Informalidade e Mercado de Trabalho - raízes históricas


A informalidade de hoje é, em grande medida, o resultado de uma ação pública calamitosa
Mário Theodoro, Doutor em economia e consultor do Senado Federal
mario@irohin.org.br

Na nossa coluna da edição anterior, fizemos menção ao surgimento da informalidade brasileira como um produto de duas "não-respostas", ou duas omissões, digamos, históricas.

De um lado, a Abolição, sem a garantia de qualquer proteção por parte do Estado à população liberta, a que foi acrescida uma política de apoio à imigração européia, através da qual o Estado, além de financiar o translado dos europeus, oferecia-lhes ainda um conjunto apreciável de atrativos. A perspectiva que se ensejava era a da substituição da mão-de-obra escrava pela européia. Para tanto, como lembra Ronaldo Jorge Viera Júnior, o governo destinava aos imigrantes um punhado de benesses, tais como o pagamento de diárias até que lhe fossem dadas terras para o desenvolvimento de atividade econômica permanente, isenções fiscais como, p.ex., isenção dos impostos de ancoragem às embarcações que trouxessem mais de cem colonos brancos, de qualquer religião, sexo, procedência (1836), criação de legislação específica de proteção ao trabalho do imigrante - contratos de locação de serviços dos colonos, criação das Sociedades de Colonização que podiam intermediar a colocação da mão-de-obra do colono, entre outras.

Além disso, o Estado se responsabilizava pela imediata colocação - "logo que desembarcassem" - dos imigrantes no mercado de trabalho, seja no setor privado, seja em atividades da administração pública, e oferecia também isenção do serviço militar e a naturalização aos imigrantes que adquirissem terras no Brasil. Essa estratégia favoreceu sobremodo a instalação da mão-de-obra imigrante, ao mesmo tempo em que alijava os negros dos postos de trabalho nos setores mais dinâmicos.

De outro lado, a adoção da Lei de Terras, em 1850, foi uma espécie de golpe de misericórdia no projeto de inclusão e de equalização preconizado por alguns segmentos, sobretudo urbanos, daquela época. Ao ratificar a posse da terra aos antigos senhores, restituindo, na prática, o regime de sesmarias, o Estado alijava os trabalhadores de suas terras. Esses passavam então a serem ocupantes de terras alheias, e, como tal, não tinham direito de posse. Milhões de trabalhadores livres e libertos, sobretudo negros, passavam assim à condição de "sem terra".

É interessante nos reportarmos ao historiador José Murilo de Carvalho, que lembra as diferenças de nossa Abolição em face do que ocorreu nos EUA. Os negros americanos, ao final da escravatura, receberam terras; foram construídas mais de 4 mil escolas, além de uma Universidade para acolhê-los, sendo ainda incentivado seu alistamento eleitoral. No Brasil, na ausência de qualquer iniciativa de inclusão por parte do Estado, negros livres e libertos vão constituir uma massa de pobres, miseráveis jogados nas atividades informais, como única via de sobrevivência.

A conclusão é pacífica. Nosso Estado, não só não acolheu os negros, como ainda dificultou-lhes o acesso ao trabalho e à terra (que é também , em última análise, trabalho). A informalidade de hoje é, em grande medida, o resultado de uma ação pública calamitosa, de uma política que não vislumbrava o negro senão como um fardo, um empecilho ao progresso. Essa é, de uma forma bem sucinta, a raiz de nossa informalidade. Daquela época aos dias de hoje, houve grandes mudanças. A economia passou por alguns surtos modernizantes, mas a essência da reprodução da miséria e da desigualdade manteve-se praticamente a mesma. Voltaremos ao tema.


Nascido em Itamarandiba, na Zona da Mata Mineira, Itamar Mendes, 50, veio para Belo Horizonte há 25 anos. Concluiu somente a 3ª série primária e, atualmente, mora em uma república em Contagem, na Grande BH. "Já vendi avental, vassoura, rodo, vendia ovos carregando uma caixa na cabeça. Depois passei a vender ‘negocinhos’ do Paraguai, rádio, agulha, pilha. Por último, me encaixei vendendo pipoca e doces; coisinha simples todo mundo gosta. Ismar Mendes não contribui para a Previdência, nem mesmo com carnê de autônomo. Já trabalhou com carteira assinada, mas não sabe quanto já contribuiu. Afirmou que sente uma enorme vontade de se aposentar. "Há dez anos vendo doces, pago meu aluguel e vou vivendo até o dia em que eu puder me aposentar. Dizem que tem jeito de se aposentar por idade, mas ainda não me informei". (Daniela Giovana).

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