“Meu pai leva alegria para os outros e tristeza para dentro de nossa casa”


Coca-Cola submete motorista a um trabalho sobre-humano e sentença judicial atesta prática de propaganda enganosa

Coca-Cola submete motorista a um trabalho sobre-humano e sentença judicial atesta prática de propaganda enganosa

Eduardo Sales de Lima

da Redação


Por desrespeitar os direitos do motorista Adilson Barcelos Almeida, a Coca-Cola do Brasil e a transportadora Gafor Ltda. foram condenadas pela 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí a pagar ao trabalhador todas as horas extras e as diferenças salariais pela não integração dos adicionais de produtividade. Também deverá quitar os honorários advocatícios (cerca de 20% do valor da condenação). A sentença foi dada pelo juiz Jorge Luiz Souto Maior.


Adilson, contratado por uma empresa terceirizada da Coca-Cola, a transportadora Gafor, trabalhava, em média, 18 horas por dia, praticamente sem descansar (o caso é dos anos 1990).“Ela (Coca Cola) é responsável solidariamente. Na medida em que responde à atividade fim”, explica o advogado trabalhista Magnus Facatti.


Na sentença, o juiz considerou a defesa das empresas como sendo “social e juridicamente irresponsáveis”. Segundo o juiz Souto Maior, ambas, Gafor e Spal (nome jurídico da Coca-Cola no Brasil), citaram a ausência de controle de jornada dos motoristas do transporte de cargas como justificativa para não pagar as horas extras e os demais direitos aos motoristas, como se não exigissem e controlassem os horários de entrega da produção.


Adilson revelou ao juiz que trabalhava das 5h30 às 24h00, de segunda à sexta-feira, e das 5h30 às 22h00, aos sábados, com apenas 20 minutos de intervalo para refeição e descanso. “Existe uma limitação constitucional em relação a horas trabalhadas e, na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), há o artigo 61, que limita uma jornada de 10 horas, mais duas horas extras”, elucida Facatti.


Pelo dano social, a Coca-Cola foi condenada a pagar o equivalente a 30% do lucro obtido durante a “Semana otimismo que transforma”, de 17 a 23 de maio de 2009, que será revertida ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.


Socialmente irresponsável

Na declaração judicial, Jorge Luiz Souto Maior analisou a exploração da imagem da profissão de motorista em uma recente peça publicitária da Coca-Cola e a propaganda enganosa da auto-promoção da empresa como socialmente responsável, por causa da campanha “Otimismo que transforma”.


Em relação à propaganda que circulava na internet e na televisão até o mês de maio, uma criança se diz orgulhosa pelo fato de seu pai dirigir um caminhão da Coca-Cola, “levando alegria para as pessoas”. Entretanto, Souto Maior pontua, na sentença, que “é preciso que a propaganda esteja em conformidade com a realidade”.


“Quem conhece o modo como os produtos da 2ª reclamada (Coca-Cola) são, de fato, transportados para os pontos de venda se sente agredido pela propaganda em questão”, inicia uma das partes mais críticas da sentença. Na continuação, Souto Maior se coloca no lugar de uma criança, do filho que vê seu pai trabalhar dia e noite, sem parar: “‘Meu pai dirige um caminhão da Gafor, que traz o nome Coca-Cola. Pode até ser que ele leve alegria para alguém, mas o faz à custa de sua própria saúde. Todo dia ele chega tarde em casa porque faz inúmeras horas extras e tanto a Gafor quanto a Coca-cola não lhe pagam essas horas’”.


Na voz do filho de um motorista da Gafor, o juiz despe a Coca-Cola ao cruzar a concepção que a empresa tem do que seja “responsabilidade social” contrapondo a realidade de seu trabalhador terceirizado.“A Coca-Cola diz que se preocupa com a alegria dos outros e com a sustentabilidade do planeta, mas ela despreza os direitos do meu pai e também os meus, pois, para sobreviver, diante dos padrões de trabalho exigidos pela Coca-Cola, passo dias e até semanas sem ver o meu pai, que trabalhava das 5 às 24h” ou “meu pai dirige um caminhão da Coca-Cola, que pena! Ele leva alegria para os outros e tristeza para dentro de nossa casa”, conclui o menino, quer dizer, Souto Maior.


Na sentença, o juiz da 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí atesta que “a propaganda enganosa, que obscurece o dado concreto de uma exploração do trabalho sem o respeito aos direitos sociais, é, portanto, uma agressão a toda sociedade.”


Os motoristas da Coca-Cola, segundo a propaganda da empresa, distribuem felicidade, mas são terceirizados. “A terceirização se alastra por conta da ineficácia que se atribui às normas jurídicas de proteção social existentes. Bem aplicadas, a terceirização não existiria ou existindo, como fenômeno administrativo inevitável (segundo dizem alguns), não geraria os efeitos jurídicos hoje aplicados”, pondera Souto Maior, ao Brasil de Fato. (Leia mais na edição 339 do Brasil de Fato)

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