Um blog para discussão de temas pertinentes a Cena do Hip Hop em toda a sua abrangência como forma de Cultura e instrumento de luta e afirmação.
O Duo 6emeia
Com os bueiros pintados propomos um novo tipo de linguagem entre arte/cidade e arte/pessoas. Colocando a arte a serviço e alcance de todos. Mostrando que até o mais esquecido e indiferente objeto, se olhado com cuidado pode exalar arte. Os bueiros já pintados pelo 6emeia são como gotas coloridas em um imenso balde cinza. O trabalho é bem recebido por moradores e transeuntes dos locais onde são pintados. Afirmando dessa maneira que a arte não necessita necessariamente estar vinculada ou pendura em paredes de galerias ou museus.
Em uma cidade tensa, confusa e mergulhada em cores como o cinza e bege, o duo 6emeia destoa da paisagem com sua paleta de cores, levando vida e bom humor a todos.
Depois de um ano e meio pintando bueiros em bairros da região central como Barra Funda, Bom Retiro, Santa Cecília, Higienópolis, Pacaembu e Campo Limpo da zona sul da cidade, o duo 6emeia é chamado para expor as fotos que são feitas a cada fim de trabalho no Clube Berlin parte integrante do “circuito-rock-indie.
A exposição que inicialmente estava programada só para o mês de agosto é estendida para o mês seguinte, setembro, devido à grande repercussão principalmente internacional que o duo 6emeia alcança, sendo destaque no Wooster Collective, matéria no Fotolog, no jornal italiano La Repubblica, no irlandês Metro de Dublin e na revista francesa Shoes Up, entre tantos outros. E na mídia brasileira em sites e jornais como UOL, Veja, Folha de São Paulo, Globo e na rede televisiva com matérias para a TV Gazeta, Amaury Jr. e Multishow.
Ganhando notoriedade, o duo 6emeia é convidado a participar da exposição Toy Art Chysler, da fabricante de carros Chysler, onde foi customizado uma réplica em miniatura do carro PT CRUISER, lançamento então em terras brasileiras.
Depois da bem sucedida participação, foi convidado pela RN Construtora e Incorporadora a pintar todos os 63 metros que cercavam a futura construção do mais novo prédio a ser lançado. Desde então o duo 6emeia continua pintando os bueiros da Barra Funda, fazendo assim acontecer espontaneamente, um fervor em cima das ruas do bairro, atraindo admiradores e curiosos em conhecer a intervenção urbana. O mais novo ponto turístico inusitado da cidade.
Duo 6emeia reflete com humor bueiros de São Paulo
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Por Beth Ferreira | |
Tags: Artes , 6emeia , graffiti , arte urbana
Os grafiteiros Anderson Augusto (o SÃO) e Leonardo Delafuente (Delafuente) formaram o projeto 6emeia e criaram uma nova forma de interferir no espaço urbano. Eles fazem grafites em bueiros, mostrando uma nova visão bem humorada para o buraco que leva a sujeira das ruas para o esgoto da cidade.
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Problemas na escola vêm de casa
Estudo revela que os tipos de problemas apresentados na escola pelas crianças estão diretamente ligados à dinâmica familiar
Livia Valim
Ambientes familiares pouco equilibrados prejudicam o comportamento das crianças fora de casa. Mas um recente estudo da Universidade de Rochester, em Nova York, procurou explicar como são estes efeitos. Os pesquisadores dividiram as famílias infelizes em dois grupos: de um lado, ficam as famílias frias e controladoras e, de outro, aquelas conflituosas e intrometidas.
"A Grande Família" retrata confiança e respeito: modelo de família coesa
Nos três primeiros anos de escola, as crianças que convivem com o primeiro grupo – as famílias frias – têm cada vez mais problemas, que vão de comportamentos agressivos a depressão e alienação. Já o segundo grupo – famílias intrometidas – causa ansiedade e afastamento nos pequenos. “Famílias podem servir de apoio para crianças que entram na escola – ou podem ser fontes de estresse, distração e comportamentos inadequados,” declarou Melissa Sturge-Apple, coordenadora da pesquisa e professora-assistente de psicologia da Universidade de Rochester, ao site da instituição.
Com duração de três anos, o estudo examinou padrões em 234 lares que tinham filhos de 6 anos de idade e identificou três perfis de famílias: uma feliz (chamada de coesa) e duas infelizes (classificadas em não-comprometidas ou entrosadas).
Dá para reconhecer as coesas por suas relações harmoniosas, calor emocional e papéis firmes, porém flexíveis, para pais e crianças. Um exemplo deste tipo de relação é a família de Lineu e Nenê no seriado “A Grande Família”. Apesar dos problemas, eles estão sempre prontos para ajudar os filhos e têm muito amor e respeito um pelo outro.
Famílias disfuncionais
Marta é assombrada pela filha em "Páginas da Vida": mãe controladora e fria é característica da família não-comprometida, que leva crianças à agressividade
Uma família entrosada pode estar envolvida emocionalmente e demonstrar carinho, mas também apresentar níveis altos de hostilidade, intromissão destrutiva e pouca percepção da família como um time. O filme “A Sogra”, com Jane Fonda e Jennifer Lopez, mostra uma mãe que ama o filho e se sente no direito de atrapalhar seu noivado para não perdê-lo – esta é uma família entrosada. Durante o estudo, os filhos vindos deste tipo de família entraram na escola com comportamentos parecidos aos de famílias coesas, mas com o tempo passaram a apresentar níveis altos de ansiedade e sensação de solidão e alienação.
Já as famílias não-comprometidas são marcadas por relacionamentos frios, controladores e distantes. Um caso que ilustra este tipo de família é o de Marta (Lília Cabral), a fria mãe de Nanda na novela “Páginas da Vida” (2006). Ela desaprovou a gravidez da filha e rejeitou a neta com síndrome de Down. Crianças vindas destes tipos de família começam a vida escolar com níveis altos de agressividade e maior dificuldade para aprender e cooperar com as regras da classe – e este comportamento destrutivo cresce à medida em que as crianças avançam na escola. “Frieza geralmente gera depressão, que pode ser externada com agressividade. É como se a criança estivesse se vingando dos pais através da escola”, explica a psicopedagoga Maria Irene Maluf.
Trabalhar em equipe
Para chegar a estas conclusões, os psicólogos analisaram como os pais se relacionavam entre si, notando se havia agressividade e distanciamento, e observando suas habilidades de trabalhar como uma equipe na presença da criança. Os cientistas decodificaram a disponibilidade emocional dos pais em relação aos filhos, se ele ou ela elogiava e aprovava ou simplesmente ignorava os pequenos durante atividades compartilhadas. Os observadores também perceberam como a criança se dirigia ao pai e à mãe, notando se as tentativas de se aproximar deles eram breves e superficiais ou sustentadas e entusiasmadas.
Os autores do estudo enfatizam que outros fatores, além de família desestruturada, podem levar a comportamentos problemáticos na escola. Vizinhanças violentas, escolas despreparadas e traços genéticos também determinam se as crianças terão ou não dificuldades no aprendizado.
Resistência no discurso de rappers de BH exalta valores como solidariedade, revela monografia da Comunicação
Como os discursos de resistência se materializam em versos, rimas e gestos nos duelos de MCs de todas as sextas-feiras debaixo do Viaduto Santa Tereza, em Belo Horizonte? Foi munida dessa pergunta central que Carolina Abreu Albuquerque chegou pela primeira vez, no dia 12 de março, à arena que abriga as já famosas batalhas dos rappers da capital mineira. Ela iniciava ali a pesquisa de campo para a monografia que fechou sua habilitação em jornalismo no curso de Comunicação. Três meses depois, Carolina tinha encontrado diversas respostas. “Eles exaltam a marginalidade, mas em sentido diferente daquele do discurso hegemônico, e valores que guiam em geral os movimentos sociais, como a solidariedade”, ela resume.
