No Rio, sociedade se mobiliza por descriminalização do Funk


Audiência Pública lota a Alerj na luta contra o preconceito em relação ao funk e pelo seu reconhecimento como cultura

Audiência Pública lota a Alerj na luta contra o preconceito em relação ao funk e pelo seu reconhecimento como cultura



Sheila Jacob,
Do Rio de Janeiro



O plenário da Assembleia Legislativa do Estado do Rio (Alerj) ficou lotado na terça-feira, 25 de agosto. Profissionais, artistas e amigos do funk estiveram presentes na Audiência Pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e da Cidadania. O objetivo do debate foi repensar o funk, defendendo a sua descriminalização e o seu reconhecimento como manifestação cultural legítima.

"É necessário que o poder público compreenda sua importância como uma forma de cultura que surge nas favelas do Rio", explicou o deputado estadual Marcelo Freixo (Psol). Foram convidadas as secretárias de Educação e de Cultura do Estado do Rio, Tereza Porto e Adriana Rattes, respectivamente. "Não convidamos a segurança pública para mostrar que esse não é um caso de polícia. Como aprendi há pouco, o funk não é modismo, mas sim uma necessidade", disse Freixo.

Segundo Freixo, o presidente da Alerj, deputado Jorge Picciani (PMDB), anunciou que na próxima terça-feira, 1º de setembro, às 18h30min, ocorrerá uma sessão extraordinária. Nela, será votado o Projeto de Lei 1671/2008, que define o funk como movimento cultural e musical de caráter popular. Também haverá deliberação sobre o PL 1983/2009, que trata da revogação da lei 5265, de autoria de Álvaro Lins, que "oferece tratamento discriminatório ao funk" e é usado pela polícia como justificativa para a repressão. O representante do Ministério da Cultura, Adair Rocha, leu um trecho da carta enviada pelo ministro da Cultura, Juca Ferreira, em que afirma o compromisso do Ministério nessa nova interpretação do funk.

Esteve presente na audiência o antropólogo e pesquisador musical Hermano Vianna, que defendeu sua dissertação de mestrado em 1987 sobre o Baile Funk Carioca. Como ele explica, muita coisa mudou de lá pra cá: antes, por exemplo, as festas só tocavam músicas estrangeiras. Já hoje, nos bailes, prevalece a música nacional.

Uma pesquisa da FGV citada por Vianna mostra que o funk do Rio movimenta R$ 10 milhões por mês, além de gerar empregos, constituindo-se em importante setor da indústria criativa da cidade. Mesmo assim, hoje o funk é a manifestação cultural reprimida mais violentamente. Para Vianna, existem leis confusas e contraditórias que tornam impossível a realização dos bailes. Por isso é necessário repensar o funk, que "tem capacidade de se tornar instrumento de paz e desenvolvimento para essa cidade. Essa música tão poderosa não pode ser desperdiçada", concluiu.


'Perseguição a movimentos populares é histórica'
A antropóloga e professora da UFF, Adriana Facina, lembrou que a perseguição a certas culturas faz parte da história do nosso país. Ela lembrou de "Os Oito Batutas", grupo formado por jovens negros do qual Pixinguinha fez parte. Ao serem convidados a tocar na França, o fato despertou a ira e a indignação de diversos intelectuais e articulistas.

"Isso mostra que o preconceito em relação à cultura das classes populares faz parte da nossa sociedade. E temos que mudar isso. Essas vozes expressam realidades e modos de viver que não estão nos livros. Proibir os funks, torná-los invisíveis faz parte do processo de criminalização não apenas da cultura, mas também de quem a produz: jovens pobres e favelados, em sua maioria negros", observa Adriana.

Para ela, o poder público deve servir às demandas dos próprios profissionais do funk, respeitando sua autonomia e criatividade. "Essa discussão não interessa apenas a funkeiros, mas a todos que defendem a liberdade de expressão e a diversidade cultural. Espero que um dia o funk, assim como o samba, possa cantar: 'existia um certo preconceito, que nos tirava o direito de sambar com liberdade/ Mas apesar do preconceito, o sucesso era perfeito, quando o samba ia pra cidade'".

O presidente da APAFunk, MC Leonardo, emocionou todos os presentes ao cantar um funk composto para denunciar a repressão policial às comunidades: "Comunidade vive acuada, tomando porrada de todos os lados (...) Não se combate crime organizado, mandando blindado pra beco e viela. Sou favelado e exijo respeito, são só meus direitos que eu peço aqui".

Ele contou sua trajetória na busca de união por todos que trabalham com o funk, pois para ele, assim como para Facina, é o movimento que deve discutir suas próprias regras. Ele ainda lembrou de quando foi vítima de repressão e foi proibido de tocar com o Monobloco na Zona Sul: "Um dia eu vou chegar com essa lei revogada (a 5265), juntar seis MCs e a gente vai tocar com o Monobloco, onde ele estiver", disse, despertando aplausos da plateia.


Compromisso com o Funk
A cantora Fernanda Abreu lembrou quando visitou um baile funk pela primeira vez, no final da década de 1980, e se encantou com essa música. "Eu senti ali a força desse movimento, e vi como o Rio foi capaz de, depois do samba e da bossa nova, inventar uma maravilha de música como essa. Estou aqui para defender que o poder público entenda que essa é uma expressão cultural importantíssima para o nosso estado", disse a artista. Para ela, o próximo passo será revogar "essa lei sem sentido" (a 5265), e trabalhar para a valorização e a liberação dos bailes. "Sou parceira porque gosto do funk, porque sou do Rio e porque trabalho com arte", concluiu.

A secretária de Cultura, Adriana Rattes, reconheceu o valor transformador do funk, e disse ser um compromisso a garantia de políticas públicas para sua valorização. A secretária de Educação, Tereza Porto, entende que o funk é um forte elemento de comunicação com os próprios alunos da rede pública e, por isso, não deve ser encarado com preconceito. Ambas assumiram o compromisso de reconhecimento do valor do funk por parte do Governo do Estado, como também a viabilização de meios para garantir sua livre expressão no Rio.

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