Lucros maiores e preço baixo em relação a outras drogas estimulam vendas do crack



Marco Antonio Soalheiro*
Repórter da Agência Brasil





Brasília - "Com certeza, o crack chegou para destruir. A cocaína dá dinheiro, mas não dá tão rápido. No crack, o vício é mais rápido. A rapaziada fumou aqui, não volta para casa, vai dar um jeito de pegar mais, até o corpo chegar no limite. O crack dá muito mais dinheiro."

As palavras de Léo, 29 anos, ex-traficante que atuava em cidades satélites de Brasília, apontam para um dos principais fatores do aumento do crack nas grandes e médias cidades brasileiras.

A droga se mostrou, em muitos casos, mais rentável aos traficantes do que a venda de outras mais caras, como a maconha e a cocaína refinada. Na região metropolitana de Belo Horizonte, por exemplo, um papelote de cocaína custa cerca de R$ 20, enquanto uma pedra de crack sai em média a R$ 5.

A característica do consumo, entretanto, pode fazer do crack uma oportunidade financeira mais atraente para o vendedor. Um usuário de cocaína consumiria em uma noite dois ou três papelotes. Muitos dependentes do crack que procuram o Centro Mineiro de Toxicomania relatam fazer uso médio de 15 a 20 pedras por dia.

"Um único usuário de crack gera mais renda do que um usuário de cocaína. O crack gera fissura, dependência forte pelo uso continuado. Isso explica também por que as bocas de fumo estão se transformando em grandes revendedoras de crack", diz o coordenador do Centro de Estudos e Pesquisas em Segurança Pública da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Luís Sapori.

Na prática, o ex-traficante Léo explica essa contabilidade: "Vou te falar a real, na noite, a gente fazia R$ 1 mil. Só com pedra, pedrinha assim de R$ 10. Dá dinheiro para quem está nesse meio, dá dinheiro, R$ 1 mil de lucro. Se você anunciar que tem crack, neguinho vai bater na sua casa de manhã, à tarde, à noite, de madrugada. Não tem conversa."

Para os usuários, a busca pelo crack surge como oportunidade de experimentar algo diferente, mais forte. "O crack veio por motivação de alguns amigos, que falavam que era mais forte, que dava uma viagem imensa e deixava o cara mais poderoso. Resolvi experimentar e acabei viciando", conta Maurício, 31 anos, morador de Brasília e em tratamento há 3 meses para se livrar do vício de vários anos.

"O efeito do crack é muito rápido. No Plano [Piloto, região central de Brasília] você compra uma pedra a R$ 10, fuma, tem um efeito de 50 segundos, depois vem a compulsão que faz você procurar mais", reforça GP, 33 anos, também ex-usuário em tratamento.

Segundo o psiquiatra Félix Kessler, coordenador de pesquisas sobre álcool e drogas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o crack é uma droga muito potente e provoca efeitos mais fortes do que o álcool e a maconha em crianças, jovens e adolescentes. “Drogas fumadas entram no organismo rapidamente. O pulmão tem superfície extensa que absorve grande quantidade de substância, que vai direto ao cérebro", assinala Kessler.

José Luiz Ratton, que coordena o Núcleo de Pesquisas em Criminalidade, Violência e Políticas Públicas de Segurança da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), lembra que o mercado consumidor do crack, focado nas classes C, D e E, é naturalmente mais amplo do que o da cocaína. O fato de ser uma droga barata permite maior acesso e maior quantidade de uso.

Psiquiatras também têm relatado que a droga conquista adeptos nas classes A e B em ritmo crescente. Além disso, a estrutura exigida para a venda é mais simples. "Ele [o crack] pega todas as classes sociais com capilaridade. O ganho não está restrito ao nicho da classe média, como a cocaína. Tem uma base consumidora maior e é mais barato. As perdas são menores no estoque e na logística de transporte. O mercado é mais pulverizado e fragmentado. É um grande varejo de camelôs de droga, com produção artesanal", descreve Ratton.



* Todos os nomes de usuários de crack, ex-usuários, jovens e crianças desta reportagem especial são fictícios

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