Carolina destaca que, se a atuação do movimento hip hop, nos anos 1980 e 90, esteve ligada, entre outras bandeiras, à valorização da cultura negra e da periferia e à reivindicação da cidadania, ele dá sinais claros de renovação, incorporando outras lutas dos movimentos sociais e dialogando com a indústria cultural. “O movimento sai da periferia e ocupa o centro, trazendo a classe média para dentro de suas ações. E recorre a novas abordagens em relação ao poder público”, afirma a jornalista no trabalho Debaixo do viaduto – Performances da resistência no duelo de MCs. Neófita no que se refere ao rap – “meu conhecimento se resumia a um disco do Gabriel, O Pensador que estourou nas paradas quanto tinha nove anos”, ela conta –, Carolina escolheu seu tema a partir de interesses teóricos. Para iniciar sua pesquisa, ela precisou aprender que as batalhas de MCs são comuns desde os guetos nova-iorquinos, berço do rap, e invadiram o espaço urbano brasileiro. As batalhas lembram o repente nordestino, com provocações e respostas improvisadas e calcadas no recurso da rima. O Duelo de MCs, que existe desde 2007, é promovido pelo coletivo Família de Rua. Observação participante Segundo ela, a interrupção revelou aspectos atuais da postura política do movimento hip hop, que atua na legalidade e com base na negociação. Carolina ressalta que o coletivo encaminha suas questões com o poder público recorrendo a argumentos. “Além disso, chama a atenção a forma como eles desenvolvem suas ações políticas e, articulação a outros movimentos sociais, como os que defendem as mulheres ou condenam a violência”, ela explica. ‘Heróis dos vagabundos’ O outro gênero de duelo é chamado “de conhecimento”. Sob inspiração de palavras-chaves, os versos giram em torno de temas como meio ambiente. O movimento hip hop ganha então o primeiro plano, e seus membros defendem ideias mais amplas. “As duas posturas não são conflitantes, convivem no imaginário do hip hop. A noção de resistência se alarga”, define Carolina Albuquerque. Sem perder o discurso contracultural, o movimento logra novas conquistas, como influir positivamente no espaço urbano. “A ida da Família de Rua para o Viaduto Santa Tereza (os duelos eram realizados originalmente na Praça da Estação) provocou mudanças no local, que hoje é habitável e não inspira insegurança nos passantes e frequentadores”, comemora a jornalista recém-formada, que confirmou o gosto pela pesquisa e se prepara para tentar em breve o mestrado.
Carolina Albuquerque tomou emprestada da etnografia a posição de observadora participante: frequentava os eventos todas as sextas-feiras como espectadora comum e mantinha conversas espontâneas. Assistia desde os primeiros rounds envolvendo oito MCs, dois a dois, passando pelas rodas de break e poesia urbana no intervalo até chegar aos duelos finais. Um episódio de briga que provocou a interrupção do evento por cinco semanas acabou servindo para enriquecer a pesquisa. “Aquilo incrementou a campanha pela paz que tem marcado o movimento, reforçando reivindicações antigas do grupo. Na volta dos duelos, eles conseguiram não só apoio de policiamento, mas também banheiros químicos e iluminação”, conta a pesquisadora.
Para efeito de análise, Carolina dividiu as batalhas em dois tipos. Nos duelos tradicionais, os oponentes incorporam personagens, com o objetivo de destruir um ao outro com violência simbólica, que respeita regras como não usar palavrões. Nesse contexto, segundo ela, manifesta-se a resistência individual. “São as batalhas de afirmação como MCs, quando eles se classificam como ‘heróis dos vagabundos’. O hip hop como expressão da periferia aparece como pano de fundo”, Carolina explica.
Dançarinos de rua e poetas se apresentam nos intervalos
Mundano transforma tintas em arte e crítica social
Se você avistar graffitis de rostos, com olhos arregalados, expressões sérias e frases de protesto pelas ruas de São Paulo, pode ter certeza que Mundano passou por alí…
Mundano é o grafiteiro que mais vem se destacando com a sua arte, que mistura protesto com crítica social.
Mundano, que segundo o próprio artista afirma: é o trabalhador que pega mais de 2 horas de ônibus no trânsito pra ir e pra voltar do trabalho diariamente. Mundano é a moça que assiste à novela anestesiada. Mundano é o gari que tenta limpar uma cidade que está emporcalhada de corrupção. Mundano é a madame que gasta em apenas uma bolsa, o equivalente a renda mensal de 10 famílias mundanas. Mundano é o carroceiro que trabalha honestamente reciclando o lixo que o cidadão Mundano que buzinou pra ele produziu. Mundano é a criança que cresce numa cidade monstruosa como São Paulo onde os verdadeiros valores estão desaparecendo. O ser Mundano é a voz de um povo calado.
O Portal RAP NACIONAL traz uma entrevista exclusiva com esse grande talento das ruas, confira:
Portal RAP NACIONAL- Como aconteceu seu primeiro contato com o grafite?
Mundano- Desde pivete eu observo muito a cidade e sempre curti coisas exóticas que destoam da paisagem cinzenta e pálida de São Paulo. Sendo assim, conhecer o graffiti foi algo natural, mas antes de começar no barato eu fiz muito pixo por ai. Eu não conhecia ninguém que fazia graffiti, então a coisa nasceu dentro de mim por necessidade de compartilhar na rua minhas idéias e de bater de frente com o que eu acreditava estar errado. E como tem coisa errada por ai.
P.R.N-Nesses anos todos que você grafita nas ruas de São Paulo, você já sofreu alguma retaliação policial?
Mundano-Já fui parado por viaturas incontáveis vezes, mas na maioria dos enquadros meus argumentos por estar pintando, mesmo que ilegal, convenceu os policiais de que o graffiti é necessário em uma cidade caótica como São Paulo. Tem tanta coisa pior para polícia combater que perder o tempo repreendendo artistas de rua chega a ser ridículo. Claro, que tem vezes que não tem conversa depende do que você está pintando, do humor do policial, de quem fez a denúncia e também de sorte. Em duas ocasiões eu assinei crime ambiental por estar dedicando meu tempo, minhas tintas em muros cinzas de São Paulo. O primeiro processo, que foi julgado em 2007, foi quando me pegaram pintando pela 13ª vez o mesmo pico em frente da Assembléia Legislativa de São Paulo, pois nos meus graffitis eu questionava diversas problemas da cidade em cerca de 48 horas já estava tudo cinza novamente. A outra foi pitando os tapumes cinzas da reforma do Teatro Municipal, que na minha opinião deveriam estar pintados desde que começou a reforma. O mais engraçado e contraditório é que fui convidado pela Virada Cultural para pintar os mesmos tapumes do Teatro Municipal que três meses antes sete viaturas me enquadraram e me levaram pro 3° DP.
P.R.N- Você esta desenvolvendo um trabalho social junto com os catadores de lixo de São Paulo, explique como funciona esse projeto?
Mundano- O projeto questiona a marginalização desse trabalho que é tão importante para todos, mas que a grande maioria da população tem preconceito e desrespeita a categoria. É revoltante ver motoristas buzinando e xingando os carroceiros como se fossem criminosos e moradores de rua, e é isso que o projeto procura mudar através de frases de questionamento pintadas nas carroças. É uma espécie de graffiti ambulante que usa a própria ferramenta de trabalho dos carroceiros para transmitir mensagens criadas durante longas conversas que tive com os mesmos. Mergulhei nesse universo e hoje enxergo a cidade com outros olhos. Os catadores fazem o que a prefeitura deveria fazer e não faz, pois são cerca de 20.000 catadores que coletam cerca de 80% dos resíduos desatinados à reciclagem em São Paulo. É muita gente vivendo do resto do consumo de outras pessoas e foi isso que, mais me chamou a atenção. Como estou sempre pintando na rua o meu contato com eles é inevitável e o projeto já conta com 86 carroças que estão, nesse momento, circulando nas ruas e avenidas com diversas frases de impacto. Sei que podemos fazer muito mais socialmente pela categoria, mas a primeira delas é respeitar os trabalhadores e valorizar a atividade.
P.R.N- Mundano você é um grafiteiro diferenciado que usa a arte como uma forma de critica social, quando que surgiu essa iniciativa no seu trabalho?
Mundano- Surgiu de observar as pessoas interagindo com os graffitis na rua, percebi que podemos ir muito mais além do graffiti feito apenas por EGO, que infelizmente é o que tem por ai nas ruas. O graffiti por ser ilegal é uma arte livre, e por estar na rua ao alcance de todos é democrático. Isso me fez pensar que eu devesse pintar coisas que eu acreditava e que muitas vezes são encobertas na imprensa. Com um novo olhar sobre a importância do graffite, comecei a escrever frases de questionamento em relação aos problemas da cidade e a ter um retorno de pessoas que realmente liam, refletiam e interagiam sobre minhas mensagens. Um exemplo recente é o vídeo clipe da música Multicultural do Pentágono http://vimeo.com/8069084 que inseriu vários graffites meus para ilustrar a mensagem da música.
