Edson Lopes Cardoso edsoncardoso@irohin.org.br |
Na última sexta-feira (04/09/2009), o jornalista Heraldo Pereira esteve na bancada do Jornal Nacional. Não apresentava o telejornal, mas era convidado para rápida entrevista dentro das comemorações dos 40 anos do JN. Uma homenagem que o programa da Rede Globo vem prestando a seus repórteres mais antigos.
Desde novembro de 2002, o repórter participa também da bancada do JN, aos sábados e durante as férias dos titulares. Sua presença como âncora foi saudada na ocasião como um “grande passo” da televisão brasileira. “São com mudanças assim que o País vai se modernizando”, afirmava anúncio da Africa Propaganda, dirigida por Nizan Guanaes, divulgado em vários jornais.
Africa Propaganda imaginava então que “se a programação avança, os comerciais, a publicidade, como um todo, tem que avançar”. A programação, no entanto, não avançou e permanece verdadeiro (com raras exceções) o que disse Marilene Felinto: “A mídia (...) esconde a cor e a cara do povo brasileiro, a não ser quando quer vendê-lo como bundas de mulatas carnavalescas ou músculos de jogadores”. (FSP, 12/07/1998.)
Na dramaturgia global, Aguinaldo Silva defendia em 2002 que “a realidade devia mudar primeiro”. Os personagens de sua novela (médicos, empresários...) não podiam ser interpretados por atores negros porque isso não seria “real” (Revista Bravo!, ano 5, fevereiro de 2002, p. 70). E mandou os negros correrem atrás do prejuízo. A representação da realidade nas novelas da Globo tem nos permitido saber tudo sobre médicos, empresários e a Índia, não é mesmo? Agora ficção de verdade é uma lei do DF que estabelece proporcionalidade étnica na publicidade, desde 1997.
Mas voltemos ao Heraldo da última sexta-feira. Eu não conseguiria descrever aqui as reações fisionômicas constrangidas de Fátima B. e William B., apresentadores titulares, diante da notável freqüência e intensidade com que Heraldo, numa rápida entrevista, se referiu a circunstâncias de sua trajetória profissional que permitiam a afirmação de seu pertencimento étnico-racial. Perder a graça, o rebolado, não diz muito, mas é o que temos no momento.
Heraldo priorizou em seu relato visita a antigo porto de embarque de pessoas escravizadas em Angola, apartheid na África do Sul, e o acidente que mutilou o atleta João do Pulo (“meu herói, negro como eu”). A declaração intensa, mas tranqüila, parecia conter uma reivindicação. Pode-se bem imaginar que Heraldo, ainda que ocupando um espaço limitado na bancada do JN, seja “herói” de muita gente por esse Brasil afora.
A situação evocada por Heraldo em sua reportagem na África do Sul, jornalistas brancos de um lado, negros de outro, flutuava também como ilustração doméstica. Não é necessário sondar profundezas para se alcançar o que Heraldo Pereira quis comunicar com sua afirmação de negritude, com projeção histórica de modos diversos de dominação. São narrativas associadas dramaticamente à idéia de limites – extremos e dolorosos, coletivos e individuais, numa prolongada linha do tempo.
Mas a idéia de se ver representado em alguém, de poder projetar-se no outro visível permitiu talvez ao telespectador do JN tomar consciência da impossibilidade de tais identificações para milhões de brasileiros. Heraldo ocupava momentaneamente o lugar do não-existente, e, num breve intervalo, deu um forte testemunho que ali soava como expressão de uma aspiração real e legítima: “negro como eu”.
Desde novembro de 2002, o repórter participa também da bancada do JN, aos sábados e durante as férias dos titulares. Sua presença como âncora foi saudada na ocasião como um “grande passo” da televisão brasileira. “São com mudanças assim que o País vai se modernizando”, afirmava anúncio da Africa Propaganda, dirigida por Nizan Guanaes, divulgado em vários jornais.
Africa Propaganda imaginava então que “se a programação avança, os comerciais, a publicidade, como um todo, tem que avançar”. A programação, no entanto, não avançou e permanece verdadeiro (com raras exceções) o que disse Marilene Felinto: “A mídia (...) esconde a cor e a cara do povo brasileiro, a não ser quando quer vendê-lo como bundas de mulatas carnavalescas ou músculos de jogadores”. (FSP, 12/07/1998.)
Na dramaturgia global, Aguinaldo Silva defendia em 2002 que “a realidade devia mudar primeiro”. Os personagens de sua novela (médicos, empresários...) não podiam ser interpretados por atores negros porque isso não seria “real” (Revista Bravo!, ano 5, fevereiro de 2002, p. 70). E mandou os negros correrem atrás do prejuízo. A representação da realidade nas novelas da Globo tem nos permitido saber tudo sobre médicos, empresários e a Índia, não é mesmo? Agora ficção de verdade é uma lei do DF que estabelece proporcionalidade étnica na publicidade, desde 1997.
Mas voltemos ao Heraldo da última sexta-feira. Eu não conseguiria descrever aqui as reações fisionômicas constrangidas de Fátima B. e William B., apresentadores titulares, diante da notável freqüência e intensidade com que Heraldo, numa rápida entrevista, se referiu a circunstâncias de sua trajetória profissional que permitiam a afirmação de seu pertencimento étnico-racial. Perder a graça, o rebolado, não diz muito, mas é o que temos no momento.
Heraldo priorizou em seu relato visita a antigo porto de embarque de pessoas escravizadas em Angola, apartheid na África do Sul, e o acidente que mutilou o atleta João do Pulo (“meu herói, negro como eu”). A declaração intensa, mas tranqüila, parecia conter uma reivindicação. Pode-se bem imaginar que Heraldo, ainda que ocupando um espaço limitado na bancada do JN, seja “herói” de muita gente por esse Brasil afora.
A situação evocada por Heraldo em sua reportagem na África do Sul, jornalistas brancos de um lado, negros de outro, flutuava também como ilustração doméstica. Não é necessário sondar profundezas para se alcançar o que Heraldo Pereira quis comunicar com sua afirmação de negritude, com projeção histórica de modos diversos de dominação. São narrativas associadas dramaticamente à idéia de limites – extremos e dolorosos, coletivos e individuais, numa prolongada linha do tempo.
Mas a idéia de se ver representado em alguém, de poder projetar-se no outro visível permitiu talvez ao telespectador do JN tomar consciência da impossibilidade de tais identificações para milhões de brasileiros. Heraldo ocupava momentaneamente o lugar do não-existente, e, num breve intervalo, deu um forte testemunho que ali soava como expressão de uma aspiração real e legítima: “negro como eu”.
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