Crack e a liberdade


O juiz pode declarar o dependente incapaz e determinar a internação

Caio Boson
Advogado e sócio da Boson & Associados



Assunto que finalmente ganha destaque na mídia são as cracolândias. Emergem o choque visual dos maltrapilhos, entregues ao frenesi do consumo e depressão em ruas cobertas de sujeira e dejetos, e o debate acerca do que se convencionou chamar de internação compulsória: agentes públicos adentrariam nesse gueto dos desesperados e os conduziriam, à força, a tratamento. Segundo estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), estado onde se concentra o maior número desses guetos, 30% dos dependentes de crack morrem antes de completarem cinco anos de uso.
No Relatório Mundial sobre Drogas 2011, lançado pela Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil foi o campeão das Américas em 2008, na apreensão do crack, com 354 kg interceptados pela Polícia Federal. O documento não abrange os dois últimos anos. No entanto, o Ministério da Justiça informou que, em 2009, foram apreendidas 4,5 toneladas da droga, mais de 10 vezes a quantidade interceptada no ano anterior.

Estados como Rio de Janeiro e São Paulo já decidiram pela internação compulsória de menores de idade. No Rio, em dois meses de ação foram recolhidas mais de 150 crianças e adolescentes das ruas. Mas não são apenas eles os dependentes. Nem haveria sentido voltarmos as costas para os adultos, mesmo porque são igualmente relevantes nessa tragédia, especialmente quando se tem em mente um dos piores subprodutos do vício: o abandono familiar.

Acerca do assunto da internação compulsória dos adultos duas correntes se contrapõem. Para quem é contra, há que se impor a liberdade de consciência, direito fundamental previsto na Constituição e que, por isso, vedaria a imposição do tratamento, o qual, naturalmente, viria acompanhado de restrição à liberdade de ir e vir. A conclusão é que eles haveriam de ser deixados à própria sorte: eles e os jovens viciados que não se curarem até a idade adulta.

Para os a favor, acumulam-se considerações de ordem humanitária – é preciso fazer alguma coisa para ajudar essas pessoas – e mesmo de defesa social: o ambiente das cracolândias é gerador de violência, que se espalha no espaço urbano.

O que se pode dizer é que o direito possui arsenal suficiente para lidar com a questão, sem ofender princípio constitucional que seja: é a declaração judicial de incapacidade civil. Desde há muito a lei admite que certos indivíduos necessitam de proteção especial por parte, ou por intermédio, do Estado, eis que se revelam incapazes de lidar com as imposições da vida. Sem adentrar em cientificismos, aqui desnecessários, parece elementar que, com base em pedido do Ministério Público, o juíz de direito pode declarar determinada pessoa juridicamente incapaz – por causa da gravidade e de sua dependência – e conceder ainda que temporariamente sua tutela a alguém tecnicamente capacitado, determinando sua internação compulsória.
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