Ética, moralismo e impotência em ação


Carlos Pompe *

Desde que o Conselho de Ética do Senado brasileiro foi acionado, ainda no ano passado, em função de denúncias contra seu então presidente (do Senado, não do Conselho), Renan Calheiros (PMDB-AL), a questão do posicionamento ético é sempre abordada nos meios de comunicação e no Parlamento, por situacionistas e por oposicionistas - nos dois ambientes. Comentaristas e parlamentares, também da situação e oposição, travestem-se de paladinos éticos mas não explicam exatamente o que entendem por ética.

Muitos usam-na simplesmente como pretexto para defender seus interesses próprios imediatos, para ganhar pontos junto ao senso comum das amplas massas e destaque na mídia.

O levantamento “Análise de Notícias Senado Federal e Congresso Nacional”, divulgado dia 8 de setembro, informou: “Depois de figurar seis meses consecutivos como pauta prioritária de importantes jornais e revistas, o que a imprensa batizou de Crise do Senado finalmente perdeu sua condição de prioridade na agenda da mídia. A reunião do Conselho de Ética do Senado, no dia 18, marcou esse divisor de águas”. Nessa reunião, o Conselho resolveu arquivar as denúncias contra o atual presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), e contra o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM). Os partidos oposicionistas ao governo federal resolveram retirar dele seus membros. O PT, partido do presidente da República, Lula, sofreu forte divisão e desgaste devido aos posicionamentos diferenciados de seus integrantes no Congresso e mesmo no Conselho. Desde então vários parlamentares pediram o fim do Conselho – proposta que já no ano passado seu então presidente, Leomar Quintanilha (PMDB-TO), havia levantado, sem grande repercussão nos meios de comunicação. A maioria das propostas neste sentido indicam a substituição do Conselho de Ética do Senado por um órgão externo, que não leve o parlamentar denunciado a ser julgado por seus pares.

O professor de ética da Unicamp, Roberto Romano, ou não estava inteirado da proposta, ou preferiu tergiversar, dizendo que discutir o fim do Conselho de Ética é como agir com a lógica do "cirurgião maluco". "É a lógica da amputação. Em vez de tentar curar um membro doente, você corta. A cura está em fazer com que os órgãos funcionem. Só porque os senadores não estão levando a sério sua função pública, vamos acabar com o Conselho de Ética?"

Como se vê, o douto aproveitou para cutucar o conjunto dos senadores e a instituição (“Só porque os senadores não estão levando a sério sua função pública” – quais senadores, professor? Todos? Se não todos, talvez fosse mais ético dizer quais, para deixar mais clara sua opinião ou posição política).

Outro professor de filosofia, este aposentado da UFRJ, Ubirajara Carvalho, não escondeu um certo aristocratismo: “Esse conselho que está aí deve ser fechado. Deve ser reformado chamando pessoas do Judiciário, não só parlamentares, para não ficar entre amigos. Que pudessem participar notáveis, pessoas que se distinguem pela postura ética." Quem seria o notável que escolheria essas notáveis “pessoas que se distinguem pela postura ética”? E por que só chamar pessoas do Judiciário? Por que também não do Executivo e a sociedade civil organizada? O notável escritor alemão (notável pela alta qualidade e humanismo de seu trabalho), Johann Wolfgang von Goethe, já havia alertado que “não há nada mais terrível que uma ignorância ativa”.

Neste sentido, falou melhor o presidente da Comissão de Defesa da República e da Democracia da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Fábio Konder Comparato: "Eu entendo que, para a situação melhorar, é preciso dar mais poder de fiscalização e ação ao povo." Ele não chegaria a tanto, mas um dos pontos saudados por Karl Marx quando analisou a Comuna de Paris, a experiência inauguradora de um governo operário, ocorrida em 1871, foi a possibilidade de a população simplesmente revogar o mandato de parlamentares que não correspondessem aos compromissos que os levaram a ser eleitos.

A ética “é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade” (Adolfo Sanches Vázquez). A sociedade se transforma, e com ela a ética de cada período histórico – e essa ética é a da classe dominante (a classe dominada pode contrapor-lhe sua própria ética, mas enquanto não se constituir em classe dominante, estará sujeita àquela). Daí, a escravidão era ética para a os gregos da Antiguidade, assim como é ético a exploração do trabalho assalariado na sociedade atual. E há uma evolução entre uma ética e outra – assim como a escravidão era uma evolução social diante do costume anterior, dos grupos humanos simplesmente matarem ou se alimentarem com os corpos dos grupos humanos que derrotavam em suas batalhas por áreas para coleta, caça ou, mais tarde, pastoreio e agricultura rudimentar.

Na atualidade, quando a classe dominante, a burguesia, já não se identifica com o desenvolvimento amplo da sociedade, mas antes quer restringi-lo para garantir a continuidade do seu domínio, é inevitável que exista uma crise ética, e não só na política (que na verdade só a reflete), mas no conjunto das relações sociais, econômicas e culturais. Quando as pessoas gritam por ética, é necessário estar atento aos interesses que estão defendendo, ao rumo que propõem, aos objetivos que buscam. Carece distinguir o sentido político que apontam, para agregarmos nossas forças ou alertarmos para rumos que não nos interessam. Não se pode cair no moralismo, mas também não podemos desdenhar os apelos morais. É presente o alerta feito por Vázquez, no seu livro Ética, de 1997, ao escrever que toda tentativa de reduzir a intervenção humana na transformação da sociedade “ao cumprimento de um imperativo moral ou de um ideal à margem das condições e possibilidades reais somente transformaria a moral naquilo que Marx, de certa feita, chamou de ‘a impotência em ação’”.



* Jornalista e curioso do mundo.

Nenhum comentário: