Tereza: Raiz, consciência e realidade


Especial *

Não sou conhecedora do movimento hip-hop, contudo procuro dar ao meu olhar o mesmo ar de curiosidade com que as crianças olham as coisas a sua volta, procuro manter meu copo d'água sempre pela metade e não me furto às oportunidades de poder completá-lo com novos conhecimentos, mesclando assim as minhas coisas com as coisas do mundo. Li o livro Hip Hop a Lápis há algum tempo e quando acabei de lê-lo fiquei muito a fim de falar a respeito. Falei. Daí o convite e a oportunidade para estas linhas.

Quando o convite chegou fiquei me perguntando: "vou falar de que, vou falar o que, já não sou critica literária?". Nesse dilúvio de questionamentos, resolvi falar dos vários paralelos entre o livro e eu.

Vivi a contradição de ser negra e filha da classe media campineira, o que para muitos era “difícil” a mim nuca paralisou ou me deslumbrou, na minha cabeça ter oportunidade de ter podido estudar e adquirir um pouco de conhecimento só teria serventia se isso pudesse ser compartilhado, se pudesse, de alguma forma, contribuir, se não com o macro mundo, com o micro mundo dali de onde eu vivia, sendo assim, sempre entrei e sai da favela, seja para dar aula de evangelização para a molecada da igreja, seja para tomar uma "breja" com os pseudomarginais da época, que hoje ou estão presos ou já foram colher as margaridas do reino do senhor.

Nos últimos anos tive algumas oportunidades de trabalhar na periferia de São Paulo através da Comunidade Solidária e num projeto do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) voltado para profissionalização de jovens afrodescendentes em Sorocaba. Na verdade, eles nem eram tão jovens assim. A diferença entre nós era que eu havia tido melhores oportunidades, o que fazia de mim não melhor que eles e sim agente de, quem sabe, alguma transformação, acima de tudo da minha, pois aprendi com eles sobre consciência negra, discriminação, preconceito, violência, enfim uma infinidade de assuntos que, na prática nunca vivi, que aprendi na descrição dos livros. Escutando a molecada, vendo de perto as condições em que eles vivem, tive a certeza de que livros e vida real, na grande maioria das vezes, são coisas que nada têm nada em comum.

As lacunas proporcionadas pelo sistema não nos permitem perceber os caminhos a serem trilhados para diminuir as diferenças sociais. Passei a ver o que é estar ali, o que significa ver a "fita" de perto e assim ter melhores condições de poder falar das necessidades e também dar soluções para um cotidiano tão complexo como é o da periferia, principalmente dos jovens que vivem lá. Aprendi que usar a teoria e os livros para falar de violência, desemprego, racismo, preconceito, educação, acaba transformando, num amontoado de gráficos e estatísticas, necessidades que estão na ordem do dia.

O movimento hip-hop tem força, função social e traz pra si a responsabilidade de tratar com consciência, através da cultura e da arte, assuntos como juventude, violência e inclusão social. Se não entendermos porque as coisas estão acontecendo, será cada vez mais difícil sermos agentes dessa tal transformação da sociedade, que poderia acontecer com maior facilidade através do incentivo à cultura. Contudo, a falta dessa visão acaba nos colocando tão à margem das soluções como os jovens à margem da sociedade.

O livro mostra de maneira muito clara o quanto a arte pode ser usada para ensinar e conscientizar, de uma forma lúdica, através da criatividade e das infinitas possibilidades que ela apresenta, e dessa maneira conseguiríamos avançar nas tentativas de diminuir as diferenças sociais e principalmente a violência. O entendimento do dia a dia, das aspirações, sonhos e desejos desses jovens é que vai nos aproximar deles. Na minha opinião a melhor forma de se descobrir isso é através das manifestações dos próprios jovens na música, dança, grafite, poesia ou em qualquer outro tipo de manifestação que venha deles.


Já ouvi muitos os Racionais. Lembro de alguém falar que as letras eram pesadas, mas ouvia também a seguinte resposta: "Elas são o retrato da realidade logo ali, no quarteirão de baixo”. Não esqueci. Talvez venha daí minha tomada de consciência e as tentavas, eu sei que por vezes pequenas, as quais tenho me lançado na tentativa de que os quarteirões não sejam coloridos só pela metade, sem tons de cinza no contraponto.


Teresa

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