A terrível catástrofe que abate o Haiti expõe ainda mais suas débeis veias secularmente garroteadas pelas velhas e novas metrópoles que insistem em sugar o seu sangue.
Um país que aparece na mídia de tempos em tempos, quase invariavelmente envolto a infortúnios de todos os tipos, o Haiti é a expressão máxima das consequências da exploração capitalista que desde a época da “sacarocracia” moia o seu povo para produzir o açúcar mais “doce” do mundo. Tão perto dos EUA e da Europa, tão longe do céu.Em “As veias abertas da América Latina” (aquele mesmo livro que Hugo Chávez presenteou o presidente Obama), Eduardo Galeano faz uma narrativa comovente do país mais pobre do hemisfério ocidental. Escreveu Galeano, no posfácio de 1978, que “Lá existem mais lava-pés que sapateiros: meninos que, em troca de uma moeda, lavam os pés de clientes descalços, que não têm sapatos para engraxar. Os haitianos vivem, em média, pouco mais de trinta anos. De cada dez haitianos, nove não sabem ler nem escrever. Para o consumo interno são cultivadas as ásperas encostas das montanhas. Para a exportação, cultivam os vales férteis: as melhores terras são dedicadas ao café, açúcar, cacau e a outros produtos requeridos pelo mercado norte-americano. Ninguém joga beisebol no Haiti, mas o país é o principal produtor de bolas de beisebol. No país não faltam oficinas onde crianças trabalham a um dólar por dia armando cassetes e peças eletrônicas; são, é claro, produtos de exportação. Também está claro que os lucros são exportados, uma vez deduzida a parte que corresponde aos administradores do terror”. Pouca coisa mudou de lá pra cá.
Hoje, aproveitando-se de mais essa desgraça, os descendentes diretos dos assassinos de Toussaint L’Ouverture aparecem para dar conselhos na “reconstrução” do Haiti. Em 1802, o general Leclerc dava sua opinião sobre o país: “há que suprimir todos os negros das montanhas, homens e mulheres, conservando-se somente as crianças menores de 12 anos, exterminar a metade dos negros nas planícies e não deixar na colônia nem um negro que use jarreteiras”. Os Estados Unidos, que promoveram as piores ditaduras no Haiti, já enviaram ao país um enorme contingente de militares com o claro intento de quebrar a liderança do Brasil à frente das forças de paz da ONU na região. O aeroporto de Porto Príncipe já está sob o controle da força aérea americana.
Por trás do discurso solidário de ajuda humanitária vindo dos mesmos que saquearam o país, soa a hipocrisia assistir os grandes meios de comunicação enfatizar a cada minuto a nacionalidade norte-americana de vários médicos e bombeiros que ajudam nesse momento a população do Haiti (omitindo, por exemplo, a contribuição sistemática e permanente dada por Cuba), sem ao menos mencionar que os Estados Unidos são um dos principais responsáveis pela atual miséria que assola o país. Oferecem ajuda com uma mão para depois roubarem com mil.
O Brasil, liderado pelo governo pacifista do presidente Lula, mais que nunca deve ser o representante da ONU para ajudar a conduzir, juntamente com o governo e o povo haitiano, a reconstrução deste país. Se os EUA assumirem o posto, as forças de paz da ONU, aí sim, se configurarão como força de ocupação. Exemplos pelo mundo afora e no próprio Haiti é o que não faltam.
Os “benevolentes” norte-americanos ocuparam o Haiti durante vinte anos, e ali, nesse país negro que fora o cenário da primeira revolta vitoriosa dos escravos, introduziram a segregação racial e o regime de trabalhos forçados, como bem lembra Galeano.
Através do big stick ou da “diplomacia do dólar” os EUA farão de tudo para tirar proveito de mais essa desgraça que aflige o povo haitiano. Nessa hora, a verdadeira solidariedade internacionalista de todos os democratas, será fundamental para soerguer esse país caribenho do maior de todos os males: o imperialismo estadunidense.
* Engenheiro agrônomo, mestre em Entomologia e doutorando em Genética. Da direção estadual do PCdoB - MG
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