Grupos de hip hop criam roupas mesclando rap, moda e cultura


Jovens trocam padrões estéticos americanizados pela economia solidária

Janaína Cunha Melo
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Banca Bicho Solto/Divulgação
O rapper Sagaz e a estilista Pandora se propõem a reinventar a moda das ruas, abrindo espaço para a reciclagem de roupas

A geração de bonés de aba reta, calças largas e tênis estilizados não quer mais depender dos padrões do hip hop norte-americano. Com pesquisas fundamentadas nas preferências dos jovens do Brasil, vários artistas do movimento de periferia começam a criar coleções inspiradas na cultura brasileira. Além da crítica social, já identificada no conteúdo de letras dos grupos de rap e nos grafites cada vez mais presentes na cena urbana, a moçada agora quer se vestir com personalidade, com roupas e adereços assinados por eles próprios. A ideia é inverter a lógica do mercado e criar alternativas, inclusive de economia solidária e de proteção do meio ambiente. Tudo com muito estilo.

Estudante de moda de Vitória, no Espírito Santo, MC Pandora da Luz já é identificada como a estilista do hip hop. Recentemente, ela veio a Belo Horizonte mostrar sua coleção autoral na mostra Canta e dança BH, realizada no Parque Municipal. Durante o desfile, as peças criadas pela capixaba receberam intervenção ao vivo do grafiteiro Sagaz. Saias, calças e camisetas foram customizadas diante do público. Aos poucos, as peças começam a dar forma à coleção Re-Fazenda, que a artista desenvolve como projeto de pesquisa de encerramento do curso de graduação.

De origem modesta, Pandora conta que tem afinidade com a cultura popular e tradicional mineira. Por isso, dedica seus estudos a essas possibilidades de interação. Seu trabalho é conceituado no reaproveitamento das peças, associado ao crochê e a bordados, com pinceladas artísticas do grafite. “Todas essas vertentes têm forte relação entre si. É possível recriar formas, tamanhos e propostas para dar origem a roupas estilizadas”, diz ela.

Durante os desfiles, realizados com frequência no Espírito Santo, Pandora leva à passarela modelos não convencionais. Acredita que assim se reproduz a cultura das ruas, desmitificando a ideia de que moda é algo especial. “Gosto de observar pessoas comuns, inclusive com numerações diferenciadas e de todas as estaturas, para obter visual eclético, pois a nossa população tem essa diversidade”. A proposta de recorrer a roupas usadas para construir outras peças está ligada à preservação do meio ambiente. “É uma maneira de contribuir para a despoluição. Transformo calças em saias, reutilizo camisetas de campanhas institucionais agregando outros valores. Corto, reconstruo e refaço para aproveitar ao máximo tudo o que o tecido pode oferecer”.

A parceria com o rapper e grafiteiro Sagaz, do grupo Suspeitos na Mira, é anterior à pesquisa. Há sete anos eles moram juntos e compartilham experiências de militância no hip hop, com abordagem da cultura afro-brasileira. Sagaz é escultor, cria telas com a temática dos orixás afro-brasileiros e tem papel importante nas pesquisas e apresentações da coleção Re-Fazenda. “Nossa casa é um ateliê gigante. Vivemos de arte e da nossa capacidade diária de reinventar”, diz Pandora.

Reinaldo Santana/divulgação
Saia é grafitada, ao vivo e em cores, durante desfile da coleção Re-Fazenda, em Belo Horizonte
COMBOIO MINEIRO

Em Minas Gerais, pelo menos três grupos se dedicam à experimentação na moda. Coletivo Nospegaefaz, Rota 89 e Leo AN desenvolvem peças com cores, estilos e adornos inspirados no hip hop. Eles criam projetos por encomenda, apoiam grupos de rap de Belo Horizonte e já começam a provar estratégias industriais.

Quando o coletivo decidiu investir no segmento, a intenção era apenas criar identidade para os integrantes do grupo. “A gente queria se apresentar de uma forma mais organizada. Passamos lista para todos contribuírem para fazermos a primeira camiseta. De repente, vimos que a adesão foi muito maior que a esperada e descobrimos que há carência enorme nessa área”, conta o rapper Blitz, um dos diretores da Nospegaefaz, que reúne cinco grupos de várias regiões da cidade.

Eles criaram a marca UComboio, que lançou coleções em três categorias (feminino, masculino e infantil), com bermudas, camisetas, blusas e saias. O coletivo critica a postura das lojas oficiais, acusadas de investir pouco na cultura hip hop da capital. “As empresas lançam produtos para um número enorme de jovens que se identificam com o movimento, mas não oferecem qualquer tipo de patrocínio ou de apoio aos artistas. Não investem em festivais, nem colaboram para o fortalecimento da cena. Achamos isso muito ruim, pois em tudo é preciso haver contrapartida”, diz Blitz.

Sem finalidade lucrativa e ainda em fase de experimentação, a UComboio deve ser registrada no ano que vem. Por enquanto, os idealizadores da iniciativa criam peças para divulgar a proposta. O coletivo busca parcerias com a iniciativa privada para a produção em larga escala e a regulamentação do projeto. “Estamos otimistas, porque muitas pessoas demonstram interesse, elogiando as peças. Em pouco tempo teremos condições de oficializar a ideia”, conclui Blitz.

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