Promover o bem comum, eliminar preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e outras formas de discriminação são compromissos de todos os brasileiros para a efetiva conquista de uma sociedade livre, solidária, humana e igualitária onde a cidadania deve ser entendida em seu sentido mais amplo: igualdade de direitos de oportunidade e de participação e co-responsabilidade pela vida social - cujo desenvolvimento tenha como fundamentos básicos o comprometimento com a redução das desigualdades e erradicação da pobreza e marginalização.
Na adolescência, uma fase especial e significativa da vida, na qual as descobertas e conquistas estão relacionadas com a afirmação pessoal e busca de novas alternativas, as aspirações de bem-estar social vêm sendo sufocadas por manifestações adversas decorrentes do crescimento desordenado das cidades, da miserabilidade de grande faixa da população e do aumento da violência em todas as suas formas - especialmente naquela entre e contra os adolescentes.
Tendo em vista a dimensão do problema, seria aconselhável e oportuno considerar alguns indicadores de agravos à saúde ocasionados por causas externas, entre as quais destacam-se os acidentes extradomiciliares e a violência urbana.
Atualmente, acidentes de trânsito, homicídios e suicídios são responsáveis por cerca de 75% dos óbitos ocorridos em adolescentes do sexo masculino; no feminino, a gravidez e parto também associam-se como responsáveis por expressivo número de mortes prematuras - em 1993, por exemplo, as mortes maternas (óbitos em mulheres que estavam grávidas) de adolescentes brasileiras representou aproximadamente 15%, e em todo o mundo a gravidez na adolescência vem crescendo significativamente.
Em 1995, do total de partos registrados pelo sistema de saúde, cerca de 25% foram de mães com até 19 anos de idade, com riscos acentuados. Por outro lado, o ingresso precoce no mundo do trabalho - com mínimas condições de higiene e segurança, equipamentos inadequados (quando existem) e, na maioria das vezes, usurpação dos direitos legais garantidos - vem contribuindo para a ocorrência e aumento de doenças ocupacionais e acidentes entre os jovens. Em nosso país, entretanto, esse problema é apenas percebido, haja vista a precariedade do registro sistematizado desses dados.
Concomitantemente, o uso indevido de drogas vem se constituindo em assunto isolado no contexto, uma vez que as dimensões da demanda social em relação ao tema exigem enfoques diferenciados e as dificuldades e até mesmo desconhecimento do problema têm limitado sua discussão.
No caso da AIDS, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) sugere que a contaminação pelo HIV ocorre precocemente e está associada à iniciação sexual sem proteção, bem como ao uso inadequado de seringas, quando da administração de drogas injetáveis.
Quanto às drogas legais, o álcool - seguido do cigarro, inalantes e tranqüilizantes - situa-se em primeiro lugar entre as drogas preferenciais dos adolescentes. Com relação ao tabaco, que contribui como fator de risco para a morte prematura, as restrições de propaganda na mídia em pouco têm contribuído para a diminuição de seu consumo entre os jovens. A OPAS aponta que o hábito de fumar inicia-se na adolescência - período em que a sociedade, contraditoriamente, estimula o jovem ao consumo de álcool.
É evidente, entre crianças e adolescentes, o aumento do consumo de diferentes drogas psicoativas como o crack, a maconha e a cocaína - as quais podem assumir papel importante na vida do adolescente, que as utiliza como elemento facilitador da comunicação, da busca do prazer ou simplesmente como apoio aos desafios apresentados no dia-a-dia.
Hoje, infelizmente, a violência vem perigosamente se integrando à rotina diária dos adolescentes brasileiros. Decorrente da tensão social potencialmente localizada na faixa etária de 15 a 20 anos, o homicídio é responsável pela morte de muitos jovens - em 1997, cerca de seis mil adolescentes foram assassinados. Em nosso país, as taxas de mortalidade entre homens de 15 a 24 anos são, em sua maioria, 50% maiores que as dos Estados Unidos e 100% maiores que as do Canadá, França ou Itália. Ressalte-se que essa causa de morte não restringe-se apenas aos grandes centros urbanos, pois expandiu-se também para as regiões de garimpos e de conflitos de terras, grandes facilitadores de situações de violência.
No sexo masculino, os acidentes de trânsito representam a maior causa de morte entre os jovens, geralmente relacionados com o consumo de bebidas e outras drogas. A vulnerabilidade dos jovens a esse tipo de acidente resulta da imaturidade emocional e social; assim, não se comportam adequadamente quando dirigem um carro ou motocicleta. Correr riscos, desafiar a autoridade e quebrar regras estabelecidas são, na maioria das vezes, elementos mais fortes do que os sentidos da autopreservação e da cidadania.
O suicídio situa-se como uma das três mais importantes causas de morte entre os adolescentes e é, provavelmente, a forma emocional mais devastadora da violência, pois impõe à família um pesado ônus eivado de sentimentos de culpa, perda, luto e desespero. A cada cinco minutos, um jovem – preponderantemente do sexo masculino - se suicida. Atualmente, pelo menos 100 mil adolescentes cometem suicídio em todo o mundo. No Brasil, em 1997 foram registrados 683 suicídios na faixa etária de até 19 anos, o que representa cerca de 10% do número total de mortes por essa causa
Diversos fatores caracterizam a adolescência como população de risco: doenças que comprometem o desenvolvimento (antecedentes de patologias mentais), ambiente familiar desestruturado, convívio com algum tipo de violência, depressão, abuso físico, falta de objetivos, ansiedade em relação à identidade sexual, gravidez não planejada, infecção por HIV, problemas familiares, isolamento social, competição intensa na escola, desemprego, uso de drogas e rompimento de relações íntimas contribuem sobremodo para o aumento da violência entre os jovens - tanto contra si mesmo (suicídio e acidentes) como contra os outros (agressões e homicídios).
