Querendo fugir do “partido” do rap, grupo prepara novo disco sem compromisso com o social
Lá se vão oito anos desde Nada Como Um Dia Após o Outro Dia. O último álbum de estúdio do Racionais MC’s saiu faz quase uma década e essa longa espera está prestes a terminar. O grupo de rap mais influente do país está em estúdio terminando de gravar os vocais para o disco que deve ganhar a luz do dia até o final do ano. “Muita gente cobra. Nós mesmos não aguentamos mais”, revela KL Jay, DJ do quarteto. E sabe aquela história de que o som da banda encabeçada por Mano Brown deixou de ser engajado e enveredou por um caminho diferente? É verdade.
O Racionais MC's em foto de arquivo: Mano Brown, KL Jay, Ice Blue e Edy Rock
Em entrevista ao iG, KL Jay confirmou que o Racionais está em outra era, um mundo de “homens de 40 anos”, mais maduros, preocupados em fazer música, e só. Uma prova disso é a dançante “Mulher Elétrica”, que rompe com o paradigma que o grupo havia estabelecido para o hip hop nacional, de um gênero engajado, porta-voz da periferia. A letra é romântica, quase um hino à beleza e encanto das mulheres, sem qualquer conotação degradante, tão comum nas paradas norte-americanas. Quando apareceu na Internet, há dois anos, a música sofreu preconceito por parte do público, que não sabia como reagir à mudança de rumo. Medo, talvez, de que seu ícone da resistência fosse entregar as armas. Afinal de contas, o Racionais vai virar pop, como dizem por aí?
“Devem estar com a mente travada, ficaram com aquele Racionais de 10 anos atrás na cabeça. Você passa para outro estágio, não conseguem entender onde você está e rotulam de pop, comercial”, responde KL Jay. “A gente faz e quer fazer música boa, não interessa se é pop, underground, comercial, gansgta... Tem música boa e ruim em todo lugar. Você não pode ficar preso nos rótulos. Dizem que a Rihanna é pop. Eu amo a Rihanna! Pra mim, é um puta som. Eu não sou pelo rótulo, sou pela qualidade.”
A cobrança por essa postura do passado é reflexo de uma ideologia que o próprio Racionais ajudou a criar, mas que foi radicalizada ao longo dos anos, inclusive perante a opinião pública. “A maioria não encara o rap como música: encara como partido político, lance social, de protesto. O Racionais não pode ficar preso nisso, meu. Tem que ser livre. O rap é música, antes de qualquer coisa. E música não tem fronteira”, sentencia o DJ. “A gente está fazendo música que vem da alma, de coisas que a gente viu, vê, e vive. ‘Mulher Elétrica’, por exemplo, é um puta som. É só você ouvir a música, a produção, a rima, a ideia. E os caras falam que a música é comercial, que o Racionais se corrompeu... Pelo amor de Deus.”
Nada de arrastar multidões
Querendo ou não, o Racionais é farol no cenário nacional e, influente, dita tendências sempre que libera um trabalho novo. Essa responsabilidade, no entanto, parece não passar pela cabeça do quarteto na hora de compor. O objetivo, KL Jay insiste, é não dever nada para ninguém e, desse jeito, poder falar o que quiser.
KL Jay: "A maioria não encara o rap como música; encara como partido político"
“Não podemos ter essa preocupação [com a responsabilidade] porque temos que ser livres. A gente não quer ficar arrastando multidões, embora isso aconteça. Acho que é muito mais uma questão de querer ser livre, de fazer o que você quer e quebrar barreiras. Podia ser como lá fora, pelo menos uma parte, porque lá os caras não têm de medo de falar de mulher, sexo, drogas, armas, de tudo. Por isso que é forte demais, e eles fazem shows no mundo inteiro. É liberdade de expressão mesmo.”
A cargo de Brown e Edy Rock, as letras do disco, segundo KL Jay, só ficam melhores – “eles estão muito na frente, talvez por isso sejam mal compreendidos”. Boa parte das bases já está gravada e segue um padrão de produção que, ao mesmo tempo em que é mundial, tem espírito brasileiro. O DJ tenta explicar: “É um tribal, um tambor que você não ouve, mas sabe que está lá na música. Uma coisa do Brasil mesmo, do samba com o candomblé com a batida do rap, misturados. É um som minimalista, agressivo, dançante, mas com sentimento também”. Wilian Magalhães, filho de Oberdan Magalhães, da Banda Black Rio, participa do time de produtores. Isso quer dizer esse disco pode ser mais dançante do que os outros? “Ele está muito funk anos 1970, BPM mais rápido. Funkão monstro.”
Tanto tempo sem lançar um álbum deixou o grupo com um repertório “monstro” também: até agora, são mais ou menos 30 músicas prontas. Mas, ao contrário de Nada Como Um Dia Após o Outro Dia, nem tudo não vai ser lançado na mesma época. “Comercialmente é difícil lançar um disco duplo. Fica mais caro, mais difícil de vender e somos os donos da gravadora [Cosa Nostra]. Estamos pensando em lançar discos mais rápido, talvez um agora com 10 faixas e outro no ano que vem com mais 10.” Se até o Racionais está preocupado com a indústria fonográfica, alguma coisa de fato está prestes a acontecer. Difícil vai ser segurar a ansiedade.
* Com colaboração de Eduardo Ribas
Um comentário:
nada contra ocaminho seguido por eles.respeito.mas nao era isso que eu esperava, ou keria pra um dos grupos de PROTESTO que mais prestigiei durante toda vida.RAP nao é partido é o grito dos excluidos.e pronto!
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