P.R.N- Qual a principal mensagem que você quer passar?
Mundano- Para resumir meus questionamentos em um só, acho que seria o fato de sermos muitos individualistas. Precisamos pensar e agir coletivamente.
P.R.N- Seu trabalho já foi reconhecido internacionalmente você passou um mês em Nova Iorque, participou de uma exposição. Como foi essa experiência?
Mundano- Foi uma experiência nova e ao mesmo tempo uma oportunidade de conhecer de perto a cultura de uma cidade monstruosa. Fiquei impressionado com o acervo dos museus, com a funcionalidade do transporte público, mas o que mais chocou foi o consumismo desenfreado que eles têm lá. Isso me inspirou a criar uma instalação com um carroceiro que construi utilizando os materiais encontrados na rua. O conceito era que os norte-americanos deveriam reciclar essa idéia de consumo exagerado e nem um pouco sustentável, e o resultado da instalação e da exposição me deixou satisfeito e com vontade de levar minha arte a mais e mais lugares. E por meu negócio ser mesmo pintar na rua e Nova Iorque ser o berço do graffiti, é claro que eu tive que levar essa mesma mensagem para as ruas, que é realmente onde o povo está.
Clique aqui e veja centenas de fotos.
P.R.N- O grafitte, a arte assim como o rap resgatam muitas vezes jovens das periferias, da criminalidade , o que poderia ser feito na sua opinião para expandir mais o grafitte entre os jovens, em escolas públicas, bairros carentes não só de são Paulo mas do Brasil?
Mundano- Certo, primeiro precisamos separar o graffiti original que é o ilegal feito na rua, do “graffiti art” que é autorizado e pode ser visto como muralismo. Portanto se o jovem fizer o graffiti de verdade ele continuará na criminalidade, pois a constituição brasileira enxerga isso como um crime ambiental para o patrimônio público e privado. Agora se ele seguir o caminho da produção de murais ele pode realmente ter um futuro muito melhor do que ele tinha na criminalidade, pois ele pode fazer trabalhos comerciais e viver disso. Acho que deveria ser inserido nas escolas públicas um curso de artes bem estruturado, para dar a oportunidade para todos jovens brasileiros entenderem o universo das artes e os que gostarem e tiverem determinação poderem seguir isso em suas vidas. Além do curso acho que as pessoas precisam dar mais valor a arte no Brasil e o governo precisa estimular e dar mais reconhecimento aos artistas, pois é lamentável pensar que incontáveis jovens artistas com muito talento da periferia já tiveram que largar a arte por falta de apoio e entraram na vida do crime que é o caminho mais fácil.
P.R.N -Você recentemente pintou uma releitura da bandeira do Brasil, gravou um vídeo com a trilha sonora de uma música do Sabotage, como nasceu esse projeto?
Mundano- Recebi um convite do Rodrigo Piza, um amigo que estava gravando um documentário na ocupação, para pintar o local. Ele disse que o pico estava bem degradado e que estava precisando de um graffiti meu bem colorido. Aceitei na hora e sem ter nada planejado fomos pra ocupação. Conheci o local, os moradores e as lideranças do movimento que liberaram as paredes do fundão para eu pintar e aí então o Piza resolveu gravar. Editamos o material e o vídeo circulou na internet e assim as pessoas tomaram conhecimento da ação, mas a real é que eu e outros grafiteiros fazemos ações como essa sempre e às vezes nem registramos nada. Pintamos apenas com o intuito de mexer com o cotidiano das pessoas que vão interagir com o trabalho.
P.R.N- A escolha da Música “Cabeça de Nego” do Sabotage que é um grande ídolo do Rap Nacional, mostra que o Mundano também gosta de rap? O que você escuta?
Mundano- Claro que gosto, rap e graffiti é lado a lado. Eu sempre morei no Brooklin, e por isso o Sabotage sempre foi uma referência forte para mim. Eu lembro que entre 1998 e 2002 eu era fanático por Rap e ficava horas e horas escutando meus CDs e também estava sempre ligado no Espaço Rap da 105FM. Agora eu continuo ligado no movimento, mas com menos intensidade devido à correria e as responsabilidades que consomem meu tempo. Além do Sabotage eu curto muito Racionais, Facção Central, 509-E, Contra Fluxo, Gog, MV Bill, Faces da Morte, entre outros. A cena de Rap Nacional, assim como o graffiti, está crescendo, evoluindo, mas ao mesmo tempo acho que está se perdendo. Em minha opinião, o rap nacional do bom será sempre aquele que com uma pegada original relate o cotidiano das pessoas, despertando na mente dos ouvintes a reflexão para questões importantes desse contexto. E não como boa parte do rap norte-americano que a maioria das rimas giram em torno de mulheres, carros de luxo e vadiagem.
P.R.N- Qual a mensagem que você deixa para as crianças que gostam de graffiti e que tem você como um exemplo…
Mundano- Quando eu estou pintando de quebrada sempre junta uma molecada interessada e fica falando ” Ae tio, me descola um Spray pra eu pixa também”, aí eu digo que não é assim, que para sair pintando por aí tem que antes desenhar bastante com caneta e entender como funcionam as coisas na rua. Graffiti envolve riscos e a tinta no Brasil é muito cara, por isso que as famílias normalmente são contra. Eu falo também que Graffiti é como qualquer outra atividade, ou seja, para ser bem sucedido é necessário gostar muito do que faz, estudar e ser bastante determinado.
Obrigado Paula, Mandrake e todos do portal Rap Nacional pela oportunidade de mostrar um pouco mais sobre o meu trabalho.
Aproveito pra deixar meu e-mail pra quem quiser dar um salve, e o meu site pra quem quiser ver mais trabalhos mundanos.
artetude@gmail.com e http://www.flickr.com/artetude
Entrevista : Paula Farias
Assistência Social e Conselho Tutelar - Atribuições e Desafios
Foto: Camila de Souza | |
Tereza: Raiz, consciência e realidade
Não sou conhecedora do movimento hip-hop, contudo procuro dar ao meu olhar o mesmo ar de curiosidade com que as crianças olham as coisas a sua volta, procuro manter meu copo d'água sempre pela metade e não me furto às oportunidades de poder completá-lo com novos conhecimentos, mesclando assim as minhas coisas com as coisas do mundo. Li o livro Hip Hop a Lápis há algum tempo e quando acabei de lê-lo fiquei muito a fim de falar a respeito. Falei. Daí o convite e a oportunidade para estas linhas.
Quando o convite chegou fiquei me perguntando: "vou falar de que, vou falar o que, já não sou critica literária?". Nesse dilúvio de questionamentos, resolvi falar dos vários paralelos entre o livro e eu.Vivi a contradição de ser negra e filha da classe media campineira, o que para muitos era “difícil” a mim nuca paralisou ou me deslumbrou, na minha cabeça ter oportunidade de ter podido estudar e adquirir um pouco de conhecimento só teria serventia se isso pudesse ser compartilhado, se pudesse, de alguma forma, contribuir, se não com o macro mundo, com o micro mundo dali de onde eu vivia, sendo assim, sempre entrei e sai da favela, seja para dar aula de evangelização para a molecada da igreja, seja para tomar uma "breja" com os pseudomarginais da época, que hoje ou estão presos ou já foram colher as margaridas do reino do senhor.
Nos últimos anos tive algumas oportunidades de trabalhar na periferia de São Paulo através da Comunidade Solidária e num projeto do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) voltado para profissionalização de jovens afrodescendentes em Sorocaba. Na verdade, eles nem eram tão jovens assim. A diferença entre nós era que eu havia tido melhores oportunidades, o que fazia de mim não melhor que eles e sim agente de, quem sabe, alguma transformação, acima de tudo da minha, pois aprendi com eles sobre consciência negra, discriminação, preconceito, violência, enfim uma infinidade de assuntos que, na prática nunca vivi, que aprendi na descrição dos livros. Escutando a molecada, vendo de perto as condições em que eles vivem, tive a certeza de que livros e vida real, na grande maioria das vezes, são coisas que nada têm nada em comum.
