Como já dizia Antônio Carlos Jobim, ?o Brasil não é um país para principiantes?. A declaração do maestro foi lançada à discussão em uma aula do professor Marcus Minuzzi, na qual debatíamos as raízes sociais do brasileiro e a origem de sua dualidade, que segundo o professor se baseia no mito de uma nação que representaria o paraíso na Terra, numa mistura de céu e inferno estabelecida pelas oligarquias agrárias do início de nossa colonização. Roberto Da Matta também enxerga neste processo a nascente do estilo brasileiro de ser: vivemos em uma sociedade onde as relações entre os indivíduos se mostram mais importantes que os próprios indivíduos, no que o antropólogo chamou de uma sociedade relacional.

O dilema proposto por Da Matta se baseia na seguinte contradição: se o conceito de cidadania implica, por um lado, na ideia fundamental do indivíduo como valor moral maior, ideologia arraigada pelo individualismo vigente, e por outro num conjunto de regras universais, no qual o sistema vale para todos em todos os espaços sociais, como essa noção é entendida por uma sociedade na qual a relação desempenha um papel mais importante do que o indivíduo?

A palavra cidadão, como podemos perceber em nosso dia-a-dia, é usada sempre em sentido negativista no Brasil, marcando a posição de desvantagem ou mesmo inferioridade do interlocutor: em frases do tipo ?o cidadão não está com os documentos em dia?, ou ?os documentos pertencem aquele cidadão?, fica-nos explícito que o tratamento universalizante e impessoal será utilizado para dificultar e arrastar a resolução do problema.

Isto acontece porque, no mundo social brasileiro, o que se espera é a ritualização do reconhecimento, que humaniza e personaliza as situações formais, promovendo uma hierarquização das pessoas envolvidas neste processo. O resultado, segundo Da Matta, é uma sociedade regida por um sistema altamente complexo e relacionado de códigos e modelos de comportamento ético, moral e legal. E tudo isso nos faz entender o motivo pelo qual o brasileiro navega socialmente realizando um cálculo personalizado de sua atuação e porque o cidadão que conclama por seus direitos é sempre taxado de encrenqueiro: as instituições e os laços sociais, as relações de simpatia e as leis universais, o público e o privado, são confundidos de tal maneira que não se sabe mais onde começa um e termina o outro.

Dessa forma, também a sociedade brasileira pode ser considerada dicotômica: existe uma forma de cidadania universalista, constituída pelos papéis modernos e fundada sobre o cidadão, e outra particular, regida pelas relações e pelos valores morais de nossa sociedade tradicional, confundindo os palcos sociais e dificultando o exercício pleno e igualitário da cidadania efetiva.