Conheça a história de sucesso de Renegado


Daniel Ottoni - Ragga
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Carlos Hauck



“Joga uma marra aí, molecada!”, dizia Renegado para os cerca de dez garotos em meio ao campo de terra do Alto Vera Cruz. O sol escaldante não desanimava Flávio de Abreu Lourenço, 27, dono de uma história típica de comunidade pobre. Hoje, quando se fala em Renegado, muita gente sabe de quem se trata. Mas o que poucos conhecem é sua história de vida, referência dentro da comunidade, principalmente para os pequenos.

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Renegado sempre morou no bairro Vera Cruz. Filho de mãe solteira, teve que ralar muito, bem antes da música aparecer em sua vida. Na ausência da mãe, que passava o dia trabalhando de faxineira, era ele o encarregado de cuidar da irmã, dar banho e levá-la à escola. Somente aos 11 anos, descobriu o rap. “Quando ouvi, bateu um click. Percebi que era aquilo que queria fazer da vida”, lembra. Durante a infância, figuras de referência como a dele pouco existiam na comunidade. “Minha mãe era meu braço direito. Além dela, o pessoal da associação de bairro me ajudou muito também”, conta.

Hoje, orgulha-se de ser uma referência no Vera Cruz. “Na maioria das vezes, o exemplo dos moleques é o traficante, que tem dinheiro, roupa. Fico feliz por mostrar a eles que existe um outro caminho. Muitos meninos caem no crime, porque esquecem como se sonha. Não tem preço colocar a cabeça no travesseiro, sabendo que não tem polícia atrás e que você pode acordar no outro dia para correr atrás do seu sonho”, analisa. “É sempre bom mostrar a eles outra perspectiva. Alguém que é do morro e não está nas páginas policiais.”

Carlos Hauck



O chão vermelho e a malandragem da ‘Vera Amada’ parecem ser muito mais que trechos de uma de suas composições. A ligação com o local onde passou toda a infância corre em suas veias e acaba sendo mostrada nas músicas, que contam com outros ritmos relacionados à sua história. “Quando era mais novo, fiz capoeira angola e cheguei a militar em alguns movimentos negros. Tenho uma relação imensa com o reggae e me identifico muito com o samba, principalmente pela sua resistência cultural”, aponta. Renegado mostra a importância de inserir um pouco desses gêneros no rap brasileiro. “O rap nacional não pode estar focado no rap norte-americano. Temos uma infinidade de ritmos que podem e devem ser incorporados à nossa música. Não podemos deixar isso de lado, senão a coisa não evolui”, justifica. Legitimidade não falta.

Os parceiros que encontrou foram fundamentais. “Sabia que meu trabalho tinha potencial, quando comecei minha carreira solo, em 2006. Outros horizontes continuam se abrindo para mim porque essa rede funciona.” O ponto de partida para as letras é a comunidade, mas seu trabalho tem um foco mais amplo. “Meu trabalho tem consistência dentro e fora do Alto Vera Cruz, por esse diálogo que faço entre o morro e o asfalto.”

Carlos Hauck



A quebra de barreiras tem sido uma constante. “Hoje, considero-me um vitorioso por ter crescido em uma comunidade carente e ter chegado aos 27 anos. Muita gente fica pelo caminho. Mas o que consegui até hoje é somente a ponta do iceberg. Ainda tenho o Titanic para derrubar”, reflete.

Além da carreira solo, ele mantém, com mais dois parceiros, o NUC – Negros da Unidade Consciente –, uma ONG na comunidade que visa dar melhores condições para os moradores, através de oficinas de dança, música e tecnologia. “Nosso próximo passo é construir um estúdio para o pessoal gravar e editar seus trabalhos. Dessa forma, damos condições para a comunidade se gerir.”

Em 2008, Renegado recebeu os prêmios de Melhor Site e Artista Revelação no Festival Hutúz, o maior festival de hip hop da América Latina. Merecido é pouco. Renegado garante que ainda vai dar muito o que falar. Segura, Titanic!

Carlos Hauck


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