Almirante Negro

João Cândido Felisberto, o Almirante Negro.

(Encruzilhada do Sul, 1880 — Rio de Janeiro, 6 de Dezembro de 1969)

Nascido numa província do Rio Grande do Sul, filho dos ex-escravos João Cândido Felisberto e Inácia Felisberto, apresentou-se na Escola de Aprendizes Marinheiros do Rio Grande do Sul, com uma recomendação de "atenção especial" escrita do Delegado da Capitania dos Portos em Porto Alegre. Esse cuidado devia-se à iniciativa de um velho amigo e protetor de Rio Pardo, o almirante Alexandrino de Alencar, que o encaminhara aquele delegado.

Desse modo, numa época em que a maioria dos aprendizes era recrutada pela polícia, João Cândido alistou-se com o número 40 na Marinha do Brasil em 1895, aos 13 anos de idade, fazendo a sua primeira viagem como Aprendiz de Marinheiro.

Em 1908, para acompanhar o final da construção de navios de guerra encomendados pelo governo brasileiro, João Cândido foi para a Inglaterra, onde tomou conhecimento do movimento realizado pelos marinheiros britânicos entre 1903 e 1906, reivindicando melhores condições de trabalho.

As eleições presidenciais de 1910, embora vencidas pelo candidato situacionista Marechal Hermes da Fonseca, expressaram o descontentamento da sociedade com o regime vigente. O candidato oposicionista, Rui Barbosa, realizou intensa campanha eleitoral, suscitando a esperança de transformações.

Entre os marinheiros, insatisfeitos com os baixos soldos, com a alimentação ruim e, principalmente, com os degradantes castigos corporais, cresceu o clima de tensão.

O uso da chibata como castigo na Armada já havia sido abolido em um dos primeiros atos do regime republicano. Todavia, o castigo cruel continuava de fato a ser aplicado, a critério dos oficiais. Num contingente de maioria negra, centenas de marujos continuavam a ter seus corpos retalhados pela chibata, como no tempo do cativeiro.

Em 16 de novembro de 1910, um dia após a posse do Marechal Hermes, o marinheiro Marcelino Rodrigues de Menezes foi punido com 250 chibatadas, conforme os jornais da época, aplicadas na presença de toda a tripulação do Encouraçado Minas Gerais.

No dia 22 de novembro de 1910, João Cândido deu início à chamada Revolta da Chibata, assumindo o comando do Minas Gerais (capitânea da Armada), pleiteando a abolição dos castigos corporais na Marinha de Guerra do Brasil, quando foi designado pela imprensa, à época, como Almirante Negro. Por quatro dias, os navios de guerra São Paulo, Bahia, Minas Gerais e Deodoro apontaram seus canhões para a Capital Federal. No ultimato dirigido ao Presidente Hermes da Fonseca, afirmaram os marinheiros: "Nós, marinheiros, cidadãos brasileiros e republicanos, não podemos mais suportar a escravidão na Marinha brasileira". Embora a rebelião tenha terminado com o compromisso do governo federal em acabar com o emprego da chibata na Marinha e de conceder anistia aos revoltosos, João Cândido e os demais implicados foram detidos.

João Cândido, durante entrevista a
um jornalista.

Pouco tempo depois, a eclosão de um novo levante entre os marinheiros, agora no quartel da ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, foi reprimida pelas autoridades.

Apesar de se declarar contra um novo levante dos marinheiros em Dezembro de 1910, João Cândido foi expulso da Marinha, sob a acusação de ter favorecido os rebeldes. Em Abril de 1911 seria detido no Hospital dos Alienados, como louco e indigente, de onde seria solto em 1912, absolvido das acusações juntamente com os seus companheiros. Banido da Marinha, sofreu grandes privações, vivendo precariamente, trabalhando como estivador e descarregando peixes na Praça XV, no centro do Rio de Janeiro.

Um fato triste, que apenas no seculo XXI começou a mudar, é que a marinha jamais aceitou a elevação dos revoltosos à condição de heróis. O próprio João Cândido nunca conseguiu ter acesso à sua documentação dos tempos em que era integrante da armada. Em depoimento no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro(MIS) do Rio em 1968, ele reclamou: "... os [arquivos] da Marinha são negativos, João Cândido nunca existiu na Marinha".

A Marinha liberou, após 97 anos, documentos referentes ao então marinheiro de 1ª classe João Cândido Felisberto, e ajudou a localizar sua ficha no Arquivo Nacional.

O documento mais importante é a ficha funcional. João Cândido entrou para a Marinha como grumete em 10 de dezembro de 1895, chegou a ser promovido a cabo, mas depois foi rebaixado. Nos 15 anos em que permaneceu na Armada, ele foi castigado em nove ocasiões mas não há registro, na sua ficha de 24 páginas escritas à mão, de que tenha sido espancado, como era comum.

João Cândido, o "Almirante Negro"
em 1957.

A ficha de João Cândido registra dez elogios e uma promoção a cabo (1903), revogada definitivamente em 1907. O último elogio por bom comportamento é de setembro, três meses antes de liderar a rebelião. João Cândido participou de dezenas de manobras em toda a costa brasileira, navegou pelos rios das bacias do Amazonas e do Prata e esteve duas vezes em longas viagens pela Europa.

Em 1933, João Cândido fez parte da Ação Integralista Brasileira e tornou-se o líder provincial do núcleo da Gamboa, no Rio de Janeiro. Em entrevista gravada em 1968, a disposição no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro declarou a amizade com Plínio Salgado e o orgulho de ter sido integralista.

Em 1968, em um depoimento gravado para Ricardo Cravo Alvim no MIS (Museu da Imagem e do Som), João Candido, já velhinho, contava :

- “Fui integralista e lá era muito bem tratado, como chefe!”.

Em 1959 voltou ao Sul do País para ser homenageado, mas a cerimônia foi suspensa por interferência da Marinha do Brasil.

Discriminado e perseguido até ao fim da sua vida, faleceu de câncer no Hospital Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, pobre e esquecido, aos 89 anos de idade.

A sua memória foi resgatada pelos compositores João Bosco e Aldir Blanc, no samba O mestre-sala dos mares.

Em outubro de 2005, o Deputado nacionalista Elimar Máximo Damasceno (PRONA/SP) apresentou o projeto de lei n. 5874/05, determinando inscrever o nome de João Cândido no Livro dos Heróis da Pátria, que se encontra no Panteão da Liberdade e da Democracia, na Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF).

Fonte: http://pt.wikipedia.org

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