| Brasília - Por muito tempo, a imagem do crack esteve associada a moradores de rua e usuários de baixa renda. Mas há indícios de que o consumo da droga ganha espaço progressivamente nas classes de renda maior. Em clínicas e grupos terapêuticos de Brasília, representantes da classe média que se renderam ao crack não são mais raridade.
Famílias de áreas nobres da cidade experimentam os trágicos efeitos da droga. Carla, 30 anos, mora com a tia em uma área central de Brasília e começou a usar droga aos 12 anos Aos 28, veio a experiência com o crack: ela fugiu de uma clínica em São Paulo e comprou 20 pedras na cidade de Suzano.
Com dois filhos, um de 11 anos e outro de 8, Carla tenta hoje se recuperar do vício: “O crack está na classe média e tem muita mulher usando. Está começando mais cedo. Hoje você encontra meninas de 14, 15 anos, já no fundo do poço", conta Carla. "Há três anos, Brasília estava começando a abrir para o crack. Você ia na boca e não encontrava pedra."
"Brasília está virando uma segunda São Paulo. Você encontra droga em qualquer esquina. Nunca vi aqui em Brasília tanto crack como agora em 2009", observa o ex-usuário Maurício, 31 anos. Para saciar o desejo de consumir crack, Carla caiu na criminalidade. "Você começa a fazer coisas que fogem de todos os princípios. Não cheguei a me prostituir, mas cheguei a roubar. Eu trabalhava mas meu dinheiro não dava."
Jéssica, 22 anos, moradora de uma área central de Brasília, experimentou o crack por influência de uma amiga. "O consumo de crack está crescendo em Brasília. Antes não se ouvia falar de crack. Os traficantes da 109 sul [quadra comercial e residencial da cidade] vendiam só maconha, cocaína e, às vezes, merla. Agora vendem e usam crack.”
Após seis internações, Jéssica se diz disposta a reescrever sua história. Ela tem consciência de que as perdas não foram poucas com a experiência. "Deixei de estudar, de me formar, perdi um emprego no Ministério da Agricultura, bati carro várias vezes. O efeito [do crack] dura menos, e a fissura é maior. Acaba de fumar, dá uns dois minutos, e você fica desesperado querendo mais. Me envolvia com assaltante, traficante, prostituta."
GP, 33 anos, é ex-usuário de drogas e tem origem numa família rica. Ele estima ter gasto mais de R$ 300 mil por causa do vício, especialmente após passar a consumir crack. Perdeu carro, foi roubado e garante que o crack não é mais droga de pobre. "Hoje estou vendo playboy chegar de BMW para comprar pedra e depois terminar na rua doidão. Já vi gente vender até a porta de casa." Dados policiais confirmam que o crack avança no Distrito Federal em substituição à merla. Somente no ano passado, a Polícia Civil apreendeu mais de 4 quilos de crack, suficientes para mais de 10 mil porções de consumo. "O crack é mais fácil de portar. São pequenas pedras comercializadas. A merla é colocada em latas, é difícil para esconder. Em uma caixa de fósforos, é possível guardar cerca de 50 porções de crack. A merla é volátil, em poucos dias dissolve, enquanto o crack dura vários dias em condição de ser consumido", explica o chefe da Coordenação de Repressão às Drogas da Polícia Civil do Distrito Federal, delegado João Emílio de Oliveira.
Além de o crack ser uma droga mais agressiva na geração de dependência, a Polícia Civil do DF acredita que a ausência de punições rígidas para usuários faz o consumo crescer entre a classe média. "A lei tornou-se muito branda em relação ao usuário e ele está pouco ligando quando é preso portando droga para consumo pessoal. Ele vem à delegacia, passa aqui meia hora, assina um termo de comparecimento ao Juizado Especial, mas não liga", afirma Oliveira.
Moradora da Vila Planalto (próximo ao Palácio do Planalto), Márcia, 58 anos, mãe de um usuário de crack em tratamento, sentiu em casa a transformação do filho. "Ele era um cara limpo, arrumado, mas passou a ser um cara que não se importava com nada. Parecia sempre deprimido. Cheque, bolsa e dinheiro não podia deixar em qualquer lugar. Eles vasculham tudo numa rapidez que ninguém entende." * Todos os nomes de usuários de crack, ex-usuários, jovens e crianças desta reportagem especial são fictícios // Colaborou Daniella Jinkings |
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