Cresce número de assassinatos ligados ao crack em BH


Pedro Rocha Franco - Estado de Minas


Pedreira Prado Lopes abriga um dos principais pontos de consumo da droga - (Jackson Romanelli/EM/D.A Press)
Pedreira Prado Lopes abriga um dos principais pontos de consumo da droga
Um terço dos homicídios em Belo Horizonte ocorreu por causa do tráfico de drogas. E o vilão da epidemia tem nome: crack. Levantamento do Centro de Pesquisas em Segurança Pública (Cepesp) da PUC Minas mostra que o crescimento vertiginoso do número de assassinatos na capital, a partir da década de 1990, corresponde ao período de inserção da droga nos aglomerados. Nos últimos anos, a quantidade de homicídios com origem no consumo e comercialização do crack é quase quatro vezes maior que no período anterior à disseminação dessa praga.

Os pesquisadores analisaram, durante 18 meses, 671 relatórios de inquéritos de homicídios ocorridos em Belo Horizonte entre 1993 e 2006, já remetidos à Justiça – número correspondente a 7% dos assassinatos registrados no período, de acordo com dados da Secretaria Estado de Defesa Social (Seds). Os processos foram separados por tipo de motivação em categorias: tráfico de drogas, vingança e acerto de contas, relações afetivas, discussões e brigas, outros motivos e indefinidos. O que comprovou que a causa dos assassinatos está no comércio e consumo de drogas.

Segundo o sociólogo e coordenador do estudo “Os impactos do crack na saúde pública e na segurança pública” e da Cepesp, Luis Flávio Sapori, os resultados permitem compreender o fenômeno nacional. “Diferentemente do comércio da maconha e da cocaína, as relações do tráfico de crack geram maior violência urbana”, afirma.

Três momentos da evolução do crack podem ser identificados entre 1990 e 2006. O primeiro, até 1996, é tido como evolução estável, com pequeno aumento do número de homicídios. De 1997 a 2004, o crescimento acelerado do número de assassinatos é associado à entrada da droga na cidade, sendo chamado o período de “deterioração gradativa”. O último cenário, apresentado a partir de 2005, mostra a queda no número de mortes associada à presença da PM nos aglomerados, o que resulta numa reversão da tendência.

Além dos homicídios, os roubos estão diretamente ligados ao entorpecente. Como ocorre no comércio de cocaína, os viciados se tornam revendedores para garantir o consumo próprio. Mas, no caso do crack, “a necessidade de consumir é mais voraz, mais compulsiva. O efeito só dura cerca de cinco minutos. Numa noite, uma pessoa pode consumir de 10 a 15 pedras para se satisfazer”, explica Sapori. Sem conseguir pagar as dívidas do tráfico, ocorre o ciclo vicioso de venda de objetos pessoais até os casos de assalto. Sob ameaças constantes, os consumidores não conseguem pagar e na tentativa de evitar a morte se envolvem na rede de traficantes. “Os acertos de conta são mais significativos que as disputas por pontos de venda nos aglomerados”, afirma o especialista.

Em BH, o comércio de crack tem início em 1995, na Pedreira Prado Lopes (PPL), aglomerado da Região Noroeste, com a família Peixoto, chefiada por Roni. Conectada a traficantes de São Paulo, onde a droga já circulava desde o início da década passada, eles introduziram o produto ilícito no mercado. Mas, sabendo dos riscos de proliferação dos homicídios, o traficante conseguiu “controlar” a violência na favela, como ocorreu no Rio de Janeiro, onde traficantes, sabedores da possibilidade de conflitos, resistiram à entrada da droga até meados de 2005. “Depois que o Roni foi preso, a violência explodiu. Por causa do interesse comercial, ele conseguia regular o tráfico”, diz Sapori.

A partir da proliferação do tráfico de crack, dois tipos de redes se formaram em regiões periféricas: “firma reconhecida” e grupos sem hierarquia. O primeiro modelo é semelhante ao de empresas, tendo a figura central do patrão, responsável por abastecer o lugar. Já a segunda rede, mais dinâmica, se estabelece por meio da conexão entre moradores, sem um líder. “É próprio dessas redes um movimento interno das conexões em que um conector usuário passa, eventualmente, a ser conectado com referência de revenda do produto”, diz Sapori.

A segunda etapa do estudo foi tentar compreender o fenômeno. Por meio de entrevistas com usuários, traficantes e profissionais de saúde, os pesquisadores percorreram desde unidades de saúde até bocas de fumo para vivenciar a experiência de usuários.

Nas visitas, foram identificados perfis de consumidores da droga: psicótico, marginal travestido de paciente e usuário compulsivo ou neurótico. O primeiro apresenta quadro psiquiátrico de psicose, tendo alucinações e paranóias com o uso, sendo necessária sua internação. O segundo é o chamado “craqueiro”: simula quadro de abstinência para tentar passar por tratamento na tentativa de fugir de traficantes. O último faz uso descontrolado de crack e reconhece perdas de laços sociais, o que o leva a buscar ajuda. “É um equívoco tratar o usuário da droga de forma homogênea e absoluta. São necessárias medidas de intervenção e de cuidado para os tipos diferenciados de consumidores”, afirma o coordenador da pesquisa.

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