As lacunas proporcionadas pelo sistema não nos permitem perceber os caminhos a serem trilhados para diminuir as diferenças sociais. Passei a ver o que é estar ali, o que significa ver a "fita" de perto e assim ter melhores condições de poder falar das necessidades e também dar soluções para um cotidiano tão complexo como é o da periferia, principalmente dos jovens que vivem lá. Aprendi que usar a teoria e os livros para falar de violência, desemprego, racismo, preconceito, educação, acaba transformando, num amontoado de gráficos e estatísticas, necessidades que estão na ordem do dia.
O movimento hip-hop tem força, função social e traz pra si a responsabilidade de tratar com consciência, através da cultura e da arte, assuntos como juventude, violência e inclusão social. Se não entendermos porque as coisas estão acontecendo, será cada vez mais difícil sermos agentes dessa tal transformação da sociedade, que poderia acontecer com maior facilidade através do incentivo à cultura. Contudo, a falta dessa visão acaba nos colocando tão à margem das soluções como os jovens à margem da sociedade.
O livro mostra de maneira muito clara o quanto a arte pode ser usada para ensinar e conscientizar, de uma forma lúdica, através da criatividade e das infinitas possibilidades que ela apresenta, e dessa maneira conseguiríamos avançar nas tentativas de diminuir as diferenças sociais e principalmente a violência. O entendimento do dia a dia, das aspirações, sonhos e desejos desses jovens é que vai nos aproximar deles. Na minha opinião a melhor forma de se descobrir isso é através das manifestações dos próprios jovens na música, dança, grafite, poesia ou em qualquer outro tipo de manifestação que venha deles.
Já ouvi muitos os Racionais. Lembro de alguém falar que as letras eram pesadas, mas ouvia também a seguinte resposta: "Elas são o retrato da realidade logo ali, no quarteirão de baixo”. Não esqueci. Talvez venha daí minha tomada de consciência e as tentavas, eu sei que por vezes pequenas, as quais tenho me lançado na tentativa de que os quarteirões não sejam coloridos só pela metade, sem tons de cinza no contraponto.
Teresa
Talita: Realidade carcerária, revolta e repressão
A comunidade carcerária é sem dúvidas, uma das populações mais oprimidas, discriminadas, humilhadas e violadas em seus direitos.
Considero o cárcere por si só uma séria violação de condição humana. É impossível almejar algo bom prendendo e excluindo o ser humano.
O cárcere é a vingança do Estado contra os pobres. Contra as pessoas que não se aliam aos seus mecanismos de opressão.
A comunidade carcerária, além do veneno de estar excluída, convive diariamente com as covardias ilegais praticadas por funcionários do Estado (agentes penitenciários, policiais...) que descontam ali seu ódio do povo.
Torturas, humilhações, superlotação, ociosidade, isolamento, castigo, morosidade judiciária, condições precárias de higiene, péssima alimentação, falta de assistência médica e odontológica, doenças, violação de pertences pessoais, etc... são aracterísticas do cotidiano prisional. E isso só gera muito ódio e muita revolta.
Qualquer grupo discriminado/oprimido só consegue ter seus direitos ouvidos e respeitados com sua união e luta.
Assim foi com o movimento de mulheres, com o movimento negro, com o movimento homossexual... E assim foi também com a comunidade carcerária.
A criação de uma organização específica dentre um grupo oprimido é uma reação natural para responder à ação de seus opressores.
Assim, não é estranho saber que existem organizações articuladas dentro das prisões.
(Quem melhor pode saber de suas urgências do que a própria pessoa que sente a desgraça na pele?)
Aqui em São Paulo, os dias 12,13,14 e 15 de maio de 2006 foram totalmente voltados aos acontecimentos exaustivamente explorados (assassinatos,ações,rebeliões, etc,etc,etc).
Acontecimentos esses que só tiveram aquela proporção enorme devido a irresponsabilidade da mídia, que é sensacionalista, mentirosa e sedenta por ibope.
Os meios de comunicação e (des) informação - televisão, internet, rádio, jornal, revista - são formadores de opinião e distorcem a notícia, manipulando-a de maneira que fique do jeito que o expectador mais irá consumir, mais irá gerar lucros.
A sociedade, que é apática e engole tudo sem questionar, fica em choque e se tranca num "toque de recolher" imposto unicamente por ela própria e pela mídia sensacionalista. Ou você acha que se a televisão não existisse o desenrolar seria o mesmo?
A imprensa manipula a notícia para manipular a sociedade.
Você acredita mesmo que foi tudo do jeito que a mídia expôs?
Qualquer pessoa, por mais alheia que seja, tendo um pouco de bom senso, no mínimo questionaria "furos" como uma tal entrevista (forjada) com o Marcola que a TV mostrou (se o cara nunca na vida deu entrevistas, seria naquele momento que iria falar ?),etc, etc.
No mínimo, questionar. E na real, desacreditar
Porque é mentira. A mídia oficial mente. E mente muito, por ser o meio de comunicação sustentado pela classe dominante, cheia de conchavos.
A revolta não foi sem motivo. As rebeliões simultâneas ocorridas em 80 unidades prisionais também não.
** Presos apontam egoísmo do governo como causa da revolta.
Durante muitos anos a SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) recebeu informação de direções e funcionários das unidades prisionais que tinham atitudes ditadoras sobre sentenciados, muitas vezes geradas por animosidades pessoais, ou pela ânsia de punir os sentenciados.
No dia 11, apesar de há muito reinar a paz no sistema carcerário, governantes e autoridades ligadas ao sistema realizaram na calada da madrugada a remoção de aproximadamente 800 presos de todas as unidades do Estado para a unidade de Presidente Venceslau 2.
Problema algum haveria em realizar as remoções se não tivessem sido feitas sem o conhecimento sequer das direções e de presos, com benefícios montados e que problema algum de disciplina vinham causando nas unidades em que se encontravam.
E pior, na véspera do Dia das Mães. Ressaltam que impedir o sentenciado de conquistar um benefício, sonhar com a liberdade e de receber o amor de seus familiares é o mesmo que arrancar-lhes pernas e braços.
A revolta ocorrida se deu por essa atitude egoísta do governo e de autoridades que visam apenas seus próprios sucessos políticos e não por reivindicações absurdas como telões e visitas íntimas no RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), como noticiam os periódicos. Esclarecem que a revolta se deu no sistema carcerário, onde os únicos prejudicados foram eles próprios.
Quanto na rua, é importante dizer que houveram muitos oportunistas. E pessoas que acabaram de tirar suas diferenças pessoais contra policiais e etc.
E sempre salientar que os sentenciados são seres humanos com anseios, sentimentos e esperanças. Desejam que não seja tirado deles o desejo de sonhar, ter esperança de uma vida melhor. E serem tratados com dignidade e respeito. **
Mas essa realidade não é divulgada, porque para os setores médio/alto não interessa o que se passa atrás das grades.
A sociedade se nega a enxergar que sua (i)lógica inescrupulosa de acumular riquezas gera os por ela denominados "marginais".
Aqui no Brasil, os 10% mais ricos da população são donos de 46% do total da renda nacional, enquanto os 50% mais pobres - 87 milhões de pessoas - ficam com apenas 13,3%.
Enquanto uma maioria miserável no Brasil enfrenta diariamente a fome, o país abriga a segunda maior frota de helicópteros particulares do mundo.
Para mim, e pra toda periferia, fatos como os que ocorreram não são novidade. O povo pobre é tomado pelo terror todos os dias, tendo suas casas invadidas pela polícia, tomando geral ou porrada nas ruas, entupindo as prisões, não tendo oportunidades para organizar suas vidas, sendo discriminado quando volta pro mundão...
Mas no jogo (que virou) a parte atacada foi aquela que sempre atacou.
Polícia que mata, morreu
E o medo, o tiroteio...invadiram o asfalto. Burguês viveu dias de horror, dias de favela... Sendo que o molho foi temperado com muitos boatos, mais boatos do que fatos.
Mas o fato real é que a repressão governamental/policial/social ganhou campo para ser "justificada" e aceita.
Porque a sociedade contraditória pede "paz" e "harmonia" na base da porrada.
Pede endurecimento das leis. Pede mais polícia. Mais prisões. Mais mortes.
Autoriza o genocídeo do povo pobre. Um problema com origem social vira caso de polícia.
