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Caça às drogas: empresas pedem exames toxicológicos
Caça às drogas: empresas pedem exames toxicológicos
Prática, que veio dos Estados Unidos, gera controvérsia. Também há mais companhias oferecendo tratamento para dependentes químicos
Por: Maíra Amorim
Empresas passam a encarar a dependência como uma doença, mas ainda há as companhias que usam a informação de forma discriminatória Paula GIOLITO / Paula Giolito
Há cerca de dois meses, um jovem escolhido em um processo seletivo da área de petróleo e gás viu sua contratação, que já estava acertada, ir por água abaixo. Isso porque o exame pré-admissional a que foi submetido — sem saber — detectou a presença de maconha na urina. E a empresa usou essa informação para dispensá-lo, antes mesmo da efetivação. A prática é considerada abusiva por especialistas em direito do trabalho. Mas não é apenas de forma discriminatória que as companhias estão atuando: no combate ao álcool e às drogas, também cresce a realização de exames pós-contratação, assim como o encaminhamento do dependente para tratamento.
A popularização dos exames toxicológicos no mercado brasileiro pode ser explicada pela intensificação da globalização e pela chegada de mais empresas multinacionais ao país.
— Essa filosofia vem dos Estados Unidos. Demorou um pouco para as empresas brasileiras aderirem à tendência — diz Maurício Yonamine, responsável pelo Laboratório de Análises Toxicológicas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), que faz, em média, 500 exames mensais para empresas conveniadas.
Yonamine diz que há cinco anos houve um boom na demanda, hoje estabilizada também por conta da estrutura limitada do laboratório público. No Rio, a Evolução Clínica e Consultoria, que oferece serviços de implantação de políticas corporativas antidrogas, além de testes e tratamentos de reabilitação, tem visto a procura crescer. Nos últimos três anos aumentou em 30% o número de empresas que adotam os exames toxicológicos — apenas em 2012, a Evolução fez 1.350 testes — e cresceu em 80% a quantidade de companhias que procuraram a clínica para criar um programa antidrogas.
— As empresas vêm adotando esse tipo de política porque ajuda a reduzir os acidentes de trabalho, o absenteísmo, os problemas de negligência e produtividade, além de preservar a imagem da companhia e trazer economia de despesas com assistência médica — acredita Selene Barreto, diretora da Evolução, que também atribui esse crescimento à difusão do conceito de responsabilidade social no meio corporativo.
Selene ressalta que, para submeter um indivíduo ao teste de urina para investigar o consumo de álcool e drogas, é preciso ter seu consentimento. Mas ainda assim a questão é controvertida, especialmente quando os exames são feitos antes da contratação.
— Existe uma recomendação do Conselho Federal de Medicina para que não sejam realizados exames toxicológicos prévios à admissão. É uma atitude discriminatória, que viola direitos constitucionais — afirma a advogada trabalhista Rita de Cássia Vivas.
E, para Rita, mesmo que assine um termo aceitando ser testado, o funcionário poderá contestar o teste:
— Nessa relação, o empregado é a parte frágil, que aceita qualquer coisa por medo de perder o emprego.
Tratamento extensivo às famílias
Na Embraer, desde 1984 existe o programa “Estar de bem sem drogas”, que, em 2000, incorporou os exames toxicológicos como procedimento. Todo ano , 10% dos 18 mil funcionários são sorteados para serem submetidos ao exame, que inclui coleta de urina e bafômetro.
— A intenção é detectar pessoas que tenham uma possível dependência e oferecer tratamento. Não de forma punitiva, mas preventiva, para evitar acidentes de trabalho ou erros na confecção de uma peça — explica Andrea Ferreira, gerente de Bem Estar da Embraer.
Hoje, são 40 funcionários em diferentes estágios de recuperação. Em 29 anos, 508 colaboradores receberam tratamento, incluindo empregados, estagiários e dependentes diretos.
— Toda a família adoece quando há um problema desses — diz Andrea.
