Quando se fala em tarja preta, vem logo à cabeça a lembrança de um medicamento forte, de uso controlado e que necessita de prescrição médica. Na música, o que era remédio virou nome de grupo de hip hop. Continua com princípio ativo poderoso, mas virou sinônimo de protesto, atitude e feminilidade.
Formado em 2006 pela dupla de MC’s, Joyce da Silva Fernandes (Preta Rara), 27 anos, e Jackelline Pereira de Oliveira (Jack), 26 anos, o Tarja Preta foi o primeiro grupo feminino de hip hop a ser constituído na Baixada Santista. Antes, as mulheres que cantam esse estilo musical se concentravam em São Paulo.
A ideia de formar o grupo surgiu de um bate-papo. Joyce trabalhava em uma locadora de vídeos e ouvia um rap, quando a Jack e um amigo entraram no estabelecimento. Entre uma conversa e outra, a futura parceira disse que “as ‘minas’ da região só queriam saber de funk”- movimento que surgiu nos morros cariocas e, desde a metade dos anos de 1990 chegou à Baixada Santista e, até hoje faz muito sucesso, principalmente entre os jovens.
“Fiquei com muita raiva dela naquele momento. Pensei que estava tirando uma onda da minha cara”, lembra Joyce. A insatisfação, segundo a jovem, foi devido ao estilo de música cantado por muitos MC’s do funk, que fazem apologia ao crime e às drogas. A vulgarização da imagem da mulher e a sexualidade exagerada nas letras também a incomodavam.
Não deu outra. No debate entre os ritmos musicais venceu o hip hop. As jovens que se conheciam desde os 7 anos de idade, mas não eram amigas, foram unidas pela música e a paixão pelo rap. O nome do grupo surgiu de um CD do rapper Gog. O disco se chamava Tarja Preta. As meninas ficaram com receio de utilizar o nome e decidiram entrar em contato com o músico, que é de Brasília. Ele gostou muito da ideia e as autorizou a utilizar o título do álbum.
Inspiradas pelas cantoras norteamericanas Missy Elliot, Queen Latifah, Mc Lyte, Lady Patra e pela brasileira Dina Di, falecida em 2010, com a qual já dividiram o palco, Jack e Preta Rara compõem as músicas que nterpretam. Com mensagens de reflexão ao público, elas rebatem o preconceito de gênero. No início, a batida era melódica, hoje a pegada é mais ritmada, graças a uma dica do rapper Criolo, amigo da dupla. Segundo ele, “tema triste não precisa ter uma base com a mesma característica”. O conselho ajudou o grupo a diversificar o público.
Além da Baixada Santista, a dupla já se apresentou em São Caetano do Sul, Diadema, Marília, Grande São Paulo e na capital de Goiás, Goiânia. O estilo musical das jovens chama a atenção pelas músicas de protesto que falam de uma verdade escondida pela sociedade. Os eventos que participam vão desde festivais de hip hop até seminários. Já os convites para apresentações em baladas são raros. “Graças a Jah, somos convidadas a cantar em vários lugares maneiros, como em eventos de cursos da área de Humanas e em ações de movimentos sociais”, conta Preta Rara.
Palestras em universidades também estão no roteiro do grupo, que já se acostumou a compor mesas para falar sobre a realidade da periferia. “Para muitos que nos assistem, essa visão é apenas uma teoria”, desabafa Jack. A performance do Tarja Preta já rendeu muitos prêmios à dupla: 1º lugar no concurso Voz Feminina, em São Paulo; 3º lugar do Festival de Mulheres MC’s; e o 2º lugar no concurso Hip Hop Mulher. Elas também foram homenageadas pelo Fórum de Mulheres de São Paulo por incentivar a participação de mulheres no movimento hip hop.
E para quem pensa que as meninas só vivem de música, se engana. Joyce termina o curso de bacharelado em História no final deste semestre e já leciona em uma escola particular. Jackelline recentemente inaugurou um salão de beleza, onde coloca em prática outro dom, o de cabeleireira. A jovem tem um filho.
No mês de abril, a dupla lançou uma marca de roupas e acessórios, a Tarja Preta Moda Afro, especializada na moda afrobrasileira. Entre os produtos estão turbantes e bolsas de tecido.
Preconceito
“Mulher inteligente não usa o corpo, usa a mente”. Com essa frase a dupla define a luta contra o preconceito, sofrido até mesmo dentro do movimento a qual elas pertencem. Não é raro os homens torcerem o bico quando as meninas relatam que já cantaram em São Paulo. “A cidade é o berço do hip hop no Brasil. Todo mundo que pertence ao movimento e desenvolve algum dos quatro elementos (break, graffiti, DJ e MC) sonha em se apresentar por lá”, conta Joyce.
Apesar do “Clube do Bolinha” ser hiperfechado, segundo elas, o Tarja Preta consegue furar esse bloqueio e todo mês é convidado a cantar na terra da garoa e do hip hop. “Somente no mês de maio fomos todos os sábados para a capital e cantamos em quatro lugares diferentes”, contam.
As roupas utilizadas pelos homens do movimento são a calça larga e o camisão. No início, para enfrentar o preconceito e conseguir entrar no
mundo até então masculino, a mulher se vestia da mesma forma. O objetivo era que os meninos as aceitassem pelas ideias, não pelo corpo.
Atualmente, a mulher está bem feminina e sobe ao palco de saia justa, vestido colorido e cheia de acessórios. “A maioria faz questão de mostrar a feminilidade, para quebrar essa impressão do passado”, complementa Joyce.
Texto de Dani Origuela.
Conheça mais do Tarja Preta:tarjapretarapfeminino.blogspot.com.br
Veja o video:
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