Os sentenciados conhecem a LEP (Lei de Execução Penal) que não é cumprida, sabe de seus direitos, tem suas broncas (com muita motivação) e seu alvo bem direcionado.
O "ataque" foi contra os órgãos policiais e não contra o povo
Mas a força governamental e seu braço armado e fardado viu aí uma ótima ocasião para descaradamente atentar contra a população mais humilde, contra os jovens pobres.
Houve uma reação conservadora por parte da sociedade, que vem pedindo leis ainda piores.
Pedem pena de morte, que é a face mais cruel da (in)Justiça. Querem legitimar a bárbarie. As leis criminais (assim como acontece com todas as leis) são ditadas no afã para satisfazer a opinião pública.
Atualmente, pedem também para "endurecer" (?) o já inconstitucional e absurdo RDD que consiste em manter presos condenados ou presos provisórios (aqueles que ainda nem foram condenados) "que ocasionem subversão da ordem ou disciplina internas" em celas solitárias (isolados) por até 360 dias (podendo expandir esse período por até um sexto da pena). Com visitas semanais de duas pessoas com duração de duas horas e só podem sair da cela por duas horas diárias para o banho de sol, ficam incomunicáveis e sem acesso à fotos, revistas, jornais ou televisão.
Vemos aí que o pote (que sempre existiu e existe na surdina em todos os presídios, isolando o preso no castigo - minúsculo e podre) virou lei, apenas mudando o nome e o aspecto.
Uma lei que é ilegal (pois fere a Constituição federal e atenta contra a Norma Internacional de Respeito aos Direitos Humanos).
Se o próprio sistema carcerário nunca permitiu, não permite e nunca permitirá progresso algum na vida do ser humano, imagine nessas condições.
Puro castigo
Lembro aqui que, em 1983, já era muito bem colocado no escrito "O Crime e a Pena na Atualidade" : "Proíbem-se e castigam-se aquelas ações que infringem algumas das condições constitutivas da ordem jurídica criada pelos dominadores em seu próprio benefício."
Isso é real e pudemos confirmar nas muitas impunidades recentes de gente como: coronel Ubiratan Guimarães; do Massacre do Carandiru. Pimenta Neves; assassino confesso da namorada. Suzane; assassina confessa de mãe e pai. Os vários do Mensalão e por aí segue a interminável lista...
Estamos em ano eleitoral. Não é por acaso a exposição de politiqueiros explorando o máximo essa situação.
Vimos reaparecer figurinhas como Paulo Maluf, coronel Ubiratan Guimarães, Romeu Tuma, Geraldo Alckmin, Fleury, Conte Lopes... e tantos outros que tem em seus currículos participação em crimes cruéis, como o Massacre do Carandiru, grupos de extermínio, rota, torturas e assassinatos na Febem, etc ,etc...
E a mídia oficial (que se diz imparcial) só abre espaço pra esse tipo de gente falar.
Com certeza, na eleição de outubro, o discurso repressivo vai estar em evidência em todas as propagandas.
Na região mais burguesa aqui da cidade se vê faixas de ataque aos Direitos Humanos e de apoio à candidatura desses sanguinários citados.
A burguesia, com medo de ter suas riquezas (adquiridas na base da exploração do povo pobre) ameaçadas, faz campanha para que o Estado realize em nome dela aquilo que tanto querem fazer: sua "limpeza social", tratando os pobres como lixo, varrendo-os pro cemitério.
O poder ostensivo soube explorar e aproveitar bem os acontecimentos. Só que nenhum acordo foi feito com o povo.
O povo está morrendo
Foi instaurado pelos policiais um massacre. Saíram por aí querendo vingança e com o propósito de matar.
Atacam todos os dias, na covardia, gente indefesa, desarmada.
É concreta a volta dos Esquadrões da Morte, os grupos de extermínio. Numa audiência na Assembléia Legislativa dia 16 de maio haviam dois policiais vestindo camiseta com a escrita "Scuderia detetive Le Cocq, esquadrão da morte Brasil".
Nos dia 12,13,14 e 15 de maio a polícia matou oficialmente 79 "suspeitos", em diferentes pontos da cidade. Todos esses assassinatos seguem com o velho discurso de "resistência seguida de morte" que, como sabemos, tira do policial qualquer tipo de culpa.
Só em Guarulhos, na Grande São Paulo, município com denúncias desde 2003 da existência de grupos de extermínio formados por policiais, foram registradas mais de 40 execuções. Em Guarulhos, foi onde morreu um policial.
Em São Mateus, periferia da zona leste da capital, no mesmo ponto de ônibus onde ocorreu a morte de um policial, a polícia encapuzada e em carro sem placa assassinou 5 pessoas.
Coincidência ou vingança?
Foi uma violência covarde, onde a periferia mais uma vez foi o alvo. As famílias desfalcadas seguem mutiladas, revoltadas e ameaçadas.
Dessa vez, o que sempre foi feito na miúda, teve repercussão e foi mostrado. E o pior, foi aplaudido pela classe abastada, que é preconceituosa, conivente e desinformada.
No período dos dias 12 a 15 de maio o IML (Instituto Médico Legal) esteve superlotado com a chegada dos corpos das vítimas da violência policial. Essa superlotação inclusive desencadeou problemas sanitários na conservação dos cadáveres em decomposição, pelo alto número de corpos que chegaram ao local.
Estando evidentes os sinais de execução, foi organizada uma comissão independente formada por pelo menos 10 grupos de defesa dos direitos humanos, para cobrar informações e providências.
Como previsto, foi negada a essa comissão o direito de acompanhar as investigações.
A polícia até agora não entregou todos os documentos solicitados e a Secretaria de Segurança Pública se nega a divulgar os nomes de todos os mortos.
A parte da documentação que foi entregue, se deu após o prazo estipulado.
Mas aposto que não haverá punição alguma aos (ir)responsáveis.
As evidências das execuções são tantas, que o número oficial de 79 mortes inicialmente divulgadas foram agora diminuídas para 31, depois da divulgação de que a maior parte das vítimas assassinadas nem sequer tinham antecedentes criminais.
Essas vítimas foram comprovadamente executadas estando rendidas, com tiros disparados do alto, na cabeça, braços, mãos. O que descarta a hipótese de revide e reforça as provas de execução.
E os corpos das outras vítimas do primeiro informe oficial? Será que foram parar em cemitérios clandestinos? Não duvido.
Como essas mortes se deram dentro de um processo de conflito, há a possibilidade de que acabe sendo pouco investigadas e logo sejam arquivadas e esquecidas.
Vemos exaustivamente, por parte das forças repressoras, o ataque aos Direitos Humanos, que sempre defendeu a vida, principalmente daquelas pessoas que não tem acesso à justiça.
Os Direitos Humanos vem sendo usado como "bode expiatório". Seus militantes vem sendo ameaçados. Recentemente picharam uma suástica no banco em frente à paróquia frequentada pelo padre Julio Lancelloti, grande e notório defensor dos D.H., além de outras várias intimidações a vários outros ativistas.
Querem endurecer a lei também contra as pessoas que lutam por liberdade
Vale dizer que os Direitos Humanos há muito tempo vem denunciando as violações inaceitáveis que ocorrem dentro dos cárceres.
Como "resposta" às rebeliões simultâneas houveram, no mínimo, 18 presos mortos.
Dessas vítimas encarceradas então, nem se ouve falar...
Na Penitenciária de Ribeirão Preto os presos foram obrigados apagar o fogo com o próprio corpo; vem correndo frequentes espancamentos e isolamentos de adolescentes internos na Febem de Vila Maria e de presos das penitas de Lucélia, Campinas e Hortolândia.
As famílias dos presidiários foram absolutamente humilhadas e ameaçadas nas portas dos presídios (onde buscavam informações sobre seus parentes). Foram xingadas, empurradas, dispararam tiros em sua direção.
Mas isso não interessa à sociedade...
Esses "fatos" me recordam os acontecimentos de 11 de setembro de 2001 nos EUA, onde numa manobra governamental foi decretada uma suposta "guerra ao terror" que desencadeou o terrorismo de Estado visto pelo mundo todo, com intenso e constante ataque aos Direitos Humanos dos povos.
Aqui, como lá, o Estado deu licença para matar. E, na prática, a violência vai aumentar. Nos remete também ao período da ditadura militar.
