Nós merecemos esse Estatuto?



Por Walter Altino de Souza Junior*

Será que nos merecemos este Estatuto que foi aprovado? Sem cotas nas universidades, nem no mercado de trabalho, nem na televisão; sem reconhecimento das terras de quilombo, sem fundo para reparação.

É, nós devemos merecer, pois escolhemos o caminho da negociação e da institucional- idade. Infelizmente o movimento negro no Brasil escolheu o caminho da cooptação e da negociação do interesses mesquinhos. Na verdade nós devemos merecer este Estatuto; seja por nossa mesquinhez, nossas vaidades ou nosso oportunismo (é evidente que há exceções, alguns guerreiros combativos que não preciso citar aqui).

Vamos passar mais 100 anos esperando. Quem sabe a gente consiga que os nossos companheiros brancos da esquerda se sensibilizem com nossa luta. Talvez, uma boa parte dos pelegos mereça as migalhas desse Estatuto. Mas os negros conscientes que se respeitam não merecem essa deformação aberrante, para atender os interesse da nossa elite branca e alegrar os bons negros do movimento (amigos do governo). Afinal de contas, o ano que vem tem eleição.

Tenho dúvidas: será que o mais digno não era retirar esse estatuto aberrante? Infelizmente tenho que admitir o que dizem alguns afro-americanos, que o movimento negro no Brasil ainda vive do mito do poder. (Ver: Michael Hanchard.)

È evidente que do ponto de vista jurídico o Estatuto ratifica que o país é racista e a necessidade nesse sentido de leis que garanta sua inserção na sociedade, isto é positivo. Mais se analisarmos o processo de tramitação e aprovação desse Estatuto podemos fazer uma reflexão: por que nós não criamos um grande debate e uma grande mobilização para pressionar o congresso aprová-lo, como foi proposto por Paim (no que consistia em uma proposta avançada para combater a mazelas do nosso racismo)? Pelo contrário o que verificamos cada vez mais é o atrelamento do movimento negro aos seus interesses partidários e particulares. No máximo nos mobilizamos nas datas do “20 de novembro”.

Com ascensão da Esquerda ao poder essa situação se agrava mais ainda, o que observamos é uma boa parte das lideranças ocupando seus cargos nos governos e o movimento ficando carente de seus quadros. Um primeiro reflexo disso foi à marcha Zumbi+10, a qual foi rachada em duas: uma, crítica ao governo; e outra adesista.

Por fim, o que parecia ser uma proposta de mobilização e rearticulação do movimento negro, O CONNEB( Congresso de Negros e Negras do Brasil); enfrenta um momento de perplexidade sobre seu futuro. Isto porque, primeiro não parece haver interesse de algumas forças políticas com um projeto verdadeiramente autônomo de movimento negro. Isto se delineou após aprovação do regimento deste Congresso, que apontava para a construção de um projeto autônomo. Depois disso, parece que essas forças atreladoras dos movimentos perderam interesse. Um segundo fator de ordem conjuntural foi a realização das Conferências pelo Governo, que serviu de motivo para agravar o processo de desmobilização do CONNEB.

É dentro desse contexto que temos que refletir sobre a nossa derrota no processo de negociação e aprovação do Estatuto da Igualdade racial. Essa derrota é simbólica, pois ela nos leva a refletir sobre nossa perspectiva política. Se nós conseguimos avançar na construção de um consenso sobre a existência do racismo e a necessidade de políticas de ação afirmativa, e isso foi uma da vitoria de nossa trajetória de luta; por outro lado não conseguimos ter nenhum consenso sobre a nossa estratégia de luta e o que eu considero pior, temos uma tendência hegemônica para uma perspectiva de atrelamento aos partidos e um processo de luta institucional e “negociacionista”, em detrimento da construção de um processo de ação direta e com a mobilização da sociedade. O movimento acaba servindo para garantir um nicho de poder dentro dos partidos de esquerda, não devendo ser radicalizado o bastante para que possa colocar em risco o poder da elite cultural dirigente (ver Nilo Rosa) desses partidos.

Quando falo isso não me coloco no campo do puritanismo fundamentalista, que não vê como importante a luta institucional e a disputa nas instituições democráticas de participação política como o partido. O exemplo do MST é uma prova que isso é possível, mas quero chamar atenção para que façamos uma reflexão sincera sobre a nossa luta na busca pela libertação do nosso povo na tomada de poder nessa sociedade.


*Mestre em Ciências Sociais (UFBA)
Coordenador da organização do movimento negro Atitude Quilombola

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