Cotas raciais: Estamos construindo uma sociedade dividida?
Heitor Reis (*)
"Os pobres e brancos sofrem e sofreram ao longo da história, igualmente com a pobreza e o descado das autoridades. Igualdade social se consegue com políticas que promovam esta igualdade e não privilegia este ou aquele grupo social. As cotas promovem sim o privilégio de um grupo em detrimento de outro, além de serem claramente inconstitucionais e imorais." (Edison Evaristo, psicólogo em Guarulhos-SP, na lista de discussão Brasil-Política)
Ontem, durante Audiência Pública sobre 3o. Programa Nacional de Direitos Humanos, na Assembléia Legislativa, promovida pelo Fórum Permamente em Defesa do PNDH-3 e a Comissão de Direitos Humanos, presidida pelo Deputado Estadual Durval Ângelo, foi relatado o fato de que uma afro-descendente, ao passear com seu cão na Praça da Savassi (Belo Horizonte-MG), foi chicoteada pelo dono de outro animal, pelo simples fato de ter havido um desentendimento entre seus bichinhos de estimação. Ele usava na cintura um daqueles chicotes de fazendeiros e reproduziu fisicamente o que vem ocorrendo de forma mais discreta, porém generalizada, em nossa sociedade. Talvez pensasse que se tratava de uma empregada doméstica e ignorante, ficando impune deste desvario, mas a mulher é advogada e já deu entrada com processo na justiça contra ele. [ www.pndh3.wordpress.com ]
Só um cego não percebe que a sociedade sempre esteve dividida!
E em todos os países do mundo. Uns mais e outros, menos.
Lamento que a sensibilidade esperada no exercício da profissão de psicólogo não tenha sido usada neste caso...
Em nosso país, temos e sempre tivemos nossas castas e nossa separação social, cujo termo consagrado para designá-la é "apartheid".
Não é possível demonstrar que "pobres e brancos sofrem e sofreram ao longo da história, igualmente com a pobreza e o descado das autoridades". Mas se alguém tiver como fazê-lo, estou interessado em analisar esta tese, caso vá além de uma mera e dogmática bula papal.
Os negros e seus descendentes sempre sofreram mais que os brancos, em função do fato de que sua fisionomia os denunciava como escravos, ex-escravos, descendentes de escravos, seres inferiores, mera mercadoria, etc. Tanto que há um provérbio popular que exprime limpidamente isto, o qual foi extremamente utilizado até que a legislação proibiu o preconceito, cuja prática ainda permanece camufladamente:
"Cadeia é para pobre, preto e prostituta."
Se for simultaneamente pobre e negro, recebe uma dose dupla de condenação, não apenas neste, mas em todos os níveis de relacionamento com a sociedade.
E outros mais:
"Preto, parado, é suspeito; e, correndo, é ladrão."
"Preto, quando não caga na entrada, caga na saída."
Certamente, pessoas que pensavam e muitos ainda pensam assim, são incapazes de perceber que as condições sub-humanas em que viveram e o ódio de que foram vítimas dificilmente iriam produzir seres perfeitos, capazes de superá-las em tão pouco tempo.Além do mais, prevalece a crença de que a cor negra é sinônimo de coisas ruins, negativas e depreciativas: "a coisa está preta", denegrir, luto, etc., bem como na supervalorização da cor branca, em termos como esclarecer.
Com as cotas, estamos tentando construir exatamente uma sociedade menos injusta, ou seja, estamos compensando um grupo racial pelo fato de ter sofrido durante séculos sob a escravidão e o preconceito, reparando o mal que suportaram e ainda suportam até hoje.
Todos devem ser iguais perante à lei. E, para que isto aconteça, é necessário tratar os desiguais de forma desigual, de tal forma a acelerar o processo e fazer com que as vítimas dos privilegiados alcancem uma condição de cidadania e vida digna como a de seus opressores.
Como o processo "natural", cujo ritmo é definido pelos brancos que são os mais ricos (já viste um negão ou negona donos de banco?) e financiadores das campanhas da maioria dos políticos eleitos, é muito lento, torna-se necessário fazer algo a mais neste sentido. Ações afirmativas. O preconceito negativo deve ser compensado pelo preconceito positivo.
