, Bairro Santa Efigênia, em Belo Horizonte.
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