O colunista Ben Funnell não é nem de longe um socialista. Mas a causa socialista ganhou um tento com seu artigo, A dívida é o pequeno truque sujo do capitalismo, publicado no jornal inglês Financial Times. Ele fornece dados ''de nocautear'' sobre a concentração de renda nos Estados Unidos durante o apogeu neoliberal. Explica ''por que não houve uma revolução''. Escorrega no final, quando discorre sobre ''o que pode ser feito''; mas também não é de admirar, em alguém que nem de longe é socialista.
Por Bernardo Joffily
Sam Walton, do clã mais rico que 100 milhões
Funnell não se detém na crise capitalista atual, mas nas décadas precedentes, de razoável crescimento e ''pensamento único'' neoliberal. Sua conclusão: ''Em palavras simples, os benefícios do crescimento econômico foram para os bolsos dos plutocratas''.
''São dados de nocautear''
Ele dá dados: segundo economistas do banco Société Generale, a renda da quinta parte mais rica da população dos EUA aumentou 60% desde 1970; ao mesmo tempo, a renda dos quatro quintos restantes caiu mais de 10%.
Somente a família Walton, dona da rede multinacional Wal-Mart de supermercados, tem mais dinheiro que todo o terço mais pobre da população dos EUA. Uma família tem mais dinheiro que 100 milhões de americanos...
''Por que não houve uma revolução?
''São dados de nocautear, confirmados pelos sempre crescentes índices de Gini, due mede as disparidades de renda, nos EUA e no Reino Unido'', comenta Funnell. ''Outra forma de colocar o problema é que a divisão das fatias do Produto Interno Bruto está no nível de 100 anos atrás, ou estava até recentemente''.
''Então por que não houve uma revolução?'', indaga Funnell. E chega então ao seu raciocínio central: ''Por que havia uma saída: o endividamento''.
''O excessivo endividamento da sociedade ocidental nos últimos anos era a única forma de manter altos níveis de vida para a maioria da população em uma época onde a elite concentrava mais e mais riqueza'', comenta. E a seguir mostra como o sonho acabou, ''o que significa um crescimento econômico mais baixo por muitos anos no futuro''.
Um recuo para longe do abismo
Depois de apanhar em flagrante a iniquidade da pirâmide social americana (e, de quebra, também da inglesa), Ben Funnell chega à parte das saídas. E aí o seu texto fica ainda mais interessante: o leitor atento há de notar como ele sente que talvez tenha se excedido, chegado perto demais do abismo que um colunista do mais que centenário jornal financeiro britânico jamais deve sequer admitir, e ensaia uma meia-volta-volver.
''O que pode ser feito? Primeiro, embora não seja o ideal, não devíamos ser açodados demais em abandonar o modelo capitalista. Ele é menos mau que qualquer outro sistema já inventado'', assevera o colunista, para o alívio de seu editor no Financial Times.
Tarde demais, Ben Funnell
Depois da meia-volta, o artigo termina em enticlímax. A montanha pare um rato, embora seja um rato ''estrutural'', segundo assevera seu autor: ''Precisamos de um novo consenso político, destinado a uma redução de conjunto dos níveis de endividamento, enquanto reduzimos as disparidades encorajando a educação, o empreendorismo e o investimento em inovação''.
Tarde demais, Ben Funnell. O último parágrafo do artigo, com sua lengalenga, evidentemente não encaixa e não convence (exceto uma acurada constatação de que ''os atuais níveis de disparidade de renda são uma bomba-relógio política''). Quem ler seu artigo, verá, ao concluirá, ao contrário, que é precisamente o modelo capitalista que faz água e precisa ser abandonado. Portanto, a causa socialista, enternecida, agradece.
A concentração da renda e da riqueza faz parte da lógica do sistema capitalista. Isto pode ser constatado estatisticamente, não só nos EUA e na Inglaterra, e não apenas nas décadas de ouro do neoliberalismo. A ''distribuição'' de renda possível, no capitalismo, é esta deletéria e destrutiva que o mundo assiste com a crise. Não há ''reforma estrutural'' capaz de criar um ''capitalismo virtuoso'', frugal, piedoso, preocupado com os pobres e blindado contra crises.
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