A redução da idade penal não é novidade no Brasil e evidencia a negligência do Estado diante dos problemas estruturais que afetam dramaticamente a juventude brasileira.
Hédio Silva Jr., 45, Advogado, Doutor em Direito pela PUC-SP, é Coordenador Executivo do CEERT – Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades. |
Dentre as propostas que visam reduzir a maioridade penal, destaca-se a PEC 151/95, em tramitação na Câmara dos Deputados, que pretende retirar da Constituição Federal a previsão de qualquer limite mínimo de idade para a responsabilização penal, transferindo a regulamentação da matéria para lei ordinária e liberando, literalmente, a redução da idade penal.
Argumenta o relator da proposta, Dep. Alberto Fraga (PMDB-DF), que no Brasil contemporâneo os adolescentes já teriam desenvolvido suficiente autonomia moral e capacidade de discernimento, de sorte que a suposta modernização legislativa configuraria uma decorrência natural da modernização da sociedade.
A tese da adaptação da lei a necessidades modernas não resiste, entretanto, à mais desatenta observação da história do direito penal brasileiro.
Com efeito, o direito penal lança raízes no Brasil com a publicação, em 1603, do Livro V das Ordenações Filipinas, cujo Título 135 fixava a idade de 17 anos para a imputabilidade penal.
Proclamada a Independência e promulgada a primeira Constituição brasileira, entra em vigor o Código Criminal do Império, em 1830, que reduziu o limite de idade para 14 anos.
Já o Código Penal republicano, de 1890, adotado dois anos depois da abolição formal do escravismo, e um ano antes da primeira Constituição da República, permitia a responsabilização criminal a partir dos 9 anos.
Assim é que durante quatro décadas vigeu no Brasil a regra da imputabilidade penal aos 9 anos, revogada apenas em 1932, com a aprovação da Consolidação das Leis Penais, que elevou o limite mínimo para 14 anos.
Finalmente, com a reforma penal empreendida pelo Estado Novo, foi aprovado o Código de 1940, ainda em vigor, fixando a capacidade penal aos 18 anos, norma esta alçada ao nível constitucional, conforme disposto no art. 228 da Constituição vigente.
Temos, pois, que a redução da idade penal nada tem de novidade, constituindo, na essência, um critério de política criminal que apenas atesta a negligência do Estado em face dos problemas estruturais de educação e de integração social e econômica da juventude brasileira. Ademais, admitindo-se o duvidoso raciocínio evolucionista delineado na defesa da referida PEC, não tardará o dia em que, em nome do combate à criminalidade, o Congresso Nacional termine aprovando uma lei que prescreva a esterilização compulsória das mulheres negras e pobres, cujos filhos, como se sabe, são tratados com especial atenção por setores dos órgãos de segurança pública e do sistema penal.
Aqui está, a propósito, um exemplo sinistro de ação afirmativa, de inclusão racial promovida pelo Estado – a inclusão penal.
Não fosse o bastante, a PEC em exame prevê que a imputabilidade será definida de acordo com aspectos psicossociais do acusado, aferidos em laudo emitido por junta de saúde, ou seja, o critério etário, legal, objetivo, dará lugar a um critério subjetivo: uma junta de saúde dirá se tal ou qual indivíduo agiu tendo ou não discernimento da ilicitude de seu ato.
O problema, como todos sabemos, é que a diplomação em psicologia, medicina, serviço social ou direito, não isenta os diplomados dos efeitos dos estereótipos e dos preconceitos construídos, reproduzidos e disseminados socialmente, como demonstram, por exemplo, pesquisas desenvolvidas pelo Núcleo de Estudos da Violência, da Universidade de São Paulo, segundo as quais a Justiça Criminal de São Paulo dispensa tratamento mais rigoroso aos acusados negros em relação aos brancos, ainda quando ambos tenham praticado delitos similares.