Foi porque a empresa de seu pai tem uma política como a da Embraer que hoje, dia 17 de março de 2013, Joana (nome fictício), de 31 anos, comemora por estar “limpa” há 1 ano, 6 meses e 11 dias. Foram quase 15 anos de uso de álcool e maconha — a cocaína chegou mais tarde, quando ela já tinha 28 anos — até atingir o que ela chama de “fundo do poço”. Não conseguia chegar na hora no emprego e inventava desculpas para sair mais cedo e ter tempo de consumir alguma droga antes de voltar para casa, onde vive com os pais. Depois de sofrer uma tentativa de estupro, chegou em casa pedindo para ser internada. Atualmente faz estágio em informática e está terminando a faculdade.
— Hoje tenho paz de espírito. Só de não precisar mentir para a minha chefe é um alívio — diz ela, que continua fazendo terapia em grupo e também encontrou apoio nos grupos anônimos.
Joana, inclusive, é favorável ao uso de exames toxicológicos dentro das empresas. Desde que não se confunda o uso esporádico com a dependência.
— Não é porque a pessoa usou algo uma vez que ela tem a doença. Mas acho que, especialmente em áreas que envolvam riscos de segurança, os exames toxicológicos são importantes.
Promoção aconteceu durante a reabilitação
“Achei que as minhas possibilidades de crescimento profissional estavam arruinadas”. A afirmação é de Roberto, economista de 27 anos que há um ano e meio aceitou o tratamento contra a dependência de álcool e cocaína oferecido por sua empresa, conveniada com uma clínica especializada. Mas não apenas as oportunidades não acabaram, como ele foi promovido durante a reabilitação, custeada pela companhia.
A chefia tomou conhecimento do vício de Roberto depois de um incidente em uma viagem de trabalho. A assistente social, então, o abordou.
— Demorei três dias para admitir e aceitar ajuda. Não porque eu não achava que tinha um problema, mas porque tive medo de perder o emprego — conta o economista.
Por 40 dias, ele precisou ir diariamente à clínica especializada em tratamentos antidrogas. Para não levantar suspeitas, no trabalho diziam que ele estava fazendo um curso. Também foi transferido de gerência e hoje não tem mais contato com os colegas da época.
— Foi tudo tratado de forma sigilosa. Ninguém ficou sabendo — diz Roberto.
Sigilo durante o tratamento
A história é parecida com as de Sergio, um geólogo de 39 anos, e Otávio, um engenheiro de 61 anos, que também estão em tratamento, respectivamente, contra a dependência de drogas e a de álcool. No caso do geólogo, depois de um mês ele também trocou de gerência, que foi informada que ele estava em curso, enquanto ele ia diariamente à clínica. Já o engenheiro ficou de licença médica por três meses antes de retornar ao trabalho.
— O programa não expõe o funcionário e é muito sincero — afirma Otávio, que procurou ajuda na empresa por conta própria, enquanto Sergio recebeu, de sua chefia, a sugestão para que se informasse sobre o tratamento.
As companhias em que eles atuam vêm agindo de acordo com uma mudança na interpretação da lei, que considera a dependência em drogas e álcool como uma doença.
— Embora a “embriaguez habitual ou em serviço” conste no rol de motivos para a dispensa com justa causa do empregado (artigo 482 da CLT), hoje, o alcoolismo e a dependência de drogas são interpretadas pelos tribunais como doenças e não mais como atos de indisciplina do empregado — explica Rodrigo Bottrel Tostes, advogado trabalhista do Pinheiro Neto Advogados.
Por isso também, Selene Barreto, diretora da Clínica Evolução, acredita que mais companhias estejam buscando políticas antidrogas — ela vê a demanda crescer especialmente nas áreas de energia e aviação:
— Para funcionar, no entando, é preciso ter clareza e relação de honestidade com o funcionário, além de treinar as equipes de saúde e gestores para lidar com a questão.
A procuradora do trabalho Lisyane Chaves Motta lembra que as razões de solicitações de exames não podem ferir o direito à intimidade e privacidade dos trabalhadores:
— Os direitos da personalidade se sobrepõem aos interesses privados das empresas, no caso de conflito entre ambas as partes.
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