Deputado Regis de Oliveira (PSC-SP) propõe Emenda Constitucional que pretende “enxugar” a Constituição brasileira, retirando dela vários capítulos, inclusive todos que dizem respeito a direitos sociais
Raquel Torres,
do Rio de Janeiro (RJ)
Vinte e um anos após a promulgação da Constituição Federal brasileira, uma proposta tem como objetivo enxugar o texto e retirar mais de 80% dos seus artigos: a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 341/2009, do deputado Regis de Oliveira (PSC-SP), reduz os 250 artigos do texto atual a apenas 62, e o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que hoje conta com 96 artigos, passa a ter somente um. O projeto teve parecer favorável do relator da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), o deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT-BA). Entre as principais mudanças previstas na PEC e mantidas pelo relator está a retirada de toda a matéria que dispõe sobre direitos sociais: foram excluídos os capítulos sobre a seguridade social e sobre a educação, por exemplo. A constituição proposta por Regis de Oliveira não traria mais saúde e educação como direitos de todos e deveres do Estado, não estabeleceria o Sistema Único de Saúde nem trataria da assistência social e da previdência. Direitos dos trabalhadores, como seguro-desemprego, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), 13º salário, férias, garantia de salário mínimo e a livre associação profissional ou sindical também não estariam presentes no documento. “O objetivo disso é retirar tudo aquilo que não é matéria constitucional”, argumenta o autor da PEC. Na justificativa da proposta, ele ainda escreve que é preciso evitar “a existência das constituições formais, onde cabe toda e qualquer matéria, por mais irrelevante que seja”.
Apesar de ter dado parecer favorável, Sérgio Carneiro dividiu a PEC em dois substitutivos: o primeiro, que será analisado pela CCJC e dará continuação à tramitação, diz respeito ao enxugamento propriamente. Nele, o relator preferiu restabelecer alguns artigos e deixar o texto final com 76, ao todo — a proposta inicial retirava, por exemplo, as atribuições do presidente da república, os princípios da administração pública, a seções que descrevem a organização de estados e municípios, a fiscalização contábil, financeira e orçamentária, a forma de constituição do poder judiciário e a especificação dos bens da União. Esses e outros dispositivos foram mantidos por Sérgio Carneiro.
Já o segundo substitutivo diz respeito não à supressão de artigos, mas a alterações do texto constitucional que haviam sido propostas no texto original de Regis de Oliveira, como a fusão de Câmara e Senado em uma única casa legislativa. De acordo com Sérgio Carneiro, esse segundo substitutivo não deve ser analisado agora: ele deve constituir uma nova PEC. “Isso porque as propostas são todas muito polêmicas e a aprovação do projeto, tal como estava, seria muito difícil”, explica.
Para Marcus Vinícius Coelho, presidente da Comissão de Legislação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o que está em jogo são duas visões distintas de modelos de Constituição. “Alguns entendem que o texto constitucional deveria ser sintético, como o dos Estados Unidos, trabalhando apenas com questões que dizem respeito à organização dos poderes e os direitos e garantias fundamentais, como propõe Regis de Oliveira. Mas há uma segunda posição que entende que a Constituição deve ser analítica, como ocorre em geral na Europa – e no Brasil. Segundo essa concepção, o texto deve ir além da constituição sintética e tratar também da vida da sociedade como um todo: da comunicação social, da cultura, do meio ambiente, da proteção à família, do respeito aos direitos sociais”, diz, afirmando que a tradição da nossa realidade jurídica tem sido baseada nessa segunda visão desde 1934.
O deputado estadual Carlos Mosconi, que participou da subcomissão de saúde, seguridade e meio ambiente da Constituinte de 1988, também critica a proposta de enxugamento. “Hoje, questões como a saúde são encaradas de uma maneira, mas amanhã não sabemos como vai ser. Estando na Constituição, a garantia é muito maior”, diz. Para Marcus Vinícius, existe ainda uma outra questão: de acordo com ele, o fato de os direitos sociais estarem na Constituição faz com que esses temas permaneçam na agenda política do país: “Se forem retirados, corre-se o risco de que saiam dessa agenda”, alerta.
(Revista Poli – saúde,educação e trabalho, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio – Fiocruz - www.epsjv.fiocruz.br).
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