A violência na família assume várias formas: o abuso físico (estupro, espancamento), mesmo que ocorrido uma única vez, tendo como agressor um adulto ou pessoa mais velha, pode causar danos irreparáveis aos jovens. Em vários casos, a morte. Violências cometidas por irmãos, mãe ou pai são às vezes considerados normais pelas próprias vítimas: os atos mais comuns são empurrar, bater ou jogar objetos, chutar, morder, dar murros, espancar, ameaçar, torturar ou até mesmo usar facas ou armas.
À guisa de ilustração, mostraremos a seguir um quadro com o número de óbitos por todas as idades e mortalidade proporcional por causas externas, em nosso país, nos anos de 1977, 1993 e 1997.
NÚMERO DE ÓBITOS DE TODAS AS IDADES E MORTALIDADE PROPORCIONAL POR CAUSAS EXTERNAS - BRASIL - 1977, 1993 e 1997
ANO | |||||||
1977 | 1993 | 1997 | |||||
Nº | % TOTAL | Nº | % TOTAL | Nº | % TOTAL | ||
CAUSAS EXTERNAS | 55.240 | 8,72 | 98,276 | 11,41 | 119.550 | 13,23 | |
ACIDENTES | 17.795 | 2,81 | 26.326 | 3,06 | 35.756 | 3,95 | |
HOMICÍDIOS | 8.715 | 1,38 | 28.743 | 3,34 | 40.507 | 4,48 | |
SUICÍDIO | 3.525 | 0,56 | 5.447 | 0,63 | 6.923 | 0,76 | |
DEMAIS CAUSAS | 25.205 | 3,97 | 35.760 | 4,15 | 36.364 | 30,91 | |
TOTAL GERAL DE ÓBITOS | 633.812 | 861.448 | 903.516 | ||||
A tabela acima demonstra efetivamente o crescimento da mortalidade por causas externas, no país, no período de 20 anos, compreendido entre 1977 a 1997.
Pode-se observar que o percentual de óbitos pelo total de causas externas (acidentes, violências, intoxicações, suicídios, etc.) passou dos 8,72% (em 1977) para 13,23% (em 1997), o que significa um crescimento proporcional de 50%. Este crescimento, entretanto, não foi homogêneo para todas as causas externas e para todas as idades. Nesses vinte anos, os números de acidentes de trânsito aumentaram em 40%; e os de suicídios em 35%. No período considerado, o grande aumento registrado ocorreu nos casos de óbitos por homicídio: proporcionalmente, em 1977 os homicídios representavam 1,38% do total de mortes do país; em 1997, esse número já havia ultrapassado a casa dos 4,48%, representando um incremento de quase duas vezes e meia, em duas décadas.
Mais dramática ainda é a constatação de que a maior parte dessas mortes atingiu a faixa etária de 15 a 29 anos. Em 1979, a mortalidade por homicídio, nesta faixa, representava 0,72% do total de óbitos; já em 1997, este número subiu para 3,35%, um aumento superior a 365%. Para confrontação, em 1997 morreram assassinados mais de 40 mil brasileiros; durante toda a guerra do Vietnã (13 anos), morreram 55 mil americanos.
Em vinte anos, foram registradas, em todo Brasil, mais de 500 mortes por assassinato, das quais cerca de 70%, ou 350 mil, vitimaram adolescentes e jovens adultos.
Outras formas de violência - usuais e presentes nas famílias, escolas, clubes e outros locais -, porém de detecção mais difícil, são os abusos psicológico e sexual, o abandono e a negligência. Atualmente, circulam no país e no mundo informações sobre o abuso sexual visando lucros, onde a prostituição de menores e a pornografia transformam crianças e adolescentes em presas fáceis de marginais.
A negligência pressupõe a falha da família em suprir as necessidades básicas das crianças e adolescentes - esta é uma violência onde a precariedade socioeconômica familiar e o descaso do cuidado com o jovem devem ser tratados com muita atenção.
Por sua vez, a exploração do trabalho infanto-juvenil vem preocupando sobremaneira não apenas os órgãos públicos de justiça e assistência social mas a sociedade como um todo, haja vista que os dados existentes indicam que as crianças adolescentes, moradoras nas zonas urbanas mais pobres, representam cerca de 75% do total da força de trabalho.
Felizmente, buscando formas de conciliar a educação e propiciar maior participação e envolvimento dos jovens e pais com as necessidades básicas de sobrevivência das famílias brasileiras, algumas empresas e grupos comunitários vêm desenvolvendo experiências exitosas mediante a utilização da música, esporte e teatro, o que contribui sobremaneira para atenuar o grave problema da violência entre adolescentes.
Para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente e a efetiva conquista da cidadania, direcionar ações públicas, envolver as comunidades, diminuir os atuais índices de violência entre e contra os adolescentes deve ser compromisso de todos - onde o trabalho da segurança pública ganha papel de destaque, mas jamais deve ser assumido como única forma de combate á violência.
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