Enquanto o fator social continuar sendo tratado como "caso de segurança pública" e a sociedade continuar cega, surda, muda e injusta. Invariavelmente o caos irá acontecer, como resultado da revolta e desesperança gerada pela intensa discriminação que sofrem as pessoas excluídas dessa tal sociedade.
São Paulo viu uma guerra sim. A guerra de classes. A velha guerra dos detentores do poder contra o povo injustiçado.
Essa guerra, que massacra o povo pobre, acontece todos os dia sem aparecer na mídia. A história de vida das vítimas do sistema caem para sempre no esquecimento, como se nunca tivessem existido.
É importante e urgente criar alternativas visando uma solução que não defenda o cárcere.
E enxergar que a repressão/violência legislativa/policial é um meio ineficaz para combater a criminalidade, cujas raízes, sabemos todos, está na desigualdade social que impera em São Paulo, no Brasil e no mundo.
Justiça no Cárcere!
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** essa parte sinalizada foi baseada no manifesto divulgado pela comunidade
carcerária**
Talita , 22 anos.
Ativista independente e apartidária na luta contra as prisões e a favor dos
Direitos Humanos. Edita os zines: "Justiça no Cárcere" (com participação da comunidade carcerária) e "Mulher Viva!" (dedicado à libertação feminina)
Estadão: Hip-Hop de cultura a movimento político
Matéria do Estadão no sábado 9 de agosto por Bruno Paes Manso e William Glauber
Ao menos 30 representantes do estilo lançam candidatura, no Estado
Nas quebradas, rádios e bancas de CDs piratas de São Paulo, o rap abre espaço para o funk ''malicioso'' do Rio e anda em baixa, ao menos se comparado à explosão do fim dos anos 1990. Nos palanques, escolas e governos, o hip-hop, no entanto, mostra cada vez mais a cara e, aos poucos, transforma-se em movimento político, estruturado em todo o País. Neste ano, lançam-se ao menos 30 candidaturas a vereador e uma a prefeito, ancoradas nos dividendos sociais de um movimento que nasceu da expressão cultural da periferia.
''O funk é moda. No baile, tocam uma ou duas músicas dos Racionais, porque música é para dançar. O importante para o garoto é que ali ele não é discriminado, está entre os iguais e quer ganhar a menina'', diz o antropólogo João Batista Félix, que no doutorado pela Universidade de São Paulo (USP) estudou hip-hop, cultura e política. Enquanto o rapaz do baile corteja a ''mina da noite'', integrantes da Nação Hip-Hop Brasil se colocam à frente de um projeto de conquista de poder, articulados nos 27 Estados brasileiros.
Além de apoio às candidaturas, o grupo indica representantes a conselhos de educação, saúde e cultura. ''Não basta simplesmente fazer denúncias. Tem de apresentar propostas de políticas públicas, a partir do olhar dos jovens da periferia'', diz Erlei Roberto de Melo, o Aliado G, do Faces da Morte, candidato pelo PCdoB a prefeito de Hortolândia (SP), com cerca de 200 mil habitantes. ''São candidatos do meio, legitimados e respeitados, mas não são lançados pelo hip-hop. São integrantes com ligação partidária ao PCdoB, PT e outros partidos. O movimento cresceu do interesse pela dança, grafite e música,'' pondera o antropólogo.
A participação nos conselhos, explica Felix, é benéfica na medida em que concretiza projetos do hip-hop. ''A presença nessas esferas não é apenas da Nação Hip-Hop Brasil. É uma característica de vários grupos do movimento para atuar e influenciar, como faz o movimento em defesa da criança e dos direitos da mulher. As propostas do hip-hop para a sociedade são viabilizadas com essas ações e com verbas do Estado'', diz Felix. Como exemplo, ele cita a conquista de bibliotecas públicas na periferia paulistana, capitaneadas pelo Força Ativa.
O hip-hop ganhou espaço nos governos principalmente com a aprovação, em 2003, da lei que institui o ensino da cultura afro-brasileira. A partir deste mês, pelo terceiro ano seguido, o projeto Africanidade vai levar a oito Centros Educacionais Unificados oficinas e eventos ligados à cultura africana. ''Em 17 anos como professora de escolas da periferia, sempre me perguntei como posso ensinar. Vi como o hip-hop pode ser uma linguagem para quebrar barreira entre aluno e professor'', afirma Anair Novaes, coordenadora do Africanidade.
Embrenhada em projetos em parceria com o setor público, a diretora nacional da Nação Hip-Hop, Maria Mercedes de Alencar, conta que, pela ONG Reação Positiva, já treinou em dois anos 8 mil jovens do Primeiro Emprego. Aulas profissionais, como ensino de elétrica e mecânica, ficam com os técnicos. Legislação trabalhista, cidadania, com discussões que vão da gravidez à arte e violência, usam a linguagem hip-hop. ''Temos cerca de 20 educadores que vieram do hip-hop'', diz.
''Com essa inserção, a militância se profissionaliza, o que é muito bom. O jovem, além da dança e da música, estuda, faz faculdade, especializa-se e surge uma nova geração no hip-hop'', afirma o antropólogo João Batista Félix. O especialista ressalta que o hip-hop, em alguns anos, vai contar com representantes nas universidade. ''E acredito que os primeiros políticos devam ser eleitos, como deputados estaduais ou federais, na Bahia ou Rio'', aposta.
Exemplo dessa nova geração é Guilherme de Souza Neto, o Oráculo, de 24 anos, da Nação Hip-Hop Brasil, que vai coordenar visitas às escolas do Estado. Ele engrenou nos estudos com ajuda do hip-hop. Aos 15, em 1999, ainda era o Enigma e pichava muros, traficava e assaltava. Na turma de reforço, uma ''professora sagaz'' lançou um desafio ao vê-lo escrever rap: explicar o hip-hop a outros alunos. ''O choque cultural entre professores e alunos na periferia é muito grande. O hip-hop ajuda a melhorar o diálogo'', avalia.
Guilherme e a professora conseguiram que o diretor da escola levasse os alunos à Casa do Hip-Hop, em Diadema, onde pesquisaram temas para palestras. Na volta, a escola parou para assistir aos seminários, que levaram dançarinos de break, grafiteiros, DJs e MCs - os quatro elementos do hip-hop. Passado o tempo, em 2003, Oráculo gravou seu primeiro CD. Dois anos depois, tornou-se presidente do diretório estadual da Nação Hip-Hop Brasil.
