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Escrito por Claudionor Mendonça dos Santos | |
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Vincula-se, indevidamente, processo penal como instrumento de repressão, de grilhões. Estabelece-se liame entre processo penal e cadeia.
Urge, assim, que se dissipe tal distorção. A exemplo da teologia, o processo penal é, na realidade, instrumento de libertação. Ao fixar regras cogentes, o processo penal limita a atividade persecutória do Estado, estabelecendo seu círculo de atuação, seja no que se refere às pessoas ou no que diz respeito ao procedimento adequado para a concretização e imposição da sanção. Nada além.
Recentemente, ocorreram mudanças na legislação processual penal, com alterações pontuais no vetusto e ultrapassado Código de Processo Penal, gerado no ventre de uma ditadura civil que, obviamente, não se diferencia de outras ditaduras. Ditadura é sempre igual, seja fardada ou não.
Os capítulos das provas, júri e procedimento passaram por radicais mudanças, tendo em vista a necessária celeridade, em cumprimento à cláusula pétrea estabelecida na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LXXVIII, que exige razoabilidade na duração do processo com os meios que garantam a sua tramitação.
Sombreando a ciência processual, tal qual um fantasma assustador, assume forma um perigoso movimento, criando, frente ao Estado, um inimigo. Este antagonista – chamado de inimigo –, por ter afrontado as normas penais, deverá ser despojado de seus direitos e enfrentar o aparato estatal sem que se lhe sejam asseguradas as garantias básicas criadas pelo próprio Estado. Priva-se, assim, o ser humano da condição de pessoa, esquecendo-se de que o poder estatal sempre discriminou os infratores, conferindo tratamento punitivo baseado na condição econômica e social.
Porém, necessário lembrar-se de que, no Estado Democrático de Direito brasileiro, tem-se como fundamentos a soberania, a cidadania e a dignidade da pessoa humana, dentre outros. Dessa forma, a simples existência de direitos fundamentais, alijada de sua garantia, constitui-se em mero enunciado.
O processo penal não pode ignorar princípios constitucionais, buscando soluções rápidas, desprezando a condição de pessoa, cidadão, princípios sedimentados há séculos e positivados na Carta Magna.
Política de extermínio levada a cabo por organismos estatais encorajada pela mídia e tolerada por outros setores estatais não levará à sonhada paz almejada por todos. Ao contrário, fomentará o medo, a chamada paz de cemitério. A brutal concentração da mídia evidencia a mensagem de morte divulgada em horário nobre, legitimando ações criminosas com a aplicação da pena de morte, sem prévio julgamento e que se abate sobre a camada desfavorecida da sociedade, numa média de 2,67 mortes por dia.
Conciliar segurança com respeito às regras mínimas asseguradas aos membros da comunidade será a meta a ser obtida pelos agentes estatais que encerram a década trazendo em seu bojo a eliminação de quase 10 mil pessoas, a maioria habitantes das favelas, verdadeiro genocídio, situação absolutamente incompatível com uma sociedade que almeja inserir-se num mundo dito civilizado.
A falta de políticas públicas aliada à escassez de recursos para investimento no aparato estatal gera inconformismo da sociedade, refém da violência, e que, tangida pela mídia, busca solução imediatista, autorizando o exercício do poder punitivo do Estado, enquanto resquício do Estado Policial, fora dos preceitos constitucionais.
A tarefa dos sujeitos que atuam na área criminal é penosa, especialmente diante do discurso hipócrita daqueles que apregoam a abolição do Estado de Direito, na crença de que atingirão a paz. Paz, mas de cemitério, onde se enterram os mais desfavorecidos porque apenas sobre eles a mão do Estado Policial se estenderá, inicialmente.
Claudionor Mendonça dos Santos é Promotor de Justiça e associado do Movimento Ministério Público Democrático.
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