É claro que os privilegiados de sempre não vão gostar nada disto.
Ser rico é ser egoísta, prepotente e exclusivista. Se fosse generoso, altruísta, empático ou mesmo um religioso sério, seja cristão, muçulmano ou budista, não teria tanta voracidade pelo lucro a qualquer custo, sem qualquer limite ético. E, naturalmente, seria menos rico... Não se sentiria confortável enquanto seu próximo não destrutasse da mesma condição.
O próprio Jesus ordenou que os ricos dividissem seus bens com os pobres, coisa praticada pela igreja verdadeira:
"Vendei o que tendes, e dai esmolas. Fazei para vós bolsas que não se envelheçam;
tesouro nos céus que nunca acabe, aonde não chega ladrão e a traça não rói." (Evangelho de Lucas 12:33)
"E ele também disse àquele que o tinha convidado: Quando derdes um banquete, não convideis nem vossos amigos nem vossos irmãos, nem vossos parentes, nem vossos vizinhos que forem ricos, para que também eles o convidem em seguida, por sua vez, e que assim vos retribuam o que tenham recebido de vós. Mas quando derdes um festim, convidai os pobres, os estropiados*, os coxos e os cegos. E ficareis felizes por eles não terem meios de vos retribuir; isso vos será retribuído na ressurreição dos justos." (Lucas 14:12 a 14)
"E era um o coração e a alma da multidão dos que criam, e ninguém dizia que coisa alguma do que possuía era sua própria, mas todas as coisas lhes eram comuns. (...) Não havia, pois, entre eles necessitado algum; porque todos os que possuíam herdades ou casas, vendendo-as, traziam o preço do que fora vendido, e o depositavam aos pés dos apóstolos. E repartia-se a cada um, segundo a necessidade que cada um tinha." (Atos 4:32 a 36)
Jesus era comunista! Mas não exatamente marxista, leninista ou trostkista...! [ http://www.midiaindependente.org/pt/red/2004/02/273940. ]shtml
Comunismo, no dicionário do Houaiss, em seu primeiro sentido:
"1. num grupo unificado de membros que vivam e trabalhem juntos, sistema de vida em comum em que os bens são partilhados, estando disponíveis segundo as necessidades de cada um. Ex.: o comunismo da igreja cristã primitiva"
Sem nenhuma sombra de dúvidas, o maior país católico do mundo (e também o maior país protestante do mundo), está astronomicamente longe do título de maior país cristão do mundo, ao produzir uma sociedade, onde há uma festa destinada apenas a uma pequena minoria, que concentra a quase totalidade da riqueza do país (como no caso do Brasil, 10 % da população detém 75 % da riqueza), enquanto o resto trabalha a preço de banana, é novamente explorado enquanto consumidor, eleitor e, como contribuinte, paga a conta desta "demoniocracia do capetalismo", através de impostos que representam "dois quintos dos infernos". Isto é, 40 %...Aliás, a Igreja Católica foi cúmplice maior da aliança entre os ricos e o Estado brasileiro, abençoando a escravidão, nada ou muito pouco fazendo para modificá-la. O mesmo ocorreu com o protestantismo nos EUA, dentro do "cristianismo" racista daquela época, termo profundamente conflituoso e incompatível. Felizmente, ambas se redimiram de seus pecados, lutando, hoje para que isto jamais ocorra novamente.
Tiradentes e os inconfidentes mineiros arriscaram suas vidas pela metade disto! Hoje aceitamos pacificamente esta exploração. Temos a ditadura tributária, a ditadura do mercado, a ditadura racial e a ditadura da mídia que merecemos. E a justiça social que fizermos por merecer.
"O povo unido, jamais será vencido!" Mas, alienado, será sempre derrotado... Como tem sido até agora.(*) Heitor Reis é um subversivo, indivíduo perigoso do ponto de vista dos milicos, de Gilmar Mendes e de qualquer um que esteja satisfeito com o atual sistema político, econômico, social e racial. Nenhum direito autoral reservado: Esquerdos autorais ("Copyleft"). Palestras gratuitas. Contatos: (31) 3243 6286, 9208 2261 - heitorreis@gmail.com
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