Tráfico, favelas e violência
Espaço Social
Os últimos incidentes referentes à luta entre policiais-militares e o tráfico, ocorridos na cidade do Rio de Janeiro ganharam espaço nas grandes mídias do Brasil e de inúmeros países do chamado Primeiro Mundo. Como se sabe, o Brasil não está em guerra interna ou externa. Por aqui, não há motivo aparente, no atual contexto, para espetáculos de ações diretas, registrados e reproduzidos fartamente pelas mídias. É estranho que um helicóptero tripulado por soldados da PM tenha sido abatido em pleno vôo, com duas mortes e dois feridos. A tragédia não foi maior porque foi possível o pouso forçado da aeronave em chamas, em campo aberto. As imagens de sua completa destruição física parecem cenas da Guerra do Iraque, da Colômbia ou do Afeganistão. Mas, não são. Tudo ocorreu em um outrora pacato bairro da Zona Norte – Vila Isabel. Este é ocupado por parcelas das classes médias da cidade, que são vizinhos de muitas comunidades faveladas e foi um dos berços do samba moderno brasileiro. Jamais isto tinha ocorrido antes. Parece, que existiram tentativas, mas esta foi a primeira vez que se conseguiu concretizar a façanha. Acendeu-se uma lâmpada de alerta. O Rio de Janeiro é uma cidade conflagrada. Talvez, se isto tivesse acontecido antes de sua escolha para sediar as Olimpíadas de 2016, o resultado tivesse sido outro ou a vitória bem mais difícil. A política de segurança adotada por sucessivos governos da cidade e do Estado comete equívocos e dialoga com público, através das mídias, de modo ainda mais equivocado. Ao não aceitar ajuda federal, o atual governador situou o problema na esfera local, dizendo que, por ora, tinha como resolvê-lo. As questões de fundo que são as verdadeiras causas de tudo isto foram, mais uma vez, para debaixo do tapete da política e da história. Os problemas sócio-urbanos do Rio de Janeiro são muito graves e se arrastam desde o fim da escravidão, ou mesmo de antes. Tem-se uma cidade dividida entre uma parcela mais rica que mora no ‘asfalto’ e cerca de 600 ou mais comunidades faveladas construídas, em sua maioria, em morros, muitos deles de difícil acesso. Estas comunidades são, de há muito, usadas pelo crime como local de recrutamento e homiziamento. Obviamente, que nada disto é exclusivo à esta cidade, mas nela, esta situação ganha características especiais. Mais do que um, em cada três cariocas, mora em uma das favelas da cidade. Diferentemente de outras, a geografia do Rio levou e continua levando os excluídos e os imigrantes para os morros e algumas regiões planas de baixo interesse imobiliário. Estas são, por vezes, distantes e periféricas. A origem destas comunidades remonta à época da escravidão. Nesta, negros fugidos – quilombolas – ou abandonados pelos seus senhores usavam os morros para morar e muitas vezes plantar e criar animais. Quando do fim da Guerra de Canudos (1897), o Morro da Favela, nas proximidades da Central do Brasil, abrigou muitos retirantes do conflito, que vieram para a velha capital. Daí, a origem e a popularização do nome. No local, ainda existe uma impressionante favela, que parece debruçada sobre uma pedreira – o Morro da Providência – que é um dos locais de conflito na cidade. Sua antiguidade e pobreza testemunham anos e anos de descaso público. Estas comunidades cresceram todas as vezes que houve ciclos de prosperidade no país. Parece paradoxal, mas o que ocorria e ainda ocorre é que imigrantes, vindos para trabalhar na construção civil e outras atividades urbanas, não tinham como morar nos prédios que levantavam e nos bairros onde trabalhavam. A opção era a de construir barracos, se possível, no morro mais próximo de onde labutavam. Hoje, quase não existem mais barracos. A madeira ficou cara. O tijolo e o cimento são abundantes e relativamente mais baratos do que no passado. As habitações são, quase sempre, construídas em tijolos. Como nem sempre há dinheiro para o reboco externo, muitas favelas, vistas de longe, parecem jogos infantis avermelhados e amontoados. A alvenaria externa é mais facilmente encontrável nas favelas mais antigas e nas mais “ricas”, onde se concentram trabalhadores empregados com carteira assinada ou biscateiros bem-sucedidos. É lógico, que numa mesma favela é possível encontrar as duas situações, bem como se podem ver ainda barracos, agora, construídos com resto do lixo urbano. O mundo favelado é altamente complexo e não cabe neste pequeno artigo. Nele existe uma estrutura social com imensas diferenças internas. A maioria dos seus habitantes são trabalhadores ou desempregados. Um pequeno percentual dedica-se às atividades criminosas. O preconceito do “asfalto” é antigo, até porque grande parte dos seus moradores e negra, quase negra, de origem nordestina, mineira e vindos de outros bolsões da miséria brasileira. Para as classes médias mais reacionárias, favela é lugar de marginal, de gente que não presta. Esta mesma gente não tem qualquer cerimônia em explorar o trabalho dos que lá vivem. Entre os governos de Carlos Lacerda e de Chagas Freitas prevaleceu a idéia de que a solução para a questão favelada era a remoção para conjuntos habitacionais construídos pelo governo na periferia do Rio de Janeiro. Pouco a pouco, a proposta de remover perdeu terreno pela a da urbanizar. Aliás, o atual prefeito levantou a mesma questão da remoção, sem nada ainda ter feito de concreto nesta direção. Também, junto com o atual governador do Estado foi feita a polêmica proposta de algumas favelas serem ‘separadas’ por muros do resto da cidade. Os atuais PACs têm projetos engajados em algumas obras de urbanização básica dos mesmos locais. Os casos de remoção conhecidos nada mudaram para os favelados, liberando terrenos valiosos para a especulação. Os mesmo problemas que existiam na origem foram remontados nos conjuntos habitacionais, rapidamente favelizados. Os projetos municipais urbanizadores, tal como o chamado Favela-Bairro, mudaram muito pouco a realidade destas comunidades. A questão central é que em nenhum destes projetos desenvolvidos ou propostos até hoje houve a preocupação com a distribuição de renda entre os habitantes. O problema do desemprego continuou a ser gravíssimo, afetando, com muita força, os jovens. Existem milhares e milhares de jovens favelados sem emprego, escolas decentes, comida em casa, saneamento básico, tratamento médico necessário. Os que conseguem trabalho ganham mal e não raro não têm seus direitos respeitados. Neste quadro, fica fácil ao tráfico e a outras atividades criminosas fazer o recrutamento constante. A cada preso ou morto há uma fila de substitutos, de gente capaz e disposta a arriscar a vida para alguns momentos fugidios de glória e de ascensão. A política de matar, torturar e prender em massa nada muda. Ao contrário, cria heróis e mártires, estimulando novas adesões. Por isto, é difícil crer que se deseje, de fato, acabar com o problema. De todas as favelas cariocas, em torno de dezoito, teriam bolsões mais nítidos do tráfico. O Rio não é Mendellin, na Colômbia. Por aqui, não existem cartéis e nem máfias muito organizadas. A droga vendida no Rio, como se sabe, ou vem do Nordeste (maconha), do Paraguai, da Bolívia, da Colômbia e do Peru. Logo, ela atravessa, certamente por terra, alguns milhares de quilômetros, até está disponível em um ponto de revenda local. Como passa desapercebida, é um ‘mistério’ a resolver. Parte destes carregamentos sai do Rio para a Europa e EUA. Logo, a cidade é também um entreposto. Em parte das favelas, onde não existe tráfico ou ele foi banido, funcionam as famosas milícias – nova versão do crime social local, com a clara participação de pessoas de algum modo ligadas às forças repressivas. Quase em todas comunidades existem pequenos grupos de pessoas que se dedicam a vários tipos de atividades criminosas. É difícil que o número de criminosos em uma favela seja superior a um por cento de seus moradores. O número de desempregados ou de subempregados pode chegar a mais da metade do conjunto da comunidade. Os grupos de traficantes mais comuns são pequenos bandos de, em torno, vinte pessoas, desarticulados e por vezes inimigos entre si que adotam siglas de organizações que só existem atualmente no universo nebuloso das mídias, sem muito respaldo no real. No Rio, felizmente, não há nada como o PCC paulista. É verdade, que uns atiram nos outros e/ou tentam tomar o território dos rivais. O capo, normalmente é alguém mais velho, com várias passagens policiais e com ligações com o crime mais ou menos organizado existente dentro dos presídios. Os soldados do tráfico são jovens, por vezes bem jovens, que têm uma esperança de vida média de dois anos nesta atividade para lá de perigosa. As armas de guerra que conseguem por efeito da corrupção e do dinheiro acumulado pela venda de drogas, são as mais usadas nas lutas entre as facções. Muitas delas foram produzidas nos EUA, na Inglaterra, em Israel e em países do Leste europeu. Outras, sobretudo munições, se originam também em aquisições feitas no contrabando e as que são oficialmente compradas pelas forças armadas e policiais brasileiras. Sabe-se, que com dinheiro e contatos, não é difícil comprar um fuzil-metralhadora moderno, bem como a munição necessária. O problema está em se imaginar como circulam estes artefatos no mundo contemporâneo. Certamente, há muitos interesses em jogo. O episódio do helicóptero chama a atenção, porque jamais algo similar havia acontecido. Normalmente, os traficantes atiram na polícia somente quando estão encurralados, que é o que deve ter acontecido. Eles preferem guardar suas balas para seus iguais e para garantir seus reinados nas comunidades onde atuam. Eles evitam um confronto maior com as polícias, porque sabem que serão, no passo seguinte, perseguidos até o destino final. A atual política de ocupações policiais permanentes de algumas favelas, três até o momento, funciona bem nos locais tomados pela polícia. Mas, tem como efeito colateral estimular os bandos a buscar a quem invadir outras criando guerras, como a que se viu no Morro dos Macacos em Vila Isabel. Trata-se de uma situação complexa que precisa ser analisada a fundo e que sejam tomadas medidas que tenham efetivo poder de desmontar as bombas relógio sociais da atual fase da modernidade. Uma política de emprego, de divisão de renda, de escolarização real e não formal para todos, de respeito aos direitos humanos e, sobretudo, o exemplo de honestidade pública do poder poderiam fazer a diferença. A exclusão semeia a violência e o caos, levando à uma realidade sem saída. | ||
Autor: Luis Carlos Lopes |
13 de maio: quem festeja a pantomima?
