A valorização e o dia da Consciência Negra em Brasília

22 de novembro de 2010


Eu já estava acostumado a ser feriado no dia 20 de novembro, dia da Consciência Negra, em São Paulo. Mas Brasília, assim como a maioria das cidades e/ ou unidades da federação, ainda não transformou esse dia em feriado. Sinto falta não só porque é um feriado, eba, piscina, mas também porque vi que, pelo menos, as pessoas param para saber do que se trata.
Tenho percebido e valorizado a importância da sensibilização, ou seja, das pessoas pelo menos saberem que aquilo se trata de uma pauta. Muitas vezes, os setores especializados, por exemplo, em Direitos Humanos, têm debates super qualificados e avançados. Mas aquilo não é uma pauta da sociedade, não ganhou corpo. Daí a importância da sensibilização, daquilo que o terceiro setor, com sua mania de produzir um jargão próprio, chama de awareness.
Eu percebia, em São Paulo, que seja pela piada (aê, feriado, viva os negão), seja pela curiosidade, haver um evento chamado de Consciência Negra, isso, de alguma forma, ainda insipiente, ainda inicial demais, chegava na cabeça das pessoas. Aqui, não teve feriado, foi só mais um dia. Em Brasília, capital federal, o dia da Consciência Negra, com o perdão do trocadilho, passou em branco.

Sô negão
Pensei nisso hoje. O presidente Lula falou do dia da Consciência Negra hoje, no seu programa semanal, dizendo que a desigualdade ainda está longe de acabar no Brasil etc. Publiquei uma matéria sobre isso (sou editor de política de um jornal diário, gratuito, distribuído majoritariamente para as classes C, D e E), com uma foto da Agência Brasil, de uma moça negra com um cartaz. Na mesma página, eu havia colocado uma matéria sobre o Senado. O diagramador, que é negro e tem o apelido nada original de “Negão”, colocou a foto do Senado como sendo a da matéria do Lula.

Pauta secundária
Isso me fez pensar, também, como há pautas que são consideradas “secundárias”, da extrema esquerda à extrema direita. A questão das mulheres e de gênero, a questão racial, a questão da infância e adolescência, a dos direitos humanos – são todas secundarizadas em detrimento do “que importa mesmo”, ou seja, a produção, o dinheiro, o poder. Vã inocência. Quem perceber que isso tudo está ligado ganha um prêmio.

Atraso
Mesmo dentro da esquerda, muitas vezes, há dificuldade em pautar essas coisas. Certas correntes de pensamento ainda, até hoje, acham que essas pautas “menores” distraem os militantes de esquerda da “real” luta, que é pelo poder.

Atraso ainda maior
Na chamada direita, então, nem se fala. Muitas vezes esse é o setor da sociedade mais atrelado a ideologias antigas, que, na minha modestíssima opinião, precisam ser desconstruídas, pois ainda fazem parte, muito fortemente, do senso comum, médio, da população.

Exemplos
Imediatamente me vêm à mente o juiz, suspenso recentemente pelo Conselho Nacional de Justiça, que não deu seguimento a um processo com base na Lei Maria da Penha por justificativas religiosas, dizendo que o mundo é masculino, que essa é a ordem divina, como está escrito na Bíblia, e que essa lei era demoníaca. Ou do deputado federal do Rio de Janeiro, reeleito mais uma vez pela orgulhosa família militar fluminense, que falou, em canal público, que está tudo bem bater em filho que está ficando “meio gay”, e que um monte de gente, hoje, agradece aos pais por terem tomando uns safanões.

Os outros e nós
Voltando à foto da moça negra que eu usei na matéria de hoje, sinto que há uma percepção generalizada, que tem a ver com tudo isso que eu escrevi da “secundarização” de determinados assuntos, de que esses temas, justamente, são secundarizados não só por quem está envolvido na política, mas pelo público em geral. O fato de, só porque a matéria falava do Lula, se colocar uma foto do Senado, porque é “dessas coisas de política”, e não da moça negra, mostra isso para mim. O que uma moça negra estaria fazendo em meio a um monte de gente “séria”, homens sisudos, de bigode, terno e gravata?

Ideologia média

Claro que, em nenhum momento, condenei o diagramador. Ele não tem obrigação nenhuma de ler a matéria, e eu que deveria ter indicado, com mais clareza, qual foto ia aonde. O erro foi meu. Só usei-o como exemplo, pois foi isso que me fez parar para pensar. Sem nenhuma intenção de expôr ninguém.

Rodrigo Mendes de Almeida, jornalista, colunista do NR é editor do Jornal da Comunidade em BSB.

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