A arte que se apaga


275197-970x600-1O projeto da Prefeitura de São Paulo para reduzir a poluição visual tem um efeito colateral: o desaparecimento dos grafites que coloriam os muros cinzentos
Por: Francine Lima

ARTISTAS
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Gustavo (à esq.) e Otávio Pandolfo, conhecidos como osgemeos (escreve-se assim mesmo), diante de um de seus grafites
Os irmãos gêmeos Gustavo e Otávio Pandolfo aprenderam a desenhar juntos, na infância, e até hoje têm o mesmo traço. Depois dos cadernos, das paredes de casa e da vizinhança, criaram mais de uma centena de grafites na paisagem urbana de São Paulo. Sob o nome artístico de osgemeos (assim mesmo, junto, sem acento e sem letra maiúscula), Gustavo e Otávio ganharam fama e já fizeram murais no exterior, em cidades como Atenas, na Grécia. Até o ano passado, era fácil encontrar obras da dupla no centro e em grandes avenidas de São Paulo. Nos últimos meses, porém, quase todas desapareceram, dando lugar a paredes pintadas de bege. Não foi nenhum vândalo que cobriu as pinturas. O responsável pelo sumiço das obras – não apenas de osgemeos, mas de qualquer grafiteiro – é a Prefeitura.
Os grafiteiros desconfiam que a substituição da arte pela cobertura monocromática seja um efeito colateral do plano do prefeito Gilberto Kassab de limpar a cidade, que começou em janeiro de 2007 com a retirada de outdoors e letreiros publicitários. “Os painéis da (avenida) Radial Leste estavam lá fazia uns 15 anos. Na gestão da Marta (Suplicy) fomos contratados pela Secretaria da Juventude para grafitar, mas na nova gestão isso mudou muito. Chegam a apagar um grafite um dia depois de ele ter sido feito”, afirma Gustavo Pandolfo. Outro grafiteiro, conhecido como Boleta, também diz ter observado suas obras desaparecerem da região central da cidade. Diz que já foram mais de 50 nos últimos dois meses. “Grafites sempre foram apagados. Eles são feitos para durar pouco mesmo. Mas antes dessa Lei Cidade Limpa isso acontecia bem menos”, diz Boleta. Ele acredita que apenas os murais mais coloridos estejam sendo poupados, como se houvesse alguém selecionando o que merece permanecer e o que é descartável. “O que acho ruim é que a Prefeitura não espere nem uma semana para passar a tinta por cima. Poderia deixar pelo menos três meses.”
Os gêmeos Pandolfo protestam: “Chegam a apagar um grafite um dia depois de ele ter sido feito”
O grafite costuma ser usado como uma forma de “interferir” no espaço coletivo, chamando a atenção do público. Todo grafiteiro conhece a regra do jogo: a qualquer momento sua obra pode ser adulterada ou destruída, sem que ele possa fazer nada. Em São Paulo, uma lei municipal de junho de 2007 estabeleceu um programa para eliminar as pichações da cidade. A questão que se levanta é a tênue fronteira entre o que é pichação (uma forma de vandalismo) e grafite (uma forma de expressão artística). Nem sempre é fácil fazer essa distinção. Nos muros do cemitério São Paulo, no bairro de Pinheiros, na zona oeste da capital paulista, pichadores foram chamados pela Prefeitura para grafitar dentro de um projeto social encampado por uma ONG. Elementos característicos da pichação, como a escrita estilizada, aparecem misturados a figuras cuidadosamente coloridas, de tal forma que é difícil saber o que é grafite e o que é pichação.
BEGE
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Uma equipe de apagadores de pichação em ação. A Prefeitura de São Paulo diz que não tem como controlar as empresas contratadas para o serviço
O secretário municipal de Coordenação das Subprefeituras, Andrea Matarazzo, nega que exista uma espécie de “curador” municipal que decide o que pode ficar no muro ou o que será apagado. Segundo ele, há a intenção de manter os grafites já conhecidos e identificados. Mas alguns deles acabam acidentalmente cobertos. “As subprefeituras estão fazendo a manutenção de pontes e viadutos, e tudo o que as empresas contratadas para o serviço fazem é seguir o cronograma. Fico chateado (quando um grafite bonito desaparece), mas não temos um ajuste fino com essas empresas para evitar a pintura deste ou daquele pedaço de muro.” Matarazzo sugere que os grafiteiros se organizem para enviar à Prefeitura uma lista com o endereço dos grafites que merecem ser preservados. Mas não promete segui-la à risca, sob a alegação que rapidamente surge um novo desenho no muro pintado. “Grafite é uma arte dinâmica.”
Apagar obras de arte urbana não acontece só em São Paulo. No ano passado, na cidade de Bristol, na Inglaterra, uma empresa contratada para pintar os muros inadvertidamente apagou um mural de 7 metros criado por Banksy, um grafiteiro famoso na Inglaterra. A Prefeitura de Bristol decretou, então, que os outros grafites de Banksy na cidade fossem preservados. No Rio de Janeiro, ficaram famosas nos anos 90 as inscrições feitas por Gentileza, um personagem do folclore da cidade, nos pilares de um viaduto. Quando a Prefeitura decidiu apagá-las, os protestos foram tantos que as inscrições foram restauradas e hoje fazem parte da paisagem carioca. Essa história inspirou a canção “Gentileza”, de Marisa Monte (“Apagaram tudo/ Pintaram tudo de cinza/ A palavra no muro/ Ficou coberta de tinta”).
ANTES E DEPOIS
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Uma das obras dos Pandolfos cobertas de tinta. Alguns grafites ficam só 24 horas no muro







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