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No ano de 1983, uma foto estampada na primeira página do Jornal do Brasil renderia ao seu autor, o repórter-fotográfico Luiz Morier, o Prêmio Esso de fotojornalismo. Nela, um grupo de negros atados pelo pescoço por uma corda é levado pela polícia, após uma das frequentes batidas em favelas do Rio de Janeiro. Assemelhando-se àquelas pinturas do século XIX, em que aparecia o capataz com seu chicote ao lado de escravos amarrados, a fotografia de Luiz Morier era encimada por um sugestivo título: "Todos negros" A pergunta remete a duas questões que permanecem dolorosamente atuais: por que a data referência da libertação dos negros continua sendo o 13 de maio e qual é seu exato significado?
Talvez o questionamento mereça mais desdobramentos. Por que a crença de que vivemos numa democracia racial permanece tão enraizada no pensamento da maioria da população brasileira quando, ao nos determos no cotidiano social deste país, percebemos as profundas desigualdades que ainda envolve distintas etnias? A constatação de que os negros e não-brancos em geral são aqueles que possuem empregos menos significativos socialmente não seria evidência suficiente para demolir de vez um imaginário construído ao longo de dois séculos?
Apesar do contrapondo estabelecido pela criação do dia da Consciência Negra, permanece o costume frequente de nos curvamos diante do ritual do 13 de maio. A mesma elite que não aceita políticas de cotas, que protela a sanção do Estatuto da Igualdade Racial, enaltece a libertação dos escravos como inicio de uma nova era de liberdade. Sequer se dá conta de que notórios abolicionistas como Nabuco, Patrocínio, Rebouças e Antônio Bento, entre outros, afirmaram que a abolição só se cumpriria de fato com a reforma agrária e a entrada dos trabalhadores num sistema de oportunidade plena e concorrência.
Mesmo os setores mais progressistas, ao denunciar as condições sócio-econômicas dos negros depois de 122 anos de abolição, justificam a situação atual como resquício do passado escravo. Isso explicaria a permanência de mecanismos não institucionais de imobilização que atingem o segmento negro da população, produzindo distâncias sociais enormes, jamais compensadas? Ou é cortina de fumaça para preservar a aura de “bondade" da princesa branca? Estudos feitos sobre a época da chamada Abolição, mostram que 70% da população dos escravos já estavam livres antes de 1888, ou por crise econômica de algumas frações da classe dominante ou por pressões dos próprios negros, através de lutas, fugas e rebeliões.
A Lei Áurea foi, na verdade, uma investida bem sucedida das elites pelo controle político de uma situação que lhes fugia das próprias mãos. Sua eficácia ideológica pode ser atestada até hoje com os festejos do 13 de maio.O que é um indicador preciso da recorrente capacidade de antecipação política da classe dominante continua sendo percebido como " gesto magnânimo", exemplo da cordialidade vigente em nossa história política. A teoria dos resquícios (que de fato existem) tenta ocultar um fato relevante: os mais de um século de modo de produção capitalista e seus mecanismos de exclusão da população negra não permitem jogar todo débito na conta do passado.
Como observa Fátima do Carmo Silva Santos, secretária da União Negra Ituana( UNEI), a Lei Áurea foi na verdade um passo importante, mas como veio desacompanhada de reformas estruturais, resultou em "uma demissão em massa do povo negro, já que eles não tinham emprego, educação ou qualquer condição de conseguir um trabalho que não fosse com os seus senhores em troca de um teto".
Embora o processo de desestruturação do mito da “democracia racial" tenha avançado muito nos últimos anos, no terreno da luta social e política perdura um grande atraso a ser superado. Cabe à República completar a Abolição com políticas públicas eficazes. Enquanto tivermos um Demóstenes Torres( DEM-GO) responsabilizando os ex-escravos por sua própria escravidão- e publishers escravocratas pagando a capatazes magnolis para descer o açoite em jornalistas que noticiaram o fato- é fundamental que usemos a data para destacar a dimensão cultural, a construção social e ideológica de “raça" como elementos reprodutores de desigualdades sociais perpetuadas.
É a única comemoração possível em Paços Imperiais que, desde 1888, alforriam as más consciências de uma elite incapaz de elaborar projetos republicanos. As mesmas que criminalizam o MST para manter inalterada a estrutura fundiária que vem da Lei de Terras, aprovada em 1850. As mesmas que acham possível falar em libertação sem nenhuma política de inserção aplicada. O condimento neoliberal não esconde a essência escravocrata da direita brasileira. É bom pensar nisso em outubro.
Autor: Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil.
Para que serve o sistema prisional?
Qual o objetivo de encarcerar alguém num ambiente insalubre, superlotado e sem a menor condição de ressocialização? Para que serve a prisão? Ou para que deveria servir? Castigo ou ressocialização?
Pedro Serápio/ Gazeta do Povo
Cadeia pública do Foz: superlotação.Ao trancafiar os pequenos bandidos como bichos, não estamos dando um tiro no pé, transformando-os em grandes bandidos? Não será prejudicial mais tarde para a própria sociedade ter de acolher um indivíduo piorado?
Para o membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça e membro da diretoria da Associação dos Magistrados dos Paraná (Amapar), o desembargador José Laurindo de Souza Netto, vivemos uma barbárie institucionalizada.
“O preso é tratado como na idade da pedra, o que contribui para um círculo vicioso. Ainda estamos com os grilhões”, opina.
Souza Netto defende a incrementação da utilização de medidas alternativas. “Em certos crimes é necessário o tratamento prisional, mas para tantos outros não. Precisamos de reabilitação social para que não haja mais pratica do crime. A política criminal passa por uma transformação”, diz.
Veja na edição deste domingo a situação das unidades prisionais no estado do Paraná. Na segunda-feira, a reportagem continua ao mostrar as falhas do sistema judiciário e penitenciário no estado.
Um primo e o crack, aos 11 anos
Marcelo Elias/Gazeta do Povo
João: efeito devastador da droga.Há cinco meses na Chácara dos Meninos de 4 Pinheiros, em Mandirituba, região metropolitana, João experimentou o crack com 11 anos de idade com um primo um pouco mais velho. Fez furtos e roubou para sustentar o vício recém-adquirido. “Meu primo traficava e teve um dia que nós compramos R$ 1 mil em pedra. Passei a noite inteira fumando”.
Ele diz que não lembra muito bem dos momentos que passou com o primo, no uso das drogas. Está na 3.ª série, não pela primeira vez, e diz que “no geral” tem se concentrado e conseguido “fazer bem as coisas”. Com, ao menos, outros seis irmãos, afastados da mãe, cada um em um abrigo, João sente falta, principalmente da irmã de 3 anos, com quem chegou a ficar por sete meses em outro abrigo antes de vir para a chácara.
Com a mãe moram, atualmente, apenas um irmão mais velho, de 18 anos, e um bebê, que acaba de nascer. Quanto às drogas, João diz, bastante seguro, que não quer mais e que não sente vontade. Sua meta desde que chegou na chácara é ser motorista de caminhão, objetivo que está fixado no Painel dos Sonhos do refeitório da chácara, onde os meninos colam figuras e desenhos sobre o que querem ser quando crescer.
Na mira do tráfico
Ontem liguei para a psicóloga Caroline Fernanda Rocha, da Casa de Recuperação Água da Vida (Cravi), para saber como estavam os meninos que entrevistei para a série sobre o crack, que a Gazeta do Povo vem publicando desde domingo e que hoje mostra o efeito devastador sobre a infância.
Ela me disse que todos estavam bem, menos Daniel*, um garoto bonito de
15 anos, mas com tamanho de 11 (uma provável consequência do uso de maconha e crack, tanto por ele, quanto pela mãe durante a gestação) que está na matéria de hoje da série.
Caroline me disse que foi após uma conversa com a tia, que é quem cria Daniel, que ele ficou perturbado e acabou fugindo. Ele estava em tratamento há apenas poucas semanas e durante a entrevista demonstrou ainda bastante insegurança e negação em relação ao vício. Caroline me disse que teme que ele volte a usar drogas como antes e pior, que está ameaçado de morte no local onde vive, em Almirante Tamandaré.
*nomes fictícios