Dúvida não pode haver, portanto, de que a PEC em exame não apenas deixa intactos os problemas centrais da política de segurança pública, como também permite a legitimação da velha e sempre presente noção lombrosiana de criminoso nato, defendida nos trópicos por Nina Rodrigues, nome com o qual ainda hoje se identifica o Instituto Médico Legal da Bahia. Resta saber se o Movimento Negro, os operadores do direito e os juristas democratas permanecerão passivos diante de mais esta afronta à cidadania e ao Estado Democrático de Direito.
Argumenta o relator da proposta, Dep. Alberto Fraga (PMDB-DF), que no Brasil contemporâneo os adolescentes já teriam desenvolvido suficiente autonomia moral e capacidade de discernimento, de sorte que a suposta modernização legislativa configuraria uma decorrência natural da modernização da sociedade.
A tese da adaptação da lei a necessidades modernas não resiste, entretanto, à mais desatenta observação da história do direito penal brasileiro.
Com efeito, o direito penal lança raízes no Brasil com a publicação, em 1603, do Livro V das Ordenações Filipinas, cujo Título 135 fixava a idade de 17 anos para a imputabilidade penal.
Proclamada a Independência e promulgada a primeira Constituição brasileira, entra em vigor o Código Criminal do Império, em 1830, que reduziu o limite de idade para 14 anos.
Já o Código Penal republicano, de 1890, adotado dois anos depois da abolição formal do escravismo, e um ano antes da primeira Constituição da República, permitia a responsabilização criminal a partir dos 9 anos.
Assim é que durante quatro décadas vigeu no Brasil a regra da imputabilidade penal aos 9 anos, revogada apenas em 1932, com a aprovação da Consolidação das Leis Penais, que elevou o limite mínimo para 14 anos.
Finalmente, com a reforma penal empreendida pelo Estado Novo, foi aprovado o Código de 1940, ainda em vigor, fixando a capacidade penal aos 18 anos, norma esta alçada ao nível constitucional, conforme disposto no art. 228 da Constituição vigente.
Temos, pois, que a redução da idade penal nada tem de novidade, constituindo, na essência, um critério de política criminal que apenas atesta a negligência do Estado em face dos problemas estruturais de educação e de integração social e econômica da juventude brasileira. Ademais, admitindo-se o duvidoso raciocínio evolucionista delineado na defesa da referida PEC, não tardará o dia em que, em nome do combate à criminalidade, o Congresso Nacional termine aprovando uma lei que prescreva a esterilização compulsória das mulheres negras e pobres, cujos filhos, como se sabe, são tratados com especial atenção por setores dos órgãos de segurança pública e do sistema penal.
Aqui está, a propósito, um exemplo sinistro de ação afirmativa, de inclusão racial promovida pelo Estado – a inclusão penal.
Não fosse o bastante, a PEC em exame prevê que a imputabilidade será definida de acordo com aspectos psicossociais do acusado, aferidos em laudo emitido por junta de saúde, ou seja, o critério etário, legal, objetivo, dará lugar a um critério subjetivo: uma junta de saúde dirá se tal ou qual indivíduo agiu tendo ou não discernimento da ilicitude de seu ato.
O problema, como todos sabemos, é que a diplomação em psicologia, medicina, serviço social ou direito, não isenta os diplomados dos efeitos dos estereótipos e dos preconceitos construídos, reproduzidos e disseminados socialmente, como demonstram, por exemplo, pesquisas desenvolvidas pelo Núcleo de Estudos da Violência, da Universidade de São Paulo, segundo as quais a Justiça Criminal de São Paulo dispensa tratamento mais rigoroso aos acusados negros em relação aos brancos, ainda quando ambos tenham praticado delitos similares.
Dúvida não pode haver, portanto, de que a PEC em exame não apenas deixa intactos os problemas centrais da política de segurança pública, como também permite a legitimação da velha e sempre presente noção lombrosiana de criminoso nato, defendida nos trópicos por Nina Rodrigues, nome com o qual ainda hoje se identifica o Instituto Médico Legal da Bahia. Resta saber se o Movimento Negro, os operadores do direito e os juristas democratas permanecerão passivos diante de mais esta afronta à cidadania e ao Estado Democrático de Direito.
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